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meio irmão - 2018
ser caçado como um animal e todo o esplendor vigoroso, radical, da existência desse acontecimento: a metamorfose em animal. um habitat que se revela esterilizante e de morte, seja ela brutal ou pelo cansaço; ao mesmo tempo o animal adaptado, suas camuflagens dentro do ambiente e contra ele, suas fugas, sua habilidade em alimentar-se e sobreviver contra a conivência coletiva com o esmorecimento do seu espírito até sua extinção. os consolos fugazes que são esconderijos vitais, forjados no instinto persistente, na astúcia dos seres indesejados e esquecidos. dos vírus.
no cinema, e portanto na utopia do amanhã perpétuo de possibilidades inesgotáveis onde reside o imaginário de seus grandes (re)inventores, esta gente animalizada revela-se como os verdadeiros sonhadores, os novos vagabundos, e o ambiente inóspito onde insistem em viver surge como este império consagrado do "mesmo" e do “real” estéril, do temor castrante do desconhecido servindo como atmosfera sufocante da cidade. o materialismo funcional e sua farsa escancarado contra os que apodrecem seu sentido.
o filme "meio irmão" é sobre esse bicho, a pureza voraz dele. a caça na sua desumanidade implacável, e a espécie em seu fulgor raro preciosíssimo.
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como nossos pais - 2017
os melhores filmes brasileiros da última década pra cá são os que proporcionam essa radiografia em profundidade de uma certa mudança climática definitiva: uma geleira em derretimento irreversível e a inundação dos continentes habitáveis da sociedade em uma catástrofe. porém atribua-se a catástrofe o seu novo significado: não que ela deixe de encarnar uma certa destruição, mas em seus meios mais ou menos violentos, ela vem para desnudar o passado em sua falência; eclode uma extinção que força o obsoleto a ser entendido como tal e anuncia a transformação utópica (a nova temperatura), abrindo caminho para a nova geografia (os caminhos antes secos e agora submersos) e seus seres antes impossíveis e agora libertos.
são esses seres, as personalidades amputadas pela normalidade aprisionante, que ressonarão internamente e emergirão junto à presença das ondas chocando-se com os pilares da antiga civilização. a raiz que enverga e destrói mesmo a dureza do concreto da calçada; os lares de mentira sucumbindo à força de uma metamorfose interior inevitável.
da mesma forma, a cidade inundada desta nova era glacial ainda guarda os vestígios do passado onde os seres estiveram também vivos, ainda que exilados da verdadeira morada. reveste os vestígios de uma calma translúcida, suspende no tempo as prisões esquecidas para que os habitantes reencontrem e finalmente gerem, por sua memória, as novas relíquias. uma era do cultivo à reinvenção que é possível através do contato amoroso, do elo de sentimento visceral. esta é a nova verdade.
esse filme como nossos pais, com essa atriz que é a mais bonita do mundo, que tem esse sorriso todo do centro pra cima do país, da sudestina intrépida redesenhando as vias em sua bicicleta, é aquele caso do filme-série: a fenda emocional forjada em mim por essa impecável cartografia me possibilita estender o universo da história e das pessoas dessa história em inúmeros desdobramentos e cotidianos, todos ligados ao anuncio e presença da catástrofe, suas reações, suas amarras ao velho e novos desejos, seus esconderijos do hoje ou do vindouro, estando eles mais pendendo a moradores das novas habitações ou sendo retratos e vestígios vivos do mundo antigo lutando contra essa nova forma. me permite acompanha-los no limiar desse cataclisma.
uma coisa é verdade: estamos todos com os sentimentos enredados nisso até o pescoço. odiar ou amar, aquilo que entendemos compreensível ou o que suscita a ânsia. o sentir redescoberto e definitivo, puro e as pequenezas caprichosas com que convivemos e nos dão saudade.
nota mil.
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awakenings - 1990
tem uma coisa nos filmes mais antigos, um certo tipo de polimento, uma "cerimonia" por assim dizer, nos temas, no jeito de agir e nas falas dos personagens, em todo o aspecto do filme em si, que se distancia claramente do cinema moderno que, grosso modo, vamos delimitar sendo o produzido a partir do final dos anos 1980 (começou um tanto antes). essa cerimonia está presente em todos os hábitos e pensares oficiais da sociedade antiga; é sua "etiqueta" e, como sabemos, sua grande farsa. uma farsa que impede que os verdadeiros pensares, os fazeres autênticos e tantas percepções da vida e da realidade em seu caráter múltiplo, sinuoso, ambíguo e interminável fossem caladas em detrimento dessa etiqueta, desse temor submisso a certa ordem castrada. aquelas falas do "casablanca", do "philadelphia story", não ressonam mais em nós. são carentes do vigor das coisas vivas, revelaram-se com o tempo uma celebração a essa farsa que escamoteia tanto os reais sentimentos, poda-os ao ponto de tornar-se oca e portanto uma anti-celebraçao, uma formalidade envergonhada e superficial.
