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puroescrever · 8 years ago
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puroescrever · 8 years ago
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Companhia das Letras lança ‘Viagem ao Sonho Americano’, de Isabel Lucas
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O livro ‘Viagem ao Sonho Americano’, de Isabel Lucas, com chancela Companhia das Letras, estará disponível a partir do dia 7 de junho.
Este livro é o resultado de um ano de viagens da jornalista e crítica literária pelos Estados Unidos da América, que teve como ponto de partida original: a literatura americana. A acompanhar os textos, publicados originalmente no jornal Público, há ainda uma seleção de fotografias dos lugares e das gentes que marcaram este périplo.
.«O que é a América?
Numa viagem pelo país que (ainda) é visto como o centro do mundo, Isabel Lucas sonda a condição americana, os seus mitos, paradoxos, medos e fragilidades, mas também a sua grandeza e capacidade de reinvenção. Partindo dos livros, esta é também uma viagem pelas ruas da América, pelas suas gentes, pelas vozes anónimas e os mitos, entre eles, o tal sonho fundador. Afinal, o que é o sonho americano? Será o sonho de um país ou o sonho de um mundo inteiro?»
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puroescrever · 8 years ago
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puroescrever · 8 years ago
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“A estrada que segue em direcção a Seward, um dos mais antigos portos de pesca e de cruzeiros no Alasca, é nova. São 204 quilómetros que naquele ponto começam a contornar o Turnagain Arm, um vasto braço de mar que delimita uma das mais povoadas zonas daquele estado americano denominado a “última fronteira”. Não há, no entanto, sinal humano até onde o olhar pode alcançar. O choque que se sente assemelha-se a uma vertigem. Tudo poderia começar ali.”
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puroescrever · 8 years ago
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Ano de edição: 2017
Editor: Companhia das Letras
Idioma: Português
Dimensões: 145 x 230 x 25 mm
Encadernação: Capa mole
Páginas: 380
Tipo de Produto: Livro
Classificação Temática: Livros em Português
Literatura > Crónicas
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puroescrever · 8 years ago
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Never to go on trips with anyone you do not love.
Ernest Hemingway, A Moveable Feast
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puroescrever · 8 years ago
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“Every man should pull a boat over a mountain once in his life.”
Werner Herzog.
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puroescrever · 8 years ago
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Vegas sights, glittery nights.
New York-New York Las Vegas
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puroescrever · 8 years ago
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“Love is a temporary madness, it erupts like volcanoes and then subsides. And when it subsides, you have to make a decision. You have to work out whether your roots have so entwined together that it is inconceivable that you should ever part. Because this is what love is. Love is not breathlessness, it is not excitement, it is not the promulgation of promises of eternal passion, it is not the desire to mate every second minute of the day, it is not lying awake at night imagining that he is kissing every cranny of your body. No, don’t blush, I am telling you some truths. That is just being in love, which any fool can do. Love itself is what is left over when being in love has burned away, and this is both an art and a fortunate accident.” -Louis de Bernières, Captain Corelli’s Mandolin
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puroescrever · 8 years ago
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None of it is planned, none of it is hoped for – things happen.
Terry Gilliam (via thetalks)
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puroescrever · 8 years ago
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Happy Birthday, Kurt. 
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puroescrever · 8 years ago
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puroescrever · 8 years ago
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Paul Auster: “O futuro da América está em risco”
Paul Auster regressa ao romance com 4 3 2 1. O livro parte de uma pergunta: e se? E se uma vida não se esgotasse numa possibilidade. No caso, a vida de um homem que tem a idade do escritor e cresceu na mesma geografia. Chama-se Archibald Isaac Ferguson e é pura ficção, garante Auster.
4 3 2 1 é um romance sobre “o desenvolvimento humano” construído a partir de quatro hipóteses para a vida de Archibald Isaac Ferguson 
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foto_PEDRO CUNHA/ arquivo_Público
A conversa vai longa quando Paul Auster se levanta da poltrona para regressar logo depois com um livro na mão. “Já leu?”, pergunta. É Bleak House, romance de 1853 em que Charles Dickens faz uma crítica ao poder britânico do século XIX. Com uma voz cava, começa a ler. “London...” e seguem-se dois ou três minutos, apenas o parágrafo inicial, como exemplar do que de “melhor” se faz com a língua inglesa. Com um cigarro electrónico na mão direita, vai marcando o ritmo. No fim, recosta-se. Faz muitas vezes esse exercício para captar a música e o sentido de uma frase, ou de um livro inteiro: ler em voz alta. “Sou eu quem grava as edições em áudio dos meus livros”, justifica. Em Agosto esteve em estúdio e o resultado final foram 46,5 horas para passar as 900 páginas de 4 3 2 1 (ASA), romance sobre “o desenvolvimento humano” construído a partir de quatro hipóteses para a vida de Archibald Isaac Ferguson, personagem que partilha o tempo e a geografia de Paul Auster entre 1947 e 1971.
É sábado, 4 de Fevereiro. No dia anterior, Auster fez 70 anos. “Estranho, isto”, confessa, enquanto abre a porta da casa onde vive, em Brooklyn, Nova Iorque. O “isto” é a idade, um número a que ainda não se habituou e que de vez em quando volta à conversa pontuada por gargalhadas roucas, referências de livros, poemas, filmes, autores, a expectativa meio velada acerca das reacções ao novo romance publicado quatro dias antes e uma zanga. Paul Auster está muito zangado com a América actual. A tudo isto, faltou o habitual cigarro.
Já não fuma? Não, deixei. Isto é apenas vapor, e gosto [gargalhada]
Agora, quando bloqueio, não entro em pânico. Digo a mim mesmo que, se o livro precisa de ser escrito, hei-de encontrar uma maneira. Essa é a diferença essencial entre ser mais velho e mais novo
Tem dito que nunca esperou viver tanto. Fez ontem 70 anos. Que pensamentos lhe vão pela cabeça? Tenho pensamentos contraditórios. Parte de mim acha que não aconteceu nada, é só mais outro dia na minha vida. E outra parte pensa: “70 anos!” Isso era ser extremamente velho. Mas agora as pessoas de 70 anos não parecem ser tão velhas como quando eu era criança. Ocorre-me uma frase de um amigo, o poeta George Oppen, que morreu há muito: “Que coisa estranha aconteceu a este rapazinho”. Sinto-me dessa maneira. Mas basicamente estou feliz por estar vivo, por estar aqui, e a minha saúde parece estar bem. A menos que um autocarro passe por cima de mim, acho que ainda posso ter alguns anos à minha frente.
