° · WHAT DOESN’T KILL YOU, MAKES YOU WISH YOU WERE DEAD. · 🌿 — { SELF-PARA.
No cume da colina, o casebre vitoriano repousava solitário, a silhueta torta sobrepondo o povoado de Hogsmeade. Há muito não se ouvia os gemidos agoniados que, outrora, haviam a rendido o título de assombrada. Mesmo assim, nada além de insetos e os ocasionais animais desabrigados se aventuravam por ali. O luar espiava o cômodo através das rachaduras do telhado, holofotes para as partículas de poeira valsando pelo ar. O ciciar das árvores e o distante piar das corujas eram os únicos sons a ecoar pelas paredes descascadas. Fugindo da cruviana, um gato se espreitara para dentro da casa decrépita, pulando sobre móveis quebrados até reconfortar-se na cama de dossel. De repente, com um pop, uma figura desgrenhada materializou próximo à porta. Colocando-se de pé, alerta, o gato chiou, as íris amareladas observando conforme a silhueta encurvada cambaleava pelos cantos até cair no colchão — o animal curvou a cabeça em direção ao homem mas, ao que esse deixou um longo e doloroso grunhido, o felino recuou e, com um pulo, correu para fora do quarto.
TRIGGER WARNING | Menção (semi-descritiva) de relação parental disfuncional & tóxica; menção de sangue (não descritivo); menção de auto-aversão (não descritivo); menção (semi-descritiva) de ferimentos & violência; alusão a depressão.
Forçando o corpo a virar no colchão, Remus não conteve outro uivo agoniado. Sentia cada músculo e osso em seu corpo a repuxar e latejar. Inalando o ar empoeirado, tossiu, sentindo o gosto metálico subindo pela garganta conforme cada arfada de ar expelia sangue. Tentou mover-se, mas os membros estavam pesados, como se ainda estivessem sendo pressionados pela força do lobisomem. Deitou a cabeça para trás, as pálpebras exaustas se recusando a abrir, e os cantos dos olhos coçando com o lacrimejar. Uma solitária lágrima escorreu pela bochecha com a excruciante ardência no tórax. Conseguia sentir onde Fenrir Greyback havia rasgado-lhe a pele, mas também sentia os cortes donde a aparatação apressada haviam o cortado, feridas profundas e impiedosas como as garras afiadas do homem. Esparramado sobre o colchão, a febre intensificava a exaustão. Memórias persistiam em afundá-lo num delírio e, antes que percebesse, sua consciência dissipava.
· { WHAT DOESN’T DESTROY YOU, LEAVES YOU BROKEN INSTEAD } ·
Quinze anos antes, Fenrir Greyback não contaminara somente seu sangue. Tal qual um gatuno, o lobisomem saltara o peitoral da janela para dentro de seu quarto, atacando-o onde deveria sentir-se seguro — o capturara e vexara sobre o carpete de dinossauros, em frente às pinturas tortas duma família de três. Tendo desmaiado segundos após a segunda mordida, em suas memórias, a ajuda nunca chegara. Quando os curandeiros haviam sacudido as cabeças para às súplicas do patriarca e o mandado para casa, mesmo após o uso de mágica para a limpeza do local, o odor de pelos molhados e lodosos continuava a atazaná-lo. Mesmo quando adotaram o estilo nômade, as orbes azuladas persistiam em procurar a criatura se espreitando na escuridão: cada vento que quebrava contra as vidraças era como se ele estivesse ali, o provocando; o farfalhar das folhas eram seus passos, os rangidos das calhas sua risada diabólica. Repousar em sua cama, cercado pela escuridão, era retornar para àquela madrugada — e, nas manhãs seguindo as transformações, as memórias das violências que cometera invadiriam sua mente com vividez: as unhas formigavam ansiando estraçalhar, as pupilas dilatavam com o aroma enferrujado e os ouvidos detectariam os padrões duma criatura há quilômetros de distância. A cólera causava-lhe arritmias, um sentimento tão intenso e fervoroso que o levava à morder e arranhar. As marcas que adornavam-lhe o corpo também se encontravam nos batentes, pisos e, por um tempo, pelo tronco do pai. A lua cheia acontecia uma vez ao mês e, cada vez que o corpo reconfigurava-se, nos dias que seguiam, precisava se reajustar a ele, como se trajasse uma fantasia incômoda. As dores e ferimentos o acompanhariam pelos outros dias do mês, constantemente drenando a cor de seu rosto, brincando com sua sanidade. Sua mente parecia um território inimigo cujo domínio lutava para conquistar — muitas vezes, não conseguia distinguir entre as próprias vontades e das criatura. Tinha medo de adormecer e de acordar, de que um dia o animal violento o consumiria. Muitas vezes, desejara que pulasse sua janela novamente, e o ceifasse duma vez.
