Conforto no fim do túnel.
Conforto no fim do túnel.
Quando eu, Renan, tinha aproximadamente 18 anos, ingressei numa faculdade federal e comecei a cursar e Engenharia Elétrica. Fiquei feliz em ter conseguido vaga, e surpreso por conseguir uma colocação tão alta, 3° lugar por “Ampla Concorrência”. Era novo, tinha a vida toda pela frente. Estudava pelo turno da manhã e trabalhava a tarde e a noite. Precisava trabalhar, pois vim de muito longe até chegar aonde cheguei. Cerca de 2.500km.
Nunca conheci os meus pais. O meu pai faleceu quando minha mãe estava grávida, de um infarto. Minha mãe faleceu ao me dar a luz. A última coisa que ela fez em sua vida foi dizer para a minha avó que me desse o nome de Renan, algo que a lembrava “Renascer”. Ultima palavra que ela disse. Não tive irmãos. Não tive pessoas próximas de mim, apenas a minha avó e suas duas irmãs. Aos 18 anos, viajei com as três mulheres de minha vida: minha avó e minhas duas tias. Era o meu tudo. Eu apenas as tinha. Éramos quatro. Quando infelizmente sofri um acidente de carro, onde retirou a vida dos meus três anjos. Fiquei ileso. Estava dirigindo, um carro em alta velocidade veio à contramão e pegou em cheio.
Eu era pequeno. Ia à escola e todos me achavam esquisito. Sempre fui um garoto de baixa estatura. Nunca tive mais de 1.60. Era um pouco cheinho, vulgarmente conhecido como “Renanta”. Não tive amigos ao longo de minha vida. Nem em meus primeiros anos da faculdade.
Com a minha conquista de ter entrado para a faculdade, busquei me abrigar na cidade onde iria morar. Com o dinheiro da herança, pude me instalar sem passar aperto. Mesmo assim, insistir em procurar um trabalho, pois queria fazer bom uso de toda a herança. Logo comprei um carro, pois a carteira eu tirei no mesmo dia em que completei meus 18 anos. Era um carro simples. Eu não era do tipo que ligava para aparência e luxuria. Era uma pessoa simples.
Eu tinha sede em fazer o bem pelas pessoas. Não sabia muito bem como lidar com elas, porque fui muito recluso das mesmas. Mas, de alguma forma, queria dar amor e carinho a elas. Não dei e não tive muito amor de minha família, mas o pouco que eu tive de minha avó e tias foi o suficiente para entender o quão era gostoso de sentir o amor.
Gostava de estudar e estar focado em algo. Trabalhava em uma lanchonete como garçom no turno da tarde e noite. Tinha direito a duas folgas semanais. Gostava do meu chefe, ele sempre me acolheu muito bem. Junto de mim, trabalhavam duas moças que eram casadas entre si. Eram divertidas. De vez em quando nós saíamos. Até um tempo, eu nunca tinha namorado ou tido alguma garota em minha vida, até conhecer a Jéssica.
Quando entrei na faculdade, comecei a freqüentar os projetos sociais, os quais ajudavam pessoas desabrigadas, animais de ruas e palestras sobre a preservação da vida. Algo que era totalmente uma hipocrisia. Eu tinha sede em ajudar, mas não sabia como era ser ajudado. Nunca permiti que me ajudassem, pois não sabia como isso era. Não sabia como funcionava “Desabafar e se sentir melhor” porque tinha medo de ser rejeitado, talvez porque antes eu fora. Por uma pedagoga. Ela disse que eu era doente pois não saia do fundo da sala de aula. Dizia para eu que as brincadeiras dos colegas eram saudáveis e apenas brincadeiras de criança. Nunca entendi o porquê de ela ter me dito que era doente, mas um dia descobri.
Estava no 6° semestre de minha faculdade quando estava em uma rede social. Eu tinha cerca de 40 amigos. Era apenas pessoas que eu já tinha visto ou conversado. Não gostava de coisas assim, usava a rede social apenas para jogar. Certo dia, entrei no perfil de uma das minhas colegas de trabalho para compartilhar uma campanha de “Dê um lar a um amiguinho de quatro patas”, e nessa publicação, havia o comentário de uma garota, Jessica, dizendo sobre a importância de dar um lar a um cão e o tratar como se fosse membro da família, conversar com ele e dar carinho e afeto. O comentário dessa garota me chamou muito a atenção, e eu curti. Passou um tempo e essa garota mandou-me uma solicitação de amizade. Fiquei assustado, pois não sabia quais eram as suas intenções. Iluminadas.