A idade ajuda a escrever? Acho que se vai sempre aprendendo. Escreve-se e é sempre difícil. Há uma única mudança na minha atitude enquanto escritor e que foi acontecendo. Antes, quando ficava bloqueado, entrava em pânico, achava que não iria conseguir e o livro estava morto. Mas acabava por conseguir, podia levar dias, semanas ou meses. Agora, quando bloqueio, não entro em pânico. Digo a mim mesmo que, se o livro precisa de ser escrito, hei-de encontrar uma maneira. Essa é a diferença essencial entre ser mais velho e mais novo.
Referiu há pouco um imponderável, a hipótese de um autocarro. Este romance parece ser sobre isso, o que acontece inesperadamente numa vida e irá determinar o seu decurso. Em O Caderno Vermelho (ASA, 2002) contou um desses momentos na sua vida, quando viu um amigo morrer à sua frente, aos 14 anos. Recupera agora esse episódio. Ele foi crucial. Essa experiência é o coração emocional do livro. Não a recrio aqui de per si, mas em duas circunstâncias acontece qualquer coisa de similar ao que me sucedeu. Eu estava num campo de férias e um rapaz foi atingido por um raio e morreu electrocutado. Foi o acontecimento mais forte da minha vida. E aos 14 anos somos tão vulneráveis, ainda não sabemos quem somos, e ter esta lição de que qualquer coisa pode acontecer é um choque. Até então eu achava que o mundo era mais sólido, que as coisas se movimentavam de forma mais racional, mas entendi ali que o mundo é irracional e o inesperado acontece continuamente. Essa história assombrou-me desde então e acho que pô-la finalmente no centro do romance foi emocionalmente importante para mim. Mas 99,8 por cento do livro é inteiramente inventado, não é a minha história, apesar de eu e os quatro protagonistas partilharmos a mesma cronologia e a mesma geografia.
Então, nenhuma das quatro possibilidades de vida para Archibald Ferguson, o protagonista de 4 3 2 1, é Paul Auster? Não.
Quando estou a escrever um livro, tenho um impulso acerca do que a história será, e continuo a descobrir enquanto avanço. É assim que funciono, e há muito improviso Estamos perante um livro de formação, o que se chama um bildungroman... É um romance sobre crescimento. Eu digo que é um romance sobre o desenvolvimento humano.
E é um romance muito diferente dos anteriores. Pela estrutura, pela dimensão. O método de escrita também foi diferente? Não. Escrevi o livro em três anos e meio. E escrevi da mesma forma. Sento-me e trabalho de uma frase para a outra. Tudo escrito primeiro à mão num bloco, depois trabalho parágrafo a parágrafo; escrevo e reescrevo e corrijo, mudo e escrevo outra vez no bloco e, quando parece terminado, escrevo-o à máquina e limpo; começo a fazer mais alterações e, quando não sei mais o que posso fazer, começo o parágrafo seguinte. E sempre pela primeira frase. E depois escrevo a segunda e a décima e a vigésima, até chegar à última. Todos os meus livros foram escritos desta maneira. Sei que muitos escritores saltam, andam às voltas, mas não sei como se faz isso. Quando estou a escrever um livro, tenho um impulso acerca do que a história será, e continuo a descobrir enquanto avanço. É assim que funciono, e há muito improviso. Não trabalho com um plano elaborado, não tenho gráficos, mapas. Está tudo dentro de mim e não tenho de pensar muito nisso. Levanto-me da minha cadeira com frequência; o acto de me movimentar ajuda-me a trazer novas palavras à mente. E continuo a usar a velha máquina de escrever. Como este livro era muito grande, pedi a uma pessoa que me passasse, capítulo a capítulo, ao computador. Estes capítulos funcionam como unidades, contos longos ou uma novelas curtas. Depois de cada capítulo faço uma pausa e leio o livro desde a primeira página até ao sítio onde fiquei, volto a fazer correcções. É esse o meu método.
Quando começou o livro sabia que iria ser tão grande? Teria de ser. Por causa da estrutura, das quatro vias. O primeiro pensamento foi ir muito mais longe nas vidas deles, entrar na meia-idade, mas, quando estava a escrever, apercebi-me de que essencialmente aquilo de que o livro fala é de desenvolvimento, o desenvolvimento humano, e pensei que ir da infância, adolescência e depois a entrada na idade adulta era suficiente. Se tivesse ido até mais longe, a natureza do livro teria mudado. O último momento de que ouvimos falar ocorre em 1971, os Ferguson teriam 24 anos.
Tem um protagonista em quatro possibilidades de vida, quatro caminhos paralelos. Não precisou de um esquema ou mapa para se guiar? Não. Estão na minha cabeça. Não sei dizer mais do que isto. Escrevo há mais de 50 anos, isto já está no meu corpo, não tenho problemas em distinguir os Ferguson uns dos outros. Eles são pessoas distintas para mim. Geneticamente, são o mesmo, têm os mesmos pais, mas cada um desenvolve-se de maneira diferente e consigo reconhecê-los instintivamente. Os seus temperamentos são diferentes, ainda que partilhem muitas coisas.
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4 3 2 1 é um romance sobre “o desenvolvimento humano” construído a partir de quatro hipóteses para a vida de Archibald Isaac Ferguson 
FOTO: PEDRO CUNHA / ARQUIVO PÚBLICO
Como define cada um deles? O número 1 é um cismado, uma pessoa melancólica. O número 2 é um batalhador. Não vive muito, mas luta, tem muita energia, começa o seu próprio jornal aos 11 anos, é diligente e de pensamento ágil. É vítima de perseguição na escola e enfrenta isso. O número 3 é o mais confuso, o que tem mais problemas na vida, o que comete mais erros, mas acho que perto do fim do seu ciclo, cresce. Tem 20 anos quando o deixamos e conseguimos sentir um adulto a desenvolver-se. O número 4 é revoltado e fechado, em conflito feroz com o pai. É um pouco rígido, não presunçoso, mas difícil. Acho que à medida que o tempo passa ele amacia-se, mas é muito duro consigo mesmo, muito disciplinado.
