Tumgik
mariathemad · 2 years
Text
/quinze de outubro, vinte e três horas
Sinto que só escrevo tudo que me faz triste, ou ansiosa, ou os dois. Não lembro de escrever nada feliz nunca em toda a minha vida, e não lembro de ter vontade de escrever qualquer outro sentimento também - a necessidade só surge da minha incapacidade de expressar o que sinto nas mais diversas situações cotidianas.
Então, um ponto positivo de ficar muito tempo em um só lugar, sem poder fugir: começar a sentir sentimentos normais, de gente normal - inveja, decepção etc. Somado à ansiedade de base, é claro (sempre tudo é somado à ansiedade). E hoje, quando entrei para relatar outro semestre de merda da minha vida, junto da quantidade gigantesca de atrocidades que me ocorreram nos últimos meses, percebi o seguinte: pelo menos estou sofrendo como uma pessoa normal, e não de um jeito particular só meu. Será esse o fim da adolescência (eu, que já não sou adolescente tem alguns anos).
No último almoço que participei com toda a família, no início de setembro, lembro de estar uma bomba hormonal (pausa no anti), bem no dia que eu choro por qualquer coisa (um pássaro voando, meu vô assistindo futebol, minha priminha me reconhecendo, uma formiga morrendo etc.), enquanto eu lavava a louça do almoço, as mulheres e meu primo falando sobre como eles tinham amigos que votam no biroliro. E eu falando que não sabia como eles podiam ser amigos daquelas pessoas. E eles me dizendo que só tinha votante de biroliro naquele lugar, e que se não fossem amigos deles, não teriam nenhum amigo. E eu pensando “e ainda ficavam chocados quando eu dizia que precisava sair daqui”. Nota: nenhum deles sabe, com certeza, que não sou heterossexual, porque simplesmente decidi não sair do armário - apesar de eu não ser nada discreta defendendo políticas LGBT, nunca mais falando com homofóbicos declarados e inclusive desejando atrocidades em voz alta, nunca tendo trazido um namorado pra casa entre outras coisas menores (meus pais quase 100% de certeza já sacaram. Mas se eles esperam uma grande revelação, eu vou ficar devendo). E aí eles falaram sobre como essas coisas vem com a maturidade. E meu primo disse “que bom que a gente faz terapia”. E daí eu pensei “precisa fazer mais terapia ainda pra acabar com esse complexo de deus”, mas só comecei a chorar, porque estava com ódio e completamente dopada de hormônios. 
E acho que no fim é isso - o fim da adolescência é sentir esses sentimentos normais de desgosto adulto pela outras pessoas ao mesmo tempo que a gente percebe que nossa família não é tão massa assim, e que na verdade todo mundo ta esperando que você mude suficiente para agradar os seus próprios gostos.
Então, pra todo mundo que quer que eu seja mais sociável. Que quer que eu goste de abraços, ou de beijos na bochecha pra cumprimentos, que quer que eu faça determinada coisa com a minha vida no futuro, que quer que eu vá longe, mas não longe demais, fica aqui a dica: eu não tenho absolutamente nenhum interesse em mudar. E agora que percebo que claramente vocês querem que eu me molde a esses sentimentos não-adolescentes de sofrimento social constante pra agradar todo mundo da melhor maneira possível, vou fazer praticamente de tudo para me tornar pior ainda.
3 notes · View notes
mariathemad · 2 years
Text
/não sei que título dar pra essa tragédia
Eu me sinto irritada com absolutamente tudo. Com o modo como as pessoas falam, como elas se vestem, com o tempo dos áudios que elas mandam, com os 5 minutos de atraso, com a proximidade que elas estão sentadas de mim, com a frequência de suas respirações, com o tempo de suas passadas, com as músicas que elas escutam, com as séries que elas assistem. Estou absolutamente irritada com tudo.