Eu segui trabalhando e estudando. A carga estava cada vez mais pesada. Eu tinha um vazio dentro de mim que eu não sabia como preencher. Entrei em momentos em que eu sentia que estava apenas sobrevivendo, como se eu estivesse sonâmbulo, vivendo por viver. Nada podia preencher aquele vazio e desânimo. Eu não falava a ninguém como eu estava por dentro. Seguia com uma casca firme e forte. Nunca mais soube conversar sobre mim mesmo com alguém desde que minha família se fora.
Estava engordando cada vez mais e minha barba crescia. Estava eu, “Renanta”, com mais de 90kgs. Sem ânimo de nada. Não podia ter uma barba tão comprida devido ao meu trabalho, então a deixava adequadamente.
Eu adotei um cão, Norte era o seu nome. Era o cão mais dócil que eu conheci em toda a minha vida. Quando o adotei, publiquei uma foto na rede social com a legenda “Bem Vindo à família, meu Norte”. No mesmo dia, essa garota, Jessica, chamou-me no bate-papo, dizendo que achou nobre da minha atitude em adotar um cão.
Ela era linda. A garota mais linda e especial que eu já vi. Era uma doçura em pessoa sem precisar de muito esforço. Na realidade, sem esforço algum. Ela falava muito, até pelos cotovelos, mas cada palavra era iluminada. De alguma forma, Jessica mexia comigo, e eu nunca soube exatamente de que maneira, até olhar no fundo de seus olhos. Era uma garota baixa como eu, olhos esverdeados e cabelos vermelhos. Um sorriso enriquecedor, uma presença aquecedora.
Ela insistia em conversar comigo. Nunca entendi o que ela viu em mim. Por que uma garota como ela olharia para alguém como eu? Logo eu que não tinha nada a oferecer. Eu falava pouco, só respondia. Tinha medo que ela desistisse de conversar comigo, mesmo esse não sendo o objetivo. Queria a presença dela em minha vida, mas não sabia ser algo mais do que objetivo. Era curto, direto. Não sei o que ela pensava sobre mim.
Eu continuava a sentir um vazio em minha alma. Um vazio incurável, mas a presença de Jéssica me fazia ficar feliz de alguma forma. Todavia, sentia muita dor. Algo que eu nunca soube explicar. Era estranho. Eu nunca consegui ver o meu futuro ou me ver formado. Não conseguia me ver idoso ou mais velho. Não sei por que, mas nunca consegui. Não mesmo.
Tinha uma imensa vontade de chamar Jéssica para sair, mas faltava coragem. Não queria que ela se assustasse comigo mais ainda, um gordo e baixo. Esquisito e barbudo. Jessica nunca pareceu ligar para aparência, mas a primeira impressão é a que fica. Morávamos perto um do outro, cerca de 5km de distância.Era uma distância próxima. Eu custava a entender do por quê deelainsistir tanto em mim.Não era nenhum interesse explicito,era algo bom. Jessica estava semprede bem com tudo. Era realmente um anjo.
Ela dava indiretas de que gostariade me conhecer. E eu queria muito vê-la. Empensamentos e orações, pedi para minha mãe que eu nunca conheci, avós, tias e pai me darem força. Deixei Jessica esperando respostas por uma semana. Pedia desculpas em desaparecer, mas ela não ficava triste. Ela me entendia. Respeitava. Me dava espaço.
Nunca contei para Jessica sobre qualquer problema que eu tinha. Apenas havia comentado que as vezes sentia um grande vazio que não sabia como explicar. Nunca quis incomodar. Continuei triste e vazio. Um sofrimento que nunca me abandonara. Eu me sentia feliz, mas a tristeza predominava. Eu não sabia como seguir a diante.
Assistia séries, filmes e jogava meus jogos. Seguia nos meus projetos socias. Continuei trabalhando na lanchonete e saindo com as minhas colegas. Eu gostava de ir para a faculdade. Tinha um bom relacionamento com osmeus colegas de sala e professores. Tirava notas boas. Não tinha dificuldade em entender a matéria. Não brigava com ninguém, apenas comigo mesmo para ver se eu reagia. Minha vida era uma rotina.