Mas, enquanto Fenrir Greyback o transformara numa besta, Lyall Lupin o transformara num monstro.
· { THINGS FALL APART BUT NOTHING BREAKS LIKE A HEART } ·
Quando tem quatro anos, Remus Lupin sabe o quê é amor. Amor é o que sente quando a mãe beija-o na testa antes de dormir; são as vozes diferentes que o pai usa quando está contando sobre um mundo inimaginável; um bolo de chocolate numa manhã de domingo. “Eu te amo” são palavras mágicas que fazem com quê os adultos o deem abraços apertados e a garotinha com sardas o dê um beijinho na bochecha durante o intervalo. Amor estava costurado nos pormenores daquelas paredes que chamava de casa.
Aos meros seis anos, quando o sussurram que o motivo pelo qual virava noites em delírios causados pelas dores, que o corpo enfraquecia e empalidecia, que sentia como se sua mente não o pertencesse era porque estava doente, Remus estimara por aqueles gestos com os quais acostumara. Toda criança enferma não deseja nada além do aconchego dos progenitores. Esperava receber um beijo na testa, ter os cabelos afagados e ouvir os “Contos de Beedle, o bardo” até adormecer. Estimara os abraços da mãe, as palavras encorajadoras do pai. Mas os abraços dela não eram mais aconchegantes: eram apartados, sufocantes. O gentil brilho de seus olhos haviam se tornado opacos, vazios. E quando acariciava-lhe as madeixas, eram com dedos trêmulos e lágrimas escorrendo pelas bochechas que, na mesma medida que as suas, haviam perdido a saliência. E o pai… as únicas vezes que o segurava era nas manhãs após as transformações, por poucos minutos, frouxamente — até algum curandeiro abrir a porta e sua mãe correr para agarrá-lo, e o homem deixaria o quarto sem olhar para trás. Nos dias em que conseguia levantar da cama, percebia que Lyall recuaria para o escritório e não sairia até que repousasse. Era como se a ideia de vê-lo o aborrecesse. A única exceção havia sido quando, numa tarde amena de primavera, quando moravam num povoado nos limites de Yorkshire, sentara na grama do quintal para apreciar o céu. A mãe o dissera que o ar limpo o faria bem. Mas, antes que pudesse catalogar as formas das nuvens, sentira o braço ser puxado com tanta força que as pernas esguias começaram a tremer, certo que o monstro voltara para devorá-lo — mas era seu pai, o arrastando para dentro com a cara avermelhada. Ele batera a porta e gritara sobre como não podia deixar a casa enquanto não se livrassem daquela doença. Fora a primeira vez que o vira daquela maneira e, depois daquilo, as portas que davam para o lado de fora passaram a ser trancadas com magia.
Então, amor passou a ser os estranhos que o davam poções e espetavam-lhe, esperando reações que nunca vinham. Eram as noites que a mãe passava chorando sobre sua cabeça, a porta trancada do escritório no fim do corredor. Era a maneira como o restringiam na cama quando sua raiva era tão intensa que se machucava.