Disse depois que voltei de viagem que seria mais eu. Que tudo que eu precisava era de um tempo para mim, sem pensar em nada, só bebendo vinho em todas as refeições e andando 15km por uma cidade desconhecida todos os dias, e aí sim tudo ficaria bem. Eu seria ‘eu’ de novo - sem ódio, sem rancor, sem vontade de chorar por tudo, sem vontade de morrer por qualquer coisa. Atualizações: isso não aconteceu, e eu não faço a menor ideia do que fazer para voltar a agir como uma pessoa normal. Bem. Não tão normal. Mas agir como eu. Como EU. 
Acho que me perdi no meio do caminho, e não sei em que parte do percurso larguei os meus sapatos. Sinto sim que preciso urgentemente cortar metade do meu cabelo fora, e me mudar para o outro lado do mundo, e me alimentar a partir de agora só de água de coco e dos sentimentos dos outros. Chega de ter sentimentos próprios - quem é que aguenta ouvir a própria voz ressoando dentro da cabeça o tempo todo? Ninguém, é por isso que endoidei. 
Lavei toda a minha roupa em uma semana de chuva na cidade mais úmida da América Latina (vozes da minha cabeça). Depois, lavei os panos. Estou amontoando uma pilha de sacolas de delivery no canto esquecido da minha área de serviço. Tenho que me esforçar para entrar no banho, e depois para sair do banho. Não quero sair da minha cama nunca mais, e faz 3 dias que não abro as persianas. Sinto vontade de simplesmente GRITAR, o tempo todo. O maldito tempo todo. Não quero mais estudar, e nem ser alguém na vida. Não quero ser mais nada, nunca mais. 
Só quero me enrolar num cobertor e ficar encolhida num canto escuro pra sempre.
0 notes
mariathemad · 3 years
Text
numa constante de:
e se eu desistisse da medicina pra fazer biologia?
2 notes · View notes
mariathemad · 3 years
Text
/faz tempo que não sou eu, é você
Mais de um ano que não consigo escrever direito. Lembro de quando tinha 15 anos de idade e meu sonho era publicar algo. Qualquer coisa, podia ser anúncio em um jornaleco qualquer da cidade. Que queria crescer e ir parar no New York Times, escrever sobre política, viajar para locais de conflito e fazer jornalismo político de denúncia. Lembro de quando o mundo era grande e eu era dele. Meu sonho de morar em outros lugares parecia palpável e real, só a alguns anos de distância. Que eu sonhava em aprender novas línguas, e comer as comidas mais estranhas, e não me restringir ao lugar onde nasci, ou ao que os outros esperavam de mim. Lembro de como esse sonho foi morrendo: começou no dia que visitei uma emissora de televisão. Continuou no dia que percebi que gostava mais de ciência, e que teria um futuro mais fácil com ela. E terminou quando disse aos meus pais: vou prestar o vestibular para o curso de Medicina. Eu não volto atrás nas coisas que digo.
Queria dizer que não pensei em largar tudo, mas eu pensei. Centenas de vezes, durante o cursinho, durante a faculdade, ainda hoje, quase na metade do curso. Tenho um autodiagnostico de transtorno de ansiedade generalizada (preencho praticamente todos os critérios listados no DSM-V), então a pergunta sobre o e se me acompanha desde sempre. Hoje ela tem voltado forte.
Não me levem a mal, eu amo (na maior parte das vezes) o que estudo, e estou feliz de ser o que decidi ser no meu futuro - em qualquer área que eu decidir ser. Descobri nesse curso que a fase de não gostar de gente na minha adolescência era só uma fase. Na verdade a parte que mais gosto é conversar com gente e resolver os problemas delas. Então, 95% do tempo sinto que me encontrei naquilo que decidi fazer. Mas especialmente hoje, um dia depois do dia da minha futura profissão, os 5% não me deixam em paz. 
