Tumgik
transitosdeplutao · 7 years
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Comentando trechos do livro “Encontro com a Sombra”
“Na meia-idade, defrontei-me com meus demônios. Muitas coisas que eu considerava bênçãos tornaram-se maldições. A larga estrada estreitou-se, a luz escureceu. E nas trevas a santa em mim, tão bem cuidada e tratada, encontrou a pecadora. Meu fascínio pela Luz, meu vivo otimismo em relação aos resultados, minha fé implícita em relação aos outros, meu compromisso com a meditação e com um caminho de iluminação — tudo isso deixou de ser uma graça salvadora e tornou-se uma sutil maldição, um entranhado hábito de pensar e sentir que parecia trazer-me face a face com o seu oposto, com o sofrimento de ideais fracassados, com o tormento da minha ingenuidade, com o lado escuro de Deus. (...) Eu acreditava, com certa arrogância espiritual, que uma vida interior profunda e comprometida me protegeria contra o sofrimento humano, que eu poderia de algum modo esvaziar o poder da sombra com minhas práticas e crenças metafísicas. Eu assumia, na verdade, que podia governar a sombra — assim como governava meus sentimentos ou a minha dieta — através da disciplina do autocontrole. Mas o lado escuro aparece sob muitos disfarces. Meu confronto com ele, na meia-idade, foi chocante e devastador, uma terrível desilusão. Antigas e íntimas amizades pareciam se debilitar e romper, privadas da vitalidade e da elasticidade. Meus pontos fortes começaram a se fazer sentir como fraquezas, obstruindo o crescimento em vez de promovê-lo. Ao mesmo tempo, insuspeitadas aptidões adormecidas despertaram e vieram à superfície, destruindo a autoimagem com a qual eu havia me acostumado. (...) Meu ânimo vigoroso e meu temperamento equilibrado deram lugar a uma profunda queda no vale do desespero. Aos quarenta anos, caí em depressão (...). E a depressão alternava-se com uma fúria desconhecida que se desencadeava dentro de mim, deixando-me vazia e envergonhada, como se tivesse sido temporariamente possuída por algum arcaico deus da ira. (...) Minha autossuficiência emocional e minha capacidade cuidadosamente cultivada de viver sem depender dos homens deram lugar a uma dolorosa vulnerabilidade.(...) Minha vida parecia destroçada. (...)
Com a gradual aceitação dos impulsos mais escuros dentro de mim, sinto que uma compaixão mais genuína cresce em minha alma. Ser apenas uma pessoa comum, cheia de anseios e contradições — isso já foi um anátema para mim. Hoje, é uma experiência extraordinária. Busquei uma maneira simbólica de deixar nascer a minha sombra, para que a minha vida exterior não se desfizesse e para que eu não precisasse pôr de lado esse modo de vida criativo que tanto amo.”
Quando eu li esse trecho no começo do livro, fiquei muito impressionada. Parecia que eu mesma tinha escrito. A minha crise aconteceu aos 30  - começou com uns 32 mais ou menos, e ainda, aos 35, não acabou. Agora estou melhor. Mas só depois do terremoto, começo a querer entender o que aconteceu. É, QURER entender, sentir um mínimo de força pra isso. Quer dizer, eu já tinha procurado uma psicanalista, faço análise há algum tempo. Mas fora da clínica, não estava conseguindo me voltar pra mim. Ficar quieta comigo mesma, sentir os meus processos. Meditar. Ler. Dar atenção pra mim. Nunca mais consegui ter a rotina espiritual de antes  - fazer minhas meditações, minhas práticas, anotações, diários, acender minhas velas. Minha vida se tornou externa, exterior, material. Basicamente saía pra gastar dinheiro em restaurantes, comidas e bebidas alcoólicas. A única coisa que eu queria era fugir, fingir uma outra vida, que um prato delicioso e uma garrafa de vinho me anestesiassem do meu vazio existencial.  Mas é claro que por dentro a desconfiança não passava, não passa. Você sabe que tem algo por trás, que algo continua em processo, agindo ocultamente. Mas antes, preciso explicar algumas coisas.
Assim como a autora, antes da minha crise eu estava numa fase muito solar e iluminada. Talvez a melhor fase da minha vida (quer dizer, a princípio eu achava isso). Estava linda, corpo lindo, cabelo lindo, morava no Rio, ia à praia todo dia, estava num período feliz. Todo meu cotidiano era voltado para o estudo da espiritualidade. Era tão dedicada aos meus ideais espirituais, que tinha certeza absoluta que nada poderia me atingir. E mesmo se atingisse, eu teria recursos interiores para lidar com qualquer barra. Na verdade, era uma espécie de postura acima do bem e do mal. 