existe um certo tipo de filme nos estados unidos, um que permanece até hoje, que vamos chamar aqui de "filme de oscar". o filme de oscar é o que fica sempre buscando a epopeia por meio de um formato que vai desde a historia em si, a maneira como se entrelaçam os personagens, até uns pormenores de atores recorrentes no elenco pra conferir a credibilidade necessária para o oscar e dependendo algum recurso de filmagem, um assunto detestável mas que os necrófilos interessados nisso certamente vão ser capazes de reparar algumas semelhanças entre essas produções. É uma herança da era antiga, é você preferir aquilo que é uma convenção formal socialmente conhecida (a história do lincoln, o soldado perdido na guerra, esses obeliscos até meio reacionários da formação do imaginário americano) ao mergulho naquilo que é velado e infinitamente mais íntimo e presente no cotidiano do que são hoje as cidades modernas e as biografias que as constituem. não estou dizendo que são ruins, os filmes. eu gosto do forrest gump, daquele filme recente com o tom hanks e a meryl streep sobre o washington post, mesmo alguma porcaria patriótica do mel gibson eu me divirto assistindo. o problema desses filmes é esse compromisso com o passo marcado, com a fórmula. é a garantia da sua esterilização, é o contrário do experimento profundo em um universo novo e repleto de desdobramentos inesperados. uma composição proposital, um quadro posado fadado desde a concepção ao brega e ao passageiro, mesmo sendo esse o exato contrario do intuito de quem faz filme de épico de oscar, ao menos o que dizem ser.
mas a vida é o próprio caminho inesperado, e o existir, o estar neste mundo, dota de fantasia ficcional o que estiver nele, sem se importar muito com o que algum crítico ou especialista descreveu como sendo a regra sobre. misteriosos são os desígnios da jornada humana na terra e por consequência da arte. esse filme de oscar clássico, arquetípico, o “awakenings”, de 1990, é o que é por uma miríade de motivos, e um deles é certamente por prezar em seus contornos esse tipo de ar solene e conhecido da apresentação da epopeia, de acabamento atento a uma certa delicadeza, de estar sempre voltado a essa coisa de ser um "filme que vai comover a sua avó". um humor de cortejo de namoro de portão. coincidiu da história do leonard lowe ser, dentre tantas, a que invoca naturalmente, a que pertence a um universo onde esse tratamento e essa confecção são verdadeiros e não ocos, a que dá sentido finalmente a isso; é ela que vai fazer com que a vida do leonard e de seu médico se apresente como novo mundo afetivo, novo distrito no nosso inventário emocional interior. um que tende sim ao PIEGAÇO, você gostando de saber disso ou não.
e além de tudo, a presença do robin williams hoje, vendo em 2020, eu diria que é um arremate, um capricho final. um tributo à terra e sua capacidade infinita de dar sentido, tomar, ressignificar como quer e quando quiser o que for necessário, sempre em direção à trepidação emocional absoluta.
vai entender.
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só pra dar uma alimentada numas coisas aqui:
a disputa eleitoral mais expressiva a esses ultimos tempos em porto alegre foi sem dúvida 2012, onde a manuela e o villaverde ficaram com uns 12% cada (o villa atrás) e o fortunati lavou com quase 70%
o fortunati representando um governo normal de político normal, um conceito que ficou muito claro agora pós-2018, que é o da figura que deixa aquele quintal aberto pros movimentos autônomos de rua, pras correntes boulos/psol encontrarem ali as suas picuinhas de sempre, fazerem as suas cobranças e armarem umas baguncinhas sem maiores impedimentos (eu tenho como memoria sentimental desses tempos o auge do estudante fred andarilho pelas ruas naquele esquema o "largo vivo" em frente ao mercado publico, ele e umas mina meio venezuelana; varios desses ajuntamentos de rua começaram a pipocar por porto alegre), sem ver esse pessoal como seus inimigos políticos de morte ou até como ilegalidade, mais como uma galerinha meio chata e que se nao der bola eles acabam indo embora. uma noçao de que aquela turma nao interferia em nada no projeto mais convencional que ele tinha de cidade.
