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Vanessa Dias
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vanessadefdias · 4 years ago
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Aos 98 anos, morre Antonio Candido, crítico fundamental e militante humanista
A morte de Antonio Candido, aos 98 anos, representa a perda do mais importante crítico literário brasileiro. Não há como negar, tenha-se ou não acordo com a visão que ele estabeleceu da literatura brasileira, que sua obra marcou um divisor de águas na forma como aprendemos e ensinamos literatura, que até hoje imprime sua marca nos currículos de literatura, desde os cursos universitários até o ensino básico.
Sexta-feira 12 de maio de 2017.
Candido era o último representante vivo das primeiras gerações de notórios formandos da Universidade de São Paulo (USP), fundada como tal em 1934. Nascido em 24 de julho de 1918, o jovem Antonio Candido ingressou na Faculdade de Direito e na de Ciências Sociais da USP em 1939. O direito ficou pelo caminho, e nas Ciências Sociais ele se formou em 1942. Sua atividade intelectual intensa e muit��ssimo vasta – que se manteve viva até seus derradeiros dias, com um texto ainda inédito sobre sua parceria com Oswald de Andrade concluído semana passada – se iniciou ainda durante a graduação. Em 1941, passou a exercer a crítica literária na revista Clima, ao lado de nomes fundamentais da crítica artística brasileira, como Décio de Almeida Prado, Paulo Emílio Salles Gomes, Lourival Gomes Machado e Gilda Rocha de Mello e Souza (com quem viria a se casar). Em 1942, torna-se docente assistente de sociologia na USP, onde foi colega de Florestan Fernandes. Em 1943 passa a escrever para a Folha da Manhã, onde deu continuidade à escrita de ensaios sobre autores fundamentais da literatura, inclusive as primeiras obras de Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto.
O ensino de literatura na universidade só passou a ser um ofício de Candido em 1958, quando se tornou professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas de Assis, hoje parte da Unesp, onde permaneceu até 1960. Nesse período publica a primeira obra que marcou a influência decisiva de Antonio Candido no estudo da literatura brasileira: é de 1959 o seu “Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos”, que ganharia novo fôlego em 1975 trazendo sua visão mais consolidada sobre o processo de formação da literatura brasileira em estreita relação com as literaturas europeias. Ali, Candido aponta sua visão de que só há uma literatura brasileira em sentido estrito a partir do romantismo, em que os autores ganham uma autonomia criativa em relação à colônia, ligada ao processo de formação da identidade nacional e até mesmo da independência política do país. Tal visão continua a embasar os currículos das universidades, como no próprio caso da USP, em que as escolas literárias brasileiras do período pré-romantismo ocupam um segundo plano na estrutura curricular. É bastante provável que nem o próprio Candido já concordasse com esse tipo de divisão, mas o peso da tradição na academia, seguindo a sua obra de 1975, se manteve até os dias de hoje.
Mas a influência de Candido no estudo da literatura e da sociedade brasileira está, certamente, muito além da visão sobre a formação de uma literatura autenticamente nacional. Tendo regressado à USP em 1961, somente em 1974 passa a ser professor titular de Teoria Literária e Literatura Comparada. Entre seus alunos encontram-se nomes de grande peso na academia, na crítica e inclusive na política brasileira, como Fernando Henrique Cardoso, Roberto Schwarz, Davi Arrigucci Jr., Walnice Nogueira Galvão e João Luiz Lafetá. Os cargos de importância que ocupou em sua carreira profissional são tantos que é difícil sintetizá-los. Limitamo-nos a citar a resumida lista feita por Walnice Nogueira Galvão em evento em homenagem a Candido em 1999: presidente da Cinemateca Brasileira por dois mandatos (1962 e 1977); planejamento do suplemento literário do jornal Estado de S. Paulo (1956); coordenação do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp (1976-1978). Foi premiado com alguns dos títulos mais renomados da literatura, como o Prêmio Camões, de Portugal (1998), o Prêmio Alfonso Reyes, do México (2005) e quatro vezes o Prêmio Jabuti.Antonio Candido também foi consagrado professor-emérito da USP e da UNESP e doutor honoris causa da Unicamp, de Campinas (SP), além de professor honorário do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo.
