Amando como Aliocha, pecando como Mítia e sofrendo como Vânia.
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II
Dia aleatório de uma semana aleatória de um ano específico.
Vigésimo primeiro dia do terceiro mês do supracitado e exato ano.
Ao receber atenção de outra pessoa, o jovem recua apreensivo, mas cheio de uma euforia leda. Não raro, decepciona-se com tais encontros, mas dessa vez era diferente: uma festa.
Grande ou pequena, pouco importava. Era uma desculpa para sair de casa e cumprir a cota de besteiras da semana, quando não do mês; e o álcool. Ah, o característico sabor de uma véspera descuidada e uma manhã de balanços, geralmente negativos, para todos os envolvidos na farra.
Ou foi o que ele pensou, logo antes de dizer, com toda a convicção que possuía que iria. As palavras exatas não importam, não mais que o fato de que ele participaria do evento.
No primeiro dia, comprou algumas roupas novas com dinheiro que não tinha. No segundo, procurou informar-se sobre quem estaria no local, pois gostava de agregar informações de antemão; era precavido. No terceiro, a insônia, aliada, mas indesejada, fazia da mente do garoto um mar de especulações absurdas e expectativas inalcançáveis, o de praxe. E no quarto, o dia. Ou melhor, a noite.
Alugou um transporte e saiu de casa logo antes do pôr do sol. O céu estrelado chegaria junto consigo ao local, que ficava na orla. Era, em verdade, a primeira vez que iria até tal praia e estava nervoso o suficiente para esquecer o pouco que conseguira memorizar do caminho para voltar para o lar. Mas esse e outros pensamentos, mais conservadores, perdiam vez para a antecipação de uma série de desentendidos e conversações efêmeras com outros.
Já na entrada da casa de praia, avistou o anfitrião, que estava cercado de convidados e procurava cumprimentar todos de forma breve, porém acolhedora.
“Não te vejo faz muito tempo!” falou “Em que buraco tu se meteu, hein?”
“No da sua mãe!”
E risadas brotavam, fluidas e gostosas, pousando nos ouvidos daqueles alheios à conversa que, não obstante, riam junto, com menos do mesmo entusiasmo.
Luzes multicoloridas adornavam a fachada e escondiam as estrelas menos brilhantes do céu. A música alta, cortesia de uma banda convocada, invadia as confabulações, espirituosas e propínquas; e os comentários, taciturnos e longínquos. Era uma mistura de glam rock com gelo seco de baixa qualidade, este impregnando o ar em derredor do palco improvisado de um cheiro adocicado. A atmosfera resultante faria qualquer um declarar para si próprio “Agora, essa é uma festa de verdade!”.
Enquanto alguns optavam pela companhia generalizada da pista de dança, outros procuravam manter discussões um tanto quanto controladas nos limites da festa. Na praia, as ondas enunciavam a chegada da maré alta, quebrando violentamente e erodindo as conchas espalhadas na areia já fria.
Um verdadeiro macrocosmo de desideratos, excitante.
Foi o que ele notou após observar por alguns segundos. Tempo suficiente para esquecer e lembrar-se de como andar novamente. Caminhou até o amigo, reconhecendo sua mesura e as direções até a mesa de comes e bebes. Retribuiu-lhe o favor e procurou o que fazer.
Junto à televisão, um sofá apinhado de adolescentes vidrados destacava-se. Na tela, futebol, o esporte preferido daqueles que o preferem, muitos.
“Isso é a definição de ridículo” disse um deles “Esse mentecapto se recusa passar a bola e ainda faz questão de errar um chute desses!”
“Eu quero saber como é que esse artilheiro consegue cair tanto.” disse o outro, apontando com os quatro dedos e chicoteando o ar “Levanta e joga, seu infeliz!”
“Eu sinto falta do antigo técnico, esse novo é um incompetente. Eu mesmo jamais deixaria o dono do gol do ano fora de uma partida decisiva dessas.”
“Na verdade, ele fez uma ótima formação.” contradisse uma garota sentada no chão “Mas acho que é como dizem: ‘Se quiser enganar seus inimigos, precisa primeiro enganar seus amigos’.”
“Ah, fica quieta, por favor!” berrou o litigado “Se mulher soubesse de futebol, eu estaria lavan-”
Gol do time adversário.
“Viu só!? Ridículo, isso é ri-dí-cu-lo!”
“É isso que eu ganho por não vir com a minha meia da sorte.”