Quando haviam vendido a casa, não os sobrara nada. As pelúcias que abraçava para dormir, os cartões comemorativos que adornavam a geladeira, os livros que usava para praticar a leitura. Para facilitar a locomoção, todos os pertences haviam sido vendidos. Sobrara apenas uma fotografia que, muitas vezes, encontrara aconchegada no meios dos braços da mãe. Nela, ainda possuía as bochechas rosadas e o sorriso inocente. Uma vez, contudo, quando se arrastava silenciosamente pelos corredores da casa numa madrugada em que os pesadelos não o deixavam adormecer por muito tempo, encontrara a porta do escritório entreaberta. Em sua curiosidade infantil, espiara: para sua surpresa, o pai estava curvado na cadeira e, agarrado contra seu peito, sua pelúcia favorita. Outrora, havia a carregado por todos os lados, conversado com ela por horas e a manchado com chá. O pai chorava, apertando o coelho de pelúcia até o estofamento sair pelas descosturas. Então, aos mero nove anos, Remus compreendia. Quando Fenrir Greyback pulara a janela de seu quarto, seus pais haviam perdido um filho.
Continuavam a chamar sua condição de doença, mas há muito ouvira os sussurros sobre a verdade. Sobre como tornara-se uma das feras que o pai caçava. Eles haviam perdido um filho porquê aquilo que se tornara não era a criança que haviam amado, o que exibia largos sorrisos em fotografias e recitava o abecedário sem gaguejar. Ele era um monstro. Um dia, num café da manhã, alguns meses antes de seu aniversário de onze anos, na rara ocasião em que Lyall sentava à mesa com ele, Remus perguntara. “Por que vocês não me mandam embora?” Passara muitos dias pensando naquilo. Que os pais poderiam mandá-lo embora, deixar que virasse o fardo de outra pessoa. Quem sabe arrumar outro filho. “E quem iria querer isso?” Lyall respondera após longos minutos, baixo, antes de retornar para o escritório. Foram somente anos depois que considerou que isso era a situação — mas não machucou menos. Em sua culpa e luto, o amor do patriarca se mostrara egoísta. A única versão de Remus que habitava seu coração era àquela que perdera na noite que o lobisomem o mordera.
A consciência retornou num supetão, o corpo o incitando a acordar. Era impossível dizer quanto tempo passara, mas alguns feixes de luar o acariciavam-lhe o rosto, como se reconhecessem um velho amigo. Apesar do cochilo, sentia-se mais exausto que antes e, quando apoiou os cotovelos no colchão para levantar, sentiu uma pontada excruciante em suas costelas. Permaneceu naquela posição por alguns minutos, a respiração pesada e vagarosa, enquanto reunia forças para colocar-se de pé. Precisava tratar dos ferimentos antes que sua consciência decidisse esvair novamente, exceto que, se o fizesse, temia que não retornaria.
Com um grunhido, agarrou-se ao poste da cama, o utilizando de apoio ao colocar-se de pé e, então, cambaleou pelo cômodo. Não precisou murmurar um encantamento para iluminar o local, encontrando seu caminho através da memória. Contrário de seus aposentos, a solitária casa na colina tornara-se seu refúgio. Mesmo no escuro, sabia onde estavam os pôsteres de bandas de rock, as coloridas bandeiras de times e o estandarte da grifinória, fixados com magia — assim como onde as fotografias haviam estado, antes de retirarem-nas ao se formarem, deixando apenas resquícios de cola e papel fotográfico para trás. Tinham transformado aquele espaço para eles, para que as madrugadas que insistia em passar sozinho fossem menos solitárias.
Odiava recorrer à Madame Pomfrey para cada dor o incomodando ou machucado que reabria. Mesmo que o recebesse com palavras dóceis e sorrisos gentis, sua mente sempre voltava para os curandeiros com mãos calosas, os olhares ávidos tal qual um cientista a brincar com seu rato. Estocara bandagens e ingredientes para cataplasma, visto que não podiam utilizar de caldeirões ali, para as manhãs em que estava debilitado demais para conjurar feitiços. Durante seus primeiros anos na Ordem, retornara para aquele local muitas vezes quando ferido, a fim de evitar ser um estorvo para outros membros — por isso, sabia que o estoque ainda estava ali, cheio. Se ajoelhou no chão, próximo a inutilizada lareira, puxando uma tábua no chão para revelar os vidrinhos e caixas de suprimento. Usou a baixa claridade e o olfato para encontrar o quê precisava e, com dificuldade, preparou o cataplasma.