Eu já vinha estudando a sombra há muitos anos. Já tinha conversado com ela, e talvez conversasse todos os dias. Sabia que quem me sustentava no mundo era ela. Mas tinha alguma coisa sobre esses estudos que não encaixavam, não estavam certos. Eu sentia que em alguma medida eu estava muito iludida a respeito das minhas crenças. Sei lá, eu sentia que em algum nível estava vivendo de uma ilusão infantil, desnecessária. E eu sempre pedi a experiência da desilusão, num sentido de poder conhecer a força que meu ego não me deixava sentir. Queria fazer o caminho da espiritualidade completo. Já me imaginava me retirando da cidade grande aos 30 e poucos pra me dedicar melhor a isso. E realmente aconteceu. Eu mesma tracei o que viria a acontecer aos 30, porém não sabia que iria perder o controle, ficar louca, depressiva, irracional. Que meu comportamento se tornaria selvagem, bestial. Que perderia quase todos os meus amigos. 
Falando astrologicamente, eu sabia que iria passar por alguns trânsitos meio barra pesada, tipo, Plutão faria conjunção com meu Sol natal (e outros aspectos importantes). E de tanto ler e estudar a respeito, tinha a ilusão de que controlaria a situação. Mas é claro que todas as forças que Plutão simboliza, a gente não controla. Você quer controlar, quer melhorar, mas não adianta, tomba de novo. Quanto mais insiste na cegueira, mais se machuca. E se machuca mesmo, no corpo. A sombra grita, berra, se escancara. 
Fiz esse blog pra comentar as minhas experiências, agora que me veio um tão raro impulso de querer escrever a respeito.  
Sobre  a Sombra
A sombra age como um sistema imunológico psíquico, definindo o que é eu e o que é não eu. Pessoas diferentes, em diferentes famílias e culturas, consideram de modos diversos aquilo que pertence ao ego e aquilo que pertence à sombra. Por exemplo, alguns permitem a expressão da raiva ou da agressividade; a maioria, não. Alguns permitem a sexualidade, a vulnerabilidade ou as emoções fortes; muitos, não. Alguns permitem a ambição financeira, a expressão artística ou o desenvolvimento intelectual; outros, não. Todos os sentimentos e capacidades que são rejeitados pelo ego e exilados na sombra contribuem para o poder oculto do lado escuro da natureza humana. No entanto, nem todos eles são aquilo que se considera traços negativos. (...) A sombra "mantém contato com as profundezas perdidas da alma, com a vida e a vitalidade — o superior, o universalmente humano, sim, mesmo o criativo podem ser percebidos ali”.
Não podemos olhar diretamente para esse domínio oculto, A sombra é, por natureza, difícil de ser apreendida. Ela é perigosa, desordenada e eternamente oculta, como se a luz da consciência pudesse roubar-lhe a vida.
Por essa razão, em geral vemos a sombra indiretamente, nos traços e ações desagradáveis das outras pessoas, lá fora, onde é mais seguro observá-la.
A sombra pessoal contém, portanto, todos os tipos de potencialidades não-desenvolvidas e não-expressas. Ela é aquela parte do inconsciente que complementa o ego e representa as características que a personalidade consciente recusa-se a admitir e, portanto, negligencia, esquece e enterra... até redescobri-las em confrontos desagradáveis com os outros.
Embora não possamos fitá-la diretamente, a sombra surge na vida diária. Por exemplo, nós a encontramos em tiradas humorísticas (tais como piadas sujas ou brincadeiras tolas) que expressam nossas emoções ocultas, inferiores ou temidas.
John Sanford diz que é possível que as pessoas destituídas de senso de humor tenham uma sombra muito reprimida. Em geral, é a sombra que ri das piadas.
Achei esse último trecho do Sanford muito curioso. No meu caso, perdi completamente o senso de humor. Fiquei muito séria, introspectiva, melancólica... Acho que ainda hoje não voltei a rir como antes. Gargalhada, anos que não sei o que é.
(...)
Em momentos como esses, quando somos dominados por fortes sentimentos de vergonha ou de raiva, ou quando descobrimos que nosso comportamento é inaceitável, é a sombra que está irrompendo de um modo inesperado. E em geral ela retrocede com igual velocidade; pois encontrar a sombra pode ser uma experiência assustadora e chocante para a nossa autoimagem.