A origem de Candido com uma formação sociológica exerceu uma imensa influência em sua concepção de literatura, e isso representou uma das maiores guinadas na forma como se concebia a crítica literária. Se contrapondo a todas as escolas de influência formalista, Candido prezava a percepção de como o social se manifestava no literário. Em uma de suas críticas mais célebres, a “Dialética da Malandragem”, em que analisa o romance “Memórias de um Sargento de Milícias”, de Manuel Antonio de Almeida, Candido oferece uma mostra de seu método, em que tenta ver como o contexto social se expressa no conteúdo e na forma literária da obra, vendo ali a primeira manifestação literária do “malandro” e se contrapondo às prévias análises dessa obra.
Contudo, há outro aspecto fundamental da atividade de Candido que possui uma importância própria e também imprime sua marca na análise literária de Candido, com sua predominância para uma análise casada entre o literário e o social. Trata-se de sua militância política, presente desde os tempos de sua graduação. Assumidamente pertencente à uma esquerda de viés reformador, a militância de Candido se inicia na luta contra a ditadura de Getúlio Vargas, na Frente de Resistência da Faculdade de Direito. Depois de formado, integrou a Associação Brasileira de Escritores (ABDE), que reunia intelectuais que se opunham a regime “numa frente ampla que ia do centro à esquerda”, e a qual produziu “um dos primeiros manifestos contra o regime”, como apontado por Walnice Nogueira.
Com o fim do Estado Novo de Vargas, Candido integrou a Esquerda Democrática, que daria origem, em 1947, ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), no qual Candido teve uma militância ativa, ocupando cargos na direção em duas ocasiões e também conduzindo o jornal do partido, o Folha Socialista. Em 1950, para preencher a obrigatoriedade dos cargos concorrentes ao legislativo, Antonio Candido é lançado a candidato para deputado estadual. Mesmo fazendo parte do pequenino PSB e sem pretensões reais de se eleger, ele obteve 580 votos, um terço dos 1.500 necessários para se eleger na época.
Já como docente da USP, teve participação ativa no apoio à histórica ocupação feita pelos estudantes do prédio da Maria Antonia em 1968, onde era sediada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL). Ele fez parte de uma Comissão Paritária Central eleita. Depois, teve a iniciativa de recolher depoimentos sobre a destruição da faculdade que foi feita tanto pelos bandos paramilitares da direita (Comando de Caça aos Comunistas – CCC, sediado no Mackenzie) como pela ditadura oficial. Os relatos só puderam ser publicados em livro vinte anos depois. Foi um dos fundadores da Associação de Docentes da USP (Adusp), da qual foi o primeiro vice-presidente. Atuou, junto com D. Paulo Evaristo Arns, na Comissão Justiça e Paz; presidiu o lançamento da candidatura de Fernando Henrique Cardoso ao Senado em 1978. E, em 1980, fez parte da fundação do PT, tendo atuado no partido em diversas posições, como, por exemplo, à frente da Fundação Perseu Abramo. Em algumas de suas últimas aparições públicas, foi a um evento público na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas em 2009 para rechaçar a entrada da Polícia Militar no campus em um episódio de repressão a estudantes, funcionários e docentes. E em 2010 manifestou seu apoio à candidatura de Dilma Rousseff.
Suas posições políticas transparecem em sua obra fundamentalmente, como dissemos anteriormente, em sua insistência em considerar o contexto social das obras como determinante para a compreensão de um texto literário. Se isso pode parecer evidente para muitos hoje em dia, ainda assim representou um grande embate de visões no campo da crítica literária – e ainda o é muitas vezes. Se em grande número de universidades e na própria USP hoje prima a vertente de análise que considera o social como fundamental para a compreensão da obra, isso certamente está relacionado à herança de Candido em nossa tradição crítica.
Um dos textos mais explicitamente políticos da obra de Candido, e que até hoje se faz presente nos cursos de introdução à literatura ou de teoria literária dos estudantes de Letras, é o célebre “O direito à literatura”. Um texto em que Candido, pautando-se em valores humanistas e reformadores que embasaram seus posicionamentos políticos ao longo de toda sua vida e atuação profissional e militante, defende o direito à cultura e à literatura como direitos humanos elementares. É um texto que marca a noção de defesa da educação e do acesso à cultura de gerações de professores e estudantes; nele, percebemos os pontos mais fortes e fracos da fundamental obra de Candido. A defesa intransigente e aguerrida da educação e da cultura, de uma sociedade mais justa e igualitária, bem como a concepção por vezes idealista no plano da teoria, e reformista no campo político, que levou a que esse grande intelectual se fizesse, ao longo de décadas, porta-voz de uma esquerda cujo projeto estratégico jamais foi capaz de realizar os sonhos de Candido: que a literatura pudesse ser, enfim, um patrimônio de toda a humanidade.