Continuou a caminhar, sentindo-se desnecessariamente triste pela garota. Avistou um ou outro casal agarrado à parede, tentando ignorar as leis da física e os olhares oblíquos de terceiros. Tentou não julgar tais casos, mas geralmente falhava e acabava por imaginar etiquetas para que via passar diante de si.
“Preguiçoso, marombeiro, estranha, feio, lascivo, fraco, oferecida, perdido, bêbado, bêbada.”
Sentiu a necessidade de beber. Chegou até a mesa, onde haviam diversos salgados e bebida aos montes. Mas nada de uísque, e ele gostava de uísque. “Que seja” e pegou uma das garrafas de intoxicante que já estava pela metade. Após dezessete minutos e não menos que sete goles direto do gargalo, começou a filosofar como só um ébrio poderia fazê-lo: permeando tudo com uma depressão artificial e depreciativa.
Nada estava imune ao seu olhar crítico, e turvo. Nem mesmo o salgueiro do quintal. E lá estava ele, sentado com as costas premidas contra o tronco da árvore. Foi naquela noite fria sob a copa da árvore e a pressão originada de suas expectativas que se engendrou em sua mente a única verdade universal, além de qualquer conhecimento humano. Era o pináculo de sua existência, ali, naquele ergástulo que havia se tornado seu corpo.
Cuidou de registrar toda a perfeição desse momento, cada nuance, em um texto perfeito que rivalizaria com as maiores obras da história mundial. Sim, sem dúvida, essa era a sua missão. Ideais pelos quais viver, pelos quais morrer, tudo e mais um pouco ali estava, esperando para ser compartilhado com o mundo. Deixou a garrafa vazia cair ao seu lado e começou a escrever.
Na manhã seguinte, o sol espetou seus olhos de ressaca, oblíquos e dissimulados pela bebida da véspera. Ainda confuso, encontrou-se debaixo de um salgueiro, com uma garrafa quebrada de vodca ao seu lado.
Por todos os lados, gente dormindo, algumas mais vestidas que outras. O mar soprava uma brisa cálida e uma melodia calmante. Mas, para ele, era o inferno na terra, ou na sua cabeça.
Levantou-se e conferiu o seu celular por notificações de amigos.
E ali estava, o espólio da noite passada.
Começou a ler, mal acreditando.
“Uma
“É engraçado, e bastante
Inapropriado, dado o hálito,
Fraco e desgasto, como não
Sendo forte hipócrita, quando são
Não quer ser, mas aparecer,
Esconde o medo de crescer
No nada e sê forte, oprime o fraco
E favorece o forte, enaltece o moto,
Ignoto ao nada e, ainda que roto,
Sabe tudo de obsceno e faz ato
Ainda que certo, contrário,
Ao ser que quer existir e expande
O encontro sempiterno do falso afã
Sincero e concreto enquanto o “hã”
Do ser há de existir, e há de matar
O genuíno catar de bens lanosos
E, ao realizar o concreto, são enfim
Enganosos e findam o fim porvir,
Saibam, então decidir o confim
Parnasiano que urra em mim e,
Ao existir, vela pelo real e contínuo.
Por favor, você que lê, saiba que a
Mercê cabe ao ser que quer ter a
Verdadeira noção de moral, do real
E finda o oblíquo, faz cessar o mal
Sê bom e reto, fel, de mel, o final.
Fatal.
“P.S.: As luzes embaçadas são
Melhor apreciadas. Não em vão,
Dotadas de melhor iluminação,
Mas são fruto de uma ilusão.
Adoro amar a efêmera sanção
De sentidos; breves todos são.
Anestesia-me.
“P.S.S.: Tu quer ser a prova
Derradeira do que não existe:
Teus ideais estranhos e irrepreensíveis.”
Encarou a maré baixa por alguns instantes, admirando o movimento das minúsculas ondas que se formavam antes de chegar a banco de areia. E refletiu:
“O que diabos significa ignoto?”
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I
Ele olhava o céu, o mundo e, não obstante, o nada que todos carregavam, impotente, mas feliz. Era mais uma epifania muda e incompreendida pelos transeuntes que o encontravam nesse estado. Enquanto uma olhava para fora de si, sua outra alma inspecionava a morada, procurando trazer para fora algo chamativo e pouco manchado pela inevitável tristeza, que caia como poeira sobre sua essência. Era na música, na literatura, na matemática, na cultura, na diversidade, no humano, no ser humano que jazia essa euforia que caia como um raio reincidente no seu cotidiano relativamente anormal.Mas bastava uma adversidade, um eco destoante da sociedade para fazer vibrar a cristalina estrutura de seu estado de transe. E rachar, também.
