Tumgik
metade-do-mundo · 8 years
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QUE VENHA
Que venha e seja manhã de Fevereiro e as giestas ardam no sincelo da janela. Que me arrefeça a extremidade dos olhos abertos de amores sem epílogo e ela sorria travessa de em cega pirueta pisar de roxo o meu peito. Soledade Santos
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metade-do-mundo · 9 years
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A cidade
Há dentro de mim uma cidade de avenidas monótonas onde podes perder-te que nenhuma se percorre duas vezes igual. Cobre-a, aos olhos sitiados, devagar uma patine ― escamas cor de rosa, sonhos erodidos, torres cerces ao chão. Houve um rio? Jardins? Chuva estival? Uma vontade? Lua e estrelas desenharam o ciclo das estações? Esta cidade onde nada contraria a força da gravidade. Soledade Santos
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metade-do-mundo · 10 years
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Saudade
A saudade assume uma forma: os verdes pinhos da serra distante que tapa a minha vista a flutuarem numa névoa de lágrimas Saiónji Sanekane - Japão, séc. XIII
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metade-do-mundo · 10 years
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Colher o tempo
Sítios de onde olhar estrelas, e foram tantos se os lembrasse – um mapa, um fio de Ariadne, à primeira das tremendas alegrias. Desta falésia quantas vezes, navio branco apontado ao sul, estrelas que convocámos e na proa o braço erguido – claridade de um deus gentil nosso irmão. Que é voltar? Verões foram, arderam estrelas em mar e céu, extraviou-se a via láctea e o deus partiu como se nunca tivesse existido. Apelo silente dos fundos do mar, plácidas ondas, fosforescências da vida breve. Agora colhemos o vento e o tempo, o riso agudo de outras crianças, instantes frechas de alegria. Soledade
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metade-do-mundo · 10 years
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Douceur de vivre. Fotografias de Hugo Henneberg, Rudolph Eickemeyer Jr. e Marcel Vanderkindere. Primeira exposição de arte fotográfica, Paris, 1894
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metade-do-mundo · 10 years
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Um cavalo no nevoeiro
A passo lento o cavalo afasta-se e mal agita na sua esteira o nevoeiro. Carreia sinais incertos,  ecos do tempo que se perdeu. Ah, flores de Maio cuja brancura transpôs inteira infindos verões!
Soledade
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metade-do-mundo · 10 years
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Retrato
Comecemos pela ternura das mãos pela minúcia dos dedos pelas magnólias verdes no teu olhar. Contemplemos todas as batalhas efémeras que perdeste e os arroios que então se abriram na espessura do teu corpo, e a boca lavrada pela sede incessante e a glória da voz em vitral lento. Consideremos também o teu nome e para ele haverá que achar metáforas, estrelas em céu de agosto. Por fim busquemos no fundo da memória a chave para o texto que ainda não decifrámos. Enquanto isso a ninguém direi dos pássaros que varam a tua lembrança. Soledade Santos
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metade-do-mundo · 10 years
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Nocturno com gatos
Gritam os gatos todo o serão estridências de cio que não pressionam mas despertam a minha gata. Erguemos o olhar, eu do livro ela do sono redondo e aspiramos uníssonas correntes de ar gotículas nas vidraças. Não sei que cheiros lhe fazem fremir o negro nariz. Fecho as cortinas espevito o lume volto ao livro, de vez em quando os gritos trespassam a noite e pela incisão começam a entrar cães de inverno e potros azuis. Soledade Santos, Sob os teus pés a terra, Edições Artefacto, 2010
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metade-do-mundo · 10 years
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Canção de Fernando Lopes Graça, poema de Carlos de Oliveira. Canta José Almada. Os anjos cantam? Não cantam. Canto eu que me apetece: Quando a voz dum homem canta A voz do céu emudece. Cantam as fontes? Talvez, porque o meu canto as impele: Quando a voz de um homem canta a terra canta com ele. Carlos de Oliveira, Terra de Harmonia
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metade-do-mundo · 10 years
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«À Louis Aragon, il précise sa pensée: "Le surréalisme est une trop belle chose pour que je ne trouve pas ses prêtres laids. Voilà." Grande lucidité!Tout est dit en quelques mots et il n'a que vingt-deux ans. Rien n'interdit aux poètes, selon lui, de vivre en meute, mais l'art doit rester personnel, hautement singulier.» Laurent Greilsamer, René Char, éditions Pérrin, Paris, 2012, pág. 54
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metade-do-mundo · 10 years
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De uma oliveira velha
Grossa oliveira torcida de eras, luras, florescências idas (oh avó sozinha ao canto da chaminé escura). Encima-a escassa rama pobre em folhas, tão baixa entre os choupos - esguios jovens chicotes - e a adolescente copa dos pinheiros mansos. Isto trago no olhar: o vário estranho mundo. Outro dia vem, o sol desce em face da varanda, aflora os cumes da serra e carmina fugaz as nuvens. Na tarde um pipilar de pardais e outra ave em silêncio plana austera. Soledade Santos
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metade-do-mundo · 11 years
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ULISSES A NAUSICAA
Nunca meus olhos viram criatura tão bela como tu, nem homem nem mulher cuja beleza me confundisse e comovesse tanto! Só uma vez, em Delos, junto do altar de Apolo, vi qualquer coisa de parecido: um ramo de palmeira... a subir para o céu! Odisseia, em Imagens da Poesia Europeia I, David Mourão-Ferreira
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metade-do-mundo · 11 years
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Sobre a areia com folhas duras recortadas floria o cardo. Aí o céu abria-se, na cor do cabelo de criança. Bela terra           Pátria. Johanes Bobrowski, Como um Respirar, Cotovia, Lisboa, 1990
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metade-do-mundo · 11 years
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Que vai num só sentido
Durante anos perdi o hábito de escrever ou dizer das águas que um dia brotaram como se a nascente fosse eterna. Agora regresso não a essas, mas a outras águas suas parentes e mais fundas que levam na corrente lenta o sabor do instante e nenhuma promessa. Se as experimento reconheço muito mais que os antigos odores da chuva caindo na terra. Encontro todas as ilhas que não descobri, todos os continentes que por medo ou ira afundei, todos os linhos que tive de espremer à mão. E no entanto sentada como outros à beira do rio triste que vai num só sentido, se estendo as mãos é para alguma coisa inocente ainda e desprotegida que nunca se perdeu. Soledade Santos
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metade-do-mundo · 11 years
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«Que mãos estenderei para que universo? O universo não é meu: sou eu.»
Bernardo Soares
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metade-do-mundo · 11 years
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No hace falta que diga el calendario la última palabra. Siempre falta infinito para lo que no existe, que es donde vivimos. Álvaro García, "Estación"
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metade-do-mundo · 11 years
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Novembro
Chuvisca a espaços e quando não chove o sol toca brando a mesa, folhas soltas, chávenas de café e o prato que foi de amêndoas em páscoa de aldeia. Os amigos chegam – trazem os sons de fora e adiam a morte. Soledade Santos
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