Sem dúvida a obra de Candido permanecerá como um importante marco em nossa história, e que cada vez mais ela possa ser apropriada, debatida e criticada pelas novas gerações. A filha desse incansável pensador, Marina de Mello e Souza, expressou que, mesmo considerando-se “com a vida intelectual completamente encerrada”, Candido não cessava de se preocupar com o mundo. Referindo-se à situação política atual, Marina diz que o pai "estava muito triste. Ele estava assustado com o mundo, com os conflitos, a violência, a guinada à direita no mundo. Ele estava preocupado que tínhamos perdido conquistas e direitos". Mas, ao contrário do que via o velho crítico, nem só de “guinadas à direita” se faz a situação política. A classe trabalhadora, que tem mostrado sua disposição de luta contra os ataques do governo e a perda de direitos, tem como sua missão histórica realizar, também, o sonho de que a cultura seja um bem acessível, universal e pleno, como quis Antonio Candido.
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vanessadefdias · 4 years ago
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A fratura da toga
Um dia após Dias Toffoli vetar liminar de Marco Aurélio Mello que poderia libertar Lula, os maiores jornais do país amanheceram ensandecidos com uma das alas do Judiciário que tentou, mesmo antes da posse, opor alguns obstáculos ao governo Bolsonaro. As fissuras internas no STF estão expostas e os novos episódios escancaram a decadência das instituições do regime.
Vanessa Dias
Sexta-feira 21 de dezembro de 2018.
A mando da presidente da Procuradoria Geral da República, Raquel Dodge, Toffoli vetou liminar de Marco Aurélio, que suspendia a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Por abrir a possibilidade de soltura de Lula antes mesmo da posse de Bolsonaro, a Lava Jato e setores internos do próprio STF se apoiaram na grande mídia com um discurso enraivecido de que a liminar significaria a soltura de milhares de presos.
A decisão liminar de Marco Aurélio e a resposta de Toffoli explicitam a enorme divisão dentro do STF. No interior dessa fratura atua, por um lado, uma ala composta por Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski - ocasionalmente ajudados por Celso de Mello e Gilmar Mendes - tentando impor alguns limites à Lava Jato, contendo o protagonismo da tropa de procuradores de Curitiba e de seu chefe, Sérgio Moro, atual Ministro da Justiça de Bolsonaro (recompensando pelos serviços prestados no golpe); por outro lado, ministros que, desde 2016, estiveram mais agressivamente à frente das ações autoritárias e decisões monocráticas que configuraram cada passo de aprofundamento do golpismo institucional - Carmen Lúcia, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, Rosa Weber.
Dias Toffoli, atual presidente do STF, havia figurado no interior de alguns movimentos de contenção da Lava Jato em conjunturas anteriores, o que não elimina o fato de que foi um dos principais violinos na continuidade do golpe institucional com a prisão de Lula, o veto a sua candidatura e o novo veto monocrático à liminar de soltura do líder petista.
Distinguir e ordenar as coisas é essencial para entender os distintos interesses em jogo. Há diferentes forças em choque no interior do Judiciário, que se expressam de forma concentrada no STF, revelando linhas de falha e divisões que agregam e desagregam os ministros segundo o tema em pauta.
Quanto mais avança o autoritarismo judiciário de conjunto, mais polarizadas serão as divisões no STF.
Seria um erro, entretanto, concluir daí que "há forças progressistas no STF": a Suprema Corte foi a base do golpe institucional e do avanço dos principais ataques neoliberais de Temer (como a reforma trabalhista) e agora de Bolsonaro (com a reforma da previdência, que ganha em Dias Toffoli um novo porta-voz de campanha). Considerar possível combater o golpe se apoiando em uma das alas do judiciário é a mais pura ilusão.
As indisposições sistemáticas entre ministros do STF e a força-tarefa da Lava Jato revela uma ala minoritária da Suprema Corte que discorda das operações oriundas de Curitiba (agora alojadas na Esplanada dos Ministérios). Ao mesmo tempo, mostram o redesenho do regime político desde 2016, dando primazia ao bonapartismo judiciário como principal traço do regime político burguês no Brasil (sempre tutelado pelas Forças Armadas).
