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Entrevista com a Psicóloga Rosângela
Sobre o grupo: Somos três estudantes de Mídias Digitais da PUC Campinas. Nossos nomes são: Bruno Lopes, Felipe Menezes e Vitória Uehara. Nos juntamos para estudar de forma mais aprofundada, neste momento, os efeitos das redes sociais no desenvolvimento de crianças e adolescentes na forma que se dá atualmente. Introdução: Nos anos mais recentes, começamos a perceber cada vez mais a influência da internet e das redes sociais no comportamento dos jovens. Isto se deve principalmente ao maior acesso da população aos smartphones, de forma que as crianças têm seu desenvolvimento psicológico e social permeado por essas relações. Com o objetivo de compreender melhor os impactos da internet no desenvolvimento humano, conversamos com Rosângela Costa da Silva Santos, formada em psicologia desde 2022 e atualmente está fazendo duas pós-graduações desde 2023.
Rosângela trabalha Psicologia Escolar e da Educação e Psicologia Humanista com ênfase na Abordagem Centrada na Pessoa (ACP). Ela abriu sua clínica sediada em Jaguariúna em janeiro de 2024, mas antes disso, esteve atuando em projetos em escolas públicas da cidade, rodas de conversa sobre temas sensíveis na adolescência e acolhimento psicológico. Já trabalhou com crianças em situação de vulnerabilidade, mulheres vítimas de violência e atualmente também presta plantões psicológicos em uma empresa local.
Confira a entrevista:
Pergunta 1
Pergunta 2
Pergunta 3
Pergunta 4
Pergunta 5
Pergunta 6
Pergunta 7
Pergunta 8
Pergunta 9
Pergunta 10
Pergunta 11
Considerações Finais
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Considerações Finais
Grupo: Enfim, então, é isso. Muito obrigado, Rosângela, por ter participado dessa entrevista, foi muito proveitoso pra gente ter toda essa abordagem mais psicológica do uso das redes. Eu acho que era bem o que a gente esperava, né, de resposta, porque a gente consegue ter. Você deu bastantes exemplos reais, é isso que a gente tava buscando, que a gente sentiu um pouco de pauta na nossa pesquisa em si. Então, foi muito proveitoso e só queria te agradecer. Muito obrigado, tá?
Rosângela: Eu agradeço por fazer parte dessa construção de vocês. Estudar, gente, ainda é o melhor negócio. Eu tô enlouquecida porque eu quero fazer parte de um projeto de pesquisa de um professor aqui da PUC. E eu já montei o meu projeto, já mandei ele, já fez análise, já mandou uma resposta e eu tô aguardando pra ver se eu consigo a bolsa, né? Mas é um prazer contribuir com a aprendizagem.
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Pergunta 11
Grupo: Você acha que, apesar desses impactos negativos, também é possível os adolescentes ou crianças terem resultados positivos desse uso de rede social também? Ou é algo um pouquinho mais delicado? É preciso ter algum tipo de acompanhamento também. Qual é a sua visão sobre esse assunto?
Rosângela: A internet pode, sim, ser extremamente positiva. No meu caso, por exemplo, tenho um filho autista de 7 anos que tem hiperfoco em robôs. Descobrimos um canal no YouTube com tutoriais de construção de robôs usando materiais recicláveis. Pelo menos uma vez por semana, sentamos juntos no chão, separamos os materiais e, enquanto construímos, aproveitamos para conversar sobre reciclagem, sobre o impacto ambiental, sobre o cuidado com a natureza. O processo de assistir ao vídeo, seguir o passo a passo e ver o brinquedo pronto é algo que o encanta. Ele gosta tanto que depois quer fotografar o que fez, mostrar para os amigos, para a professora. Isso cria uma memória afetiva muito forte.
