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turnmeintoaflower · 7 months
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SÁBADO NA PRAIA
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No sábado à tarde, fomos à uma praia que não conhecíamos. O caminho foi longo e repleto de subidas e descidas. Estacionamos ao lado de uma família que acampava no local. Descemos o que um dia deve ter sido uma escada de bambu usada para facilitar o acesso à praia, mas agora estava parcialmente enterrada na areia.
A praia estava deserta, o que não era de se estranhar para aquela época do ano. Como a praia era pequena, decidimos nos acomodar no final dela, próximo às pedras. Enquanto caminhávamos, começamos a juntar conchas que pareciam ter sido trazidas pela maré da noite anterior e agora esperavam em fila pelo retorno das águas para embarcarem na próxima viagem. “Quase não tem plástico aqui, a água deve ser limpa”, comentei.
Colocamos as cadeirinhas um pouco antes de uma cerca arrebentada que ainda possuía uma placa de “Cuidado Cão” pendurada. Mostramos um ao outro as diferentes conchas que havíamos coletado. Você ficou encantada com uma simples por fora, mas ao olhar através de uma de suas aberturas, era possível ver a espiral perfeita em seu interior. Minha favorita foi a que tinha o formato de uma garra de siri.
“Devemos honrar a beleza dessas conchas fazendo algo bonito com elas”, você propôs.
“Poderíamos levá-las para casa e colocá-las em um pequeno porta-retratos para lembrar deste dia”, sugeri.
Você concordou e disse: “Será que é possível formar um desenho juntando elas?”
“Podemos tentar”.
A água estava gelada então passamos a maior parte do tempo assistindo ao mar e conversando. 
“A ilha de Anhatomirim fica ali, e logo depois é Florianópolis”, eu disse, apontando. “Eu acho”. A verdade é que eu poderia estar apontando na direção completamente oposta, já que a neblina cobria o mar alguns quilômetros depois da praia, impossibilitando de ver qualquer coisa. A localização pouco importava, o que eu queria mesmo era relembrar a foto que tiramos em uma viagem com minha família num dia de céu muito mais limpo. Naquela ocasião, uma das minhas tias procurava a localização da "ilha do forte", como ela nomeou, para marcar a foto que pretendia postar em seus stories.
“É a Ilha de INHAtomirim”, outra tia minha comentou.
“Não, não está achando”, respondeu, enquanto tentava algumas variações da palavra.
“Coloca forte de Inhatomirim para ver” meu pai sugeriu.
“Não era ANHAtomirim?” meu tio corrigiu.
“Não, eu lembro que começava com Inha”, rapidamente retrucou a tia que havia feito a primeira sugestão.
O povo Tupi chamava de Ilha pequena do diabo, mas o Google reconhece que “A Fortaleza de Santa Cruz está localizada na Ilha de ANHAtomirim”. Me lembro da risada do meu tio quando soube da resposta. Todos nós rimos, inclusive minha tia, que “jurava de pé junto que era Inha”. “Inha, Inha”, repetia meu tio, animado para contar à minha prima sobre a confusão do nome quando ela ligasse mais tarde. 
Ninguém mais apareceu na praia naquela tarde. Estávamos isolados do mundo, esquecidos em um canto do tempo. Apesar da calma do mar e do silêncio, eu não me sentia em paz ao seu lado. Pelo contrário, sentia um estranho desconforto, como se a qualquer momento pudesse ser descoberto. ”Como pode você ter esse momento tão perfeito sem que nada o estrague, não é justo!”, imaginava a voz dos momentos comuns, cobrando-me. Eu me questionava como era permitido para mim viver tamanha felicidade, jurando que estava prestes a receber a notícia de alguma doença incurável. Era apenas uma questão de tempo. 
Te falei isso, e você apenas riu. Isso me trouxe alívio, pois sabia que você entendia minha loucura. Já estava acostumada com ela. No final das contas, talvez fosse seu sorriso que eu procurava esse tempo todo, talvez seja por causa dele que sou louco. 
Levantamos para dar uma caminhada e fomos além da cerca arrebentada. Lá, havia uma nova cerca, mas antes desta nova cerca, encontramos uma passagem entre as pedras que levava a um lugar em que o mar estava quase parado. As algas mal se mexiam e havia pedras grandes, algumas até empilhadas. Escalamos algumas delas para tirar fotos e então tive uma ideia. “Porque não colocamos aqui as conchas que encontramos?”. Você concordou sem pensar duas vezes.
Fomos com cuidado até a pedra mais alta que conseguimos subir, e eu tirei as conchas que estavam no bolso da minha bermuda. Você estava dedicada à tarefa, parecia querer formar uma constelação com elas. Com maestria, distribuía as pequenas formas sobre a superfície da pedra, como se já tivesse planejado de antemão. Quando terminou, olhou para mim e perguntou: “Ficou bom?” eu sorri, e ali, escondidos sob a neblina depois da cerca quebrada, clandestinos, sob a pedra mais alta naquele canto do mundo, nós nos beijamos. A coisa mais bonita que poderíamos fazer.
