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Rainha do Céu e da Terra, Inanna

No mito, a sacralidade da existência remonta à sacralidade da origem. Estive imerso, então, na mitopoese de Inanna, adorada por incontáveis nomes, povos e ritos de poder.
Eis, aqui, parte do meu tributo.
Senhora de Uruk, Inanna se eleva no Oriente.
Adornada por rosas com oito pétalas, foi adorada entre acadianos, babilônicos e assírios como Ištar. Entre os fenícios, suas hierodulas prestavam louvores a Astarte. Em seu favor floresceu em Canaã o culto proibido à Asherah. A mitopoesia presta-lhe honrarias como noiva de Deus, Shekinah, e tantas outras libações foram oferecidas em sua homenagem.
Estrela da Aurora, Inanna detém as insígnias da Soberania e da Batalha.
Rainha do Céu e da Terra, Inanna conquista.
Pela astúcia, ela fez seus os dons divinos do cosmos e da civilização (me).
Pela astúcia, ela fez seus os dons do Abismo.
Rainha do Céu e da Terra, Inanna domina.
Portadora da tiara e do bastão, enfeitada por contas de lápis-lazúli e kohl, ela subjuga as feras e reina pela autoridade que reivindicou, vindo na cabeça da tempestade, no flamejar dos raios e trovões, trazendo destruição e devastação, fazendo curvar-se toda a terra estranha.
E quando a humanidade vem a ti Em temor e tremor por teu relume tempestuoso Asim recebes a paga devida Cantando um lamento por ti pranteia Por ti cruzam o caminho da Casa dos Suspiros Enheduana. Inanna: antes da palavra ser poesia era mulher. Tradução de Guilherme Gontijo Flores e Adriano Scandolara.
Com o arco retesado e a lança alçada, ela cavalga sobre os ventos da Guerra.
Seu rugido, temível, faz os Deuses estremecerem, e quando ela ribomba, escondem-se todos, sem atreverem-se contra suas ordens.
Senhora da Justiça, Inanna reconhece o bom e o ímpio, castiga o perverso, desfaz o cruel, e ao justo lança olhar favorável e lhe dá um bom destino.
Na névoa do templo, sacerdotisas murmuram seu nome; no fogo da lâmpada, a visão e a profecia despertam. Inanna sussurra mistérios aos que ousam ouvir. Seu nome ecoa nos sonhos dos reis e nos cânticos dos poetas, transitando entre mundos, acima e abaixo, xamã.

Estrela do Crepúsculo, Inanna detém as insígnias do Sexo e do Amor.
Rainha do Céu e da Terra, Inanna seduz.
Em seu leito homens tornaram-se reis (hiero gamos).
Sublime, Inanna mostra o Caminho, lânguida e voluptuosa, ardente e insaciável, pelo ímpeto da terra – Santa Vaca Selvagem, ela ordena: are minha vulva –, pelo deleite erótico da carne e pela união mística com o Divino.
Rainha do Céu e da Terra, Inanna regozija.
Inanna não se enquadra, rodopia; não se submete, conquista. Inanna é voraz e deve ser satisfeita. À dança extática do desejo ela se impõe, inefável Creatrix. Sua é a promessa de Amor, da cama de casal aos festins orgiásticos de seu povo. Doces são os seus lábios e a sua boca é a vida.
Os músicos começam a tocar. É uma música frenética. Salomé, imóvel de início, levanta-se e faz um sinal aos músicos que, numa rápida transição, modificam o ritmo impetuoso e passam a tocar uma melodia embaladora e doce. Salomé executa a dança dos sete véus. Parece, por um momento, que vai parar, mas logo recomeça com um entusiasmo novo. Fica um minuto em êxtase à borda da cisterna na qual está aprisionado Iokanaan, e depois lança-se à frente, joga-se aos pés de Herodes. Salomé. Oscar Wilde.
Rainha de Poder e Beleza, sua taça verte o vinho do Sabá.
Excelsa Mulher, Senhora do Paradoxo, Inanna reina e rebela, ama e devora, embriaga o cosmos e faz o mundo a girar. Amá-la é arder, é dissolver-se no seu ventre, no seu abismo, na sua promessa de eternidade.
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The Holy Mountain (1973)