Acredito que, especialmente para crianças neurodivergentes, esse tipo de experiência pode ser extremamente enriquecedora. E para famílias que têm rotinas muito apertadas, como é a realidade de muitos pais hoje em dia, com jornadas de trabalho longas e pouco tempo disponível, a internet, se bem usada, pode ser uma aliada poderosa. Um vídeo educativo sobre biologia, o universo, animais, ou mesmo uma atividade de artesanato pode despertar o interesse da criança, gerar diálogo, criar vínculo e desenvolver o aprendizado de forma leve e prazerosa.
O importante é a mediação. O uso precisa ser consciente. A criança precisa estar acompanhada. Existem aplicativos que ajudam a limitar o tempo de tela, monitorar o histórico do que foi acessado e garantir que o conteúdo seja adequado. Se não for possível restringir o uso totalmente, o que nem sempre é viável, o foco deve ser na redução de danos.
E os benefícios não se limitam às crianças. Já vi adolescentes dizerem que só buscam ajuda para depressão após se identificarem com relatos de criadores de conteúdo no YouTube. Às vezes, ouvir alguém verbalizando um sofrimento semelhante é o gatilho necessário para procurar ajuda profissional. Ou seja, quando usada com responsabilidade e propósito, a internet pode ser um espaço de descoberta, acolhimento e transformação.
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Pergunta 10
Grupo: Você acredita que a linguagem e as dinâmicas próprias da cibercultura — como os memes, os desafios virais e os cancelamentos — reconfiguram a forma como os jovens elaboram experiências emocionais e conflitos?
Rosângela: O impacto da cibercultura no comportamento dos adolescentes é profundo e preocupante. Primeiro, porque ela cria um novo tipo de conduta, um jeito específico de se comportar nos ambientes virtuais. E esse comportamento muitas vezes está diretamente ligado à baixa autoestima. As comparações são constantes: corpo, cabelo, voz, forma de se vestir. A pressão para se encaixar é enorme.
Além disso, há o cyberbullying, que acontece o tempo todo, e a substituição da comunicação verbal pela virtual. Outro ponto crítico é a superficialidade do conhecimento: muitos adolescentes emitem opiniões rápidas sobre temas complexos sem ter qualquer noção das consequências. Comentam, ofendem, compartilham e acreditam que isso não terá impacto. Mas tem. Hoje, sobretudo em temas sensíveis como racismo e homofobia, há responsabilidade legal. Toda fala digitada tem um endereço de origem.
Infelizmente, essa informação não é amplamente divulgada, e quando é, muitos adolescentes e até adultos desacreditam: dizem que "não dá em nada", que "no Brasil não acontece nada". Essa falta de responsabilização efetiva, de leis mais severas e de ações concretas faz com que a percepção de impunidade permaneça, o que agrava o problema.
Na clínica, os reflexos são evidentes. Ansiedade, auto diagnósticos de TDAH, depressão, transtornos variados. Muitos chegam dizendo: "acho que sou autista", "tenho TDAH". Mas quando iniciamos uma avaliação psicológica séria, seguindo os critérios corretos, percebemos que não há diagnóstico algum, o que existe é o uso abusivo de telas.
A criança ou adolescente, isolado naquele universo digital, perde o interesse pela interação real, pelas conversas com adultos, pelo contato cotidiano. A comparação constante, o excesso de estímulo e o afastamento da vida social real moldam comportamentos que imitam sintomas clínicos mas não são. E isso é grave, porque dar um diagnóstico equivocado é comprometer o futuro dessa criança.
Um diagnóstico como autismo, por exemplo, acarreta direitos e tratamentos diferenciados: adaptações escolares, recursos financeiros públicos, até provas especiais. Se a criança não apresenta o transtorno, mas apenas um comportamento moldado pelo ambiente digital e pela dinâmica familiar, isso precisa ser identificado com responsabilidade.
É um alerta importante não só para os profissionais de saúde mental, mas para as famílias. Nem tudo é patologia. Às vezes, é a forma como estamos permitindo que nossos filhos vivam ou deixem de viver.
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Pergunta 9
Grupo: Na prática clínica, você nota uma diferença entre os adolescentes que são mais inseridos em comunidades online e aqueles com vínculos sociais mais analógicos? Quais são essas diferenças, se houver?