Continuo a fazer associações. O Ferguson n.º 4 mostra a sua primeira história à professora de Inglês aos 14 anos, ela não gosta, é cruel com ele. Isso poderia tê-lo feito desistir. No seu caso, o seu primeiro romance foi rejeitado por bastantes editores. Mesmo assim, continuou... Ele fica muito transtornado, mas tem a curiosidade de o enviar para a tia e o tio, muito ligados aos livros, e eles gostam. Percebe então que não há uma opinião sobre trabalhos em arte. Podemos ser beijados, mas também podemos levar um soco e, enquanto escritor que publica muitos livros, tenho apanhado muitos socos. E dói.
Continua a doer? Claro! É horrível. E como o Ferguson n.º 4 percebe quando publica o primeiro livro, os socos continuam a doer por muito mais tempo do que a sensação boa dos beijos. A memória das coisas desagradáveis dura mais do que a das boas.
A coisa bonita sobre a leitura é entregarmo-nos àquela voz, àquela música que é a linguagem de alguém, especialmente quando é muito bom. A beleza, o poder, a excitação são insubstituíveis  - Paul Auster
Aprende-se com isso?
Não aprendo nada com isso, só me faz sentir mal. Mas estou habituado. 
É verdade que Cidade de Vidro (ASA 2006), primeiro volume da Trilogia de Nova Iorque) foi recusado por 17 editores. Ninguém o quis publicar. Os editores de Nova Iorque recusaram-no e acabou numa editora pequena de Los Angeles. Não é engraçado A Trilogia de Nova Iorque ser publicada na Califórnia? Mas, mesmo rejeitado, isso não me parou. Talvez tivesse até sido útil, porque percebi que não estava a escrever apenas para ser publicado, mas porque o tinha de fazer. Foi uma boa lição, a de que não estava a escrever para ser publicado, por dinheiro ou para ser famoso. Estava a escrever por necessidade interior. Essas rejeições também nos fazem entender que as pessoas não sabem nada. O livro que foi rejeitado por 17 editores está publicado em 44 línguas em todo o mundo e é reconhecido como importante. Não se pode confiar nas opiniões destas pessoas.
E quem são estas pessoas? Editoras, editores, críticos... Não sabem nada, respondem a diferentes tipos de forças. Se é um editor, está a pensar em dinheiro e não quer correr riscos. Os críticos... bom, os críticos não recebem muito dinheiro por uma crítica e não têm muito tempo e estão sob pressão para fazer alguma coisa. Quando o livro sai, as críticas são muito superficiais. E, na América, mesmo quando gostam do livro, os críticos sentem que têm de dizer qualquer coisa negativa para mostrar que estão atentos e sabem mais. Também sinto nos críticos um ressentimento em relação a alguns escritores. Eles gostariam de estar a escrever romances, mas não conseguem. O melhor é ignorar isso tudo e concentrarmo-nos no trabalho. No fim, são os leitores que decidem e eles estão em todo o lado. E toda a gente lê um livro diferente. Lemos livros sozinhos, é uma experiência solitária. Só se ouvem as palavras na nossa cabeça. A coisa bonita sobre a leitura é entregarmo-nos àquela voz, àquela música que é a linguagem de alguém, especialmente quando é muito bom. A beleza, o poder, a excitação são insubstituíveis. Agora que comecei a viajar um pouco, decidi levar um livro grande comigo, estou a reler Bleak House, do Charles Dickens. Que alegria voltar ao território de Dickens!
Dickens é uma referência para o Ferguson n.º 4, que se torna escritor. É em Dickens que ele pensa quando decide mostrar a sua história à professora. A Tale of Two Citties é um exemplo. Lê-se: “Ele tinha-se apaixonado pelo livro, tinha achado as frases ferozmente enérgicas e surpreendentes, uma inventividade inesgotável que misturava horror e humor de formas que ele nunca encontrara em nenhum outro livro”. É isso? Dickens é uma figura a pairar à volta deste livro. Ele é intraduzível. É preciso lê-lo em inglês. Os grandes escritores que tivemos em inglês são Shakespeare, Dickens e Joyce. E todos são tão abertos, tão maleáveis, inventam a todo o tempo a energia que produzem, desafiando todas as restrições linguísticas... A suas sensibilidades são todas diferentes, não são, de modo algum, comparáveis. Apenas na mestria da língua. Acho-os os três maiores.
Fala da língua, do ritmo, e as suas frases em 4 3 2 1 são mais longas... São. É uma coisa em que me fui envolvendo ao longo dos últimos dez anos. Tenho andado intrigado com estas frases que se enrolam.
Neste país ninguém quer saber de intelectuais ou escritores. A únicas figuras públicas que as pessoas gostam de ouvir são os actores de cinema  - Paul Auster
O que é que estas frases lhe trazem, profundidade?
Acho que é uma espécie de propulsão, uma coisa que nos puxa. Quando as estou a escrever, sinto-me numa dança, num movimento envolvente; não é um fluxo de consciência, mas, de alguma forma, um espelho dos pensamentos. Como a maior parte do livro é escrito na perspectiva da reflexão interior dos vários Ferguson, pareceu-me apropriado.
Há muitas alusões a sons. A música da máquina de escrever, a música da língua, o ritmo; há muitas associações entre literatura e música. Mas os livros são música. Todo o sentido e todo o prazer vem da música.
E neste há uma cadência interior, o narrador na cabeça da personagem a falar na voz dela ao longo dos vários estádios do seu crescimento. Como chegou à voz de um rapaz de quatro, seis ou oito anos? Imaginando. Não sou bissexual como o Ferguson n.º 3, nunca tive experiências com outros rapazes ou homens, mas é tão fácil imaginar. O desejo é o desejo. Isso não é o mais difícil. Difícil é escrever bem as frases e estruturar o livro de modo a que se movimente.
