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Muito embora estivesse errada, del Toro gostava de pensar que naquela madrugada em Edens Village, quase um ano antes, quando estava tão cansada e sonolenta que considerava deixar o corpo descansar pelo resto da noite sobre um banco da praça, Lewi só sugeriu que todos voltassem para o ônibus porque a notou ali, naquele momento.
Mas aquele, apesar de amável, estava longe de ser o momento pelo qual se apaixonara por Lewi du Couteau.
Estava pensando, deitada no chão de seu quarto na casa de Bryn — com um Vincent bastante pesado jogado com a maior parte do corpo sobre seu estômago —, que se apaixonara por Lewi quando o escutou contar sua história. As palavras que dissera a ele naquela noite, no lago, não tinham tanto peso quanto possuía agora que se pegava revisitando o encontro.
O que você faz com a sua imortalidade com certeza o deixa mais interessante. E ele fazia tantas coisas. Todo gesto dele era importante, bem-feito, sem-par e, sobretudo, de uma pureza cruel, visceral. A forma como os músculos se contraíam, como as tatuagens dançavam em sua pele a cada movimento certeiro. Como as palavras soavam em seu timbre. Seus pensamentos, sua risada, sua força e coragem. Era tudo tão perfeito. Como se ele tivesse sido escrito para adentrar a alma alheia. Pura magia.
Perguntava-se se ele fazia ideia do quão perdidamente apaixonada ela estava. Porque a Banshee fazia questão de tentar erguer fortalezas ao redor dos pensamentos sobre Lewi. Mesmo estando oficialmente juntos, como amantes e namorados, tinha medo do que poderia fazer se deixasse o sentimento a dominar. Nunca hesitaria por ele. Nunca falharia com ele. Nunca negaria sangue para ele.
Quando estava com ele, ou mesmo quando apenas pensava nele, não existia mais nada no mundo além de seu nome e de seu rosto, tão bonito, chegava a doer. Amava-o com toda sua existência e com a certeza de que o amor se estenderia para o que mais ecoasse dela na história. Depois de tanto tempo correndo por aí, percebeu, estava em casa.
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Na escuridão uivante, não existia luar para atravessar as amplas janelas de vidro do quarto de María. As ondas, furiosas, ribombavam distantes, levando, através de lufadas poderosas, o cheiro de maresia e tempestade até a Banshee. A loura acordou ofegante, sentando-se sob os lençóis em um movimento rápido, suando frio em estado quase febril.
Mais um daqueles malditos sonhos com o fogo a engolindo viva. Respirou fundo. Levantou-se devagar, trêmula e com a vista ainda embaçada do sono. Se não fosse a chuva, trotaria até o chuveiro do banheiro. Mas a sacada estava mais próxima; foi para fora, ser banhada pela água natural dos céus. As gotas da chuva tamborilavam contra as folhas das plantas dispostas em pequenos vasos no rodapé.
Em uma das paredes, os ramos da Coutella desciam em cascatas, cobertos de flores brancas e pequenas folhas douradas entremeadas pelo caminho de espinhos que havia em toda sua longa extensão. Em contato com a água, a flor soltava pequenas centelhas prateadas de magia, mas não se danificava.
María sentou-se no piso de madeira onde o teto não podia a proteger. Abraçou os próprios joelhos e deixou que a tempestade fizesse o seu trabalho. Rezou um cântico melancólico para sua irmã Ana; um cheio de dor e súplica pela alma de seu pai. Rogou aos céus as maiores bênçãos para sua mãe, que estivesse viva. E agradeceu Melusine, das longínquas terras francesas.
Fechou os olhos com suavidade, o corpo aos poucos parando o leve balançar que acompanhava as preces. Sentiu o vento soprar contra a face, sussurrar palavras tão antigas e adormecidas que apenas o coração poderia sentir. Ela e a Natureza eram uma só, mãe e filha, feitas da mesma terra. Lágrimas silenciosas, incontroláveis, escorreram de seus lindos olhos verdes assim que os abriu. Sabia o que tinha de ser feito.
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María passou a tarde toda na cidade, percorrendo lojas e lojas atrás de um vestido que pudesse mascarar seu nervosismo acerca do Baile das Sombras. Nunca antes estivera em um evento formal, não desse tipo; muito embora, é claro, fosse acadêmico e não tivesse verdadeira relevância em meio algum.