Rosângela: Vejo uma diferença muito clara quando o assunto é comunicação e comportamento entre os adolescentes. Recentemente participei de um processo seletivo, junto com a responsável pela triagem, para avaliar o perfil de adolescentes que estavam sendo contratados. A diferença entre os perfis foi gritante.
Alguns adolescentes entravam na sala, sentavam e diziam: "Minha mãe está lá fora, ela já vai entrar". Demonstravam dificuldade em se comunicar diretamente, em falar por si. No entanto, quando você se comunicava com eles pelo WhatsApp, a fluência era outra, respondiam tudo, mas com palavras abreviadas, emojis no lugar de frases, e entendiam que isso bastava como forma de comunicação. Um emoji, para muitos, já substitui uma resposta verbal clara.
Já os adolescentes que tinham menos exposição a telas ou que começaram a usar redes sociais mais tarde apresentaram comportamentos diferentes. Eram mais responsáveis, falavam por conta própria, mostravam interesse no processo seletivo, perguntavam sobre a empresa, queriam saber sobre tempo de promoção e oportunidades futuras. O senso de responsabilidade e postura era visivelmente mais maduro.
Durante a avaliação, perguntei a média de tempo que passavam conectados. No perfil com maior déficit de comunicação, o tempo variava entre 8 e 12 horas diárias na internet. E, em muitos casos, o uso excessivo afetava o sono: dormiam às 3 ou 4 da manhã e acordava às 6 para ir à escola. Isso, naturalmente, impacta o comportamento: postura corporal mais relaxada, desinteresse no olho no olho, linguagem não verbal desconectada do contexto.
Em contrapartida, o outro perfil se mostrava mais atento, com postura firme, escuta ativa e disposição para o diálogo. Ou seja, estamos vendo uma mudança drástica, especialmente no modo como os adolescentes se relacionam, se apresentam e se comunicam no mundo real.
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Pergunta 8
Grupo: Como profissionais da saúde mental podem dialogar com essa geração de forma que reconheça a centralidade da internet na vida deles, sem invalidar sua cultura digital?
Rosângela: A escola é, sem dúvida, uma porta aberta para o diálogo, mas esse diálogo precisa acontecer de forma inteligente. Não adianta colocar alguém sem empatia, sem afinidade com o universo adolescente e, principalmente, sem conhecimento mínimo sobre mídia e comportamento digital. O espaço deve ser construído para ouvir, de fato, o que os jovens têm a dizer. Não se trata apenas de reunir alunos em uma sala para assistir a uma palestra, mas de escutá-los, provocar perguntas e, a partir das respostas, construir algo coletivo e útil.
É muito poderoso quando o adolescente percebe que sua opinião é valorizada, quando vê que sua fala tem impacto. Eu vivi isso de perto em Jaguariúna, em um projeto que reuniu crianças e adolescentes para discutir melhorias para a cidade. Foram escolhidos representantes de todas as escolas, levados ao teatro municipal, e ali aconteceu uma escuta verdadeira: os jovens falaram sobre a necessidade de mais espaços de lazer, esportes, melhorias nos parques. Tudo foi documentado e apresentado como um plano de ação, com a promessa política de que o recurso chegaria. Mas, infelizmente, o projeto foi engavetado.
Essa frustração é enorme. Quando isso acontece, se desconstrói a ideia de participação. A criança e o adolescente, que deveriam ser ouvidos como sujeitos do presente e não apenas do "futuro’" acabam desacreditando nas instituiç��es. A fala vira apenas "conversa de político". Mas a pergunta que fica é: por que envolver estudantes em projetos se nada será feito?
A sociedade precisa abrir mais do que espaço, precisa de escuta ativa, de ações concretas. E é impressionante como, quando são ouvidos, os adolescentes têm plena noção do impacto das decisões. No dia da apresentação, por exemplo, foi perguntado de onde viria o recurso. Eles sabiam: "Se tirar da saúde, vai faltar; se tirar da educação, também". Ou seja, quando há voz, há consciência. E quando há escuta real, há possibilidade de transformação.