Terminou de rasgar a camiseta — que, após a altercação daquela noite, era mais trapos que roupa —, seguindo a aplicar a mistura sobre os cortes, rangendo os dentes a cada vez que os dedos tocavam a pele. Lágrimas teimaram em cair, e Remus precisou respirar fundo algumas vezes. Quando todos os cortes estavam devidamente úmidos com a pasta, passou a envolver-se nas bandagens, apertando o máximo que conseguia em seu desajeito. Então, por fim, deixou-se descansar contra a parede antes que precisasse continuar com os encantamentos.
· { I AM THE MONSTER YOU CREATED, YOU RIPPED OUT ALL MY PARTS. } ·
Consumido por seu luto, Lyall procurara por e acatara qualquer tratamento que encontrava. Quando nem os bruxos estrangeiros conseguiram inventar uma cura, recorrera aos tratamentos trouxas. Mas, cada um e todos, somente haviam causado sofrimento a Remus. Físico e mental. Não importava o quanto protestasse, o patriarca estava obcecado. E, sempre que exibia reações adversas às esperadas, Lyall apenas viraria de costas e o deixaria para ser cuidado pelos curandeiros, sob os soluços desesperados da mãe. Nenhuma palavra encorajadora, nenhum murmúrio que as coisas ficariam bem. Aos dez anos e meio, Remus era uma criança esguia e comprida de pele translúcida e profundas olheiras avermelhadas, marcado por incontáveis cicatrizes e escondido atrás de bandagens. Cobrira cada superfície que refletisse sua imagem e, em ataques de pânico e cólera, quebrara alguns. Da mesma maneira que o patriarca não conseguia olhá-lo, Remus repugnava a própria imagem. A própria existência, em fato. Interpretavam a distância do pai como outro indício do quão asqueroso e ignóbil era, que não havia esperança para alguém como ele. Quando partira no trem, a mãe convencera Lyall a diminuir as pesquisas uma vez que estaria longe e o diretor prometera que estaria em bons cuidados.
Em seu primeiro ano em Hogwarts, estivera apavorado com a noção de compartilhar o aposento, de estar cercado por estranhos. Era, afinal, a primeira vez socializava com pessoas além dos progenitores em muitos anos; anos que passara com medo da própria sombra, desconfiado dos próprios instintos. Contudo, viver no dormitório o ajudara a fingir que não se importava com o escuro. Quando as luzes se apagavam e os olhos permaneciam abertos na penumbra, se acalmava dizendo que os vultos se movendo por entre as camas eram os colegas de quarto. Os truques de sua mente perdiam efeito a cada madrugada que perdiam em conversas, comendo doces e gargalhando até o amanhecer. Mas o zelo dos amigos também expusera as profundas feridas em seu coração.
Quando aqueles três garotos decidiram por acatá-lo mesmo com seu “probleminha”, desesperadamente almejara por mantê-los por perto. Embora rumores dissessem o contrário, Remus nunca desejara pela popularidade e reputação: seu único desejo era a amizade que o ofereciam, a maneira como o faziam sentir que pertencia, que sua presença era estimada. Mas não demorou a perceber que não era apenas a licantropia que o diferenciava deles. Somente quando os observara regozijando de suas adolescências — se apaixonando, criando problemas, se metendo em brigas, compartilhando seus sonhos — que percebera que alguma coisa dentro de si se quebrara há muito tempo.