Andou pela sua infância em Diário de Inverno (ASA, 2012) e Relatório do Interior (ASA, 2013) dois livros autobiográficos. Ajudaram-no nesse processo. Sim. Fui capaz de escrever este livro por causa dos dois livros anteriores. Em ambos voltei à minha infância, a lembrar-me de coisas e a ficar fascinado. Sinto que estava a preparar o terreno para este grande romance. Em Relatório do Interior estava a tentar perceber como é que eu pensava quando era criança. É incrível. No princípio, tudo está vivo. Quando se é pequeno, é-se um animista. Estamos a comer feijões e cada um é como uma pessoa; os saca-rolhas eram bailarinas. Não me lembro como foi aprender a ler. Tenho uns vislumbres de estar sentado na escola, muito pequeno. Costumava pensar que havia outras letras além das do alfabeto, um A de pernas para o ar era uma letra secreta. Sabe a expressão human being [ser humano]? Quando era pequeno, achava que as pessoas diziam human bean (feijão humano). E eu pensava human bean? Por que é que somos feijões? E, claro, feijão porque todos começamos como um feijão dentro das nossas mães e então é por isso que somos feijões humanos. Explorar tudo isto nos dois livros anteriores pôs-me no estado de espírito adequado para escrever com a voz de um rapaz de quatro ou de seis anos.
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Auster fez 70 anos. Número a que ainda não se habituou e que de vez em quando volta à conversa pontuada por gargalhadas roucas 
foto:PEDRO CUNHA / ARQUIVO
É com pouco mais dessa idade, aos sete anos, que um dos Ferguson sente o silêncio de Deus. Acontece-lhe depois da morte do pai. Esse momento tem alguma tradução na sua experiência pessoal? Acreditei em Deus quando era pequeno. No Relatório Interior escrevi que achava que Deus era o comandante da polícia celestial e podia ouvir o que eu estava a pensar, por isso devia ter pensamentos bons e portar-me bem ou ele iria castigar-me. Mas passei por uma crise religiosa da adolescência. Fui para a escola hebraica, como toda a gente da minha idade, e odiei. Aos 13 anos fiz o Bar Mitzva e comecei a pensar a sério naquilo. Estava a entrar na adolescência, a deixar a infância e a questionar-me sobre as coisas: Deus existe? Mudei de sinagoga e comecei a estudar com um rabi. Ia lá uma vez por semana, ele dava-me coisas para ler e conversávamos. Foi assim durante nove meses. Ele era simpático, inteligente, com muita compaixão, e eu já teria uns 14 anos quando lhe disse que depois de todo o estudo e pensamento percebi que não acreditava em Deus e não queria praticar nenhuma religião. Respondeu-me que entendia a minha posição. Não tentou argumentar. Disse que me respeitava. Acho que foi nesse Verão que o rapaz morreu.
Fez essa associação na altura? Não. Estou a pensar nisso agora. É a primeira vez que estou a juntar estas duas coisas. Mas não há ligação alguma entre uma coisa e outra.
Explora a identidade baseada na diferença. Um judeu americano olhado como diferente na América... Na América da minha infância o anti-semitismo estava presente e agora esse anti-semitismo está a renascer também por causa deste renascer da extrema-direita. É muito assustador. Os judeus na América são uma fracção pequena da população, talvez uns 12 milhões em 350 milhões.
Apesar das belezas da Constituição Americana, é também um país fundado em dois enormes crimes: o genocídio dos indígenas e a escravatura durante 350 anos. É obsceno! - Paul Auster
Mas adquiriram poder...
Sim, foram assimilados e chegaram a um papel mainstream na cultura americana... mais ou menos. Pode-se dizer que os negros também chegaram... mais ou menos. Mas o racismo em relação aos negros está mais forte do que nunca, e o anti-semitismo também mais forte do que nunca. A América é um país complicado, é impossível dizer apenas uma coisa em relação à América. Conheci o Norman Mailer, gostava muito dele, e uma vez disse uma coisa que me fez rir: “A América é tão complicada que sempre que penso no assunto começo a falar com sotaque do Sul.” É o primeiro país do mundo que foi inventado. As pessoas vieram para cá, e os que cá estavam eram os índios que, milhares de anos antes, também vieram de outro lugar. Toda a gente aqui é imigrante ou escrava, que é outro tipo de imigrante, trazido à força. [Pausa] Inventar um país, que grande tarefa! É fundado em ideais dos mais importantes que os seres humanos alguma vez inventaram; os princípios da democracia, de uma sociedade igualitária, um avanço extraordinário do pensamento humano. Mas, ao mesmo tempo, apesar das belezas da Constituição Americana, é também um país fundado em dois enormes crimes: o genocídio dos indígenas e a escravatura durante 350 anos. É obsceno! O que complica a América, e continua a ser um problema, é que as pessoas não querem enfrentar estas duas coisas. Mesmo os alemães, que tiveram o Governo mais malévolo da história, que fizeram coisas que continuam a ser chocantes, têm tentado nos últimos 70 anos olhar para dentro de si próprios e penso que se arrependem e tentam emendar coisas, porque sabem que essa mancha é permanente, nunca a conseguirão demover e não há como não a enfrentar.
Com este livro, quer olhar para isso? Este livro não é apenas a vida de Archie Ferguson, é a vida e os tempos de Archie Ferguson, e o que se passa na sociedade americana naquele tempo. Sobretudo nos anos 60, com a tremenda fermentação ideológica nos EUA; presta também muita atenção à Guerra do Vietname e ao movimento dos direitos civis, à raça, a Martin Luther King e os tumultos de Newark em 1967, que foi uma guerra de raças.
Pode-se falar desse tempo, os anos 60, como uma génese do que se está a viver agora? Sim, havia isso tudo e era o Verão do amor na Califórnia, 1967. Todas estas coisas a acontecer em simultâneo.
