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sxlfcontrol · 2 months ago
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Gosto de mãos. Reparo nas mãos de todo mundo. Quase como se qualificasse a beleza da pessoa só pelo formato das unhas. Divido as pessoas entre feias e bonitas pela forma como os dedos e unhas são estruturados.
As mãos da minha noiva são pequenas e delicadas; as unhas também são, bem quadradinhas. Ela gosta de encher os dedos de anéis, e eu acho esteticamente muito atraente. As mãos do meu pai são finas, mas a pele é áspera. Ele tem veias grossas saltando pelo dorso de ambas as mãos. No dedão direito, por causa de uma marretada errada, a unha se dividiu ao meio e cicatrizou assim.
Minha mãe tem mãos gordinhas e unhas com um formato longo. Ou seja, mesmo quando estão curtas, ainda assim parecem compridas. Ela faz as unhas no salão todo sábado. E os pés, a cada 15 dias, às quintas-feiras. As mãos dela se parecem com as do meu avô, e as unhas com as da minha avó. Eu acho incrível como mãos e unhas contam histórias.
Eu não tenho mãos e unhas parecidas com as de ninguém. Passo muito tempo olhando para minhas próprias mãos. Às vezes me pego pensando em como seria se eu voltasse a deixar as unhas crescerem, como fazia no Ensino Médio. Mas não tenho mais o luxo que é ter tempo. O tempo de ir ao salão toda semana, tirar cutícula, escolher uma cor de esmalte. Não tenho mais o dinheiro — que, na época, também não tinha, mas a manicure era patrocinada pela minha mãe.
Às vezes me pego olhando para minhas unhas e vejo como estão curtas. E as cutículas, grandes. Olho para os meus dedos e parece uma mão masculina.
Meus pensamentos escorregam rapidamente para uma lembrança que eu preferia nunca ter tido.
Quando Arthur morreu e eu o vi deitado no caixão, parecia mentira.
Me lembro de acordar cedo, entrar no chuveiro e pensar: Puta merda, tô lavando o cabelo para enterrar meu melhor amigo. Eu vesti uma roupa. Depois eu calcei os sapatos, escovei os dentes, dei tchau pra Pipper que tava dormindo tranquilamento em cima do sofá.. Tudo isso para ver o meu melhor amigo sendo colocado num caixão e depois ser enterrado num chão feio. Não consegui dirigir até o velório, e minha amiga me levou até lá. Eu lembro de desabar em choro no colo dela quando desci do carro. Gosto do abraço da Nathália. Tem calor de famíla. Letícia ficou do meu lado o tempo todo. E minha mãe extraordinariamente não foi pro trabalho, pra poder ir comigo se despedir dele. Chegando no velório só enxergava raiva, tristeza e angústia. E aquilo me parecia um verde com azul como se tivesse um filtro na minha visão. A gente caminhou até o salão que ele seria velado. Eu li "Arthur Ramos de Melo" na porta e quis ir embora. Mas meu corpo me puxou pra frente. Eu lembro de me esgueirar pela porta ou empurrar uma parte dela. Não sei direito. Ouvi minha mãe me xingar porque entrei na sala que só tinha o caixão dele no meio. Acho que ela gritou o meu nome, na intenção de que eu desse alguns passos pra trás e voltasse pra fora do salão. Acho que voltei. Voltei porque fiquei sem graça. Mas pensando nisso agora, devia ter continuado onde estava: parada em frente à um pulpito onde se debruçava um "livro de presença". Não é meio mórbido? Um livro de presença num velório? Não é como em festa de 15 anos, que você pode voltar e rever quem apareceu. Logo atrás de mim, Isabela, a irmã do meio do Arthur apareceu gritando. Ouvi um "Eu não posso ver meu irmão?". Ela gritou muito alto. É estrnho porque fazia um silêncio absurdo mas ou mesmo tempo fazia muito barulho. Alguém, não me lembro se mulher ou homem, disse que podíamos entrar. 

Nessa hora a sensação que eu tive foi de correr uma maratona até chegar na ponta do caixão. Sete ou oito passos viraram um eternidade. Na minha frente, eu não via nada nem ninguém. Só uma janela grande que ia quase até o chão. O caixão perto da janela, alguns ornamentos dourados com velas, 6 cadeiras sendo 3 do lado direito e 3 do lado esquerdo. Alguém da funerária, provavelmente a mesma pessoa que deixou a gente entrar antes do horário marcado, chegou perto para abrir a tampa da caixa que meu amigo estava deitado. Teve muitos gritos, acho que vieram de Isabela. Eu não me lembro de gritar. 