A alegada "luta contra a corrupção" - o oposto do que faz a Lava Jato, que simplesmente substitui um esquema de corrupção com a cara do PT por um com o rosto da direita, sendo a corrupção um traço inerente ao sistema capitalista - serviu desde 2014 para aumentar o autoritarismo judiciário sobre todas as esferas da política, com alvo claro: a classe trabalhadora, suas organizações político-sindicais, seus direitos democráticos e trabalhistas.
Foram 3 medidas vindas da mesma ala do STF, nesta quarta-feira: Marco Aurélio, além da liminar que beneficiaria Lula (soltando-o antes da posse de Bolsonaro, o que deixou em polvorosa a equipe de transição), também suspendeu os efeitos da decisão de venda de áreas da Petrobras, um dos principais alvos do Ministro da Economia Paulo Guedes; Lewandowski antecipou o reajuste ao funcionalismo federal, de 2020 para 2019, o que obrigará o primeiro ano da gestão Bolsonaro a desembolsar R$4,7 bilhões. Não ficam claros os interesses de fundo dessa ala do STF, mas demonstra que as divisões anteriores também podem dar dores de cabeça ao Planalto.
Para Lula, os efeitos da liminar fulminada são quase nulos; para Bolsonaro, por outro lado, a medida de Marco Aurélio, com aposentadoria próxima, é uma advertência de que não há "recolhimento político" do Judiciário, como anunciado por Toffoli. A politização do Judiciário também inclui o disciplinamento de Bolsonaro aos ajustes - que Jair quer aplicar, sem dúvida, mas que custarão perda de prestígio em sua base eleitoral - e nas negociações com os "fatores reais de poder".
O ultimato de Toffoli visou “acalmar os ânimos”, com papel não secundário da pressão da Alta Cúpula das Forças Armadas, que se reuniu após a liminar de Marco Aurélio para discutir e ditar o caminho das ações do STF. Eduardo Villas Boas, comandante do Exército, já havia em abril intervido publicamente contra o habeas corpus de Lula, que seria julgado na Suprema Corte, que decidiu virtualmente pela prisão de Lula naquele momento. Em setembro, novamente Villas Boas saiu em entrevista pressionando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a vetar a candidatura de Lula, o que terminou se dando. No cair do pano de 2018, a terceira interferência política do Alto Comando - sustentado por personalidades saídas dos grotões da caserna, como os militares bolsonaristas Girão Monteiro e Roberto Peternelli - é sinal indisputado da tutela auxiliar das Forças Armadas a autoritarismo judiciário.
A imprensa oficial foi unânime em buscar disciplinar esta ala do STF, criticando a "insegurança jurídica" que emana da Suprema Corte (segundo Vera Magalhães do Estadão, "toda a insegurança jurídica e política do país emana do STF"). O resultado disso é que raras vezes se viu a Suprema Corte sair tão chamuscada de um episódio, com consequências em seu baixo prestígio na opinião pública.
Anedota à parte é que o episódio de fim de ano no STF tirou os holofotes da maior crise até então no governo Bolsonaro: o caso Coaf. Fabrício Queiroz, assessor de Flávio Bolsonaro e amigo íntimo de todo o clã de Jair, e que repassou R$24 mil à conta da primeira dama Michelle Bolsonaro numa movimentação total de R$1,2 milhão, iria depor ao MPF na mesma quarta-feira. Não foi. O depoimento foi reagendado para 24/12, uma data segura para não atrair as atenções. Isso, sem mencionar o escândalo com Gilberto Kassab e a condenação de Ricardo Salles, atual Ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, por improbidade administrativa.
Neste novo cenário de maior alcance das fissuras internas ao regime e de maior desgaste por parte de ampla campanha da imprensa, se colocam novas possibilidades abertamente mais reacionárias, com o Executivo possuindo o maior número de militares desde a redemocratização e sendo o Exército até o momento a instituição de maior prestígio. A grotesca busca da PF no escritório do advogado do agressor de Bolsonaro é mais um item nessa trama.