Se eu tivesse seguido o sonho daquela minha versão de mim, onde eu estaria hoje? Cobrindo reportagens em lugares longínquos? Ou presa num emprego medíocre de escritório? Estaria conversando com gente inspiradora ou cobrindo o evento traumático na vida da celebridade do momento? 95% do tempo não penso nos e ses. Mas hoje pensei, e eles não me permitem dormir. Vou ser uma boa médica? Vou saber resolver os problemas daqueles que procuram ajudo? Ou vou ser apenas uma outra profissional da saúde medíocre perdida por aí?
Então, faz mais de ano que não escrevo direito. Os 5% me fazem tentar de novo. Redescobrir aquilo que aquela Maria sabia quando decidiu seguir um caminho, e não o outro: que ela não precisava decidir, em primeiro lugar. Dá pra ser eu mesmo, por inteiro, em qualquer um dos destinos que eu alcançar. 
2 notes · View notes
mariathemad · 4 years
Text
/estou tentando fazer o básico
e mesmo assim ainda sinto que a vida está pesada demais para mim.
6 notes · View notes
mariathemad · 4 years
Text
/quando eu sei que é ansiedade
Mas não quero admitir. Se eu admitir, vou ser obrigada a procurar ajuda, a falar com alguém, a tirar do meu peito todo esse emaranhado de coisas que ficaram presas por tempo demais. Estou a um passo de explodir, o tempo todo - mas sempre tem espaço para mais uma volta. Sempre posso achar mais espaço para mais uma dobra se isso significar que posso ficar quietinha, no meu canto. Sem falar. Sem soltar um gemido. Sem correr o risco de me debulhar para quem não merece, ou não dá a mínima.
Passo por surtos de produtividade, nos quais tenho vontade de trabalhar direto, e correr correr correr para acompanhar todos os planos que fiz 10 anos atrás. Então, tudo fica borrado, e eu caio devagarinho, digo ‘agora eu paro, depois eu volto’. De vez em quando, só consigo voltar depois de semanas. Às vezes, preciso cair bem fundo e chorar por uns dois dias até voltar a ser eu mesma. Nesses dias de ócio não sei o que pensar além da preguiça de comer, tomar banho, levantar da cama, viver. Não sei o que fazer comigo mesma ou com minha cabeça, que insiste em repassar a mesma cena pela milésima vez. Criar mais uma teoria. Não me deixar ir nunca mais.
Por isso, fico aqui e guardo dentro do meu peito esse emaranhado de linhas que me afligem por mais um tempo. Uma semana, duas, dez anos se tudo der certo. Porque quando eu explodir, não vai ser bonito - e não se se consigo ou posso ser quem sou depois disso. 
0 notes
mariathemad · 4 years
Text
/estou tentando mudar
Mas não sei se consigo.
Seja mais calma, repito para mim mesma. Não superaqueça com burocracias e coisas simples: são só burocracias e coisas simples. Não se estresse com coisa pouca. Tudo tem seu tempo. Respira fundo. Mais uma vez.
Tenho saúde.
Sou inteligente.
Estou tranquila.
Quase 10 meses praticando yoga regularmente, alimentação balanceada, estudo o que gosto, posso olhar pro céu. E continuo um caco.
Não sei: é a falta de sono, os barulhos de manhã, as mil e uma coisas para serem resolvidas, a faculdade ead, a ausência de matérias práticas, não ver meus amigos, estar dentro de uma casa com as mesmas pessoas a quase um ano, falta de vitamina D, falta de vitamina B12, não me alimento tão bem assim, expectativas autoimpostas grandes demais, muitas decepções seguidas umas das outras? O que pode estar errado?
Tenho saúde blablabla. A mesma ladainha de sempre. Deveria seguir para o atendimento psicológico, mas não tenho dinheiro pra isso agora. De fato, queria mudar. Estou tentando mudar. J�� mudei tanta coisa! 
Por que não mudo então?
0 notes
mariathemad · 4 years
Text
/queria dizer... mas não sei se posso
Todas as minhas palavras estão sendo contabilizadas. Já fui uma pessoa, mas não sei se continuo a ser ela. Era alguém, e minha bússola moral foi moldada por esse alguém. Tendo eu mudado, meus princípios devem permanecer os mesmos? Se mudei, mas continuo carregando comigo aquele alguém que um dia fui, mudei de fato ou só me transformei?