Queria algo bonito, com alguma elegância, ainda que fosse se contentar com qualquer coisa que não fosse lá muito vagabunda. Pensava nas lojas da Yves Saint Laurent, nas coleções da Iris van Herpen e Zuhair Murad. Se ao menos pudesse ir até Londres... Quer dizer, não tinha nenhum dinheiro para comprar aquelas coisas em específico, mas sabia bastante como surripiá-las.
Estendida na frente de uma vitrine em Edens Village, suspirou longamente. Entremeado às roupas em exibição, seu reflexo encarava de volta, os olhos cor-de-esmeralda mais profundos do que nunca. Que tolice. Estalou a língua no céu da boca e adentrou a loja, desejando acabar logo com aquela perda de tempo.
Quando irrompeu sem pressa pela entrada do Memorial dos Imortais, no segundo andar do castelo, a capa do vestido, densamente negra mesmo em seu tecido fino, movia-se ondulante a cada passo da Banshee, como se tivesse sido tecida a partir de sombras vivas. Estava ligada ao vestido através dos ombros. O vestido em si era quase tão longo quanto a capa — a barra ficava rente ao chão, e também negro, com mangas longas quais possuíam uma fenda comprida de ombro a pulso em cada braço.
Evidenciando sua pele alva e imaculada, um recorte em formato que muito lembrava uma ampulheta acompanhava as curvas de María do colo até o fim da cintura — onde a forma se encerrava no encontro com a saia do vestido. A vestimenta não era tão densa quanto a capa. Parecia-se mais com um pedaço do céu noturno que, vez por outra, quando se movia, emitia suaves brilhos, como se escondesse um mar de estrelas em sua escuridão mística.
Havia uma fina gargantilha na base do pescoço, feita de ouro branco, que refletia as luzes do ambiente como se fosse feita de uma amostra da Lua-de-Prata. E pequenos brincos adornavam as orelhas em quase toda sua extensão. Nos dedos havia apenas um anel, de uma pequena pedra retangular verde; não era preciosa, era feita de vidro fortificado por magia; dentro guardava uma espécie de névoa escura sempre em movimento, o que tornava o adereço um pouco mais interessante.
Mas era o cabelo, claro como ouro, precisamente puxado para trás em três tranças perfeitas que se iniciavam centímetros acima da nuca e se encontravam presas — unidas pelas pontas — ao fim do penteado, próximas às ancas, que dava o bem-posto toque final. Sequer era necessário um olhar mais altivo para o ar sublime fazer-lhe companhia.
Com os lábios tingidos por um Brun Naturel distante do vulgar e as pálpebras pintadas por claríssimos tons rosados sob um delineado prateado superior, com os cílios longos voltados para cima como coroas para suas íris verdes-primaveril, a híbrida sentia-se muito próxima da beleza mortal, tocada por uma doçura cruel.
Ela sorria preguiçosamente para os conhecidos, com a postura tão ereta quanto uma lança, atravessando o saguão até Viena di Angelis. A amiga havia retornado do Abismo na noite anterior, já haviam se visto, mas encará-la se tornou um lembrete constante do quão miserável e falha era. Assim, antes de tudo, por um momento, discretamente trincou os dentes por trás dos lábios selados, engolindo a culpa sem-fim; pelas horas, dias e meses que a italiana havia perdido. Logo desviou o olhar para a festividade.
Ego estava muito diferente da última vez que o vira, apenas horas atrás. O cabelo possuía um corte novo e até seus traços pareciam novos. As coisas tinham voltado a correr. Um olhar aqui e Bryn e Hendrik portavam-se como um casal, um olhar ali e havia Kylie, sempre animada, agindo como se não houvesse uma promessa do amanhã recaindo como uma mortalha sobre aquele círculo tão íntimo.
Arsyn Meliorn, a reitora da Academia, estendia-se gloriosamente na frente de todos, gastando palavras que del Toro não guardava na mente, sequer processava metade delas. Algo sobre amigos se ajudarem, manter-se unidos e vigilarem. Um sorriso selado ameaçou correr pelos lábios da feérica.
Mas a ameaça se dissipou quando o olhar voltou a encontrar o de Viena, dando lugar a um semblante de apreensão, ainda que os olhos brilhassem em afeto puro e sincero. Aquela parte amarga que sentia era sua, não tinha nada a ver com a italiana. O corpo era tomado por uma breve onda de calor, mesmo que as mãos estivessem álgidas. Agarrava-se no pensamento para que as coisas pudessem voltar ao normal com a irmã.