Descreve esse período como de um “infindável emaranhado de horror e esperança que parecia definir a paisagem americana”. É quase impossível não ler essas passagens do livro à luz da actualidade... Comecei a escrever o livro em 2013. Obama estava a iniciar o segundo mandato. Ele tomou posse em Janeiro e comecei o livro em Março. A eleição estava longe e Donald Trump não estava no horizonte. Terminei o livro três anos depois, em Março de 2016, mas continuei a lidar com ele durante mais seis meses. Não mudei nada, só a trabalhar algumas frases. Não pensei que Trump tivesse qualquer hipótese, não o levei a sério a esse ponto. E, bem... estava errado.
Não foi apenas Washington que ficou republicano. Todo o país está a ficar republicano. E as pessoas apoiam estas ideias que são perniciosas; temos de fazer coisas, temos de nos ocupar com isto  - Paul Auster
Não foi o único. Consegue arriscar alguma explicação?
Conheço todas as explicações dadas, mas nenhuma me parece captar a essência do que se passou. Um homem que é tão repugnante, tão fora da norma do comportamento decente, tão estúpido e vulgar e negligente, tão narcisista que quebra todas as regras da vida pública americana... Todos os Presidentes, mesmo os piores, venceram eleições baseados numa ideia de esperança para o futuro. Este homem está a governar de acordo com o Armagedão. Tudo é negro, violado. A filosofia de direita da antigovernação não faz sentido. A democracia são as pessoas e o governo. Como se pode ser contra as pessoas? Parece tão racional, mas estamos a viver num país irracional. Por que é que se há-de querer tirar a assistência médica? É como dizer que estamos a querer matar pessoas. É a mesma coisa, porque vão morrer por causa disto. Às vezes chamo jihadista ao Partido Republicano. Estão empenhados em destruir. Querem fazer dinheiro e lixar toda a gente. Não queria estar tão cínico, mas estou. Estas pessoas não se preocupam com nada além da satisfação própria. Mas se olhar para a história americana pode ver que tivemos estes conflitos desde o início. Sempre me pareceu um país dividido. Por um lado, pessoas que acreditam que vivemos juntos numa sociedade e somos responsáveis uns pelos outros, e por outro pessoas que acreditam que cada indivíduo não tem de ouvir ninguém sobre nada. A América é isso: a minha liberdade e não tenho de me importar com mais ninguém.
Mas há muitos protestos nas ruas... Sim. O tremendo protesto contra Trump é espantoso. Pela sua enorme dimensão. A minha mulher e a minha filha foram a Washington e disseram-me que foi um dos grandes dias das suas vidas. A América também é um sítio fantástico, todos amamos este país, mas pode ser tão cruel e cego e estúpido e violento. O protesto é óptimo, mas tem de se acompanhado por muito trabalho no terreno. Se o Partido Democrata se quer revigorar, as pessoas têm de estar activas. Leva tempo, mas em oito anos os democratas perderam muito em todas as linhas. Há 36 governadores republicanos e apenas 14 democratas. Não foi apenas Washington que ficou republicano. Todo o país está a ficar republicano. E as pessoas apoiam estas ideias que são perniciosas; temos de fazer coisas, temos de nos ocupar com isto.
A América enlouqueceu
E o que é que um escritor pode fazer?
Neste país ninguém quer saber de intelectuais ou escritores. As únicas figuras públicas que as pessoas gostam de ouvir são os actores de cinema. Os actores de cinema são a realeza americana. Se vierem muitos actores falar de política, as pessoas prestam atenção, mas aos escritores não. Ninguém se interessa por escritores nos Estados Unidos.
O que se está a passar é muito sério. O futuro da América está em risco e a República está sob assalto: podemos perder a sociedade em que acreditamos.
ISABEL LUCAS 10 de Fevereiro de 2017, in PÚBLICO
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puroescrever · 8 years ago
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Lettura Interrotta, a.k.a. le Baiser (Interrupted Reading, a.k.a. The Kiss), (1893). Federico Zandomeneghi (Italian, 1841-1917). Oil on canvas.
Zandomeneghi was the son and pupil of the sculptor Pietro Zandomeneghi. From about 1862-1866 he worked in Florence, and in Venice from 1866-1874, before going to Paris where he joined the Impressionists group and exhibited at the Salon des Independants.
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puroescrever · 8 years ago
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puroescrever · 8 years ago
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Porque é que a América inventou o nigger?
I Am Not Your Negro quer ser o filme que James Baldwin nunca fez, a história da América a partir de três assassínios marcados pela luta racial. Recupera o Baldwin político e desafia a América a olhar-se no que tem de mais incómodo. A começar pela palavra proibida: Nigger.
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James Baldwin, romancista, ensaísta, dramaturgo, activista dos direitos civis, volta a ser considerado de leitura obrigatória na América actual, país onde se voltam a ouvir palavras como medo e opressão
 Em 1979, James Baldwin, romancista, ensaísta, dramaturgo, activista dos direitos civis, escreveu uma carta ao seu agente literário propondo-se contar a sua história da América a partir das vidas de três amigos seus assassinados num período de cinco anos. Os amigos eram Medgar Evans, activista afro-americano morto por um supremacista branco no Mississipi em 1963; Malcolm X, muçulmano, afro-americano, fundador da Organização Para a Unidade Americana e defensor do nacionalismo negro na América, morto em 1965 no Nebraska; Martin Luther King Jr., pastor protestante, activista político, morto em 1968 em Memphis. O livro chamar-se-ia Remember This House e nunca foi escrito. Quando morreu, em 1987, o escritor deixou trinta páginas com notas soltas. O realizador haitiano Raoul Peck pegou nelas e concluiu o projecto de Baldwin, um livro que deu um filme: o documentário I Am Not Your Negro que acaba de se estrear em Nova Iorque e recupera James Baldwin para o presente.
I Am Not Your Negro começa por uma tentativa de dar corpo e voz ao homem a quem Toni Morrison, Nobel da Literatura em 1993, agradeceu ter-lhe dado a linguagem. “Deste-me a linguagem onde morar, um presente tão perfeito que parece invenção minha”, disse no funeral de Baldwin, à época considerado um dos grandes intelectuais americanos da segunda metade do século XX, mas que foi quase esquecido durante os últimos trinta anos. A sua história e a da sua obra são a de um conflito com o país onde nasceu. É a partir daí que Peck explora a ideia de casa, uma que a dado momento se tornou insuportável.