(...)
A depressão também pode representar uma confrontação paralisante com o lado escuro, um equivalente moderno da "noite escura da alma" do místico. Nossa exigência interior para que desçamos ao mundo subterrâneo pode ser suplantada por considerações de ordem externa (como a necessidade de trabalhar por longas horas), pela interferência dos outros ou por drogasantidepressivas que amortecem a nossa sensação de desespero. Nesse caso, deixamos de apreender o propósito da nossa melancolia. Encontrar a sombra pede uma desaceleração do ritmo da vida, pede que ouçamos as indicações do nosso corpo e nos concedamos tempo para estar a sós, a fim de podermos digerir as mensagens misteriosas do mundo oculto.
Quando leio esse trecho, parece mesmo que eu criei essa situação pra mim - digo isso sem intenção de botar meu ego no controle de tudo novamente. Mas parece. Vim morar num lugar, numa cidade pequena de Minas Gerais, que parece que me deixa mais louca ainda. Fico angustiada com a falta de lazer, de praia, de fuga. É o ambiente ideal para eu desacelerar, ficar quieta, em silêncio, ouvindo meus processos. Me esconder do mundo, ter tempo pra mim. Só agora, hoje, sinto que isso aconteceu. No geral, eu quero mais é fugir, gastar, compensar, me anestesiar. Não sei se estou pronta pra vida lá fora, mas a gente tem que estar, tem que viver. A realidade daqui, eu odeio. Não quero. Me machuca. Mas ter um tempo pra mim é bom. Ter meu cantinho, que ninguém sabe onde fica, é bom demais. O silêncio aqui é bom. Por que eu não me basto com o silêncio? Não consigo suportar o nada? Meu interior está muito barulhento, caótico, dolorido, machucado? Minha espiritualidade de antes era fajuta? Uma ilusão? Eu estou aqui, na beira, no limite do mundo oculto. Oportunidade melhor que essa, não há. E no entanto viro as costas, tampo os ouvidos e canto “não estou vendo nada, lá lá lá lá”. Como se fosse um medo infantil do monstro de dentro do armário.
(...)
Conheça tudo sobre você mesmo, aconselhavam os sacerdotes do deus da luz. Poderíamos dizer: Conheça especialmente o lado escuro de você mesmo.
(...)
O ego está para a sombra como a luz está para as trevas.
(...)
Talvez seja naquilo que não aceitamos em nós mesmos — a nossa agressividade e vergonha, a nossa culpa e a nossa dor — que descobrimos a nossa humanidade.
No meu caso, a agressividade ficou muito evidente. Tudo que estava reprimido - a voz. Comecei a falar demais, devolver a agressão na lata, ficar muito provocativa. E não de uma forma natural, como se fosse uma expressão do meu temperamento. Você faz uma coisa e a coisa te deixa meio culpada. Mesmo que na hora você não tenha freio, controle, você sabe que fez aquilo. Mas não tinha como não fazer, não tinha como controlar. Eu tenho uma vergonha de aparecer. Toda vez que eu apareço - que eu percebo que sabem meu nome, que estao olhando pra mim, eu fico muito envergonhada. Mas isso é um assunto pra depois.
(...)
Em 1945, Jung referia-se à sombra como simplesmente aquela coisa que uma pessoa não queria ser. "Uma pessoa não se torna iluminada ao imaginar formas luminosas", afirmou, "mas sim ao tornar consciente a escuridão. Esse último procedimento, no entanto, é desagradável e, portanto, impopular." Hoje em dia, entendemos por sombra aquela parte da psique inconsciente que está mais próxima da consciência, mesmo que não seja completamente aceita por ela. Por ser contrária à atitude consciente que escolhemos, não permitimos que a sombra encontre expressão na nossa vida; assim ela se organiza em uma personalidade relativamente autônoma no inconsciente, onde fica protegida e oculta. Esse processo compensa a identificação unilateral que fazemos com aquilo que é aceitável à nossa mente consciente.
(...)
Eu não quero ser uma pessoa conhecida, que da a cara a tapa pros outros assistirem, que erra, que falha, que é humilhada, que passa pelas coisas em público. Eu não quero que me vejam vivendo, fico muito constrangida de saber que me viram. Ao mesmo tempo, a sombra escapa por aí. A vontade de ser vista. A pessoa que eu não quero ser, é conhecida e leva patadas em público porque se arrisca. Porque é louca mesmo e não tem medo dos outros. 
