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Maison de uma época de ouro
12 de dezembro de 2010                                       A 40 km de Paris, o refúgio de Jean Cocteau, que reunia a intelectualidade do início do século, vale um bom passeio.
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              Foi como dinheiro dos filmes Orfeu e A Bela e a Fera que Jean Cocteau, em 1947, junto com Jean Marais, ator e seu namorado de então, comprou em Milly-la-Forêt, perto de Fontainebleau, uma pequena casa com um bucólico jardim, cercado de bosques, com vista para um velho castelo e a graciosa capela Saint-Blaise dês Simples, onde os afrescos são de sua autoria e onde ele próprio está enterrado, desde 1963. Acompanhado não mais por Jean Marais, que só lhe fez viver decepções, mas de Edouard Dermit (o Doudou), um ex-mineiro contratado como jardineiro, convertido em ator de muitos de seus filmes e seu último e mais fiel companheiro, Jean Cocteau, poeta, novelista, pintor, teatrólogo, set designer, ator e diretor de cinema, viveu nesse idílico refúgio os últimos 17 anos de sua vida, criando em liberdade e longe do mundanismo e do agito de Paris.   Homem de estilo, gosto refinado, culto e informado, Jean Cocteau sempre esteve à frente de seu tempo. Propagou os vanguardistas, mas nunca abandonou o gosto pelo que fosse de época – de casas antigas a móveis e objetos que contassem histórias e tivessem pedigree. Não seria portanto de estranhar que seu habitat, recentemente restaurado, fosse um apurado reflexo de sua personalidade e de seu universo. Amigo de Picasso, Man Ray, Bernard Buffet e Modigliani, guardou de todos eles obras e lembranças. Também conviveu e partilhou com os irmãos Giacometti e estetas como os Noailles, Jean Michel Frank, Emilio Terry, Christian Berard, Charles Chapline Nijinsky. O escritor Marcel Proust,o compositor Eric Satie, o bailarino Serge Diaghilev e a estilista Coco Chanel são outras figuras que fizeram parte de seu mundo. Influenciado pelo surrealismo, pelo cubismo e pela psicanálise, viveu intensamente entre as duas grandes guerras do século 20 e, no embalo, as grandes mudanças artísticas antes e depois delas.   Jean Cocteau, que aos 9 anos viu o pai suicidar-se, saiu de casa aos 15 e aos19 publicou A Lâmpada de Aladim, seu primeiro volume de poemas. Desde então, passou a acreditar que a poesia é uma religião sem esperança. Boêmio na juventude, viciado em ópio e amigo inseparável de Jean Hugo, neto do escritor Victor Hugo, Cocteau teria tentado o suicídio em 1938. E, embora tenha sido, junto com Apollinaire, testemunha no casamento de Picasso com a bailarina russa Olga Khokhlova, o poeta era muitas vezes menosprezado pelo pintor espanhol, machista e mulherengo: “Cocteau é o rabo do meu cometa. Jean não é um poeta. Jean é apenas um jornalista”. Em compensação, Edith Wharton foi grande admiradora de seus textos e Andy Warhol fez dele o seu ídolo.     Com móveis antigos, tecidos nas paredes escolhidos pela amiga e decoradora Madeleine Castaing, obras contemporâneas de muitos artistas e amigos, fora o produto de sua própria arte – os primeiros desenhos que assinava Japh, ilustrações, manuscritos, fotografias e documentos que aos poucos foram também ganhando as paredes –, a casa se transformou em pequeno museu e abrigo precioso de memórias de uma época artisticamente muito fértil.   Casa e jardim, apesar do desgaste natural, se mantiveram bem- cuidados graças a Doudou, que ali continuou morando até 1995, quando morreu e foi enterrado na capela em Milly-la-Forêt ao lado de seu companheiro e protetor. Foi depois isso, em 2002, que o milionário e mecenas Pierre Bergé, que recebera de Dermithe, em testamento, os direitos morais sobre a obra de Cocteau e estava ciente de que esta casa, meio refúgio, meio segredo bem guardado, era em si mesma uma obra de arte – resolveu criar um fundo com a participação do Conselho Regional da Île de France e do Conselho Geral de Essonne. Dessa forma, foi possível comprar a propriedade dos herdeiros de Doudou, restaurá-la e transformá-la em um espaço vivo de memória e de redescoberta da obra e da pessoa de Jean Cocteau.   Foram cinco anos de trabalho para devolver à casa a antiga elegância e a sensação de intimidade dos velhos tempos. Impecável e ao pé da letra foram as reconstituições do quarto, do escritório e do salão principal com paredes forradas de tecido com estampa de leopardo e onde impera uma enorme tela de Christian Berard, a conhecida Édipo e Esfinge Jogando Cartas. Ao longo de todos os ambientes, a evocação de diferentes momentos da vida desse artista e intelectual; infância, adolescência, guerras e amizades. Também ficam ali muitos retratos do próprio Jean Cocteau feitos pelos amigos.    Ao arquiteto François Magendie e à dupla Dominique Païni e Nathalie Crimère, responsáveis por uma importante exposição sobre Jean Cocteau no Museu Pompidou em 2003, coube a tarefa dessa nova ambientação, que exigiu que todos os tecidos das paredes e dos estofados fossem fabricados especialmente para a casa. Já os dois hectares de jardim, onde em vida Cocteau gostava de instalar esculturas e elementos de seus filmes, foram confiados ao paisagista Loic Pianfetti. Contribuem para o prazer do passeio por essa propriedade (aberta ao público para visitação em 24 de junho de 2009) uma profusão de passarelas, água correndo, arbustos floridos, roseiras, peônias, íris e flores-de-lis. No andar térreo, na sala de projeção, é possível não só ver os filmes sobre Cocteau, como o Portrait Souvenir, de Roger Stéphane, que mostra o poeta no interior da casa em 1963, como outros de sua autoria, entre eles, A Voz Humana, Bravura ou Uma Atriz e um Telefone. Há também uma pequena livraria, misto de butique e uma área para lanchar num pátio próximo ao jardim.    A Maison  Jean Cocteau fica a 40 quilômetros de Paris e, para os que não dispõem de carro, a melhor maneira de acessá-la é pegar a linha de trem RER D, direção Malesherbes, descer (pouco mais de uma hora depois) na estação Matisse e, de lá, seguir de táxi  até a Maison, cujo endereço exato é 15 Rue du Lau, Milly-la-Forêt. Imprescindível é visitar também a capela situada na saída da pequena cidade, onde junto ao altar, há um busto do poeta por Arno Becker. No piso, seu epitáfio, “Je reste avec vous” (“Fico com vocês”), dá ressonância ao encontro com esse grande artista, sua memória, sua obra e maneira de viver.              
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