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O frio intenso combinado com a chuva fazia do cenário uma localidade apropriada para que eu sentisse a sensação aterrorizante que perseguia os presos político do Gulag. Eu considerava lançar-me sob as águas que precipitariam caso fosse ligado o chuveiro. Estar sem roupa teve a sua importância no instante em que apercebi-me tocado pelas gotículas vindas do aparelho redondo sobre a minha cabeça. “Ma vie était un festin”, foi a frase que ecoou nos recônditos da consciência, levando-me a considerar as reais motivações por trás das Variações Fantasma de Schumann.
Havia essa convicção de fim iminente, uma certa urgência em resolver os problemas advindos com aquelas lágrimas que principiam a vida humana, essa compensação por todos os gênios do passado; havia o meu tênis Adidas surrado de todos os dias também, igualmente cansado pelo excesso de aproveitamento. Se alguma deusa atentasse contra os prazeres inspirados da sociedade, essa tal deusa com certeza simpatizar-se-ia com o ressentimento da banalidade operária.
Contudo, o canto superior direito desta imensa televisão adquirida à custa de meus serviços prestados por meses conforta todo pesadelo.
Mais um recenseamento do qual eu sou cortado por culpa da minha habilidade mental com escansão de versos poéticos enquanto meus superiores pronunciam as instruções necessárias para outro dia de trabalho. Eu estive na faculdade de Letras por alguns meses; abandonei por excesso de palavras.
Fernando Pessoa, Gabriel García Márquez, Walt Whitman, Emily Dickinson, Rimbaud, Stéphane Mallarmé, Lautréamont, Dostoiévski, Franz Kafka, Anna Akhmátova, Sophia Parnok, Zinaida Gippius, etc.
Enquanto estive presente na fileira dos universitários, meu passatempo era esquivar-me das aulas para a leituras dos clássicos, o meu manifesto ao ambiente esdrúxulo das faculdades federais. As relações interpessoais, naquela época e hoje, causam-me excessivo desconforto. Não pode-se aplicar sinais gráficos nos discursos da vida real.
O frio intenso combinado com o saculejo do transporte público rega minha frustração por não ter nascido alguns séculos passados. Com certeza eu optaria pela reclusão monacal submerso na pompa eclesiástica. Agora, importa a próxima parada: mais oito horas de contribuição à minha futura aposentadoria.
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