Quando colocamos muita coisa na nossa sacola particular, o resultado é nos sobrar pouca energia. Quanto maior a sacola, menor a energia. Algumas pessoas têm, por natureza, mais energia que outras; mas todos nós temos mais energia do que nos é possível usar. Para onde ela foi? Se colocamos nossa sexualidade na sacola enquanto somos crianças, é lógico que perdemos bastante energia. Quando coloca o seu lado masculino na sacola ou o enrola como um filme e guarda na lata, uma mulher perde energia. Assim, podemos imaginar que a nossa sacola pessoal contém energia que agora não está à nossa disposição.
(...)
A sombra é um componente do desenvolvimento do ego, Ela é um produto da cisão que ocorre quando estabelecemos o centro da nossa percepção. Ela é aquilo que, ao medirmos o conjunto, percebemos que faltava.
(...)
Isso nos leva ao fato básico de que a sombra é a porta para a nossa individualidade. Na medida em que nos oferece um primeiro vislumbre da parte inconsciente da nossa personalidade, a sombra representa o primeiro estágio em direção ao encontro do Eu. Não existe, na verdade, nenhum acesso ao inconsciente e à nossa própria realidade senão através da sombra. Só quando percebemos aquela parte de nós mesmos que até então não vimos ou preferimos não ver, podemos avançar para questionai e encontrar as fontes das quais ela se alimenta e as bases sobre as quais repousa. Logo, nenhum progresso nem crescimento são possíveis até que a sombra seja adequadamente confrontada — e confrontá-la significa mais do que apenas conhecê-la. Só depois de termos ficado realmente chocados ao ver como somos de verdade, cm vez de nos ver como queremos ser ou pretendemos ser, é que podemos dar o primeiro passo rumo à realidade individual.
Quando a pessoa é incapaz de integrar seu potencial positivo e se desvaloriza em excesso, ou quando ela é idêntica — por falta de força moral, por exemplo — ao seu próprio lado negativo, então o potencial positivo toma-se a característica da sombra. Nesse caso, a sombra é uma sombra positiva; ela é, então, o mais luminoso dos "dois irmãos". Nesse caso, os sonhos também tentarão trazer à consciência aquilo que foi indevidamente subestimado: as qualidades positivas. Isso, no entanto, ocorre com menos freqüência do que a imagem exageradamente boa e brilhante de nós mesmos. Formamos essa imagem brilhante porque queremos estar dentro de padrões coletivamente aceitáveis.
Quando nos recusamos a enfrentar a sombra, ou quando tentamos combatê-la com a força da nossa vontade, exclamando: "Para trás, Satanás!", estamos tão-somente relegando essa energia para o inconsciente e dali ela exercerá seu poder de uma forma negativa, compulsiva, projetada. Então, nossas projeções transformam o mundo à nossa volta num ambiente que nos mostra a nossa própria face, mesmo que não a reconheçamos como nossa. Tornamo-nos cadavez mais isolados; em vez de uma relação real com o mundo à nossa volta, existe apenas uma relação ilusória, pois nos relacionamos, não com o mundo como ele é, mas sim com o "mundo mau e perverso" que a projeção da nossa sombra nos mostra.
Devido às nossas projeções, vemos esse impasse como ódio do ambiente por nós; com isso, criamos um círculo vicioso que se prolonga ad infinitum, ad nauseam. Essas projeções darão uma tal forma às nossas atitudes em relação aos outros que por fim faremos surgir, literalmente, aquilo que projetamos. Imaginamo-nos tão perseguidos pelo ódio que o ódio acaba nascendo nos outros em resposta aos nossos cáusticos mecanismos de defesa. O outro vê a nossa defensiva como hostilidade, gratuita: isso desperta os seus mecanismos de defesa e ele projeta a sua sombra sobre nós; reagimos com a nossa defensiva, causando assim ainda mais ódio.
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A repressão parece menos dolorosa que a disciplina. Mas ela é, infelizmente, mais perigosa, pois nos faz agir sem a consciência dos nossos motivos, ou seja, de modo irresponsável. Mesmo que não sejamos responsáveis pelo modo como somos e sentimos, precisamos assumir a responsabilidade pelo modo como agimos. Portanto, precisamos aprender a nos disciplinar. E a disciplina está na capacidade de, quando necessário, agir de modo contrário aos nossos sentimentos. Essa é uma prerrogativa — bem como uma necessidade — eminentemente humana.
