minha vida fechou duas vezes antes de fechar -
resta ver
se a imortalidade me revela
um terceiro evento
tão grande, tão impossível de conceber
como estes que duas vezes aconteceram.
a separação é tudo o que sabemos do céu,
e tudo o que precisamos do inferno.
— my life closed twice before its close (1732), emily dickinson.
⠀ ⠀ * play 🎵 x
quantos anos deveria ter para entender aquele poema cuja leitura parecia martírio?
wendy era a mulher das histórias, fossem essas do formato que fossem, e não bateria com a sua própria história se seus filhos nunca as tivesse ouvido. era um tempo apertado, eram mil tarefas e responsabilidades para uma mulher que amadureceu cedo demais e apaixonou-se por aquele que a fazia enxergar um mundo um pouco mais colorido, só para parte dessas cores serem roubadas tão abruptamente; sem avisos.
parte, pois ainda tinha os filhos. parte, provavelmente, pois ainda tinha os livros, também. ainda poderia criar ou recitar o monte de palavras que narravam diversas combinações de cores - das mais quentes às mais frias. quando moleque com o coração ainda intacto, zeno mesmo gostava daquelas que pintavam as cores quentes com pinceladas sutis das frias, pois elas eram como o clima da primavera. . . e não era a primavera a estação escrita por amores?
e então, ele precisou arrancar parte do coração e jogá-lo pela janela que wendy insistia em manter aberta. zeno ainda era uma criança, mas até mesmo ele já havia entendido que peter pan não voltaria - o que estava faltando para sua mãe entender também? as cores favoritas de zeno, nas leituras, passaram a mais parecerem os últimos dias do outono e a bagunça do começo do inverno, o que combinava com as cores da sua mãe em alguns dias. foi em um desses dias, aliás - qual havia somente uma cor, aquela da última folha de outono -, que wendy leu aquele poema. zeno ainda era uma criança, uma daquelas com uma grande consciência e pavor de dar trabalho à sua mãe e vê-la ir embora também, mas aquele poema se tornou seu favorito. ele não lhe trazia sorrisos; contudo, era aquela última folha de outono qual guardou como lembrança.
foi o último que ouviu de wendy. depois, passou a ler por conta própria, pois não mais deixava espaço para as cores dos outros.
quantos anos deveria ter para entender aquele poema de ar mísero não faz diferença, ele descobre aos vinte e quatro. não é sobre maturidade ou uma boa habilidade em entender figuras de linguagem, é muito mais sobre conhecer a sensação de ter parte de si levada com quem vai embora e ansiar pelo momento em que mais outra parte será morta ; é sobre conhecer a sensação de perder quem se ama, sabendo que somente com a morte ela chegará ao céu enquanto você vive a dor que se sente no inferno, e a vida não espera uma idade para isso.
⠀ ⚠️ * o conteúdo abaixo contém tópicos sensíveis como crise de histeria, TEI, violência, decapitação, sangue e vômito.
àquela altura, sejamos sincero: que diferença faz erec e seu contrabando, charming e sua pose de filho de uma puta, arthur e sua impotência na mais nobre chacota ou a festinha de tomates desperdiçados? — indescritivelmente frívolo diante o valor irreversível de uma vida. a cabeça de wendy darling havia sido arrancada, e diante uma morte, é quase que só um detalhe mesmo que tenha sido em praça pública.
mas quem são os darling’s?
o grito de quem, para ele, não poderia importar menos, foi o último som coerente que seus ouvidos captaram.
wendy? wendy? zeno não entende o que falam, o que gritam, o que choram e muito menos pelo o que empurram e correm. wendy darling? a wendy darling? zeno só se move, porque um monte de mãos empurram seu peito e forçam a abertura de caminho. cambaleia, parece o próprio espantalho, mas o cenho franzido em confusão não deixa sua cara, porque. . .
sério? wendy está morta? wendy sem cabeça? wendy darling sem cabeça no palco? porra, não faz sentido algum! sua mãe sequer está em arthurian - ela está sumida, será que ele ia precisar lembrar às pessoas? rir é até inevitável tamanha viagem daquele monte de bostas gritando merdas, causando pânico em um dia ridículo - só mais um - liderado pelo charming e sua necessidade de atenção. e o charming não deixaria ninguém tomar seus holofotes; ele não deixaria outra morte dividir o dia com a do seu filho. ninguém deixaria wendy darling morrer.
só que se não é mesmo wendy, por que, quando encontra os olhos do irmão em meio a maré, eles parecem tão cheios?