Conto palavras em conta gotas. Quantas pessoas vão me entender de forma errada? Quantas pessoas vão me criticar em silêncio? Serei atacada por falar? E se não falar, serei crucificada também?
Sinto que devo abrir a boca. Gritar até minha garganta doer. Sinto que devo ser quem sou- aquela que fui e quem sou hoje, ao mesmo tempo. Não deixo de ser só porque fui alguém diferente, sussurro baixinho: eu sou.
O mantra deve ser repetido: não cheguei aqui por acaso. Não mereço ser desmerecida por ser quem sou. Tenho orgulho daquilo que me tornei. Sou forte. E posso sobreviver mais alguns percalços. 
0 notes
mariathemad · 4 years
Text
/o que eu queria dizer em voz alta
Vocês estão estragando ela também.
Quando eu morava em casa, era saco de pancada todos os dias - ou na maior parte deles. Porque eu não fazia isso, ou não fazia aquilo, ou não pensava desse jeito, ou não agia como vocês queriam que eu agisse. Nunca fui sociável, mas por algum motivo isso virou pauta aos meus 15 anos (por que eu não saía mais, ou não tinha mais amigos, ou ia em mais festas?). Era estudiosa, a primeira da turma desde que me conheço por gente - mas isso nunca era suficiente: eu não estudei toda naquela tarde, ou eu acordei ao meio dia naquele domingo 5 anos atrás, ou eu tirei uma nota baixa numa prova de biologia, ou eu não me esforcei direito. Nunca pareci ser o suficiente para vocês. As comparações eram constantes - se pudessem, me comparavam com as plantas da casa, que respiravam mais baixo que eu, ou com vocês mesmos, quando tinham a minha idade, mas que com a minha idade eram mais ativistas, e trabalhavam, e estudavam, e cuidavam da casa, e do irmão mais novo, e da saúde da avó e e e e. Nunca achei ser o suficiente, de qualquer maneira. Então, guardei pra mim tudo aquilo que já pensei, pensava, ou iria pensar: e vocês foram me desconhecendo aos poucos, criando uma imagem de mim que só existia na cabeça de vocês. 
Quando eu ainda morava por aqui, achei que ia ser diferente com a segunda filha. Ela é mais quieta, e não briga tanto, e não acha confusão com qualquer coisa. Ela aceita mais o jeito de pensar de vocês, a não se estressa tão fácil, e se fica estressada não grita de volta aos gritos de vocês. Pensei que vocês quisessem uma filha como ela, e fiquei mais tranquila quando saí porque pensei: não vai mais ter saco de pancadas. A casa vai ficar melhor se eu não morar lá. Vocês vão apreciar a filha que tem, e vai ficar tudo bem com ela.
Não está tudo bem, e vejo vocês irem no mesmo caminho ou pior do que fizeram comigo. Vocês estão sendo hipócritas, e estúpidos, e péssimos pais. Aparentemente, não ser como eu também não é suficiente. Aparentemente, não basta ser comparada ao ar que circula a todos, ela também tem que ser comparada a mim. Eu sou irmã dela. Eu sou irmã dela, por deus. Ela não precisa ser igual a mim. Ela não pode ser igual a mim. Ela não deve ser igual a mim. Vocês nunca acharam que eu era suficiente, mas esqueceram disso. Esqueceram porque ela também está sendo estragada - pelas comparações, por não ser quem vocês querem que ela seja, por não ser uma cópia exata de vocês. 
É ridículo, e até meio engraçado. O que acabou por me salvar, quando não fui suficiente, foi sair daqui. Ser quem eu sou lá fora - me aceitar como alguém cheia de problemas, minha cabeça quente, minha personalidade instável, minha timidez. Sou quem sou porque me permiti ser. E hoje, depois de tudo que vocês fizeram pra eu não ser quem eu sou, para mudar cada compartimento meu, vocês querem que ela seja igual a mim. 
