soprodgabs-blog
soprodgabs-blog
DGabs
2 posts
Don't wanna be here? Send us removal request.
soprodgabs-blog · 8 years ago
Text
Eles estavam por toda parte. No lugar onde deveria ser o rosto havia uma mancha escura e densa.  As ruas iluminadas com a luz amarelada dos postes eram velhas e molhadas. Fedia a mijo. Eu seguia pela avenida principal, tentava apressar o passo, não gostava da maneira com que as pessoas me olhavam. E nem eu gostava de olhá-las. Um cachorro revirara a lixeira atrás de algum resto para saciar sua fome. Eu, já fazia três dias que não botava nada no estomago. Estava anoitecendo e o céu queimava acima de minha cabeça e eu desejei que ele despencasse, ali, naquele momento sobre nossas cabeças. Em cima de mim, de todas essas pessoas vazias, de todas essas construções escondendo solidões. Desejei que tudo acabasse. Parei de caminhar. Fechei fortemente os olhos e desejei.  Nada aconteceu, é claro.  Quando abri os olhos, os sem faces ainda passavam por mim, cruzavam minha vida sem perceber. Enquanto voltava a caminhar acendi um cigarro na esperança de ser atropelado a qualquer momento.  O prédio era enorme, cheio de grades.  Havia um longo bigode branco que anotava meu nome e endereço. Só assim eu poderia subir até esse encontro. Esse súbito encontro. Esperei o elevador. Na minha cabeça cansada eu estava pra fazer 33 anos, mas recusava a acreditar nisso. O elevador chegou, e lá dentro havia uma senhora gorda, comendo uma coxa de frango, ao seu lado havia uma criança que me olhou com um olhar de nojo. Alguns andares depois eles desceram, fiquei sozinho no elevador, ainda faltavam alguns longos andares. Meu súbito encontro me esperava no 23° andar. Eu havia me esquecido de trazer o vinho. Quanta falta de gentileza! O elevador chegou e eu me encontrava em frente ao 23°. Não tive coragem de bater a porta. Respirei fundo, olhei pela janela do corredor. Era lua cheia. Acendi um cigarro. Minhas botas estavam velhas e gastas, assim como minha vida. Eu tinha a idade que cristo morreu e ainda não havia feito nenhum milagre. Meu corpo estava cansado e eu vivia tomando remédios para dores. Depois de uns dois ou cinco cigarros resolvi bater. Ele atendeu prontamente, como se me esperasse atrás da porta.  Meu súbito encontro.  - Demorou tanto. Cheguei a pensar que não viesse mais – disse ele. - Desculpe, não tive como trazer o vinho.  - Entre logo.  Entramos no apartamento e seus dedos percorreram todo o meu corpo num apertado abraço. Há duas semanas, certamente já estaríamos rolando pelo chão, sem roupas, misturando nosso suor, encostando os pelos de nossa barba na mais perfeita realidade de desejo. Mas não, ainda nos encontrávamos no corredor de entrada do apartamento, bem próximos a porta, meus pés não obedeciam, vi seus braços esticados para mim, peguei suas mãos e deixe-me ser guiado mais uma vez.  Mais uma vez. - Preciso usar o banheiro – eu disse. - Você sabe o caminho. Enquanto isso preparo um drink – disse ele. No banheiro eu olhava meu rosto no espelho e tinha a certeza de que não poderia mais continuar com esse jogo. Eu não o amava mais. Eu não me amava mais. Eu não amava mais porra nenhuma. Eu não. Estremeci, arrastei-me para trás da porta e chorei. Senti do outro lado que ele chorava comigo. Lavei meu rosto e decididamente abri a porta para enfrentá-lo. Ele me esperava com um sorriso agradável e um gim com Tonica, o meu preferido. Matei-o em um único gole. Ele me abraçou. Dançamos um pouco ao som do nada. Durante toda minha vida sempre gostei do som do nada. Seus braços envolviam meu corpo.  Afastei-me de sua tentativa de beijo.  - Eu preciso falar com você – eu disse. - Por favor, não interrompa esse momento.  - É muito importante.  - deixe-me sentir você...  - Por favor, não... - Seu cheiro é tão bom... - Não, por favor. Eu... O empurrei ferozmente e ele se assustou. Olhava-me espantado e com certo medo. Nunca havíamos nos olhado daquela maneira. Como dois estranhos que conheciam muito bem o corpo do outro. Que sabiam onde mordiscar no escuro da madrugada. A pessoa com a qual compartilhamos cigarros, história e o tempo.  O tempo estava sempre à espreita.  - Me desculpe – eu disse. - O jantar está pronto. Está com fome? Espero que sim – ele disse saltitando em direção à cozinha.  Eu fiquei parado, me sentindo um covarde. Sentindo-me um completo idiota. Destampei o vinho e matei metade da garrafa. Escutei ele chorar de longe. Agarrei o restante da garrafa e sai porta afora. Na rua de frente ao prédio, eu olhava para o meu mais novo passado. Sem remorsos eu dei as costas para aquele amor, segui em frente até encontrar um bar que me parecesse distante o bastante. Distante de mim. Encontrei um de duas portas. Pedi ao cara atrás do balcão uma cerveja. Acendi meu cigarro e decidi não pensar em nada. Estava confortante assim, com meu cigarro, minha cerveja e alguns sem faces, sem esperanças afogando a vida no álcool. Eles costumavam sempre se encontrar em lugares assim, lugares com mulheres sujas e mal cheirosas, homens brutais e carentes e os seres anônimos como eu. As criaturas atordoadas pelo amor. Pedi mais uma cerveja e fiquei observando a fumaça do cigarro subir em direção à luz. A vida faz mais sentido quando entramos em um bar e olhamos a fumaça do cigarro subir na direção da luz. Um homem magrelo, manchado, de barba amarelada, usando uma jaqueta jeans se aproximou de mim.  - Te pago 20 por uma chupada – ele disse. - Obrigado, mas eu estou bem – recusei. - Você não quer? - Não.  - Se acha o fodão, não é?  - Não cara. Apenas não quero a chupada.  - TRAGA MAIS DUAS CERVEJAS ZÉ! UMA PARA ESSE SUJEITO AQUI E OUTRA PARA MIM – gritou para o infeliz atrás do balcão. - O que você faz?  - Sou escritor.  - É mesmo?  - Sim.  Ele ficou me olhando. As cervejas chegaram e não nos falamos mais.  Já era madrugada quando ajudei o Zé a jogar aquele corpo na calçada do bar. Ele fechou as portas, certamente indo em direção à sua casa. Eu seguia, meio roçando as pernas em direção a lugar nenhum. Não me lembrava onde morava. Procurei um tipo de chave no bolso e não havia nada. Acendi um novo cigarro e entrei no parque central da cidade. Muitos vagabundos e tristes como eu dormiam por ali. E lá a gente sempre descolava mais um gole. Nesta noite não havia ninguém. Apenas uma desdentada senhora moradora de rua que divide seu uísque com um cachorro magrelo e desnutrido. Naquela noite não morreriam de frio. Já eu. O cachorro me viu e começou a latir. A senhora resmungou alguma coisa e me olhou.  - É você Jefe? Demorou tanto. Ela se levantou desequilibrando em minha direção. Segurei aquele corpo velho por entre os braços. Ela me olhou fundo. Seus olhos brilhavam. Ela não tinha a mancha escura no lugar do rosto.  - A mais de 23 anos que te espero aqui. Por que demorou tanto? - Eu não sei – respondi por entre os dentes.  - Beba. É o seu preferido.  Destampei a garrafa e mandei goela abaixo. Desceu rasgando minha alma.  - Veja, Jefe, minhas mãos envelheceram. Como você se manteve tão jovem todo esse tempo? - Acho que andei pelos caminhos errados – eu disse. - Ainda me ama não é, Jefe? - É claro.  Então nos beijamos. Seu mau hálito me fez vomitar. - Me desculpe, baby – eu disse envergonhado de minha decadência juvenil. Ela acendeu um cigarro enquanto eu bochechava com o uísque. Faltava-me ar. Ela se levantou e com um assobio falhado chamou o cachorro, que se levantou prontamente e começou a segui-la.  Ela caminhava devagar e eu a observava se afastar. - Você fica me devendo outra garrafa, seu filho da puta – disse ela se afastando. Então sumiu na escuridão da madrugada fria e cheia de neblina.  Eu fiquei sentado pensando se realmente não havia deixado partir o meu grande amor. Mesmo tendo certeza de não ter essa capacidade. Deitei-me no banco do parque esperando morrer congelado. E por um instante o mundo me pareceu um lugar agradável.  Acordei com o sol queimando meu rosto. Algumas crianças gritavam correndo atrás de uma bola. Uma senhora me encarava do outro lado. O whisky havia sumido. Levantei-me e sai andando. O inverno não havia me levado. Decidi voltar ao apartamento onde meu súbito encontro talvez ainda me esperasse.  Passei pela entrada. Cumprimentei o velho bigode branco e subi em direção ao 23° andar. Ele havia deixado a porta entreaberta. Entrei e o encontrei sentado no sofá próximo à janela. Ele fumava com um olhar distante dentro de sua taça de vinho.  - Tem um desses pra mim?  Ele esticou o olho para cima da mesinha de centro. Peguei um cigarro acendi e me abaixei de frente a ele. Seus olhos estavam molhados.  - Me desculpe se demorei muito desta vez.  Ele nada disse. Continuei. - Veja! Minhas mãos ainda estão jovens. Nós ainda estamos jovens.  - Se importa em pegar mais uma garrafa na dispensa? – disse ele. Corri até a cozinha e peguei um bom vinho. Destampei e servi uma taça para mim e outra para ele. Nos olhamos fundo. Ele de lá me observando. E eu através do reflexo dos vidros. Sentia um incomodo ao saber que ele me observava. Por um momento me arrependi de ter voltado, mas precisava ser forte. Levantei o rosto e fui a sua direção. Ele agarrou a taça e matou com um só gole. Depois pegou a minha e fez o mesmo. Logo em seguida me abraçou ferozmente e me beijou. Parecia faminto por mim. Mordeu meus lábios, senti o gosto do sangue. Não me importei. Caímos no chão derrubando as garrafas de outros dias e noites. Apertávamos-nos um ao outro. Tiramos as roupas, mas não conseguimos avançar. - Eu não te amo mais. – desabafei.  Ele continuou a me apertar. Sua respiração em minha pele fazia-me sentir deprimido. Tentei me soltar e acender um novo cigarro. Ele não deixou. Ficamos ali, nus, abraçados no carpete por uns longos minutos. Eu tremia de medo. Alguma coisa parecida com lagrima desceu limpando a mancha densa e escura que cobria seu lindo rosto. Naquele momento eu percebi que havíamos nos libertado.  Ele se levantou e nu voltou a olhar a janela.  – Está chovendo muito lá fora. Lavando tudo. Talvez consiga lavar as nossas almas – disse ele. Acendi um cigarro e o abracei por trás.  - Me desculpe se o faço sofrer – eu disse. - Você não é exclusividade - respondeu num soluço. Minha respiração ficou aquecendo sua nuca e meus braços envolviam sua cintura, minha alma se misturava com a sua e por um momento pensei que nunca mais sentiria fome.  D. Gabs
0 notes
soprodgabs-blog · 8 years ago
Photo
Tumblr media
0 notes