Segurava a mão da outra Banshee, cingindo com força moderada sua pele, um ato inconsciente de mantê-la mais perto, de não abandoná-la outra vez. Escutava, então, cada palavra com clareza e atenção. Sobre os caçadores, sobre o laço que ligou sua alma à de Ego e como aquilo os salvou.
Escutou sobre o medo de di Angelis, de retornar ao Vazio. E todas as declarações de María foram promessas de nunca mais abandoná-la, de nunca deixar que aquilo volte a se repetir. Promessas preenchidas de veracidade vital, que faria de tudo para cumprir. A roda nunca para de girar, afinal. As duas se abraçaram, lágrimas salgadas rolando pelas bochechas de ambas enquanto seus batimentos cardíacos reverberavam em uníssono.
E, não obstante, ainda assim havia um pequeno sinal bem distante, fortemente cravado no âmago de María, como retalhos de uma névoa cinzenta em crescendo. Ela ainda não tinha noção do que era. Inevitavelmente, pensou em Syrie, a Irmã de Ferro Suprema da Casa Vermelha, e na Sala do Saber. Um calafrio percorreu a espinha.
Momentos depois, o pensamento, porém, foi afastado para longe quando a voz de Arsyn novamente se fez audível para todos que estavam no Memorial dos Imortais. Ela anunciaria o Imperador e Imperatriz da Noite. Não que María se importasse com o título, mas o barulho repercutido com o anúncio a despertou para o presente. Talvez, afinal, precisasse de uma pequena dose de futilidade para se acalmar.
Então, mirou Viena uma última vez, deixando a conexão particular entre as duas se esmaecer delicadamente, com um calmo e carinhoso sorriso nos lábios. Com a ponta dos dedos de ambas as mãos, com cuidado para não bagunçar a maquiagem, enxugou as lágrimas sob os olhos, e voltou a face para frente.
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Coucou.
Louro e artemísia afastam os sonhos ruins. Tudo o que resta são os bons. Você coloca as plantas sob seu travesseiro fofinho de penas brancas e veja!, noite tranquila. É, mas essa crença também esconde uma promessa. Disseram que sonharia com ele e seu sorriso cheio de si. Então, antes de dormir, você pensa se vai mesmo sonhar com ele, e como será. Pensa em seus cabelos e olhos escuros como beladona. Pergunta-se se está intoxicada. Se estiver, você gosta. Quer vê-lo até nos sonhos. Quer devorar em mordidas cada pedaço de sua pele. Em um mordiscar de lábio, prende a respiração apenas para, logo em seguida, deixar um suspiro escapar numa única batida cardíaca.
E quando você acorda no dia seguinte, com o alvorecer invadindo seu dormitório acadêmico e os raios solares forçando suas pálpebras a revelarem as íris cor-de-esmeralda que possui, seu humor matinal é o melhor em muito tempo. Sonhou com ele a noite inteira; reviveu momentos que deseja ser amaldiçoada a nunca esquecer. E fora tudo tão agradável que quando desperta você sente o cheiro dele, fazendo-se necessário verificar se ele não está ao seu lado. Não está, mas esteve, de algum modo está mesmo não estando. Ainda sente o corpo arrepiar e estremecer sob seu toque divino.
Então, a primeira coisa, pessoa, na qual você pensa, é nele. Lewi du Couteau. Você arrisca a dizer o nome dele em um tom secreto; saboreia como cada consoante e vogal desliza por sua língua, pelo céu de sua boca e pelos cantos, ameaçando escorregar pelos lábios se não tomar cuidado; as letras descem por sua garganta, até o seu estômago. Você sorri. Revira os olhos e antes de perceber que estava prestes a se levantar, se joga de volta na cama, rindo melodicamente, feito uma tola.
No fundo do coração e na boca do estômago, você sabe. Não há mais como escapar desse maldito deus. Você precisa se entregar para o que tiver que ser, e espera que ele faça o mesmo. Tomara que seja uma colisão histórica, você pensa, dessas que ecoam pelo clichê da eternidade dos sonhos mortais.
Aqui você é meu.