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Pergunta 7
Grupo: Quais são os sinais de alerta que pais ou responsáveis devem observar para identificar quando o uso das redes está sendo prejudicial?
Rosângela: Como psicóloga escolar, sempre defendo que a escola é um importante termômetro do estado emocional e comportamental dos alunos. Quando algo começa a desandar, os sinais aparecem: queda no desempenho, respostas curtas e ríspidas com professores, falta de entrega de trabalhos, provas mal respondidas, sem cuidado ou evidência de estudo. Ao mesmo tempo, observamos mudanças na socialização: o aluno deixa de interagir com amigos, começa a se isolar, e isso geralmente se reflete também dentro de casa.
Há casos em que a criança ou adolescente passa a evitar o convívio familiar, se fechando no quarto ou em outros espaços isolados. Combinados simples, como arrumar a cama ou lavar a louça, deixam de ser cumpridos. As respostas se tornam agressivas, principalmente quando há a ameaça de tirar o celular. Tudo isso são sinais de que algo está errado.
Mas, mais uma vez, volto a insistir: o exemplo ainda é mais poderoso do que qualquer palavra. Não adianta exigir presença do filho se os pais também estão ausentes, mesmo que fisicamente presentes. Atendemos adolescentes que relatam situações como: "Minha mãe está na cozinha, eu estou no quarto, e ela me chama para almoçar por mensagem". Isso resume bem o paradoxo. Queremos que os filhos estejam à mesa, mas não nos damos o trabalho de chamá-los presencialmente.
A construção de vínculos reais, não virtuais, começa por ações concretas. Se queremos a presença dos nossos filhos, precisamos estar presentes também. E isso inclui, muitas vezes, desligar o próprio celular.
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Pergunta 6
Grupo: Crianças e adolescentes podem possuir uma dificuldade em lidar com frustrações e conflitos. As dinâmicas digitais entram nesse contexto de que modo ? Elas podem ser só negativas ou também positivas ?
Rosângela:
Como é muito difícil ter controle total sobre o que crianças e adolescentes consomem na internet, acabamos recorrendo aos exemplos que circulam nas próprias redes. Recentemente, vi um vídeo em que uma jovem recebeu um iPhone da mãe, mas por não ser o modelo 15 e sim uma versão anterior, ela se jogou no chão, chorando e esperneando, como uma criança pequena. Detalhe: essa jovem tinha cerca de 21 anos. Ou seja, já era uma adulta, do ponto de vista social.
Esse caso ilustra bem como a exposição constante a determinados conteúdos molda comportamentos. Como educar, como modelar atitudes, se a referência que se vê o tempo todo nas redes é que o iPhone 15 é melhor que o 13? Se o celular, em sua essência, é um meio de comunicação, por que a versão importa tanto?
O problema está no valor simbólico atribuído ao objeto. Não é apenas sobre o preço, é sobre o que aquele objeto representa. Nas redes, o aparelho se transforma em símbolo de status, poder e sucesso. E se você tem o modelo mais caro, está "lá em cima" na hierarquia social digital. Isso gera um desejo imediato, sem reflexão: não importa quanto custa, como vou conseguir, nem se eu preciso, eu só quero. E espero que alguém me dê.
A internet influencia negativamente quando não há construção de valor real por trás das coisas. E nesse caso, o mais impressionante foi ver uma adulta reagindo com uma regressão emocional, típica de uma criança diante da frustração. A birra, que deveria ser superada com o amadurecimento, é reproduzida de forma intensa, porque não se aprendeu a lidar com o "não". Esse é o reflexo de uma sociedade que estimula mais o ter do que o ser.
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Pergunta 5
Grupo: Existe uma idade mínima ou um tipo de orientação que você considera ideal para iniciar o uso das redes sociais? Por quê?