Ela nunca vai ser igual a mim porque ela sempre foi melhor. Ela entende melhor as particularidades de cada um, ela é melhor em matemática, ela aprende línguas numa velocidade impressionante, ela se dá melhor com os amigos, ela é na dela, ela quer fazer engenharia. Vocês não queriam que eu fizesse engenharia? 
Ela é melhor que eu, e sempre foi, e vocês estão estragando mais uma filha. Vocês estão estragando mais uma filha. Espero que sair daqui também salve ela.
0 notes
mariathemad · 5 years
Text
/não sei mais o que escrever
Já faz muito tempo desde a última vez que consegui me expressar com palavras (não que de algum modo eu consiga me entender em silêncio).
0 notes
mariathemad · 5 years
Text
/burnout
Quando entrei na faculdade de Medicina, na universidade dos sonhos, tudo parecia se encaminhar para o caminho certo: eu faria amigos, não tão cedo, mas faria. Eu teria um cronograma de estudos bem estabelecido que me permitiria ter uma vida social plena. Eu tiraria boas notas, porque estaria estudando tudo que gosto - química orgânica, biologia, relações humanas. Eu me divertiria, e sairia das provas para beber cerveja num bar de esquina. Eu faria parte, e não me estressaria e, caso me estressasse, o yoga do fim de semana resolveria. Eu me inscreveria numa academia e faria exercícios físicos e montaria marmitas saudáveis no domingo como uma boa estudante da área da saúde. Minha saúde mental estaria em plenos estados. 
(...)
Não é bem assim.
Só o fato de saber que teria que fazer todas essas coisas para ser uma pessoa razoavelmente em resolvida - tirando todos os afazeres diários e trampos que surgissem de tempos em tempos - me fez uma pessoa mais ansiosa (mais do que já sou). 
No início, tudo parecia bem - continuava com um pouco de medo do social, mas não demorei a encontrar um grupo de gente legal e que não tinha votado no bozo no ano passado. Estudei bastante, com o impulso inicial que passar num vestibular concorrido dá. Ia ao cinema, na feirinha de sábado, caminhava com medo (porque Porto Alegre é terrível), mas ainda assim sabia a quem recorrer caso algo acontecesse. Mas, com o passar do tempo...
Existe uma palavra em inglês que me descreve completamente hoje: plane. Isso é tudo que sou hoje - sem nenhuma personalidade restante, tudo comido pelas pontas por esse grande monstro devorador de esperanças e sonhos chamado... vida. A minha faculdade é sim maravilhosa. Eu amo o curso, as aspirações que tenho para o futuro, a possibilidade de fazer a diferença, mas. Mas, contudo, porém, todavia. Sinto-me vazia na maior parte do tempo, a irritação constante com algo me consome, os cronogramas são mudados, novas responsabilidade surgem diariamente, quando termino uma tarefa algo novo já está com metade do corpo na esquina e eu não respiro nem durmo nem como nem caminho eu só...eu só... eu só... corro como uma desesperada por ar e liberdade. A faculdade é maravilhosa e não me vejo fazendo qualquer outra coisa da minha vida, mas ela também me mata, pouco a pouco, e substitui pedaços de mim por pura anatomia aplicada à clínica, bioquímica, citologia.
Sinto que estou caindo e caindo e caindo e caindo... Nada me segura. Quero cair ainda mais, mas preferiria descer pelas escadas.
0 notes
mariathemad · 5 years
Text
/não sei muito bem o que to fazendo da minha vida e etc.
