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Lina Wertmuller

Era um peruano nascido pobre que chegara a gerente de hotel internacional. Bem vestido, fluente em inglês e português. Cauteloso, desviava-se das investidas da mulher do investidor brasileiro na sua bandeira. Era atraente, como Mariangela Melato. Ele resistia. Naquele dia, hospedada numa suíte, ela o chamou. E foi direta: Homens importantes dariam brilhantes pra beijar meus peitos. Quem você pensa que é, seu cucaracha? Ele conseguiu transferência para o Panamá.

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Ovo & banana

Três anos sem o marido, um médico chato que via o Fantástico aos domingos. Três anos sem sexo. Então o convite para um final de semana, subindo a serra fluminense. Quartos separados. Mas, expectativa. Feito o check in, almoço num lugar de fila imensa e comida duvidosa. Beirando os sessenta, não tinha mais paciência pra isso. E tudo acabou quando ele, no teleférico, tirou da mochila um ovo cozido e começou a descascá-lo. E lhe ofereceu uma banana de lanche.

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Isolamento

Prédio antigo na avenida Higienópolis. O síndico liga para o apartamento: Não quero me meter no seu entra e sai, senhora. Mas a vizinhança reclama. Vocês trocam o dia pela noite. E sua intimidade, do entra e sai, ecoa pelo prédio na madrugada. É ruim isso. Ela responde: Saco cheio de ficar trancada! E trepo como quiser, a casa é minha, pago condomínio em dia! Senhora... E tô no meu direito! Brasil acima de tudo! Deus acima de todos. O síndico entrou na Justiça.

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Carnaval

Já era noite. Pulava no bloco desde as dezesseis horas. Muita cerveja, rouquidão, suor e alegria. Olhou em volta a não viu as amigas. Era assim. Às vezes se perdiam. Então ela se aproximou de novo. Era uma fantasia explícita. Véu negro da cabeça aos pés e uma foice na mão. O rosto era bonito. Mas mulher não era o seu alvo. Foi então que a figura se aproximou, e gritou: Tô de olho em você. Ia responder, mas a figura evaporou-se. Sumiu. A embriaguez acabou no ato.

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Descanso

Júlia, não grite com a menina! Você tem só 15 anos! Explodiu a mãe. Não pode dormir na casa do namorado! Não grite com ela! Não era ouvido. Os berros de Júlia iam casa afora. E ele a seguia absolutamente ignorado, como se não existisse. A filha entre o choro e a revolta. O cachorro, embaixo do sofá. Beligerância. Júlia, é preciso dialogar. Ignorado. A mulher no celular: Sim, é sobre a venda da casa em Juquehy. E diziam que morrendo se descansa! Sentia-se acabado...

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Sexta feira

Foi em 1937, em Varinha, MG. Teobaldo era o rei do café. Tinha o único Ford 29 na região. Seu filho Nicodemos, garanhão nas colônias de café, emprenhou Justina, 13 anos, que passava roupas. Levaram a menina para Três Corações. Nascido o menino, Teobaldo mandou Cipriano, o jagunço, dar fim a criança. E mandou a moça pra Belo Horizonte. Na sexta santa de 1939 o coronel acordou gritando abestado à meia noite. Correu e caiu na escada. Quebrou o pescoço. Virou finado.  

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Amores

Quase oitenta anos. Vista turva, artrose e gosto por óperas. Viúvo há cinco anos, moderado na alimentação e organizado. Gilda, a única filha, cinquenta e dois, solteira, virgem e funcionária dos correios, é o seu inferno sartreano. Enche a mesa de farelo de torradas, pai! Come lá na pia, onde é mais fácil limpar! Pai, sábado e domingo, sem LP de ópera, por favor! Não gosto do JN! Muda essa TV! Ele reza pra não privatizarem os correios. Zela pela filha...

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Relações

É um deprimido, insatisfeito, um perdido, dizia do marido ao amante. E agora deu pra ser rude, grita comigo e já até me ameaçou. Entre falas e vinho montava o amante e se retorcia, gritava, pedia o impossível e gozava em tremores trancafiantes. Pós ato era carinhosa e à saída, reclamava um pouco mais do cônjuge. Então, meses depois do divórcio, pedido pelo marido, falou em namoro formal. Esquece, disse o amante. Não quero ser um deprimido. E nem rude. Assim tá bom

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Cornos 2

Ferido pelo peso da galhada, Nilo deixou a cidade. Foi viver na fazenda de Prudente. Anuk seguiu namoradeira, com gorda pensão e um filho. Em 64 ele teve um AVC e ficou com dificuldade de fala. Pois Priscila apareceu em Prudente a visitá-lo. Estava viúva de um libanês de Corumbá e dona, também ela, de uma fazenda. Dedicada, cuidou do antigo amante, de seus negócios e do filho da outra que veio ficar com o pai. Anuk morreu numa queda de esqui em Kaprun, Áustria.