Ao contrário deles, Remus não conseguia existir livremente. Cada decisão que tomava, cada vontade ou opinião que expunha eram feitas com minuciosa consideração. Pois, em seu âmago, estava apavorado que, a qualquer segundo, cometeria um erro que provaria as noções do patriarca: que era um monstro. Muitas vezes sentira como se estivesse a trajar uma máscara. Temia demonstrar como sentia-se, expor a cólera e a melancolia em sua verdadeira intensidade e eles decidirem que não o amavam mais. Porque, para ele, amor não se mostrara um sentimento incondicional e infinito: amor era um sentimento egoísta. Passara noites afogando em inveja, ponderando como as coisas seriam se nunca tivesse sido mordido… se em vez de se recuar no escritório, Lyall o tivesse dito que estava tudo bem. E a cada dia, sua cólera se intensificava. Contra si, contra o pai. Sempre que recuava quando o demonstravam afetos, o ofertavam elogios ou congratulações; que sentia o pânico o tomar quando encontrava conforto sentado entre eles, gargalhando e se aconchegando ao redor da lareira. Continuaria sendo o “amável Lupin” nas visões de seus amigos se pudessem ler seus pensamentos? Se soubessem o quanto repudiava cada milímetro de si mesmo. Como, secretamente, implorava que alguém o olhasse feio num corredor ou o dissesse a coisa errada para que tivesse uma desculpa para descontar sua raiva. Como desesperadamente se comportava e mantinha suas aparências para que não suspeitassem que estava podre por dentro, desprovido de qualquer resquício de amor. Mesmo quando sentia-se, genuinamente, contente pelas conquistas e feitos deles, ouvia as vozes intrusivas em sua mente o sussurrando, criando dúvida sobre as próprias emoções, o mandando numa espiral de auto-aversão. O quanto, pateticamente, ansiava pela companhia, pela afeição, pela leveza com a qual caminhavam por aquele mundo. As demonstrações de afeto nunca seriam apenas um único abraço, um mero beijo, uma dança ou tocar de mãos: eram degustações daquilo que almejava e nunca poderia ter. Porque haviam muitos riscos, porque era um covarde.
Fenrir Greyback trincara seu âmago mas, numa azeda realização, percebera que fora o pai quem terminara de quebrá-lo. Perdido em sua culpa, Lyall partira seu coração, deixando um buraco impossível de ser preenchido. Sua mãe havia estado como ele: trouxa, as únicas coisas que sabia sobre o mundo mágico eram aquelas que haviam sido contadas pelo marido. Lyall a alimentara as próprias crenças, que o único filho tornara uma abominação, que haviam o perdido para sempre. Mas, quando adentrara a escola e fizera amigos, e o diretor a escrevia semanalmente sobre seu progresso, a mulher aceitara que, apesar das mudanças, ainda era seu filho. Porém, nenhuma conquista era o suficiente para seu pai. E, quando ele caíra de joelhos e o pedira perdão, não o concedera. Uma única vez em sua vida, agira em seus instintos, o negando de misericórdia — queria que ele sofresse como havia sofrido, mesmo que soubesse que aquilo nunca seria possível.
Quando conhecera outros lobisomens, encontrara conforto em saber que existiam outros como ele que não compactuavam com os métodos de Fenrir Greyback. Outros que entendiam que seus medos e inseguranças iam para além da licantropia. Que haviam passado pelos mesmos traumas e compartilhavam dos mesmos medos. Outros que sabiam como era temer os vultos no escuro, o quão fácil era de perder o controle e, acima de tudo, que sabiam como era ser abandonado e machucado por aqueles que deveriam os amar incondicionalmente. Entre eles, não se sentira nos extremos — não era nem um monstro violento, nem completamente absolvido de suas imperfeições. E, mesmo assim, não sentira-se entre os seus.
Precisou se arrastar pelo quarto em busca da varinha que, quando se materializara, caíra de sua mão ao que sentira as consequências da aparatação corrida: não tivera escolha, se não tivesse aparatado naquele momento — quando Fenrir Greyback lutava contra os efeitos da maldição que lançara contra ele —, teria sido arremessado ao chão novamente e, por fim, virado a refeição de outrem. Encontrou a varinha ao lado duma cômoda, próximo donde havia aparatado. Conforme o cataplasma esquentava, as propriedades curadoras surtindo efeito, a força retornava ao corpo de pouquinho. Ainda sim, teve dificuldades para levantar, primeiro se colocando de joelhos e, então, se apoiando nos móveis para caminhar a cama.
