a chibata ainda sinaliza.
eu e meus ancestrais gritam por evolução
revolução!
nossa cultura
nossa arte
é apreciada,
faz milhas rebolarem a raba e ao mesmo tempo
ignorarem o sangue que há por baixo desse chão.
o suor que pingou infinitamente sobre
nossa carne e que ainda arde..
e aí de você branco dizer que não.
na minha pele há um ardor que você
não conhece e nunca conhecerá.
na minha pele houve um percurso
extremamente selvagem sem a minha permissão,
tem o pecado, aquele que dizem que nós
fazemos antes mesmo de começar a existir.
na minha pele escorreram lágrimas,
que por muitas vezes eu escolhi rejeitar.
na minha pele há um conflito que espera
minuciosamente um respeito que nunca
sequer sentiu, mas eu desejo sentir e me
despedaço com a possibilidade de ter que aceitar a utopia.
talvez não exista um abraço coletivo pelo que sou, e a minha vida será.
eu moça, pequena.
já era dita como devassa
turbulenta
antes mesmo da massa
já esperavam meus aspectos quentes.
e era uma espera exigente
violenta
espremia da minha carne
até os dentes.
vítima ou vilã?
pecado ou milagre?
antes mesmo de supor os únicos espaços
que me cabiam, eu comecei a sentir a tamanha dor.
vi minha tia
dançar sobre as linhas escassas e
pintar suas vistas
embaralhar seu cansaço
através de um canto seu, que ela mesmo inventou.
era dia após dia
o auto ódio, o desamor.
de um lado era: "você é uma preta bonita,
o que é sorte pro seu tambor" de outro
lado era: "você deve navegar bem preta,
suas raízes foram fruto do pecado, um pecado preto,
o pecado que vai te levar ao ódio ou o amor"
um dia
era morena
noutro era preta metida a besta.
e por final, a convenceram de que sua cor, expressava calor.
e a única coisa que ela podia, era encaixar neste único formato,
que acham ser nosso único valor, o que é um termo machista,
racista, matando e alimentando a extinção de todo e qualquer
amor que nossos ancestrais nos deixou.
meu pai
tão menino
tão homem
tão retinto
já acordou com o massacre!
o tapa
a solidão de um pai
e a solidão dele mesmo.
ensinaram ele a rejeitar
os próprios traços
os próprios laços
de solidão em solidão
se escondeu em baixo
de um colo branco.
e alimentava seu ego
ninando ele
e tentando disfarçadamente esmagar a sua não aceitação,
a sua falta de interpretação, ele aprendeu a se esconder do
mal que é ser neguinho, já que ele queria tanto alcançar o
infinito, ele aceitou o espaço de não ser o pretinho da pretaiada,
ele queria ser o pretinho esperto que se locomoveu pro lado
da brancaiada e ainda que ele vença com um espaço pequenininho
se diminuindo, desacreditando do seu próprio potencial, ele
sabe que ali ele não pertence e no final de todo o dia escorre um
vendaval dos seus olhos, ele alcançou um escarcéu do mundo,
mas não alcançou um escarcéu do seu próprio mundo particular.
eu nasci
meus olhos já carregavam
a esperança de que eu podia vir pra modificar,
eles vieram atordoados, do cansaço da minha família
que apesar de tão grandes e fortes, eram tão pequenos e assustados.
eu tive que gritar
eu tive que me acorrentar a esse mundo cruel
que diz que eu me vitimizo
mas ele me recrimina
evita de sentar do meu lado no ônibus, no trem
esconde a bolsa quando me vê passar...
e ainda por cima, demoram acreditar que meu intelecto
vinga tudo o que esse mundo tenta constantemente nos convencer a acreditar.
remetem minha cor
ao pecado, ao calor
mas nunca ao sagrado
apenas no branco delicado e macio
da moça que eles escolhem pra casar.
eu nasci chorando e gritando
pela dor
que os meus não suportavam mais carregar.
eles precisam ser fortes
todos precisam ser fortes.
mas por que eles precisam ser mais?
eu ainda sou escrava
eu tô presa
refém de uma escravidão
que ainda não foi embora
a chibata ainda sinaliza
ainda que silenciosamente
ela sinaliza.
na minha pele
há um desejo intenso
de cura, de amor, que eu tenho que me
ensinar a ter, porque todo o dia, me ensinaram
que a única coisa que eu não deveria ter, era tempo,
calma e amor.
me aceleram á uma submissão, a uma falta de fé,
de intelecto, de potencial como se eu
não fosse capaz de revolucionar. e o que
eles querem de mim, é involução,
como se eu não estivesse acostumada a levantar de baques.
meus ancestrais estão mais vivos em mim,
do que a ferida sangrenta que vocês
brancos proporcionaram á mim.
faremos de nossa dor cura
nunca faremos de nossa dor, violência.
apesar de tanta gritaria supérflua de vocês,
me diz quem começou a guerra?
a cada guerra vencida do nosso peito negro,
descobriremos a cura e vocês terão de aceitar que fracassaram.
pois o amor preto já vem vencendo todos os dias.
Helena Cristina.
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