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turnmeintoaflower · 10 months
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FLORESCER
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I.
Outro dia estava buscando o alívio que apenas a leitura de anotações antigas trás. É bobo relembrar os elaborados planos que nunca foram consultados, a mesquinharia dos dias corridos e a inocência das paixões que não tiveram um final feliz. Mas o que me prendeu dessa vez foi uma frase que escrevi em meu diário a mais de um ano atrás:
Tantas possibilidades que ficaram em espera nesses últimos cinco anos e agora sinto que vou começar a viver, espero que eu realmente não me acomode e corra atrás dessas coisas que eu sempre quis.
A sentença o trouxe para meu lado, meu eu do passado, com um sorriso de um canto só e um corte de cabelo que já havia passado da hora de ser retocado, me perguntava como foi a largada da vida, uma vida sem as amarras que tanto reclamavámos mas que traziam um estranho alívio para a nossa insatisfação.
O que se pode esperar de alguém que, no relato sobre uma animadora nova fase da sua vida, já teme um possível conformismo. Não teria como ser diferente, conheço meu histórico e mesmo para aquilo que o subconsciente faz questão de esquecer, eu tenho os recibos para me lembrar.  Vai ver ele (eu) sabia muito bem que precisava anotar para me (se) cobrar depois. E agora, procurando em cada canto da casa por um comprovante de uma vida bem vivida, não consigo parar de pensar, o que é que eu sempre quis?
II.
Desde o dia em que escrevi aquela nota muito mudou, não preciso me preocupar com o horário dos ônibus, tenho muito mais tempo livre e quando digo livre é livre até mesmo da náusea do scroll infinito, mas lembrar dessas conquistas não atenua a pressão que sinto no meu lobo frontal, talvez porque eu nunca quis nada disso.
Sempre desejei o que outros queriam para mim. Esse é um pensamento muito estranho porque o desejo parece algo tão íntimo, que é difícil aceitar que desejamos o desejo de outros. É tentador pensar que tudo isso é consequência de um desejo mimético, mas sinceramente não acho que meu desejo se qualifica nem o suficiente para ser uma cópia, ele sempre foi mais uma tarefa.
Pode-se encontrar pendurada na parede da casa dos pais, ou nas camisetas de banda, mas talvez seja nos nossos próprios fetiches que essa característica emprestada do desejo fique mais evidente. Aceitar que o tamanho de sutiã das pessoas com que escolho me relacionar não importa é simples, mas são as consequências dessa noção que são devastadoras. Se nem em algo tão primitivo, que jamais discuti ou procurei refinar meu gosto, tenho autenticidade no que tenho?
Perceber que você não sabe o que quer e, principalmente, que nunca aprendeu como desejar pode ser assustador. Você vive na iminência de encontrar uma lâmpada mágica e não ter coragem de esfregá-la. O que eu poderia pedir? “Já sei! Eu desejo mais três desejos”.
III.
O problema é que ninguém te ensina como desejar, até porque não tem como aprender algo assim. Você pode procurar na igreja, nas estrelas ou no explorar do instagram, mas todos te levam para caminhos que não são seus. Desbravar a mata fechada da nossa cabeça leva tempo e muitos questionamentos. É perigoso, assim como tudo que é recompensador, pois onde você esperava encontrar planaltos e um belo céu azul pode-se encontrar depressões profundas e sem vida. E destaco que não temos como preencher esse vazio, até porque de verdade aprendemos a admirar o vazio e tomamos certo gosto por ele. É necessário primeiramente destruí-lo abrindo espaço para que um desejo verdadeiro possa brotar.
Atualmente o que tem vingado na minha mente é uma busca por uma vida que seja de valor para outras pessoas além de mim. E quando digo isso não falo de grandes ações altruístas como os programas sociais de milionários e sim de uma existência que tenha mais valor para aqueles que estão mais próximos de mim, me tornando alguém com quem eles podem contar. Descobri isso depois de notar como me senti útil ajudando amigos e pessoas que amo. Pode parecer óbvio, mas só percebi isso após me esforçar em coisas que nunca dei muita bola ou que até levava como um fardo, situações em que eu poderia ser indiferente mas que escolhi agir, principalmente porque sempre foi tão comum me abster, parecia natural só ter que se preocupar com meus próprios problemas. Via até com certa vergonha ser pego se esforçando por coisas que não me trariam nenhum benefício. Mesmo que isso leve a uma possível falha, mas a cada dia mais percebo que é nesse risco sem recompensa que mora o verdadeiro significado da vida. 
Admito que escrevendo isso fica óbvia a inocência dessa ideia, mas a verdade é que esse é um pensamento jovem e eu sei que, por mais que leve muito tempo, ele vai florescer. 
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