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Assim que o Mestre Joseph Hall saiu das sombras da Sala de Sobrevivência pelo meio da noite, minutos após o horário marcado de início da aula, e colocou sua presença à vista de todos, María logo percebeu pelo mau humor maléfico do djinn que a experiência seria inevitável.
Até a incoação daquele dia, a Banshee iludia-se com a ideia de ser uma pessoa insólita. Com o passar das horas e o cavo mergulho na simulação ilusória criada pelo professor sobrenatural, percebeu que, quem sabe, todos estivessem acometidos pela mais profunda normalidade, e que não era uma exceção.
Mas quando pensava em normalidade, não era a normalidade comum que se pensa — aquela que torna um grupo de pessoas todas iguais em pensamento e essência. Estava longe dessa normalidade desagradável. Era aquela de ser provocada pelo medo e não resistir ao choro. De cair de joelhos e compreender que se pode quebrar.
Humanidade. Era isso. Estava tão acostumada com a curta distância entre adaptação e aceitação que, no final da aula, não sabia mais como se sentir em relação ao fato — não que, é claro, tenha feito muita coisa além de correr para fora da sala. A questão é: foi só um passo errado, um feitiço proferido e o Mestre a puniu perpetuamente. Às vezes, no meio da noite, ainda acordava suando frio, lembrando-se daquela aula miserável.
Sonhava com o mesmo momento, com as chamas de um fogo feroz circulando-a em uma dança agressiva, vulgar e faminta. Ela estava no centro do círculo e mal conseguia se mover. Era uma simulação, mas a dor era real, os machucados também seriam. Estava na sala de aula e os amigos em volta, olhando-a, sem poder interferir enquanto a Banshee chorava trêmula. Estava sozinha, sendo engolida por uma fogueira viva.
O grito que soltara no último segundo - quando as chamas avançaram contra sua existência em fome insaciável - ainda ecoava em seus próprios ouvidos naquelas noites mais difíceis. Somente parava de sentir a pele queimar quando entrava debaixo do chuveiro, de roupa e tudo, e deixava a água corrente levar as lágrimas salgadas pelo ralo. Em combustão.
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“No, it's not sad. It's nature. It's a world of everything dying and eating each other right beneath our feet.”.
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Je te laisserai des mots
En dessous de ta porte
En dessous de la lune qui chante
Tout près de la place où tes pieds passent
Cachés dans les trous dans temps d'hiver
Et quand tu es seule pendant un instant
Embrasse-moi quand tu voudras
Embrasse-moi quand tu voudras
Embrasse-moi quand tu voudras
Je Te Laisserai Des Mots — Patrick Watson.
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Durante a semana inteira, María carregou consigo aquela sensação incômoda de que alguém espreitava seus passos. Às vezes, sobressaltava-se só de um amigo se aproximar sem aviso prévio. Não quis contar nada a ninguém, julgava ser besteira, a Academia era enorme e podia simplesmente se tratar de pessoas passando pelas sombras sinuosas dos corredores.
Somente na quinta-feira aquela sensação parou de carregar seus pensamentos. Talvez tivesse algo relacionado com o Guardião dos Desejos que enfrentara – junto de amigos e colegas – no cemitério do instituto. Ou talvez fosse culpa daquela maldita carta que havia recebido da atendente da loja de roupas; talvez nenhum dos dois.
Mas era uma carta bastante incomum e esquisita, quais os únicos dizeres se tratavam de um conjunto de descrições da aparência exata da própria Banshee e, como se não bastasse, estava assinada por ela também. E por óbvio que María nunca escrevera ou assinara aquela tolice. Sequer sabia por que ainda guardava o papel em meio aos pertences.
Quando parou para pensar na carta de novo, na manhã daquela quinta, enfiou-a nos bolsos às pressas, com a intenção de jogá-la na primeira lixeira que visse pela frente – mas isso só faria após falar com Viena, que também possuía uma cópia com as suas próprias idiossincrasias.
Assim sendo, del Toro carregara a carta por todo lugar que andara naquele dia, e foi só numa passada pelo terceiro andar do castelo que a perdeu. Não era o planejado, mas de maneira quase encantada o papel escorregou do bolso do uniforme que vestia e deslizou porta abaixo da Sala Mágica. A híbrida de Banshee e Fada levou um momento inteiro até decidir simplesmente seguir o caminho para a comunal. Tinha um encontro pra dali uma hora e precisava tomar outro banho antes disso.