O interdito continua. Para dizer o título do filme e do livro é preciso dizer a palavra que carrega raiva, culpa, preconceito: Negro James Baldwin abandonou-a em 1948, aos 24 anos, refugiando-se num exílio em Paris. Recusava-se a conviver com o preconceito numa América intolerante à diferença. Negro, homossexual, queria ser escritor e que a sua escrita fosse feita fora desse universo claustrofóbico e repressivo. “Deixei este país por uma única razão, uma só razão - não me importava para onde ia. Poderia ter ido para Hong Kong, poderia ter ido para Tombuctú. Acabei em Paris, nas ruas de Paris, com quarenta dólares no bolso, com a teoria de que nada pior poderia acontecer comigo lá do que já tinha acontecido comigo aqui (...) Os anos em que vivi em Paris fizeram uma coisa por mim: libertaram-me desse terror social, que não era paranóia da minha cabeça, mas um verdadeiro perigo social visível no rosto de cada polícia, de cada chefe, de toda a gente”.
Contou isto em 1968, numa entrevista no programa The Dick Cavett Show. Peck foi buscar esse excerto para dar a voz, mas também revelar o sorriso aberto, o porte, as mãos, o olhar vivo e tudo o que isso diz da figura de James Baldwin. É dessa matéria que é feita a sedução de I Am Not Your Negro e também aquela onde reside toda a sua força e que pode ser sintetizada numa frase-diagnóstico: “A questão não é o que acontece com o Negro aqui ou com o homem negro aqui (...), a verdadeira questão é o que vai acontecer com este país.”
Era deste mote que Raoul Peck precisava para transpor o pensamento de Baldwin para o presente: olhar o momento actual a partir de Baldwin.
O livro nunca escrito
O documentário começou com uma ideia vaga, há dez anos, quando Peck foi a casa de Gloria Karefa-Smart, irmã mais nova de James Baldwin, para lhe pedir permissão para consultar os arquivos pessoais do autor de obras como Another Country (1962) The Fire Next Time (1963) ou Tell Me How Long The Trains Been Gone (1968). Leitor de Baldwin desde os 15 anos, admirador não apenas da sua literatura, mas de modo como foi capaz de expor uma realidade que o realizador também conhecia do seu Haiti natal – o racismo e “a violência intelectual” -, Peck queria trabalhar a partir do legado de Baldwin sem saber bem como. A solução veio das mãos da própria Glória quando, passados quatro anos de conversas, ela lhe passou para as mãos o maço com trinta páginas e o título Notes Toward Remember This House.
O cinema foi determinante no modo como Baldwin construiu um olhar sobre si e sobre a América
O documentário recupera filmes como Imitation of Life  (John M. Stahl, 1934), The Defiant Ones (Stanley Kramer, 1958) e In the Heat of The Night (Norman Jewinson, 1967), exemplares na legitimação de um discurso nacional sobre raça. Seria aquela a história. Peck “só” tinha de a escrever a partir das notas que o escritor deixara e a que juntou entrevistas, ensaios, cartas. “O meu trabalho foi o de encontrar aquele livro nunca escrito. I am Not Your Negro é o resultado mais improvável dessa procura”, afirma o realizador na introdução do livro que deu origem a um filme narrado por Samuel L. Jackson, o actor que dá voz à que seria a voz de Baldwin tal como Peck a concebeu. Estamos sempre na primeira pessoa numa obra que mesmo antes de se estrear foi selecionada para a edição deste ano dos Oscares na categoria de melhor documentário - o filme foi comprado para exibição comercial em Portugal pela Midas, que também editará o livro.
É um filme sobre um discurso e a sua alegada intemporalidade que surge num momento em que a América está a recuperar o nome de Baldwin. Não apenas os seus romances, mas as peças de teatro e os ensaios onde está exposto o seu pensamento no contexto do movimento dos direitos civis que marcou a América na década de 60 e que parece ajustar-se ao presente no que têm de argumentação no combate à exclusão, na denúncia de todos o tipo de segregação: racial, sexual, de classe. É o momento pós-Ferguson, pós- Baltimore, pós-Staten Island, pós-Charlote onde americanos negros morreram vítimas do preconceito, o da consequente contestação protagonizada pelo movimento Black Lives Matter. Foi também o momento do segundo mandato do primeiro presidente negro, e o do ressurgir do racismo numa escala que não se via desde os anos 50 e 60 quando morreram nada mais do que Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King, Jr. Não foi por acaso que Barack Obama citou James Baldwin na inauguração do último Museu Smithsonian, em Washington, dedicado à história e cultura afro-americana. Foi a 23 de Setembro passado: "Enquanto a história de como sofremos, de como ficamos encantados, e de como podemos triunfar não for nova, ela deverá ser sempre escutada.” Ou seja, o pensamento de Baldwin continuava a fazer sentido no último trimestre de 2016. Peck sabe que faz ainda mais sentido neste arrancar de 2017.
Quando o documentário foi concluído, Donald Trump ainda não fora eleito sucessor de Obama na presidência dos Estados Unidos, mas as palavras escolhidas para o trailer de apresentação do filme parecem feitas para desafiar a nova administração americana. 
“Eu não posso ser pessimista, porque estou vivo. Ser pessimista significa que se concordou que a vida humana é um assunto académico, por isso sou forçado a ser otimista. Sou forçado a acreditar que podemos sobreviver no que quer que de nós deva sobreviver. Mas o Negro neste país... o futuro do Negro neste país é precisamente tão brilhante ou tão escuro quanto o futuro do país. Depende inteiramente do povo norte-americano e dos nossos representantes. Cabe inteiramente ao povo americano se vai ou não enfrentar e tratar e abraçar esse estranho que tem maltratado durante tanto tempo.” Baldwin disse isto em 1963, num programa da televisão pública chamado The Negro And The American Promise, o mesmo de onde Raoul Peck retirou o título do documentário, com uma pequena alteração que atenua o peso das palavras. “O que os brancos têm de fazer é tentar descobrir no seu íntimo porque é necessário ter um ‘nigger’ (...), porque eu não sou um nigger, sou um homem. Mas se acha que eu sou um negro, isso significa que precisa dele. A pergunta que tem que fazer, que a população branca deste país tem que se perguntar (...) é se eu não sou o nigger e o inventou, então tem que descobrir porquê. O futuro do país depende disso, quer seja ou não capaz de fazer essa pergunta.” A frase de Baldwin é I’m not your nigger. Ele diz a n word, a da injúria, do estigma, aquela que uma nação inteira não pode dizer, a não ser que seja a nação negra a usá-la como quem usa uma caricatura de si mesmo. Ao optar pela palavra Negro, em inglês, Peck não despe a injúria, apenas a torna um pouco mais suportável e incómoda.