Meia noite e meia de um sábado à noite: acordei às nove e quinze da manhã, mas o despertados estava tocando a mais de hora. Corro. Pra tomar banho, pra me vestir, pra chamar o elevador, pra viver a vida. Passo o dia dentro de um shopping lotado e assisto 354 palestras sobre gente morrendo e gente sendo salva e gente que quer ser salva mas ainda não se sabe como salvá-la. Quase durmo em algumas, mas em outras... ah, em outras. É como se meu cérebro recetasse para o exato momento em que escolhi viver hoje o que vivo, e é incrível, mesmo que por alguns segundos. Mesmo que em todos os demais me sinta sufocada pelos ambientes, pelas pessoas, pela minha própria raiva. 
Tenho amigos, ao menos. Pelo menos acho que tenho amigos - que às vezes parecem não me entender, e me deixam de lado, e me ignoram e me cortam e desconsideram minhas opiniões. Mas também sou meio assim com eles, então deixo de lado.
Sou bissexual. Ou ao menos acho que sou bissexual. Meus amigos sabem, minha família não. Quando mudei, achei que era de bom tom que as pessoas me conhecessem por inteiro, mas agora não tenho tanta certeza - muitas coisas na minha vida, nos meses que passo fora de minha cidade natal, agora se resumem a minha sexualidade. Ao fato de eu ter que prová-la o tempo todo, ao fato de isso agora estar escancarado para as pessoas verem, mesmo que seja eu uma pessoa fechada, que nunca gostou de ter nada escancarado. Mas, ainda assim, como dizem as más línguas, pelo menos saí do armário, então deixo de lado.
Estou estudando o que gosto. E, de fato, estou. E mesmo que me sinta presa a um modelo de estudante da saúde que nunca ache que irei atingir, e mesmo que não queira me vestir como se tivesse 50 anos, e mesmo que deteste que todos os exemplos da minha profissão futura sejam homens velhos e brancos, e mesmo que os livros sejam grandes e o tempo curto e eu me sinta afundando, afundando, afundando... E mesmo que eu tenho atingido o patamar de alguém nem bom nem ruim, mas mediana... Ainda amo o que estudo. Então deixo de lado.
De fato, não sei o que estou fazendo da minha vida, sem tempo pra parar, só sigo no fluxo das coisas esperando que milagrosamente elas melhorem. Que eu recobre a chama da menina que gostava de estudar, que eu consiga voltar a ler tanto quanto lia, que eu possa ter amigos em quem confiar a vida, que eu seja quem sou em qualquer lugar, que eu não seja resumida, nem escancarada, nem repudiada, nem invisível, mas também não vista demais. Nem mediana. Por favor, qualquer coisa menos mediana. Principalmente, não que retorne a ser quem eu sou, mas que eu seja alguém agora, nesse exato momento, que eu nasça das cinzas. Por favor. Me faça ser alguém, como os outros parecem ser. Me faça ser inteira. Por favor.
Etc.
0 notes
mariathemad · 6 years
Text
29 de setembro de 2018
Eu tava lá.
Decidi cedo de manhã que iria: passei mal a semana toda, naquele impasse ridículo entre fazer o que sabia que deveria fazer e ficar em casa, pelo momento. Mas o sábado de manhã chegou com a angústia do grito entalada na minha garganta e cheguei no cursinho pra falar pra Nina: eu vou contigo. Me espera no fim do segundo período.
Pintei o simbolo feminista na minha cara. Coloquei uma camiseta vermelho sangue, cor da meu sangue e de meu orgulho. Sou mulher. E vou pra luta.
Marchei debaixo do sol de Campinas com aquela multidão conturbada por tudo que já teve tirado de si durante a vida - o respeito, a empatia, a voz. Gritei. Gritei tao alto e por tanto tempo que minha garganta doía depois por todas as vezes que me calei desde que aprendi a falar baixinho, como uma menina. Agora eu sei: sou mulher. E luto.
Meu coração ficou em disparada pelas exatas 4 horas que estivesse no meio daquela gente que sei ser meu povo: minha gente. Tirei uma foto com o cartaz: minha cara está vermelha como a minha camisa vermelha como o meu sangue como o meu orgulho. Torrei no sol por 4 horas, meus braços e minha cara jogada nessa manhã do dia 29 doem e vão doer por muito tempo pela maior queimada que já levei na vida - o fato é que não me importo e farei de novo se for necessário.