a manuela representando o eleitorado 100% acadêmico e quando eu digo acadêmico eu digo no pior sentido possível, no sentido catedrático do cinema, catedrático das métricas e códigos ocultos escondidos nas obras de arte, catedráticos do "verdadeiro significado da literatura" e caçadores dessas simetrias mórbidas, esse território que hoje se revelou como sendo a linguagem natal do que se entende por olavismo. um classicismo caipira, de família buscapé copiando moda da cidade. isso na política reflete em um papo "lula conversou com o maluf, que traidor da pátria e dos meus ideais que ele é". um pessoal café na palavraria/david coimbra/juremir machado pedindo autógrafo pro roger scruton.
e o villaverde, bem, esse daí sendo o progressista na acepçao mais basica, mais facinha que dá pra fazer dessa palavra: a força do progresso, o progresso que tem que vir meio suado, meio punho cerrado das ideia, a coisa mais "o futuro é nosso através da luta" possível. o progressismo-futurismo que é a ideia de país do pt. "jilmar tatto". indie pra caralho, pra prefeito o voto mais afudê que eu já dei, 0% de chance, até surpreende ter feito mais de 8%. com a curiosidade de que o vice era o coronel bonete. eu tava na campanha pra um vereador da zona sul esse ano (do pt) e era engraçado quando chegava o pessoal do coronel pras caminhadas, uma meia duzia de tiozinho com umas bandeirinha amarela.
somando esses tres perfis se entende claramente a lavada de quase 70%: estudante erudito da manuela confuso e mala demais pra ser gostado, villaverde MASSA demais pra caretice geral da cidade pertencer.
trazendo esse negócio todo pra 2020 a juliana brizola era pra ser o fortunati da vez, a candidatura "normal", porque o melo, que compôs chapa com ela em 16, foi completamente pro lado "sartonaro" da coisa e simplesmente nao existe mais como o vice-prefeito que um dia foi, de um pmdb mais rigottinho, mais michel. a internet demoliu com essa fase do partido ao menos a nivel regional, sobrou essa colonada bebada parecida com os parentes aí que voces vao herdar sitio, véio que ensina atirar, comer empregada etc.
a juliana foi completamente incompreendida como candidata com o projeto que geraria a cidade mais interessante e viva em suas contradiçoes, aliás muito a exemplo das intençoes de seu padrinho nacional o ciro gomes. incompreendida por quem: por esses confusos de academia bitoladaços da manuela, a quem vai pra sempre escapar a grande orquestraçao de todos os elementos manifestos na redoma do pensamento (e praxis) brasileiro ambicionada pelo ciro só pq tamanha tropicalia nao consta em nenhum rascunho-manual de 200 anos do engels, uma ideia política na qual é fundamental "dar uma esperada pra ver", pra nao dizer que a propria essencia é essa esperada. desde domingo juliana tomando pau por nao ter anunciado imediatamente apoio à manuela assim que acabou a apuraçao. os cara nao é pouco moleque, e é bastante bonito que essa corrente seja zero atraente ao "militante e memeiro no twitter" que eu nao vou dizer que é de esquerda porque considero cimento (voto) e nao gente.
a liçao principal: qualquer coisa que o pt faça em nome de "pragmatismo eleitoral", admitir que ta queimado e ceder cabeça de chapa como foi o caso inedito, é a maior cagada, sendo esse pragmatismo justamente o contrario do que se entende do partido. anti-utopia, negocio feiosaço mesmo. agora o cara tem que ver uma figura como o miguel submetido a um eleitorado que é a sororidade de dar parabens pra amiga promovida a gerente de marketing na firma do papai colono brutalizado e a pujante experiencia de vida que é ter passaporte de dupla nacionalidade, tendo ido pra propria frança decorar umas regras de gramatica de plano cinematografico e aprender fazer "analise de proporçao aurea" de filme de cineasta de lista da veja, de "guia pra se ter cultura" do paulo francis pra falar em seminario de olavete, a figura ainda nao tendo entendido que é refém do estratagema político-cognitivo do olavo. uma gente mais burra, mais carreirista, que negocia qualquer coisa em troca dessa imagem caidaça de degustador cultural arrojado e que devia era estar se passando cancer e cagando com tudo em sua propria campanha como foi em 2012, agora posando da propria reediçao do haddad vs bonner ao vivaço em 2018 por ser o unico voto anti-pinguço que sobrou. me dá uma dor de barriga da porra isso aí.
o olívio abriu voto pro pedro ruas (50) de vereador, eu encerro deixando soar essa
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