Havia abaixado a guarda, cometido um erro. Estivera seguindo outro seguidor de Voldemort, tentando coletar informações sobre os desaparecimentos recentes. Não esperara que o lobisomem estaria nas redondezas — por mais que estivesse disfarçado aos olhos humanos, para outros de sua “espécie”, seu cheiro era reconhecível. Especialmente para aquele que o havia transformado. Fora assim que ele o encontrara naquela noite. Mas Greyback não se aproximara para confrontá-lo, pelo contrário, quisera relembrá-lo que sua proposta ainda estava de pé. Você nunca será como eles, Lupin. Sabe disso. O Lorde das Trevas possui propostas muito mais interessante para pessoas como nós. A voz rouca e animalesca dissera. Haviam se encontrado outras vezes quando estava infiltrado nos campos de lobisomem e, na última vez, insistira para que se juntasse a ele — na época, os Potter estavam escondidos e suspeitara que a persistência dele provinha deste fato. E, desta vez, imaginava que as intenções dele com a oferta não eram muito diferentes. Minha resposta permanece a mesma: nunca. Então, a altercação começara.
Sentou na cama com um grunhido e, sentindo incômodo, flexionou o pescoço, rangendo os dentes quando sentiu a ardência na mordida que recebera ali, entre a base e o ombro. Se ajeitou, seguindo a murmurar encantamentos para auxiliar no processo de cura. Precisaria avaliar, com maior precisão, os ferimentos pela manhã mas conseguia sentir que haviam, ao menos, três costelas quebradas que, ao pronunciar o encantamento, fizeram um crac. Mesmo na forma humana, as lesões provocadas por um lobisomem eram “venenosas”: independente dos esforços ou do quão habilidoso era, sabia que demorariam algumas semanas para se curarem — e que ganhara novas cicatrizes para sua coleção. Ainda que desprovido dos efeitos da lua cheia, Greyback encontrara maneiras de manter sua força, seus reflexos e suas afiadas garras. Era, verdadeiramente, um animal.
Fora graças às suas experiências nos acampamentos de lobisomem que conseguira sobreviver naquela noite sendo somente conseguira sacar sua varinha poucos segundos antes de aparatar, desferindo um único feitiço contra ele — antes, fiara-se em suas habilidades com seus punhos. Aprendera a lutar com outros de sua “espécie” porque, nos acampamentos, grande parte deles rejeitava os métodos dos bruxos. O resto eram trouxas que haviam sido forçados para aquele mundo por lobisomens como Fenrir Greyback. Viviam como verdadeiras matilhas de lobos e, para conquistar sua confiança, precisara agir como eles. Precisara machucar e se machucar até que o aceitassem. Havia sido uma experiência única, divertida até. Marcos (um… amigo que fizera ali), insistira inúmeras vezes para que ficasse, que abandonasse aquelas guerra. O que já fizeram por nós? Mas Lupin não encarava daquela maneira. Era tão bruxo quanto lobisomem; tão trouxa quanto bruxo. Por mais que o mundo mágico continuasse a negá-lo — fosse por seu status sanguíneo ou condição —, não recuaria. E não lutava apenas por si, mas pelos amigos: para que Harry, Neville e tantos outros pudessem crescer sem medo, cercados por aqueles que os amavam. De qualquer maneira, sobrevivera aquela noite por conta do quê aprendera com “aqueles como ele” e era grato.
Com um suspiro, deixou-se cair para trás no colchão, sentindo a exaustão o consumir conforme a dor era amenizada. Ao contrário de sua casa, a Casa dos Gritos era desprovida de feitiços de proteção, mas sentia-se seguro ali. Sabia que apenas três outras pessoas naquele mundo poderiam encontrá-lo ali, ninguém mais. Aquele havia sido seu conforto no passado, e continuava a ser no presente. Por isso, não demorou a adormecer, deixando para lidar com relatórios pela manhã.
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