(...)
Por isso a sombra, não importa quão perturbadora ela possa ser, não é intrinsecamente má. O ego, com sua recusa de introvisão e com sua recusa de aceitar o todo da personalidade, contribui muito mais para o mal do que a própria sombra.
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A primeira vez que uma pessoa vê a sombra com clareza, ela fica mais ou menos horrorizada. Alguns dos nossos sistemas egocêntricos de defesa necessariamente se rompem ou se diluem, O resultado pode ser uma depressão temporária ou um enevoamento da consciência. Jung comparou o processo de integração — que ele chamou de individuação — ao processo da alquimia. Um dos estágios da alquimia é a mela-nose, quando tudo enegrece dentro do vaso que contém os elementos alquímicos. Mas esse estágio de enegrecimento é absolutamente essencial. Jung disse que ele representa o primeiro contato com o inconsciente, que é sempre o contato com a sombra. O ego encara isso como uma espécie de derrota.
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Acho que não, porque uma visão genuína da sombra também põe em ação aquilo que Jung chamou de Self, o centro criativo. E então as coisas começam a mover-se, para que a depressão não se torne permanente. Depois disso, mil e uma mudanças podem ocorrer; é diferente, para cada pessoa. Aquilo que Kunkel chamou o "centro real" da personalidade começa a emergir e, gradualmente, o ego é reorientado para uma relação mais íntima com esse centro real. Então é bem menos provável que a pessoa se associe ao mal genuíno, porque a integração da sombra sempre coincide com a dissolução da falsa persona. A pessoa torna-se muito mais realista a respeito de si mesma; ver a verdade sobre a nossa própria natureza sempre tem efeitos muito salutares. A honestidade é a grande defesa contra o mal genuíno. Parar de mentir para nós mesmos a respeito de nós mesmos, essa é a maior proteção que podemos ter contra o mal.
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Podemos ver melhor esse relacionamento nos nossos sonhos. Na nossa vida em estado de vigília, o ego é como o Sol — ele ilumina tudo, mas também impede que vejamos as estrelas. O que não percebemos é que os conteúdos da consciência do ego não são coisas criadas por nós; eles nos são dados, eles vêm de algum outro lugar. Somos constantemente influenciados pelo inconsciente, mas em geral não percebemos isso. Quando o Sol se põe, as estrelas aparecem — e então você descobre que é apenas uma das estrelas de um céu todo estrelado. Essa é a paisagem da alma, invisível na nossa vida em estado de vigília.
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Kunkel fez uma observação misteriosa: "Na batalha decisiva, Deus está sempre do lado da sombra, não do lado do ego." Com todas as suas dificuldades, a sombra está mais próxima da fonte da criação.
(...)
Quando uma pessoa faz uma tentativa de ver a sua sombra, ela torna-se consciente (e, com freqüência, envergonhada) daquelas qualidades e impulsos que nega em si mesma, embora veja claramente nos outros — coisas como egotismo, preguiça mental e desmazelo; fantasias, intrigas e tramas irreais; desatenção e covardia.
(...)
Se sentimos uma raiva avassaladora crescendo dentro de nós quando um amigo nos repreende por um erro, podemos estar razoavelmente certos de que ali encontraremos uma parte da nossa sombra da qual não estamos conscientes. É natural que fiquemos aborrecidos quando os outros, que não são "melhores" que nós, nos criticam pelos erros da nossa sombra. Mas o que podemos dizer quando são os nossos próprios sonhos — um juiz interior, dentro do nosso próprio ser — que nos repreendem? E nesse momento que o ego é apanhado e o resultado, em geral, é um silêncio cheio de embaraço. Depois disso começa a dor e o extenso trabalho de autoeducação — um trabalho, pode-se dizer, que é o equivalente psicológico aos trabalhos de Hércules.
(...)
Se a sombra se torna nosso amigo ou nosso inimigo depende muito de nós mesmos. Como mostram os sonhos do casarão inexplorado e do marginal francês, a sombra nem sempre é um oponente. Na verdade, ela é exatamente como qualquer ser humano com o qual precisamos nos relacionar, às vezes cedendo, às vezes resistindo, às vezes amando — o que quer que a situação exija. A sombra só se torna hostil quando é ignorada ou mal compreendida.
(...) 
