São Paulo recebe exposição sobre a vida e a obra de José Saramago
A vida, a produção literária e o pensamento de José Saramago orientam a exposição “Saramago – os pontos e a vista” que abre ao público no dia 6 de março na cidade de São Paulo. A mostra, que conta com o apoio da Fundação José Saramago, estará patente no espaço Farol Santander, no centro da cidade, até ao próximo dia 3 de junho.
A curadoria da exposição é de Marcello Dantas e a produção dos vídeos que a integram é de responsabilidade de Miguel Gonçalves Mendes. Além de um vasto material audiovisual, o visitante poderá ver alguns objetos pessoais do escritor, como o computador com o qual escreveu Ensaio sobre a Cegueira e a cama dos seus avós, que viajou da sua terra natal, Azinhaga. Sobre ela, José Saramago afirmou no seu discurso ao receber o Prémio Nobel de Literatura em 1998: “No Inverno, quando o frio da noite apertava ao ponto de a água dos cântaros gelar dentro da casa, iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama”.
A exposição poderá ser visitada de terça a domingo, das 9h às 19h. A entrada é livre.
https://www.josesaramago.org/sao-paulo-recebe-exposicao-vida-obra-jose-saramago
SARAMAGO – OS PONTOS E A VISTA
“É necessário sair da ilha para ver a ilha, não nos vemos se não saímos de nós…” (O Conto da Ilha Desconhecida)
A proposta para a exposição Saramago, os pontos e a vista, se baseia no uso inédito de um rico acervo de materiais audiovisuais, criando uma vivência singular do ponto de vista de José Saramago em primeira pessoa.
A exposição pretende olhar para as diferentes dimensões de José, ampliando a compreensão que o público brasileiro tem sobre o autor português, um dos maiores legados da literatura contemporânea.
Saramago é popularmente conhecido pelas opiniões polêmicas, mas ao nos aproximarmos de seu universo podemos entender que suas opiniões vêm de uma reflexão profunda sobre as condições humanas e as relações de poder. É a força que carrega como cidadão, que permeia sua criação literária com um interesse genuíno pelo mundo e pelo ser humano.
Antes de se tornar escritor, José exerceu diversas atividades que o permitiram experimentar a vida a partir de diferentes pontos de vista. Esse acúmulo de perspectivas ajudou a formar seu modo único de enxergar o mundo.
Marcello Dantas
Curador
0 notes
Lirismo, erotismo e modernidade em Judith Teixeira
Pouco conhecida pelo público leitor brasileiro, a poeta portuguesa Judith Teixeira – aliás, Judite dos Reis Ramos Teixeira (1880-1959) – é uma das vozes mais singulares da poesia simbolista e pré-modernista em Portugal, pela temática erótica (incomum, na época, entre autoras mulheres, pela cultura patriarcal do período), imagens expressivas e construção melódica dos versos, de grande beleza. A autora, que também editou os três números da revista Europa, publicou em vida apenas três livros de poesia (Decadência, 1923; Castelo de sombras, 1923 e Nua. Poemas de Bizâncio, 1926) e um de contos (Satânia), que encontraram forte resistência da crítica literária e mesmo do governo português, como decorrência de uma campanha da Liga de Ação dos Estudantes de Lisboa (uma espécie de MBL lisboeta) contra “os artistas decadentes, os poetas de Sodoma, os editores, autores e vendedores de livros imorais”. Sua obra Decadência foi apreendida e queimada, ao lado de outros títulos considerados “obscenos”, como as Canções de Antônio Botto e Sodoma divinizada, de Raul Leal, prenunciando as fogueiras de livros acendidas pelos nazistas na Alemanha, dez anos mais tarde. Judith Teixeira escandalizou a sociedade portuguesa pela temática erótica de sua poesia – em que encontramos, inclusive, referências ao lesbianismo – e também pelo seu comportamento, que estava em desacordo com o que se esperava de uma mulher lusitana cristã e virtuosa na época: casada com Jaime Levy Azancot, teve a união dissolvida por acusação, contra ela, de adultério e abandono do lar. A imprensa portuguesa, não menos conservadora e obtusa que a mídia brasileira atual, atacava os versos de Judith Teixeira, chamando-os de “vergonhas sexuais” e “versalhadas ignóbeis”. Marcello Caetano, na revista fascistizante Nova ordem (similar à Veja e à Istoé), escreveu artigo depreciando a poeta portuguesa, a quem classificou de “desavergonhada”, saudando a incineração de seus livros. Quem sabe em decorrência de todas as agressões sofridas – que recordam episódios da vida trágica de sua irmã espiritual, a poeta brasileira Gilka Machado – Judith Teixeira deixou de escrever de 1926 até a sua morte, em 1959. Incompreendida inclusive por críticos como José Régio, guru da revista Presença ("todos os livros de Judith Texeira não valem uma canção escolhida de António Botto”), e mesmo por João Gaspar Simões (que a considerou autora “sem talento”), foi reconhecida por alguns espíritos livres, como António Manuel Couto Viana, que a considerou “a única poetisa modernista” portuguesa, merecedora “de melhor sorte do que o silêncio, a ignorância, a que tem estado votada”. Hoje, quando as questões de gênero estão no dentro do debate intelectual a respeito das liberdades individuais e da construção de uma nova moral sexual e de um novo projeto civilizatório, plural e inclusivo, a poesia de Judith Teixeira revela-se como uma voz extremamente necessária, que precisa ser conhecida por todos os que amam a boa poesia.