Quando andava pelas ruas de Nova Iorque, criança, adolescente, jovem adulto, Baldwin sentira essa injúria, tentou esquecê-la em Paris, mas uma imagem reavivou-a. Era uma fotografia de jornal. Nela via-se Dorothy Counts, 15 anos, a primeira rapariga admitida no liceu de Harring Harding, em Charlotte, Carolina do Norte. Dorothy está sentada sozinha na primeira fila de um anfiteatro e atrás dela há muitos rostos a escarnecer. “Havia um orgulho, tensão e uma angústia indescritíveis no rosto daquela menina enquanto entrava nas salas de aula (...) Aquilo deixou-me furioso, encheu-me de ódio e de piedade. E deixou-me envergonhado. Alguém de nós deveria ter estado lá com ela! (...) Foi naquela tarde luminosa que eu soube que estava a deixar a França. Não poderia, simplesmente, ficar mais tempo sentado em Paris a discutir os problemas argelinos e dos negros americanos. Toda a gente estava a pagar as suas dívidas, era hora de eu ir para casa e pagar a minha.”
O documentário começa por aqui, pela decisão de Baldwin regressar aos EUA, em 1957. O mesmo preconceito que o expulsara fazia-o regressar. Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King, Jr. eram os homens que tinham ficado quando ele optou por sair. Voltar, e mais tarde partir deles para escrever a sua versão da história da América, era um modo de pagar a tal dívida, de tentar enfrentar o interdito.
O documentário é feito de passagens entre passado e presente. Baldwin surge enquanto profeta pelo pessimismo com que vislumbrara o futuro de um país
Natural de Nova Iorque, do Harlem, onde nasceu em 1924, James Baldwin conta que viveu os seus primeiros anos pouco consciente da diferença. Era um americano admirador de George Washington e de John Wayne que aprendeu a admirar os livros e a apreciar o cinema com uma professora branca. Aos sete anos, viu Joan Crawford e apaixonou-se, viu Bette Davis e aprendeu a fumar como ela. Escreveu sobre tudo isso e muito mais em The Devil Finds Work (colectânea de ensaio e memória sobre a sua experiência enquanto espectador de cinema e um tempo de formação, publicada em 1976).
O cinema seria determinante e Peck quis explorar essa faceta para mostrar que Baldwin não rejeitara o mundo dos brancos. Foi com os livros e o cinema de autores brancos que aprendeu a olhar e a olhar-se. Baldwin diria muitas vezes que nunca sentiu ódio pelos brancos, que nunca fora racista ao contrário de muitos negros, mas aprendeu cedo a perceber que os amigos brancos o abandonavam à porta da escola. A amizade entre brancos e negros não saía da porta do recreio. “Quando uma criança põe os olhos no mundo tem de usar o que vê. Não há mais nada para usar.” Quando em Imitation Of Life, filme de 1934, a mãe de uma aluna vai à escola entregar o casaco à filha e a professora lhe diz que se deve ter enganado na sala pergunta porque não há ali nenhuma aluna de cor, a filha não lhe perdoa. E não perdoa porque sabe que naquele momento foi excluída. O ódio racial começava aí, ao descobrir-se, por exemplo, americano numa América que não o reconhecia como plenamente seu. “O Negro nunca foi tão dócil como os americanos brancos queriam acreditar. Isso era um mito. Nas folgas não estávamos sempre a cantar e a dançar. Estávamos a tentar manter-nos vivos; estávamos a tentar sobreviver num sistema brutal. O ‘nigger’ nunca foi feliz neste país.” E tudo isso fazia parte de uma narrativa maior que, outro exemplo, o cinema ajudara a sedimentar.
A palavra que não se diz
Peck faz uso disso, partindo dos ensaios de James Baldwin, utiliza os filmes como âncora. No que revelam e no que escondem vê-se a História que um país conta a si mesmo. Por exemplo, o diálogo entre Toni Curtis e Sidney Poitier que antecede uma tentativa de fuga, em The Defiant Ones (1951), e as palavras: “Não sou capaz! Não sou capaz!” É a história de uma relação de amizade improvável entre um negro e um branco supostamente racista, em que o negro sacrifica a sua liberdade em nome do amigo. Como se lê isto no documentário de Peck que escreveu o que Baldwin supostamente teria escrito? Sai assim na voz de Samuel L. Jackson: “É impossível aceitar a premissa da história, uma premissa baseada no profundo mal-entendido americano da natureza do ódio entre negros e brancos. A raiz do ódio do negro é a raiva, ele não odeia tanto os homens brancos como simplesmente os quer fora de seu caminho, e, mais do que isso, fora do caminho de seus filhos (...) Quando Sidney salta do comboio, os brancos liberais ficaram muito aliviados e alegres. Mas quando os negros o viram pular, gritaram: volta para o comboio, seu imbecil. O homem negro a fim de tranquilizar os brancos fazê-los crer que não são odiados.”
O cinema apelava à mesma pureza mítica, aquela que a América, ou uma certa América, queria ver legitimada, e que Baldwin volta a denunciar com outro filme, A Great Feeling (1949), “um dos mais grotescos apelos à inocência”. Como contraponto, ouvem-se canções de Bob Dylan ou Ray Charles e assiste-se às imagens da vida e da morte daqueles três homens: Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King, Jr. Há lágrimas e raiva e a vontade de não ver, coisa que Peck sublinha numa revisitação histórica que é outro olhar sobre a história. As imagens estão lá, mas sem deixar esquecer que são as palavras o que importa. Tudo à luz do presente que para já voltou a pôr os livros de Baldwin nos escaparates e nas montras das livrarias de Nova Iorque como de leitura obrigatória na América actual onde se voltam a ouvir palavras como medo, opressão, e a raça voltou aos discursos e a perseguição à diferença uma realidade.