"Ele?" à esquerda "Ele não se importa."
E, mesmo sabendo que era uma reprise, nosso Fausto às avessas contemplou o abismo. No domingo de manhã, gostava ele de assistir aos programas rançosos feitos para a velha audiência.
Ele gostava de se considerar velho, gostava de imaginar saber tudo, fazia-se de ignorante e, apesar de muito falante, adorava sucumbir aos prazeres efêmeros da vida, caótica e imperfeita como havia de ser.
Chamaram-lhe.
"Não queres ir logo? Acho que, em pouco tempo, há de começar a chover"
"Chover?"
"Sim, chover. É quando cai água do céu e todos correm atrás de abrigo, ou deveriam."
O comentário, apesar de sarcástico, carregava uma verdadeira gama de sentimentos repreendidos e nocivos. Levantando-se, apenas murmurou o começo de uma resposta e começou a arrumar suas coisas.
"E o anfitrião?"
"Beijando o chão da cozinha, acho; ficou difícil de ter certeza depois do quinto copo."
"Justo."
A caixa metálica suspensa e altamente suspeita fez seu caminho até o andar dos dois e os saudou. Entraram, desceram, conversaram sobre o fútil e o inútil. E, já na portaria, fizeram soar um ou dois cumprimentos. A rua os esperava, ansiosa pelo movimento.
Ainda era cedo, pouco acontecia, e o que acontecia era pouco. Um carro passou a uma velocidade que certamente excedia o permitido, e era interessante.
"Já ouvisse falar no 'Dilema do Falso Eu'?"
"Talvez..."
Um, dois, quatro chutes numa pedra aleatória.
"Na verdade, não."
"Haviam três pessoas em um piano."
"Por que três?"
"Ah, é padrão, não? Todos gostam de três opções, e além, triângulos são legais."
"Hum, sei."
"Continuando. O piano estava horrendamente desafinado, quase como se o tivessem feito de propósito. Era um som horrível que ele fazia, até com as melodias mas belas."
"Mas se a melodia é bela, como pode soar mal?"
"Era um piano 'horrendamente' desafinado, sabe, 'horrendamente'!"
"Isso nem faz sentido..."
"E o que faz?"
Sete, oito, onze, encaçapada num bueiro qualquer.
"Enfim, lá estavam eles. E apenas um sabia tocar o instrumento devidamente, porque estudara-o por muito tempo, sabe como é. Enquanto os outros dois apenas gostavam de martelar as teclas."
"Posso dizer uma coisa?"
"O quê?"
"Tuas histórias sempre são ruins, mas ruins de verdade."
"Eu sei, desculpa."
"Tá desculpado. E o resto?"
Um tropeçar.
"Eles queriam fazer uma apresentação mesmo sabendo que soaria medonho."
"Por que?"
"É o que as pessoas fazem, não? Empurram suas qualidades nos outros, ainda que sem querer?"
Uma moça. Uma batida. Uma discussão.
"Acho que sim, tem razão."
"Eles então alugaram um teatro decadente com o pouco dinheiro que tinham. Agendaram uma data propícia para os três e praticaram até o dia chegar."
"Praticaram o quê?"
"Cada qual praticou o que queria."
"Eles então resolveram fazer uma apresentação tríptica?"
“Não, seriam os três ao mesmo tempo."
"E quem pagaria para ver esse fiasco?"
"Ninguém, é por isso que a entrada era franca."
"Prossiga."
"Chegado o grande dia ainda estavam eles discutindo quem deveria sentar-se no meio."
"Eles tinham quantos anos, sete?"
"Sim, bissextos. Finalmente decidiram que o pianista deveria ficar com o baixo, e os outros dois com as notas mais agudas."
Um ônibus.
"Justo."
"Começada a apresentação, logo no primeiro acorde, caiu o colossal lustre de vidro acima do palco, matando os três e ferindo o zelador que ali estava para limpar os assentos e, também, fora o único a prestigiar aquele acorde funesto."
"Posso fazer um comentário?"
"Por favor."
"Tuas histórias são, realmente, horríveis."
O ônibus parou em frente à parada e aos poucos a fila que ali estava era sugada pelas palavras irritadas do motorista.
"Eu sei."
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