Rosângela: Existe um livro muito conhecido, do Pierre Lévy, que trata justamente do uso benéfico da internet na sociedade. Ele defende a tese de que, quando bem utilizada, a internet pode ser uma grande aliada na educação. Antigamente, era preciso ir até uma biblioteca para acessar um conteúdo. Hoje, temos literalmente o mundo na palma da mão: bibliotecas digitais, museus, podcasts, vídeos, imagens, textos históricos, uma riqueza imensa de conhecimento disponível em tempo real.
Mas o problema é quando se pula etapas. Ao buscar respostas imediatas ou usar ferramentas como a inteligência artificial sem um processo prévio de reflexão ou aprendizado, as pessoas acabam se afastando daquilo que realmente importa. Resolver tudo de forma instantânea pode parecer eficiente, mas compromete o processo de construção do conhecimento. Quando se abre mão do caminho, o resultado final tende a ser superficial.
A própria Associação Psiquiátrica recomenda que o contato com telas seja adiado o máximo possível. Embora se fale muito na idade mínima de dois anos, já existem especialistas defendendo que esse limite deveria ser ampliado para cinco anos ou mais. Isso porque, entre zero e cinco anos, o cérebro da criança está em plena formação. Tudo está sendo desenvolvido: o córtex cerebral, a memória, as emoções, o aprendizado.
E quando o estímulo é inadequado, como acontece com vídeos muito coloridos, com sons agudos, movimentos acelerados, o impacto é grande. Um simples vídeo infantil ativa simultaneamente visão, audição, coordenação motora e imitação. Isso sobrecarrega o sistema sensorial da criança. Como consequência, ela pode ter distúrbios no sono, agitação, pesadelos, mudanças de humor e comportamentos repetitivos durante o dia.
Por isso, quanto mais tarde for a introdução das telas na vida das crianças, melhor. Não se trata de demonizar a tecnologia, mas de entender que, na infância, cada etapa precisa ser vivida com o devido cuidado e queimar essas fases pode comprometer o desenvolvimento emocional, cognitivo e social.
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Pergunta 4
Grupo: Na sua visão, como a lógica algorítmica — que reforça bolhas de conteúdo e padrões de consumo — pode afetar a formação ética e a percepção da realidade em jovens?
Rosângela: Acho que esse tema volta à tona no caso que citei do menino e o dólar, um desafio dentro de um jogo para fazer parte de uma comunidade. O algoritmo tem um papel central nisso: ele te coloca em um lugar onde tudo gira em torno de quem está assistindo, quem está comentando, quem acha legal. E, muitas vezes, isso já vem com um pacote pronto de valores, como a ideia de que, para ter autoestima ou ser aceito, é preciso consumir determinado produto.
Um exemplo é o discurso de algumas influenciadoras. Elas têm uma voz potente nas redes. Uma mesma pessoa pode vender um produto de beleza que promete saúde e autoestima, mas, ao mesmo tempo, promover um joguinho online que incentiva hábitos nocivos. Ou seja, há uma contradição evidente: o mesmo canal que vende autocuidado também estimula comportamentos prejudiciais.
Por isso, quanto mais conseguirmos postergar o ingresso das crianças nesse ambiente digital, melhor será para a saúde delas. Estamos falando de um espaço que afeta todas as dimensões do desenvolvimento infantil, do comportamento ao senso moral, da cognição à formação de valores.
Hoje em dia, vejo alunos que já não estudam mais: apenas usam ferramentas como o Chat GPT para entregar trabalhos prontos. E isso deveria ser uma ferramenta de apoio, de aprimoramento. A ideia seria: estuda-se, constrói-se um repertório e, a partir disso, se usa a tecnologia para aperfeiçoar a linguagem ou o formato. Mas, em vez disso, muitos pulam a etapa fundamental: pensar, refletir, construir senso crítico. E tudo isso vai se somando, colaborando para uma formação cada vez mais rasa.