Também, não conseguira encontrar Viena naquele dia. Talvez se tivesse se esforçado mais, enviado uma mensagem ou simplesmente comparecido às aulas... Quem sabe as coisas tivessem ocorrido de outra forma e sua ausência onde mais precisava não culminasse no trágico ato da melhor amiga.
Pois era como se sentia, horas e horas depois de ter visto o corpo sem vida de Viena di Angelis. Culpada, com um gosto amargo inundando a boca e contaminando o coração.
Que a morena também tinha andado estranha, também parecia estar sendo perseguida por alguém, e a forma como seu corpo estava ferido e ensanguentado... e na Sala Mágica!, bem onde a carta bizarra fora parar, a mesma que a italiana possuía. Se tudo estava ligado e se tratava de algum tipo de armadilha, então Viena tinha caído, e María se odiava por não ter adentrado aquela sala também.
Viena morrera sozinha.
María dizia a si mesma que não, que Viena não estava morta. Após Jinsoo carregar o corpo da amiga até a sala da reitora, María vigilou por horas a fio o corredor, esperando a outra Banshee sair da sala de Arsyn caminhando com os próprios pés e com um sorriso sacana no rosto. Não aconteceu.
Só pela madrugada que a mexicana retornou até a comunal e se sentou junto à janela que dava para os terrenos, fitando de longe os campos vastos e verdes da propriedade a sua volta. Foi ali, naquela janela, no dia anterior, que falara com Viena sozinha pela última vez. As duas falaram sobre roupas, deram risadas e respiraram o mesmo ar.
Agora Viena não respirava ar algum.
Parecia muito ar para uma só pessoa. María sentia o peito se encher, prestes a estourar. Pressionou a cabeça com as próprias mãos e entreabriu os lábios para gritar. Nada saiu. De repente tudo era silêncio a consumindo de dentro para fora. Não conseguia chorar mais. Aquilo doía. Não queria seguir em frente, porque não era o fim. Viena só estava machucada e logo se curaria. Falaria com a amiga no dia seguinte.
Viena viveria.
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— Estou enjoada – declara Sancia. E se afasta da Irmã de Ferro.
María, a pequena híbrida de banshee e fada, lançava seus olhos arregalados e ansiosos para as adultas conversando. Estava sentada numa das grandes poltronas ao pé da janela alta, coberta por um vestido branco e sapatilhas de lacinho preto. Os pés balançavam para frente e para trás, um de cada vez, numa dança lenta e despretensiosa.
Da sala da Irmã de Ferro, no final do corredor da Casa Vermelha, não dava para ouvir som algum. Ainda assim, a garotinha sabia que outras crianças sobrenaturais e órfãs tumultuavam no salão de jogos. Não desejava se juntar a elas tão cedo. Embora não entendesse muito que aquelas mulheres diziam, estava mais interessada em escutá-las.
Alheia à presença da criança, a Irmã diz:
— Registre o nojo da senhorita Sancia.
A caneta na mão de Nestha, a outra Irmã de Ferro, se põe em movimento.
Sancia sorri; nada agradável, iguala-se mais a rigor mortis.
— Ora, não estou sendo exagerada. – Ela aponta com o indicador direito para a criança de cinco anos. – Esta menina é diferente, ela é uma híbrida, e duplicata, pessoas matarão por seu sangue. Temos que protegê-la, porque será o mesmo que nos proteger...
— Basta - a Irmã ergue a palma da mão destra. - Marquei este encontro porque ninguém melhor do que você sabe com o que estamos lindando, mas agora vejo que sua culpa se sobrepõe ao interesse comum.
A bruxa, Sancia, fecha os olhos. Leva uma eternidade de segundos até que volta a falar.
— Arantha será a primeira a vir atrás de María. É quem devemos cuidar em prioridade.
A Irmã de Ferro aquiesce. Como uma mortalha-viva, ela avança até seu destino em passos silenciosos e flutuantes, parando defronte aos livros da estante que cobria a parede oeste do escritório. Ela retira um grimório de capa cinza e surrada; Arantha é quem será engolida.
A irmã oferece o grimório para Sancia.
— Faça bom uso, e devolva quando acabar.
— O que será da criança? - Ela apanha o grimório com ambas as mãos firmes, e o enfia num bolso largo do lado externo da bolsa de carteiro que carrega.
— O destino sabe, Sancia, e isso basta.
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