— que? CALMA, SEU PORRA! — o grito não é para seu irmão a metros de distância, mas poderia ter sido. é o coitado do menino muito mais novo que si que ouve, sendo puxado e segurado pela camisa após uma tentativa de empurrar zeno e tirá-lo de seu caminho de pânico. — FALA COM A BOCA, CARALHO! — e o podre do menino, em prantos, não tem muito o que fazer que não engolir o choro, porque o aperto das mãos machucam e ele só quer ir embora. não quer ver wendy novamente; não quer ter a cabeça arrancada também, que nem viu a dela ser arrancada bem de pertinho.
e aí, o que é liberdade para o garoto, são correntes que puxam zeno e o desafia a caminhar na direção oposta. parece fácil, no começo; parece que tudo ainda é uma grande brincadeira, porque sequer consegue imaginar um corpo sem cabeça fora dos livros, mas ao que anda e anda, e a distância parece que só aumenta junto dos obstáculos, sua audição vai embora. depois, enxergar fica difícil; respirar se torna pesado. ele só quer chegar lá, mas são tantas pessoas em sua frente, são tantas pessoas o impedindo que sufoca! que. . . que não lhe resta outra alternativa que não fazer o que sabe de melhor: o primeiro soco é largado certeiro na mandíbula de um, que abre espaço com esplendor e sem escolhas, pois o corpo cai e zeno quase lhe pisa.
é claramente alguém fora de si aquele que empurra um, joga outro, acerta lá e puxa cá. como um animal caminhando em terras desconhecidas, zeno até aperta os olhos, balança a cabeça, tenta recuperar o que fica cada vez mais embaçado enquanto o peito sobe e desce. e se não é obra de algum diabinho, ou mesmo dessa maldição que ser um darling carrega, aquela que lhe devolve a visão só para conseguir ver a cabeça separada do corpo e sebastian caindo sobre o palco, então o que é? ainda assim, é consumido por negação. os olhos queimam e se enchem, sim, mas não tem como ser ela ali. zeno percebe que tudo corre tão diferente de como o tempo costuma correr quando bate a ânsia junto à constante imagem da mulher sem pescoço.
“ wendy? wendy? wendy darling? a minha mãe? ”
não consegue ouvir ninguém. não consegue ouvir a própria voz. não consegue sentir os dedos que apertam contra seus braços, tampouco sente o próprio braço quando acerta a costela de quem não consegue enxergar direito. um dos defensores, ele teria sabido se em sã consciência e, certamente, não teria partido para cima do homem com os olhos injetados. zeno não consegue sequer processar os próprios sentimentos e pensamentos. nunca quis tanto arrancar a própria garganta, rasgar o rosto daquele cara, explodir de forma literal.
são garras de dragão que o puxa e o joga de lado. é o corpo de um dragão¹ que o impede de avançar novamente depois que se levanta. mas é o choque² que começa da sua mão e se espalha por todo seu corpo, que trava seus passos e, ao poucos, pois luta contra, o faz ceder uma perna por vez - até que está de joelhos no chão, rijo. não sente dor física alguma, todas as dores são na alma, e a mistura que havia se reunido no estômago com a visão de sua mãe morta é colocada para fora com o gosto amargo.
pela segunda vez, experimenta o inferno.
⠀ ⠀ ¹ & ² em continua ! / @hqslegacies
18 notes
·
View notes
dentro do castelo, após as barreiras levantadas 。 🔐 : @lostbash
mira a mesma imagem que acreditou ter sido a última antes de o levarem: o corpo imóvel do irmão, deitado. definitivamente, a última coisa que precisava - mas zeno não o culpa. queria ele poder escapar a realidade, mesmo que daquela forma.
resta a aflição, os olhos inchados e a inquietude das pernas, que o fazem caminhar de um lado para o outro, e das mãos, que esfrega o rosto e deixam o caos em seu cabelo. é só quando se lembra dos fones, e coloca algo para tocar no ouvido, que ele consegue parar. sentar. escorregar até se fazer em uma posição que foderia sua coluna no outro dia, mas que seria nada diante todo o resto.
seu olhar cai sobre as paredes do castelo. se não fossem as batidas em seu peito e a vermelhidão de seu rosto, pareceria vazio como um zumbi. por que sebastian não acorda? a solidão e o silêncio, pela primeira vez, o sufoca.
6 notes
·
View notes
a dance floor made for t w o 。flashback 🔐 : @lostbash
até dor de cabeça aquilo lhe dava. era aniversário de seu irmão, do caçula, e ainda assim, zeno não sabia como se portar; o que dizer ou fazer. especialmente quando não tinha wendy ali.
e se não era ela um dos tópicos que pretendia citar quando encontrasse sebastian. ainda tinha o gosto amargo do café na boca, mas esse conseguia ser doce comparado com o gostinho que a partida de sua mãe andava deixando. se a intenção dela não estivesse sendo a de revelar ser farinha do mesmo saco que peter pan, se o que ela tentava mostrar e dizia em todos esses anos fosse a verdade, então ela teria dado alguma notícia à bash. no mínimo, um sms de parabéns.
zeno era sincero; sem rodeios: batia sim na porta do quarto do irmão para entregar um presente ( era péssimo nisso ), mas no fundo havia também a inquietude sobre o assunto qual já deveria ter abordado antes. parte de si não queria arriscar justo naquele dia, a outra parte acreditava que alguma resposta estaria justamente naquele dia.
— hey. feliz aniversário. — começou assim que foi atendido à porta, mostrando uma caixa embrulhada. dentro, teriam bons headphones que poderiam ser plugados nas caixas amplificadoras das guitarras de sebastian. não! de verdade, não era nenhuma indireta para que o caçula limitasse a barulheira aos próprios ouvidos.
4 notes
·
View notes