Mas tinha a sensação de ter tomado um choque no peito, como se alguém tivesse aberto meu peito, segurado meu coração e apertado até ele não fazer nenhuma contração.
Vestiram ele com uma camisa social azul-marinho, de botões. Estava fechada até o final, tanto no pescoço quanto nos punhos. As mãos estavam cruzadas sobre a barriga, como é de costume com os mortos. Colocaram um anjinho na mão dele — daquelas imagens pequenas que a gente vê na casa da vó. Um pouco mais tarde ouvi o pai dele contando que era um anjinho que ficava no quarto do Arthur. Acho que ele também segurava um terço. Acho que era um terço. Algumas coisas ficam nebulosas na minha mente quando penso naquele dia.
Ele estava com barba por fazer, mas dava pra ver que apararam alguns pelos e passaram maquiagem nele. Na lateral da testa tinha um brilho. Sabe? Como se fosse brilho de lantejoula. Um brilho de maquiagem de carnaval. Fiquei pensando que talvez o pincel que usaram para espalhar a base pelo rosto branquíssimo do meu amigo tivesse algum resquício de outro tipo de maquiagem... talvez alguma sombra com glitter, algo assim. Tentei tirar esse brilho algumas vezes, mas não consegui. No fim, achei poético.
No topo da cabeça dele, bem no cocuruto, o cabelo estava molhado. Queria saber o que era, mas, ao mesmo tempo, não tive coragem de tocar. A pele estava fria e dura. Acredito que tenham preenchido o corpo dele com muito formol — talvez mais do que o normal, já que ele veio do Rio de Janeiro para Minas de carro.
Não sei que sapato ele usava. Uma vez li que os pés são quebrados para caber no caixão. Não sei se é verdade. Mas queria saber se tinha sapatos. Amava os tênis que Arthur tinha, achava de muito bom gosto. Não lembro a cor da calça. Na verdade, não dava pra ver. Da cintura para baixo, só havia flores. Acho que eram rosas. Não sei ao certo. Como disse, minha cabeça apagou algumas coisas daquele dia.
Fiquei sentada perto da cabeça dele, vendo o lado direito do rosto. Olhando bem para o nariz. Me perguntando, por dentro, por que ele tinha feito isso. Me lembro de querer falar 'eu te amo' perto do ouvido dele, mas não consegui. Passei a mão no rosto, no peito duro e esquisito e segurei sua mão gelada. Como eu disse no começo, eu reparo em mãos.

Os dedos que ficaram colados na barriga estavam dobrados. Dobrados de um jeito estranho, como se estivessem quebrados. Não era um dobrado natural, era forçado. É isso. O mindinho e o anelar da mão esquerda estavam dobrados num ângulo que uma mão viva não suportaria — e aquilo me matou por dentro. A unha bem cortada, mas roxa, do meu amigo morto na minha frente. Deitado no caixão de madeira escura.
Aquilo mudou minha percepção de vida e morte para sempre.
Daqui a pouco, já se vão oito meses desde o dia em que Arthur se matou. E eu ainda quero saber o motivo. Por que ele tomou essa decisão? Como ficou tão doente e ninguém percebeu? Será que ele teve ciúmes de um namorado e tomou uma decisão impulsiva? Foi um ato pensado? Como era médico, tinha acesso a todo tipo de medicação e sabia exatamente como calcular cada dose. Então foi uma decisão calculada... mas impulsiva? Todo mundo me diz que eu não poderia ter mudado nada. Que o que aconteceu, aconteceu. Que “tinha que acontecer”. Mas "as ligação que eu não fiz tá chamando até hoje."
Se uma ligação não fizesse diferença, não existiriam centros 24h para prevenção do suicídio.

E eu não fui capaz nem de ouvir minha própria intuição me dizendo pra ligar. Me vi sendo corroída 15 dias antes por um angústia sem cor e nome, tentando entender o porque de tanta ansiedade. Não consegui identificar que era o meu amigo precisando de mim.
Falhei. Falhei com meu melhor amigo — e isso não tem desculpa. Não constato isso de um lugar de ego ou fúria, mas com a clareza de oito meses de luto. Eu, Isabelle, poderia ter feito mais. Poderia ter feito melhor. Poderia ter sido a melhor amiga que ele precisava naquele momento horrível. Ainda não escrevi para ele. Ainda não falei com ele. Passei a não acreditar em nada. Tenho preferido aceitar que, depois da morte, só existe o nada. Puro e simples. Nada acontece. Você não vai para outro lugar. Não existe céu, inferno, purgatório, limbo. Simplesmente acabou.
E acho que é melhor assim.

Mas Artrhur, se de alguma forma a gente conseguir se conectar de novo, se de algum jeito a gente conseguir conversar uma última vez, gostaria que soubesse que te amo. Mas que também estou muito brava e que vai me ouvir te xingar e se eu puder também vou bater. Te abraçar. E pedir, por favor, que me perdoe por não estar lá. 


Arthur, eu acho suas mãos bonitas mas é da sua risada que eu sinto mais falta.
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sxlfcontrol · 3 months ago
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Hi, Tumblr, my old friend. 🫶🏽
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sxlfcontrol · 2 years ago
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if i got possessed demonically i wouldn’t even notice it. with everything else i’ve got going on
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sxlfcontrol · 3 years ago
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Helena Bonham Carter in Fight Club (1999) dir. David Fincher
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sxlfcontrol · 3 years ago
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Source: Out In America; A Portrait Of Gay and Lesbian Life , by Michael Goff and the staff of OUT magazine
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sxlfcontrol · 3 years ago
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sxlfcontrol · 3 years ago
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sxlfcontrol · 3 years ago
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sxlfcontrol · 3 years ago
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sxlfcontrol · 3 years ago
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sxlfcontrol · 3 years ago
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every girl should be allowed to lie on the floor for 16 hours a day to cope with the agonies
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sxlfcontrol · 3 years ago
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sxlfcontrol · 3 years ago
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sxlfcontrol · 3 years ago
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sxlfcontrol · 3 years ago
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sxlfcontrol · 3 years ago
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A pregnant Lauryn Hill in NYC (1997).
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sxlfcontrol · 3 years ago
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