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Pergunta 3
Grupo: Vivemos numa era dos chamados nativos digitais, ou seja, de crianças e adolescentes que nascem já inseridos nessa era digital, diferente das gerações passadas que foram moldadas de acordo com a chegada da internet. De que forma, esses indivíduos podem fazer o uso saudável da internet sem tirá-las completamente do mundo ao qual estão inseridas?
Rosângela: Acredito que o exemplo é mais poderoso do que qualquer palavra. Mais do que mostrar um vídeo ou sentar para conversar, é preciso ser exemplo dentro de casa. Muitas vezes, recebo pais na clínica que se queixam do uso excessivo de celular pelos filhos, mas durante a própria consulta, estão no WhatsApp ou respondendo mensagens, sem tirar os olhos da tela.
Criança modela comportamento. A primeira referência é o ambiente familiar. Se quero que meu filho use a tecnologia de forma inteligente, eu também preciso usar. O exemplo, nesse caso, é a ferramenta mais eficiente. Mais do que qualquer palestra ou conteúdo educativo, é o comportamento diário que ensina.
Isso também passa por acordos práticos em casa: quanto tempo vamos usar a internet juntos? Qual é o momento de desligar os aparelhos? Que horas vamos dormir e deixar os celulares longe do corpo? São decisões simples, mas que mostram na prática aquilo que se deseja ensinar. O exemplo é, sem dúvida, mais transformador do que qualquer discurso.
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Pergunta 2
Grupo: Você acredita que o senso de pertencimento a grupos online pode afetar a identidade de um jovem a ponto de moldar seu comportamento fora do ambiente digital?
Rosângela: A influência dos jogos e das redes pode ser muito significativa. Na clínica atendi um caso que me chamou a atenção: um garoto de 11 anos participava de uma comunidade dentro de um jogo no Roblox. O desafio proposto no jogo era 'roube um dólar'. E ele cumpriu. Sabia que o primo guardava um dólar na carteira e pegou o dinheiro.
Pouco depois, o menino agrediu um colega na escola. Como punição, o pai resolveu tomar o celular. Ao pegar o aparelho, encontrou o dólar escondido na capinha. Questionado, o garoto inventou que tinha ganhado de um amigo, mas não soube dizer o nome. Quando finalmente confessou, o pai, muito irritado, agrediu fisicamente o filho, colocou-o no carro e o levou até a delegacia, dizendo: ‘Se você está roubando, o lugar de bandido é na cadeia’.
O menino chegou até mim visivelmente envergonhado, com medo. Disse que não roubou por vontade própria, mas por causa do desafio do jogo. Ele explicou que, para fazer parte de uma outra comunidade, mais 'seleta', dentro da plataforma, era necessário tirar uma foto com o dólar na mão, como prova. O que mais impressiona é como essas dinâmicas digitais criam lógicas de pertencimento tão fortes que levam crianças a atitudes de risco, sem qualquer filtro moral formado.
Perguntei o que ele havia aprendido com tudo aquilo. Ele respondeu: "Aprendi que meu pai me levou de volta pra casa... acho que a polícia não ia me prender’" Ou seja, ainda não havia uma reflexão muito profunda sobre o que aconteceu.
Esse caso mostra o quanto é difícil formar senso crítico em crianças. Elas ainda não têm uma estrutura moral consolidada e, por trás dos pais, há sempre uma outra figura, nesse caso, uma comunidade online, influenciando e incentivando comportamentos perigosos. Como psicóloga, considero um verdadeiro desafio orientar famílias nessas situações. Em momento algum invalido o sentimento do pai. Ele fez o que achou necessário. Mas trabalhamos para pontuar que a violência não é o melhor caminho. E ao mesmo tempo, tentamos evitar que esse pai se sinta impotente ou desautorizado. A construção de limites com afeto é sempre o caminho mais complexo, mas também o mais efetivo
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Pergunta 1:
Grupo: na sua prática clínica, quais são os principais impactos que você observa nas crianças e adolescentes que fazem uso intenso das redes sociais?