Em 1929, ao escrever o Manifesto do Surrealismo, o poeta francês André Breton ponderou sobre como o homem tornou-se pertencente, de corpo e alma, a uma espécie de “imperativo prático” que sufoca a expansão dos gestos, das ideias e da capacidade do sujeito de se conectar com experiências excepcionais – como o amor –, restringindo e constrangendo sua própria capacidade de transformação e transcendência.
Ao procurar resolver a contradição entre sonho e realidade, a arte surrealista permite-se imergir no universo dos sonhos, do irracional e do inconsciente, do fluxo e influxo da imaginação e dos desejos, do delírio, do torpor e da catarse.
Solve et coagula.
De acordo com Breton:
A imaginação talvez esteja prestes a reafirmar-se, a reivindicar seus direitos. Se as profundezas de nossa mente contêm forças estranhas capazes de ampliar aquelas da superfície ou de travar uma batalha vitoriosa contra elas, há toda razão para agarrá-las — primeiro para agarrá-las, depois, se necessário, submetê-las ao controle da nossa razão (BRETON, André. Manifestoes of Surrealism. Translated from the French by Richard Seaver and Helen R. Lane. The University of Michigan Press, p. 10) (tradução livre).
A par disso, e depois de quase dez anos, assisti novamente “The Holy Mountain” (1973), do diretor chileno Alejandro Jodorowsky.
Lembro-me de ter lido uma resenha que definia o filme como sendo uma “jornada iniciática”, e melhor definição não há. O Mistério – guiado pelo próprio Jodorowsky, aqui Alquimista – se traduz na exploração de conceitos como riqueza terrena e imortalidade, e na influência contracultural que eles exerceram (especialmente) no século passado.
Nele, um grupo de peregrinos se lança em uma jornada rumo à uma ilha mítica onde deverão escalar a Montanha Sagrada em busca de iluminação espiritual. Cada um desses peregrinos representa um planeta do sistema solar, e, como tal, incorpora uma forma e exerce uma função, em nível individual e coletivo. Em meio ao todo subjaz o Ladrão-crístico, no qual o próprio espectador se espelha, sujeitando-se aos ordálios do seu Destino (Fate) e às surpresas do terrível e fantástico Desconhecido (Unknown).

Crítico à cultura bélica ocidental, aos Estados Unidos e às tensões políticas entre Chile e Peru, o filme adota uma linguagem mística, torta, e não raro subverte os signos, em um ambiente de estranheza, transgressão e simbolismo existencial cru, por vezes sacrílego, frequentemente ultrajante e quase sempre hipnótico.
O homem propõe e dispõe. Ele, e somente ele, pode determinar se é completamente senhor de si mesmo, isto é, se mantém o corpo de seus desejos, diariamente mais formidável, em um estado de anarquia. A poesia o ensina a fazê-lo. Ela carrega em si a compensação perfeita para as misérias que suportamos (BRETON, André. Op. cit., p. 18) (tradução livre).
E então, afinal de contas, qual é o significado do filme?
Depende.
Conforme propõe Jacques Lacan (e a referência, aqui, se deve ao meu recente interesse pela psicanálise lacaniana), não há significados fixos. Embora eles sejam determinados pela relação entre significantes dentro do registro do Simbólico, formado tanto pela linguagem quanto pelas regras sociais que organizam a comunicação, as relações e o desejo, a posição do sujeito no campo simbólico influencia sua experiência do significado.
Experimente-o, portanto.

Diz-se que a obra provocou feroz controvérsia no Festival de Cinema de Cannes de 1973. Não tenho dúvidas de que ela continue instigando a mesma inquietação em alguns espectadores do Séc. XXI, especialmente dentre aqueles que se levam muito a sério.
O filme termina com uma aviltante piada, da melhor forma possível.
Duração: 92 minutos.
Atualmente indisponível para streaming no Brasil.
Para finalizar, algumas curiosidades.
Além de ser reconhecido especialista do tarô de Marselha (é dele o famoso livro "O Caminho do Tarot", publicado no Brasil pela Editora Chave), o próprio Jodorowsky é dado como alternativa ao Arcano 1 – O Mago, do tarô “Terra Volatile” (eu só soube disso ao manusear o deck).
"The Holy Moutain" é referenciado no curta metragem "Born Villain", lançado por Marilyn Manson em 2012 (direção de Shia LaBeouf).
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Manifesto
Sou crente da impermanência.
O Taoismo ensina que todas as coisas têm quatro tempos: início (pequeno yang), auge (grande yang), declínio (pequeno yin) e recolhimento (grande yin).
A arte medieval adverte: memento mori.
Não há alternativa à finitude humana senão a busca pela naturalidade e pela realização do próprio caminho (Tao).
Eis o meu desafio!
Rejeito, porém, a austeridade do asceta, não almejo o sobre-humano, nem a ascenção da árvore.
Sou eu e apenas eu: um peregrino falante de uma jornada-sem-nome.
Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. [...]. A Tabacaria - Álvaro de Campos
Entre idas e vindas, me convenci de que gostaria de ter esse espaço para compartilhar as divagações que acossam os meus dias: artes pláticas, música, cinema, espiritualidade, filosofia e o que mais se impuser.
Como nos velhos tempos.
Vem da Sicília e da Arcádia vem! Vem com Baco, com fauno e fera E ninfa e sátiro à tua beira, Num asno lácteo, do mar sem fim, A mim, a mim! Hino a Pã - Aleister Crowley (trad. Fernando Pessoa)
Não há propósito no projeto, assim como não há propósito no caminho.
Não me comprometo a escrever, apenas em ser verdadeiro.
Sem rigor, leigo de tudo.
A arte que ilustra as paredes neste momento é “A Satyr”, de Jacques Jordaens, acompanhado por trecho de “Hino a Pã”, traduzido por Fernando Pessoa. De todos os seres fantásticos e Deuses, esses sempre me cativaram mais.
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