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Cornos

Nilo já era erado quando se casou com Anuk, cocota, 19 anos e filha de médico. A família, aliviada. Por tempão ele teve amancebamento com Priscila na casa da Cátia, o bordel mais chique da cidade. Pagava o aluguel da moça adiantado e tinha exclusividade. Cátia concordava. Era dinheiro certo e prestígio. Priscila propôs se mudarem pra Prudente, numa de suas fazendas. Nada. A sociedade falou mais alto. E Anuk o corneou como quis. Priscila sumiu. Araçatuba, anos 60.

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Feliz Natal 10 - Encontros

Desintoxicado, o menino que comeu lixo, ganhou da enfermeira premiada, quinhentos reais. O advogado que perdeu o voo, aconselhou Raimundo a não chegar em casa no Natal, depois de onze anos. Em vão. O policial parteiro, consolou o homem que falou com o espírito do avô na porta do hospital. O desempregado que viu São José reprová-lo, virou Papai Noel. De volta de NYC, a ex do Arthur cedeu o lugar na fila para o homem falar com Papai Noel. E viu nele, um novo amor.   Feliz Natal!

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Feliz Natal 9

De novo. Era o único adulto desacompanhado na fila do Papai Noel. Faltavam dois para a sua vez quando a Noel Girl se chegou a ele. Cadê a criança¿ Tô sozinho. Não pode. De novo, não! É rápido. Só crianças. Eu preciso, e é rápido. Não pode. Ia gritar quando a senhora da frente falou: Vai na minha frente. A Girl cedeu. Pegou na mão do bom velhinho. Só quero uma coisa. Diga filho. Sentir as emoções de minha infância, ser feliz... Ambos choraram.

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Feliz Natal 8

Estava hospedada na 7ª. avenida, fugindo de brasileiros. Não queria conhecidos. Precisava de um período só. O final com Arthur fora sofrido. Agasalhou-se e saiu. Manhã ensolarada de 3o. célsius. Ia em direção ao Central Park, distraindo-se com a decoração de Natal. Viu um café italiano. Entrou. Lotado. Ia sair quando o homem fez sinal. E ofereceu seu lugar. Obrigado, disse sem pensar. Brasileira¿ Sim. Prazer, Arthur, um paulistano perdido em NYC. Ela riu muito.

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Feliz Natal 7

Noite de Natal. Sílvia preparou tudo com a ajuda do namorado. Os filhos adolescentes só observando. Mesa farta. Seus pais, a “sogra” e mais duas amigas. Músicas e presentes a serem abertos. Às 23:30, campainha. O mais novo vai a porta. Volta. O homem diz que é meu pai. Todos à porta. Era Raimundo, onze anos depois. Tô de volta, Sílvia. Não achei emprego na Europa. Silêncio. Na sala, ecoava Então é Natal, pela voz de Simone.

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Feliz Natal 6 Entrou no hospital e deu de cara com o avô. Fazendo aqui, nono? Sarei. Vou ser Papai Noel. Aproveitar minha barba! Senta aqui. Vou falar com os médicos. Pessoas olhando. Chegou ao 6º andar, enfermagem. Tentamos falar com o senhor. Seu celular não respondeu. Como o deixaram descer? Não desceu. O corpo está no quarto ainda. Pode ir ver. Como assim? Ele foi a óbito há meia hora. Sentimos muito. No Natal é mais sofrido... Sentiu-se confuso.

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Feliz Natal 5

Técnica em enfermagem. Dois empregos. Dinheiro curto. Dedicada no trabalho. Em casa, drama. Marido foi embora. Só, com dois filhos. No trabalho noturno sua alegria era dona Esther. Paciente terminal e otimista. Conversavam e trocavam tristezas e alegrias. Na noite de Natal Esther pediu-lhe sua bolsa e deu-lhe uma chave. Meu presente, disse. Armário na aeroporto da Congonhas. A paciente morreu no dia 27. No dia 30, a enfermeira achou cinco mil dólares no armário.

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Feliz Natal 4

Sem emprego e dinheiro, tomou mais três, fiado, no seu Garcez. Ia para casa e viu a igreja aberta. Entrou. Ia ajoelhar e viu o presépio. Foi até lá. Imagens grandes da sagrada família. E uma cesta com dinheiro de doações. Levou a mão pagar pegar os trocados. São José meneou a cabeça. Saiu às pressas. Apavorado, na rua, quase foi atropelado por camioneta. Então viu, no chão, uma caixa da Cesta Amaral. Quando sóbrio, nunca soube a verdade sobre os fatos. Santos, 1962.