Em uma noite qualquer decidi chamar Jessica para conversar e saber como ela estava. Ela me respondeu alegremente, como sempre, toda comunicativa. Perguntei a ela como ela iria passar o final de semana, ela me disse que queria levar sua cadelinha para passear. Aproveitei a brecha e perguntei se ela não gostaria de ir comigo, porque iria levar Norte para passear também. Fiquei nervoso. A vergonha e o nervosismo me consumiam por dentro. Ela demorou a me responder. Já estava convicto de que havia levado um fora. Quando menos esperava, recebi uma mensagem, ela aceitou, e por sinal, disse que levaria água. Fiquei feliz com sua mensagem. Eu tinha um encontro, e não sabia como era isso. Nunca havia saído com uma garota (além das minhas duas colegas de trabalho).
Estava nervoso em pensar o que ela acharia de mim. O que ela iria gostar de um baixinho e gordinho. Perguntei para Marcela, uma de minhas colegas, e ela explicou brevemente. Sugeriu que eu lhe desse um sorvete, porque gerlamente garotas adoram sorvete. No dia do meu encontro, Marcela me arrumou. Encontrou em meu guarda-roupa algumas roupas e sugeriu que eu colocasse. Uma camisa branca, uma xadrez cinza com preto e uma calça preta com um tenis all star. Por incrivel que pareça, essas roupas ainda me serviam. Marcela se veste como homem, então foi fácil para ela me ajudar. Eu estava nervoso. Fiz a barba e cortei o meu cabelo. Fiz um topete e um cavanhaque. Meus olhos eram castanhos claro, com a luz do Sol ficavam dourados. Passei um perfume levemente na gola de minha camisa xadrez. A hora chegou.
Sai de casa com Norte. Seguimos reto pela avenida. Era um dia ensolarado. Combinamos de nos encontrarmos as duas horas da tarde na praça central. Eu estava quase chegando com o Norte. Eu estava nervoso. Cheguei na praça e sentei em um banco. Ressaltando, sentia um nervosismo bem grande. Não estava nem um pouco preocupado com sua aparência. Queria a ver. Estava é preocupado com o que ela iria achar de mim. Olhei para o lado e de longe eu avistei uma garota, de cabelos longos e vermelhos que voavam contra o vento, e com ela, uma cadelinha grande e branquinha como a neve. Quando ela se aproximou de mim, fiquei sem reação. Ela não parava de sorrir. Ficou parada em minha frente. Seu sorriso era lindo. O mais lindo que eu já vi. Quando eu tomei a iniciativa de levantar e a abraçar, foi algo tão bom.Um abraço demorado. Como se o meu mundo tivesse parado. Naquele momento, esqueci tudo o que era ruim. Por um tempo, me senti aquecido em seu abraço.
Eu fiquei mudo em grande parte do tempo. Jessica fazia de tudo para me deixar a vontade. Ela cumprimentava a todos com seu carisma e educação. Abraçava os seus conhecidos e me apresentava como um grande amigo, como se ela tivesse orgulho de mim. Me sentia realizado. Levei Jessica para tomar um sorvete, ela pegou o mais simples. Sua humildade me encantava. Passeamos nós quatro: Eu, Jéssica, Norte e Alaska, como era denominada sua amiguinha de quatro patas. A deixei em casa. E em frente a sua casa, Jessica olhou no fundo de meus olhos, sorriu, e esperava que eu a beijasse, então me roubou um selinho. Fiquei vermelho, mas feliz, então sorri.
Quando cheguei em casa,vi no bate-papo da rede social uma mensagem de Jessica dizendo que havia adorado o encontro. Eu adorei. Prncipalmente aquele beijo. Nunca passei por isso antes. Não sabia como reagir. E ela percebeu.