No seu sentido mais estrito, portanto, o corpo como sombra representa o corpo como couraça e expressa aquilo que é reprimido pelo ego. Podemos também supor que o conceito da persona de Jung corresponde à primeira camada de Reich, "Na camada superficial de sua personalidade", escreveu Reich (no mesmo trecho já citado), "o homem médio é reservado, polido, compassivo, responsável e consciencioso".9 "A persona", escreveu Jung, "é um complexo sistema de relações entre a consciência individual e a sociedade, um tipo de máscara bastante adequada que se destina, por um lado, a causar uma impressão definida nos outros e, por outro, a ocultar a verdadeira natureza do indivíduo".1
(...)
Wilhelm Reich, ao descrever a condição de encouraçamento, esclareceu o modo como a doença age. A pessoa encouraçada, disse ele, fecha-se à natureza erguendo barreiras contra os impulsos vitais dentro do seu corpo. O corpo encouraçado endurece e torna-se inacessível ao sentimento; as sensações orgânicas diminuem ou desaparecem. A pessoa torna-se indiferente; ela odeia, mas nem sequer sabe que odeia. Ela é ambivalente.
(...)
Reich acreditava que cada entidade, cada ser humano, tem um âmago, como o coração, onde o movimento pulsante da vida se inicia. Na pessoa relativamente livre, o movimento pulsante alcança a periferia sem ser distorcido e essa pessoa se expressa, se move, sente, respira, vibra. Mas na pessoa encouraçada, entre o âmago e a periferia, existe uma "Linha Maginot". Quando os impulsos vitais atingem as fortificações da couraça, a pessoa se aterroriza e acredita que precisa suprimi-los; pois acredita que, se subirem à superfície, ela será dizimada. Para ela, seus sentimentos — especialmente os relacionados com o sexo — são terríveis, sujos, maus. Quando os impulsos agressivos mantidos dentro desse núcleo atingem a couraça, eles a fazem estremecer. E, de fato, se eles romperem a "Linha Maginot", o terror tornará essa pessoa absolutamente brutal. Ela está aterrorizada porque não consegue tolerar seus sentimentos, o movimento e a sensação de vida dentro dela, o doce murmúrio da emoção, o pulsar do amor, e ela age contra si mesma e contra os outros, tornando-se "antivida". Ela não percebe que a couraça é uma morte que torna inacessível o âmago da vida; ela não percebe que o feio e o odioso é a couraça. No estado encouraçado, portanto, o ser humano se divide — a mente se separa do corpo; o corpo, das emoções; as emoções, do espírito.
(...)
Reich disse que precisamos reconhecer não apenas o racional mas também o irracional proveitoso. Precisamos ver a nossa irracionalidade como algo muito importante. Precisamos conhecê-la, admiti-la, expô-la. Pois ela contém o fluxo do rio da vida. Se nos seccionamos do irracional, tornamo-nos pedantes e mortos. Com isso não quero dizer que devamos nos comportar irracionalmente em todos os momentos, quero dizer que precisamos aceitar a irracionalidade, tomar a energia que está investida nela, desativá-la e compreender os obstáculos que erguemos na vida que criam a irracionalidade.
(...)
Parece que qualquer coisa de um mapa astral pode cair na sombra. Qualquer ponto do mapa pode ser apropriado por essa figura, [Já falei sobre os elementos ausentes no mapa.] Esses elementos ausentes não apenas têm que ver com o tipo de pessoas por quem nos apaixonamos. Eles também estão ligados ao lado escuro da alma. Os aspectos planetários também podem ter tanto que ver com a sombra quanto com o tipo de pessoa que nos fascina no sexo oposto. Pontos do mapa, tais como o Descendente e o Fundo-do-Céu (o F,C, o nadir ou o ponto mais baixo) também têm muito que ver com as facetas da personalidade que caem na sombra, Vou começar mencionando algumas coisas sobre o F.C. porque ele é um ponto geralmente negligenciado na análise do mapa. O Meio-do-Céu (ou M.C.) na maioria das vezes parece estar ligado ao modo como queremos aparecer aos olhos do público. O ponto oposto, o F.C. parece relevante em termos daquilo que não queremos que o público veja. O signo que está na base do mapa é a área de escuridão, o ponto mais baixo do Sol, e é um dos pontos mais vulneráveis à entrada da sombra.
(...)
Vale lembrar as restrições de George Orwell quanto ao exemplo de Gandhi: "Não há dúvida de que álcool, tabaco, etc. são coisas que um santo deve evitar, mas a santidade também é uma coisa que os seres humanos devem evitar."
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