É como se, ao intercalar imagens do passado com acontecimentos recentes, ecoasse uma pergunta: de onde vem o ódio?
O interdito continua e Raoul Peck puxou-o para capa. Para dizer o título do filme e do livro é preciso dizer a palavra que carrega raiva, culpa, preconceito: Negro. Há quem a diga bem alto, dose idêntica de provocação e de libertação, como o homem que pede moedas à porta da livraria Strand, em Nova Iorque: "I am Not Your Negro". Ele é negro, como são de um negro os olhos na capa do livro que acaba de ver nas mãos de uma mulher branca. "Não mo quer oferecer?", pergunta, e repete: "I am Not Your Negro", agora numa gargalhada rouca que se some no ruído da rua. O tom dele não é o tom triste, ainda que pouco resignado, de Richard Widmarck no filme No Way Out (1950): "Dizem que não é bonito dizer nigger. Nigger! Nigger! Nigger! Pobres crianças negras, amem as crianças negras. Quem me amou? Quem me amou?" Peck recupera esta fala para sublinhar o discurso de Baldwin e o modo como ele se foi socorrendo do cinema para exemplificar a legitimação do preconceito, no caso, o peso de uma palavra que carrega aquilo a que se convencionou chamar "the Negro problem".
I am Not Your Negro é sobre isso. A dificuldade de uma parte da América saber como vive a outra parte, de conhecer a sua intimidade de modo a olhar-se como um todo. "Essa falha da vida privada teve sempre o efeito mais devastador na conduta pública da América e nas relações negros-brancos. Se os americanos não vivessem tão aterrorizados com seus eus privados, nunca se teriam tornado tão dependentes do que chamam The Negro problem", escreveu Baldwin nas suas notas dispersas que ganham aqui um corpo moldado à luz do presente. No livro isso não se vê. Há o texto, fotografias do escritor, imagens de filmes que servem para ilustrar o seu pensamento, fotografias de época, o contexto para o texto. Mas o documentário é feito de passagens entre o passado e o presente de modo a sublinhar uma ideia de profecia, ou seja, Baldwin a surgir enquanto profeta pela análise do seu tempo transposta para a cronologia actual, e pelo pessimismo com que vislumbrara o futuro de um país com o qual sempre teve uma relação ambígua, a mesma que se tem numa casa onde impera o conflito. Quando diz que o modo de vida americano falhou, quando diz que o sonho americano, quando existiu, foi à custa do sofrimento dos negros, quando refere que olhar à volta nos EUA de então era suficiente para fazer chorar profetas e anjos. “A verdade”, escreveu, “é que este país não sabe o que fazer com a sua população negra, sonha com qualquer coisa como ‘a solução final’.”
ISABEL LUCAS 16 de Fevereiro de 2017, in Público
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puroescrever · 8 years ago
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Growltiger’s Last Stand
by T.S. Eliot
Growltiger was a Bravo Cat, who travelled on a barge: In fact he was the roughest cat that ever roamed at large. From Gravesend up to Oxford he pursued his evil aims, Rejoicing in his title of ‘The Terror of the Thames’.
His manners and appearance did not calculate to please; His coat was torn and seedy, he was baggy at the knees; One ear was somewhat missing, no need to tell you why, And he scowled upon a hostile world from one forbidding eye. The cottagers of Rotherhithe knew something of his fame; At Hammersmith and Putney people shuddered at his name. They would fortity the hen-house, lock up the silly goose, When the rumour ran along the shore: GROWLTIGER’S ON THE LOOSE! Woe to the weak canary, that fluttered from its cage; Woe to the pampered Pekinese, that faced Growltiger’s rage; Woe to the bristly Bandicoot, that lurks on foreign ships, And woe to any Cat with whom Growltiger came to grips! But most to Cats of foreign race his hatred had been vowed; To Cats of foreign name and race no quarter was allowed. The Persian and the Siamese regarded him with fear– Because it was a Siamese had mauled his missing ear. Now on a peaceful summer night, all nature seemed at play, The tender moon was shining bright, the barge at Molesey lay. All in the balmy moonlight it lay rocking on the tide– And Growltiger was disposed to show his sentimental side. His bucko mate, GRUMBUSKIN, long since had disappeared, For to the Bell at Hampton he had gone to wet his beard; And his bosun, TUMBLEBRUTUS, he too had stol'n away– In the yard behind the Lion he was prowling for his prey. In the forepeak of the vessel Growltiger sat alone, Concentrating his attention on the Lady GRIDDLEBONE. And his raffish crew were sleeping in their barrels and their bunks– As the Siamese came creeping in their sampans and their junks. Growltiger had no eye or ear for aught but Griddlebone, And the Lady seemed enraptured by his manly baritone, Disposed to relaxation, and awaiting no surprise– But the moonlight shone reflected from a hundred bright blue eyes. And closer still and closer the sampans circled 'round, And yet from all the enemy there was not heard a sound. The lovers sang their last duet, in danger of their lives– For the foe was armed with toasting forks and cruel carving knives. Then GENGHIS gave the signal to his fierce Mongolian horde; With a frightful burst of fireworks the Chinks they swarmed aboard. Abandoning their sampans, and their pullaways and junks, They battened down the hatches on the crew within their bunks. Then Griddlebone she gave a screech, for she was badly skeered; I am sorry to admit it, but she quickly disappeared. She probably escaped with ease, I’m sure she was not drowned– But a serried ring of flashing steel Growltiger did surround. The ruthless foe pressed forward, in stubborn rank on rank; Growltiger to his vast surprise was forced to walk the plank. He who a hundred victims had driven to that drop, At the end of all his crimes was forced to go ker-flip, ker-flop. Oh there was joy in Wapping when the news flew through the land; At Maidenhead and Henley there was dancing on the strand. Rats were roasted whole at Brentford, and at Victoria Dock, And a day of celebration was commanded in Bangkok.
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