Rosângela: Tive dois casos marcantes, que preservo com total sigilo, mas que costumo discutir com frequência com colegas e professores, por fugir completamente do comportamento esperado. Um deles envolve uma adolescente de 16 anos. A mãe, ao perceber que a filha passava tempo demais no celular, tentou tomar o aparelho. A adolescente, que estava na cozinha com uma faca na mão, acabou ferindo a mãe com o objeto, em um momento de explosão emocional. A mãe precisou ser hospitalizada. Foi um caso muito sério.
Quando o atendimento chegou até nós, iniciamos uma investigação social. Descobrimos que essa jovem vive com a mãe e um irmão mais novo. O pai é ausente. A mãe trabalha fora todos os dias da semana e, mesmo assim, cuida sozinha da casa e dos filhos. A adolescente, por outro lado, leva uma rotina ociosa: vai à escola quando quer, tem notas baixas, é agressiva, vive isolada e sem vínculos afetivos sólidos, inclusive com a própria mãe, que ela enxerga como uma figura hostil.
Casos como esse mostram que a prática clínica exige muito mais do que tratar apenas o adolescente. É essencial trabalhar com a família como um todo. Muitas vezes, sem perceber, os responsáveis acabam financiando o comportamento nocivo, seja ao pagar pela internet, seja ao deixar o aparelho livremente à disposição.
E aí vem a pergunta: 'Mas o que fazer? Tirar tudo da mão dele?' A resposta não é agir de forma abrupta, como fez a mãe nesse caso, o que gerou uma reação igualmente violenta. O ideal é construir um controle gradual, entendendo que estamos lidando com algo que vicia, que ativa respostas químicas no cérebro ligadas ao prazer. Se a retirada for brusca, a resposta também será. O caminho é o equilíbrio e o acompanhamento constante.
Outro caso marcante que acompanhei envolveu uma criança de apenas cinco anos. Durante parte da manhã, ele permanecia sob os cuidados de um adulto na casa, mas com acesso irrestrito a um tablet. Em uma dessas ocasiões, ele clicou, por acaso, em um link em que uma pessoa estava se “masturbando”. A partir desse contato, passou a reproduzir o comportamento em si mesmo e provavelmente por gerar algum tipo de prazer, começou também a levar essas ações para o ambiente escolar.
Na escola, o menino chamava as colegas de “gostosa”, tocava em partes do corpo na frente das pessoas, e os comportamentos foram se intensificando, até saírem completamente do controle. Quando o caso chegou até mim, iniciei uma investigação sobre a rotina dele, os conteúdos que acessava e quem de fato acompanhava esse uso de tecnologia. Descobriu-se que o tablet possuía um histórico extenso de acessos a sites pornográficos. Ele tinha o hábito de alternar rapidamente para vídeos infantis sempre que percebia a aproximação do responsável.
Esse caso mostra com muita clareza os perigos de uma exposição digital sem supervisão, principalmente em crianças pequenas. Quando o uso da tecnologia não é mediado, abre-se espaço para o consumo de conteúdos inapropriados e para a manifestação precoce de comportamentos que ainda não têm capacidade de compreender ou processar.
É importante dizer: as mídias podem, sim, ser ferramentas incríveis, com uso inteligente. Mas precisam de mediação constante, especialmente com os pequenos. Na minha casa, por exemplo, tenho um filho de sete anos com autismo e uma filha de nove. Por precaução, optamos por não ter televisão e restringimos ao máximo o uso de telas. Eles eventualmente usam celular, tablet ou computador, mas sob minha supervisão direta, estou sempre acompanhando o que estão assistindo.
Crianças pequenas não têm maturidade para filtrar o que veem. Por isso, o uso de telas precisa ser pensado com muito cuidado. Não se trata apenas de limitar o tempo, mas de entender o conteúdo e os impactos que ele pode gerar. A modelagem de comportamento começa justamente aí: no que se vê, no que se consome, no que é permitido acontecer sem que ninguém perceba.
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