Do alto da rua, no início daquele monte de gente que gritava seus pulmões e raiva e dor e... tudo aquilo que machucava a boca quando eles queriam gritar mas não podiam, eu vi aquele monte de gente e, finalmente, senti: faço parte, estou aqui. Estou aqui.
E sei.
Sou mulher e o sangue que escorre de mim é vermelho como o sangue daqueles que lutaram no passado. Agora é minha vez.
0 notes
mariathemad · 6 years
Text
/deixa de ser hipócrita, menina
Ela disse: quando entro em um relacionamento, por ter essa característica de mulher forte dominante,  outra pessoa se anula. Foi assim com o João. Foi assim com o José. 
Penso eu que ela está errada - ninguém anula de fato ninguém, se realmente ama. Ela se impõe. Sua opinião é a única opinião certa. Ela diz o tempo todo que quer ser livre, que ela está livre agora sem ninguém, nesse relacionamento aberto, como jamais foi. Ela gosta de ser livre assim livre porque não está presa ao relacionamento tradicional, duas pessoas, a proposta de casamento que, obviamente, virá em seguida. 
Eu digo, ou tu descobre sozinha, menina? Só prendeu-se em outras pessoas antes porque quis. De fato, um relacionamento aberto continua a ser um relacionamento, se tu quer saber a verdade - sei que tua mentalidade livre não consegue interpretar a noção de monogamia, mas tenta entender que se tu transa 3 vezes por semana com uma pessoa e nos outros dias fala com ela como se fossem só amigos que fazem sexo esporadicamente, desculpa, isso não é a ausência de um relacionamento: isso é um relacionamento certo.
Sabe por que agora é diferente das outras vezes? Porque ele é igual a ti. Puta merda, de tão iguais vocês devem falar de liberdade a porra do tempo todo.
Sinceramente, não consigo entender essa liberdade plena na qual tu tanto confia. Sério, tu fica cega pras coisas do mundo, não percebe que, agora que entrou com tudo nesse seu falso relacionamento - não, não somos namorados, somos evoluídos, não gosto de rótulos, fazemos sexo à la modernidad -, tu tá mais presa do que nunca. Tu nunca foi tão pouco livre como é agora. 
Minha definição: liberdade é quando tu é sincero consigo mesmo sobre as coisas que quer e deixa de querer. Quanto da defesa dessa liberdade irrestrita irresponsável, isso não é liberdade. Não é sobre tu ser uma mulher linda, leve, solta, independente, do mundo, o caralho à quatro. É sobre perceber que só se é realmente livre quando aceitamos ser quem realmente somos, mesmo se presos a outras pessoas.
0 notes
mariathemad · 6 years
Text
/plenitude, meu bem?
Só se for na morte.
0 notes
mariathemad · 6 years
Text
/não sei como
Ainda me surpreendo quando me pego pensando em nada. Quando acordo de manhã, e já tenho aquele cronograma pronto e decorado por meus passos, por meus gestos. O piso frio, a ausência das meias (que estavam nos meus pés quando me deitei), a vista embaçada, o braço direito que apalpa o aparador baixo demais para a altura da cama e encontra os óculos, sempre deixando uma marca de dedo na lente esquerda, a qual com certeza vai me deixar irritada mais tarde. O caminho para o banheiro, a água que desce fria e desce e desce e desce. A toalha, que eu deveria ter lavado no fim de semana passado, mas não vou lavar no próximo. Os pés no chão gelado, de novo. Os passos, o chá, o céu. Minha parada na porta de casa com a xícara nas mãos, os pés agora calçados e aquele céu que ainda me surpreende pela quantidade irrisória de chuva que vejo por aqui desde abril. Não chove nunca, e estou aqui a seis meses, não sei como ainda sinto falta dos dias nublados. Contudo o céu está azul e termino o chá e olho novamente para o céu e noto a marca do dedo na lente esquerda dos meus óculos. Não sei como ainda me surpreendo. 