Coloquei-me de joelhos no chão e agradeci toda a minha família por terem me dado essa sorte. Segui conversando com Jéssica diariamente e adoraria ve-la novamente. Na segunda-feira, não tive as ultimas aulas, então fui para o pátio das árvores que havia em minha faculdade. Estava vazio.Me abriguei abaixo a uma árvore e tirei um cochilo. Quando acordei, uma garota de olhos verdes sorria pra mim. Era Jéssica. E em cima de mim, havia uma blusa, era dela. Ela fazia pedagogia. Nunca soube disso. Eu tinha trauma de pedagogas desde o que me acontecera quando criança. Ela estava no último semestre. Eu comecei a chorar. Não queria ter mostrado a minha fraqueza a ela. Mas já não aguentava mais segurar essa dor. Então a deixei falando sozinha e sai chorando. Quando cheguei em casa, lhe enviei uma mensagem, contando que a culpa não era dela de eu ter entrado em lágrimas. Ela me apoiou. Disse estarao meu lado para o que der e vier. Como eu descobri que ela estudava no mesmo lugar que eu, começamos a nos ver com mais frequência. Almoçávamos juntos. Meu sentimento por ela aumentara.
Eu gostava dela. Sua presença me fazia feliz. Parte de minha dor desaparecera, mas algo tão forte me impedia de me manter vivo. Era mais forte que eu. Eu não conseguia suportar. Mas tive sentimentos por Jéssica. E levarei isso para sempre.
Depois de um bom tempo, chamei Jessica novamente para irmos passear, mas sem os cães, no lugar onde a vi pela primeira vez.
O dia chegou, eu a abracei fortemente. Com carinho e afeto. Ela sorria para mim. Caminhamos até chegarmos em uma árvore com sombra e sentamos abaixo. Olhei no fundo de seus olhos e acariciei seu rosto. Contei a ela a minha história e sobre toda a dor que eu carregava dentro de mim. Todo o sentimento que me angustiava, todo o medo de continuar vivo. Ela me acolheu. Me abraçou e secou minhas lágrimas quando comecei a chorar. Eu estava perdido em tanto afago. Ela disse que eu era especial e que mudei a vida dela. Ela disse que eu a fiz feliz. E que há bons motivos para se manter vivo. Eu a beijei. Não sabia como fazia isso, mas a beijei. Ela correspondeu. Ficamos longo tempo juntos, até a minha partida. Jessica prolongou a minha vida, fez com que eu realmente descansasse em paz.
Ela passou me ajudando até meu último dia de vida. Jéssica me deu mais alguns anos de vida. Minha partida. Foi com 28 anos. Eu já não aguentara mais estar vivo. Jessica foi o meu anjo. Me permitiu sentir coisas que eu jamais iria sentir. Abriu a minha mente sobre a vida após a morte e tudo o que poderia ocorrer. Ela nunca me julgou por nada do que eu fiz ou deixei de fazer,mas sabia que eu era como uma bomba relógio. Vi sua formatura, conheci os seus pais. Eles gostavam de mim. Mas isso não era o suficiente para eu continuar vivo. Não desejo que ninguém sinta o que senti, ninguém merece perder os seus pais e família. Juro que tentei, de todas as formas, eu tentei me manter em pé, mas a cruz estava pesada demais. Apenas pedi a ela que, quando eu partisse, ficasse com uma partedo que eu tinha, e o restante fosse doado para instituições de caridade.
Fui brevemente feliz enquanto tinha minha família e quando Jéssica deu a mim mais alguns anos de vida fazendo com que eu tivesse o melhor cuidado paliativo possível. Ela fez tudo o que pode por mim. Me fez o bem, não me julgou e me escutou quando eu precisei.Não me pressionou e teve total paciência com os meus surtos de sumiço e tristeza. O mundo precisa de mais Jessicas. O mundo precisa do bem. E ela me fez bem, em quanto vivo eu estive. Ela foi compreensiva. Sei que ela chorou e que sofreu,mas eu a amarei para sempre.
Coloquei uma corda em meu pescoço na escada de minha casa. Encontrei – me com a morte. Fui para um vale, lá senti essa dor o tempo inteiro. Depois de um longo tempo,encontrei minha mãe,pai, avó, tias e pessoas que eu não conhecia. Fiquei breve tempo no Céu, vi Jessica feliz com um novo amor, contando sobre mim estufando seu peito de orgulho. Depois de completar minha missão, voltei para a terra. Era um bebê. Minha mãe estava viva e meu pai esperava do outro lado da sala de cirurgia. Tive uma família. Renasci em forma de menina e fui chamada de Renata.
Hoje sou um espírito evoluído que passa a eternidade no céu com os anjos do Senhor e com minha família que um dia me amou. Conheci melhor cada pessoa que passou pela minha vida ou tinha meu sangue e recebi as demais almas que vinham ao Céu.
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