Por outro lado, os imensos ataques propostos no programa ultraneoliberal de Bolsonaro, como a reforma da previdência e a destruição de todos os direitos trabalhistas, coloca no horizonte político a luta de classes dos trabalhadores como um fator incontornável. Não está excluído que a gravidade dos ataques, ou mesmo alguma recuperação parcial e restrita da economia, possa abrir caminho a conflitos de classe duros, ainda mais tendo em vista os métodos de luta de classes com que os franceses arrancaram concessões do governo imperialista de Macron. Além disso, não se podem eliminar os efeitos turbulentos na economia nacional com a continuidade da guerra comercial entre Estados Unidos e China (principal consumidora da soja brasileira, e que voltou a comprar milhões de toneladas de commodities dos fazendeiros norte-americanos). As atuais crises no governo Bolsonaro aumentam as dificuldades de contenção pelo consenso, e os cenários ficam abertos para saídas "fora do script".
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vanessadefdias · 4 years ago
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As laranjas de Bebianno e os atritos das alas do governo Bolsonaro
Ao sair da internação Jair Bolsonaro acreditou que aterrissaria em terras minimamente estáveis para seguir os planos após ficar 17 dias afastado do centro político do país, mas o que encontrou foi mais uma tempestade que afasta qualquer sinal de calmaria de seu governo nesses 46 dias. Desta vez, a tempestade é aberta por denúncia divulgada pela Folha, que aponta destino de verbas milionárias do fundo partidário para candidatas laranjas do PSL nas eleições do ano passado, por parte do então presidente do partido, Gustavo Bebianno, que atualmente ocupa o cargo de ministro da Secretaria Geral da República concedido pelos "favores prestados" nas eleições.
Vanessa Dias
Sexta-feira 15 de fevereiro de 2019.
Bebianno, homem de confiança pessoal de Bolsonaro, chegou ao cargo da presidência do PSL durante as eleições como parte das negociações com o partido, presidido por Luciano Bivar na época, para a confirmação de sua candidatura pela sigla. Após isso Bebianno que também é advogado coordenou toda a campanha, que foi bem sucedida mas agora terá seu carreirismo manchado, dentro ou fora do governo, com as inesperadas denúncias da Folha sobre o uso de candidatas laranjas. Deixou no ar durante alguns momentos se pediria demissão ou não do governo, mas foi aconselhado por aliados a manter a cautela e se resguardar, esperar decisão de Bolsonaro.
Crise no PSL ou crise no governo?
O que num primeiro momento aparece como uma crise envolvendo apenas o partido, torna-se uma crise no núcleo do governo, de proporções ainda abertas. Destemperado na forma, que fez atrair os holofotes para a crise, o filho presidencial possivelmente enxergou nas denúncias da Folha uma oportunidade para aumentar a influência do clã bolsonarista dentro do PSL, que hoje, mesmo após a enorme transformação da qual passou o partido desde as eleições (passando de um partido qualquer para a segunda maior bancada da Câmara), ainda é controlado por Gustavo Bebianno e por Luciano Bivar. Mas o tiro pode ter saído pela culatra e, ao tentar aumentar a proeminência do clã dentro do partido, abriu brecha para uma enorme crise de conjunto do governo. Outra possibilidade é de que o clã, ao ter contato com as denúncias da Folha, precisou repentina e bruscamente se separar do ex-presidente do PSL e assim desvincular à sua imagem mais um caso envolvendo laranjas.
Dessa forma, toda a situação abre espaço para muitas incertezas entre os aliados de Bolsonaro. Maia, que possui importante relação com Bebianno - que também é articulador político - vazou sua insatisfação e desconfiança, uma vez que o clã aponta que pode estar disposto a passar por cima de acordos e rifar aliados para sobrepor seus interesses em detrimento dos interesses do governo e dos aliados.
Os atritos também preocupam aos militares do governo
Uma das mais fortes marcas deste episódio é que mais uma vez a atitude de um dos filhos provoca a ira das alas militares ligadas ao governo. Não digerem as interferências da família e consideram “inadmissível” que o presidente lide com o escândalo de forma a aparentemente rifar um aliado de grande peso político como o atual ministro da secretaria geral. A ala fardada atua para apagar o fogo do escândalo pois sabe que, aos olhos das massas, não há uma separação clara entre o clã e os militares do governo, e que portanto ferir ao candidato eleito do PSL, o partido das laranjas, seria ferir também as figuras importantes como o vice general Mourão, Augusto Heleno, Carlos Alberto Cruz, Fernando Azevedo e Silva. Eis então o que explica a declaração de Mourão: "ele [Bebianno] sempre foi muito respeitoso comigo, gosto dele. Vamos com calma".