POEMAS DE JUDITH TEIXEIRA
O ANÃO DA MÁSCARA VERDE
As árvores seculares
do meu jardim,
em murmúrios de segredo –
falam de mim,
riscando no horizonte
longas figuras de medo…
O silêncio fala
balançando os esguios esqueletos
das árvores desgrenhadas!
Apagaram-se as velas perfumadas
do lampadário da minha sala…
As aves em voos inquietos
passam caladas!
……………………………………
Infinitamente só,
as horas vão adormecendo…
……………………………………
Estranha visão!
Do espelho para mim,
vem deslizando
lívido de luar
um fulvo Anão, de máscara verde
vestido de arlequim…
As mãos a suplicar,
num gesto que se perde…
Nos olhos cintilantes, infernais,
eu leio confissões rudes, brutais!
– Estende os braços revestidos de oiro…
E as suas mãos esguias
vêm desprender o meu cabelo loiro!…
Álgida madrugada de luar…
Infernal tentação!
Eu não posso desfitar…
a boca rubra e incendiada
do meu Anão!
Quero fugir a este inferno!
– Os olhos dele…
Um abismo sem fim!
Um labirinto!…
– E o meu cabelo a arder
nas mãos do arlequim! –
Não! Não!
Foi um desejo apenas
e que eu desminto!
E rasgo-lhe com fúria
as vestes de cetim.
……………………………………
Olho ainda o espelho
pálida e cansada…
E já longe,
iluminado de luar
álgido e frio,
o meu Anão de olhar sombrio,
lá está
a contar
o meu segredo
num murmúrio sem fim,
ás árvores do Medo
do meu jardim!
MAUS PRESSÁGIOS
Asas agoirentas, pretas,
vêm sobre mim poisar,
de sombrias borboletas
em redor a voltejar…
Tristes como violetas!…
Trouxeram-me a soluçar
nas asas negras, inquietas,
um mau presságio, de azar!
Meu pobre coração chora
em ânsia que me apavora…
- Que estará p’ra acontecer?…
E uma voz entrecortada
diz-me ao longe desgarrada:
- Adeus!… Partir!… Esquecer!
AO ESPELHO
As horas vão adormecendo
preguiçosamente…
E as minhas mãos estilizadas,
vão desprendendo
distraídamente,
as minhas tranças doiradas.
Reflectido no espelho
que me prende o olhar,
desmaia o oiro vermelho
dos meus cabelos desmanchados,
molhados
de luar!
Suavemente, as mãos na seda,
Vão soltando o leve manto…
Meu lindo corpo de Leda,
fascina-me, enamorada
de todo o meu próprio encanto…
…………………………………….
Envolve-se a lua
em dobras de veludo
nos páramos do céu
e eu vou pensando,
no cisne branco e mudo
que no espelhante lago adormeceu…
………………………………………
Volta o luar silente…
E a minha boca ardente
numa ansiedade louca
procura ir beijar
o seio branco e erguido,
que no cristal do espelho ficou reflectido!…
Impossíveis desejos!
Os meus magoados beijos
encontram sempre a própria boca
banhada de luar
álgido e frio –
Dizendo em segredo
às minhas ambições,
o destino sombrio
das grandes ilusões!
A ESTÁTUA
O teu corpo branco e esguio
Prendeu todo o meu sentido…
Sonho que pela noite, altas horas,
Aqueces o mármore frio
Do alvo peito entumecido…
E quantas vezes pela escuridão
A arder na febre de um delírio,
Os olhos roxos como um lírio
Venho espreitar os gestos que eu sonhei…
- Sinto os rumores duma convulsão,
A confessar tudo que eu cismei
Ó Vénus sensual!
Pecado mortal
Do meu pensamento!
Tens nos seios de bicos acerados,
Num tormento,
A singular razão dos meus cuidados
FLORES DE CACTUS
Flores de cactus resplandecentes,
Espelhantes, encarnadas!
Rubras gargalhadas
De cortesãs…
Embriagam-se de sol,
Pelas doiradas manhãs,
Viçosas e ardentes!
Bela flor imprudente!
Brilha melhor o sol rutilante
Nas suas pétalas vermelhas…
É sugestivo
O ar insolente
E petulante,
Como se deixam morder
Pelas doiradas abelhas!
Nascem para ser beijadas
E possuídas
Pelo sol abrasador…
Lascivas,
Predestinadas
Para os mistérios do amor!
Eu gosto desta flor pagã
E sensual,
Que num místico ritual
Se entrega toda aberta
Aos beijos fulvos do sol!
Oh! Flor do cactus enrubescida!
No teu vermelho, há sangue, há vida…
- E eu tenho uma enorme sede de viver!
VENERE CORICATA
“Ante o quadro de Tiziano Vicelli”
Risca-se numa luz esbraseada
sobre uma pele negra e rebrilhante
a linha do seu corpo estonteante
recortando a nudez estilizada..,
Cintilações de cor avermelhada,
vem envolver-lhe a curva provocante!
E na boca perversa de bacante,
agoniza uma rosa ensanguentada!
Num amplexo quimérico cingida,
revolve-se na luz enrubescida,
em espasmos de luxúria, irrealizados…
Contorce-se num ritmo de desejos…
E a luz vai-lhe mordendo todo em beijos
o seio nu, de bicos enristados!
3 notes
·
View notes