Não penso em nada todo dia por meia hora. Depois, a vida acontece.
0 notes
mariathemad · 6 years
Text
/como esquecer do pior ano da sua vida
Você chega nos 18 e pensa: agora vai - a liberdade que eu tanto ansiei e escrevi e li sobre chegou. Mas ela não vem.
Não passei no vestibular, não transei, não tive mais que beijos tórridos com gente desconhecida e que nem beijava tão bem assim. Não voltei às 10 horas da manhã de um domingo para casa, depois de comprar um pão na melhor padaria da cidade para me redimir por ser irresponsável mesmo ainda morando no mesmo teto que meus pais.
Me mudei para outra cidade, pra outro estado. As coisas pareciam ir bem: não fiz amizades, chego sempre atrasada, nunca tomo café da manhã, troquei a cafeína pela taurina injetada na veia e por vezes pó de guaraná.
Fiquei 5 horas num pronto socorro de uma cidade grande desconhecida, esperando pra ser atendida por um babaca que nem olhou na minha cara direito, depois de eu literalmente ter aberto minhas pernas para ele. 
Acordo tem dias enjoada, e irritada, e estressada. Fico doente a cada 2 semanas. Não tenho mais vontade como uma vez tinha de estudar, ou de ficar o dia inteiro lendo e tomando chá preto. Minha paciência acabou. Não tenho perspectiva de futuro, desperto querendo que o dia acabe.
Não rio mais das piadas de meus colegas de classe, não faço mais graça com meu próprio sotaque, tenho princípios de crise de ansiedade no meio da aula de história. Respiro fundo 50 vezes, inspira 4, segura 7, expira 8. Vou dormir cedo e acordo com sono.
Fico no cursinho até tarde pra não chegar em casa e me ver sozinha com meus próprios pensamentos. Não consigo falar dos meus problemas pra ninguém- jamais os tive, não sei como chegar na pessoa e pedir para conversar. Só sei fazer, concluo agora, aquilo que me foi dito para fazer. Sou como uma marionete, não sei tomar decisões sozinha.
Não sei o que estou fazendo da minha vida, não sei se o que quero hoje é o mesmo que eu quis um dia, mesmo que no futuro só me veja sendo uma pessoa - minha pessoa ideal. Ela é segura de si, como nunca fui, mas como todos me veem. Ela nunca fica doente. Ela nunca fica ansiosa. Ela acorda com o despertador no horário certo, e faz exercícios físicos, e toma chá de hortelã, e come banana, canela e pasta de amendoim. Ela não se estressa com o trânsito, nem sai atrasada de casa todos os dias, ela escolhe onde quer sentar: ela é forte. Não se deixa abalar com as derrotas da vida, ela supera, aprende e segue em frente. Ela não chora lendo um horóscopo no qual ela sequer acredita. Ela manda o dedo do meio pros caras que assoviam pra ela na rua. Ela tem uma marmita com frutas separada para o dia, e suas séries são todas históricas, e ela leu todos os livros que comprou um dia.
Ela é cheia de si.
Mas eu não sou.
Sou, de fato, só alguém que chega aos 19 anos de idade sem saber direito se o que fez durante a vida toda não foi o suficiente, e se pergunta todo dia: estive fazendo as coisas do jeito errado nesse tempo todo? Ou só desaprendi? Esqueço-me de quem fui a todo momento - parece que minha vida aconteceu em outra vida. Torno-me uma sombra: erro a gramática, não consigo escrever direto, minha higiene em algum ponto se tornou excessiva, tenho medo de ir no médico, não consigo falar para ninguém que as coisas estão erradas e parece que nunca vão se consertar. 
Não quero as coisas fúteis. Quero ser eu, novamente. Tenho que montar meu próprio quebra-cabeça, uma vez mais.
0 notes