Se sai deste cenário muito debilitado, Bebianno afetaria também aos militares não somente pelo efeito dominó da crise, mas inclusive por sua relação direta com Maynard St Rosa e Floriano Peixoto (quem liderou as tropas brasileiras que assassinavam no Haiti), que são vistos como generais garantidores do funcionamento da secretaria da qual preside.
Bolsonaros abrem mais espaço para “ala Lava Jato” no Executivo
A prontidão e a firmeza com que Bolsonaro respondeu à crise, rapidamente pedindo para o superministro Moro e a Polícia Federal investigarem o caso, contrasta com a forma com que lidou com o caso envolvendo seu outro filho, Flávio Bolsonaro. O fato é que, precocemente desgastado pelos escândalos envolvendo sua esposa e seu filho em movimentações bancárias suspeitas do assessor Queiroz - que inclusive chegou ao ponto de revelar associações do gabinete do atual senador com milícias envolvidas no caso Marielle -, o presidente necessita sinalizar ao seu eleitorado que ainda existe o “inabalável comprometimento com o combate à corrupção” e entrega o ministro às investigações chefiadas por Sérgio Moro. Dessa forma, também cede terreno à ala Lava Jato dentro do próprio governo, que por sua vez aproxima a “espada de Dâmocles” das cabeças do clã e dos ministros do Executivo, restringindo suas margens de atuação e debilitando ainda mais sua influência. Esse controle, por parte da ala Lava Jato, disciplina Bolsonaro e o Executivo para que não desviem do foco: ou a garotada se aquieta e garante logo a reforma da previdência para acalmar o coração do mercado financeiro ou guerra será declarada.
E, em meio a essa lama, Moro, que vinha tendo atuação mais resguardada até então no governo, se esquivando e sem saber se delimitar dos escândalos de corrupção, volta a ter protagonismo, primeiro com o anúncio de seu pacote anticrime - que trouxe uma série de alterações autoritárias com vistas ao endurecimento do regime, dando licença para os policiais matarem -, e agora sendo nomeado para “resolver” a nova crise e apaziguar os ânimos. A reputação de Moro após este episódio é a de quem passa a confiança de que garantirá um “Brasil sem corrupção”, não necessariamente rifando Bebianno, mas atuando para manter a confiança do eleitorado, o qual também é um dos importantes atores para medir a aceitação e a possibilidade da aprovação da reforma da previdência.
No extremo oposto do objetivo de acabar com a corrupção - que, como apontamos, é inerente ao capitalismo e às suas estruturas políticas, e inclusive é típica de setores aliados à própria Lava Jato - a entrada de Moro significa a mais descarada blindagem do governo de mais um escandaloso caso de corrupção que envolve o clã, e agora também envolve o PSL, um setor dos militares e no limite o conjunto do governo.
No imediato, a ala ideológica do clã se enfraquece
Até o momento, quem sai mais arranhado dessa batalha de grandes é, mais uma vez, a ala ideológica, que tem sofrido a maioria dos revezes nesses primeiros dias do governo.
O saldo imediato debilita o clã bolsonarista em detrimento da ala representada pelos fatores reais de poder (militares e Lava Jato), que assumem ainda mais o papel de estabilizadores ou de “bombeiros” de toda a situação política no país. PSL, o partido dos laranjas, também sai enfraquecido, inclusive pela predominância interna da ala ideológica.
A blindagem à corrupção oferecida por Moro e a “moderação” dos militares incluindo Mourão ajudam a amenizar os impactos de mais esse escândalo do governo precoce, e resguarda o objetivo central de todos eles, que é a implementação dos ataques, mais precisamente da “mãe de todas as reformas”, a reforma da previdência. E, nesse sentido, mesmo com todos esses episódios que vêm à tona e se acumulam com o risco de destapar um mar de esgoto, apesar do enfraquecimento da ala ideológica a relação das massas com o governo de conjunto ainda é de “lua de mel”, que abraçam Bolsonaro sem que isso signifique abraçar o programa do ultra neoliberal Paulo Guedes.
As divisões do governo expressam profundas debilidades.
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