Redação, correção e revisão. Desde muito jovem, o amor pela leitura e pela escrita se fez presente em minha vida. Mesmo quando trabalhava na área de Design Gráfico, ouvia de meus chefes que meu forte era a escrita, a habilidade de me comunicar e utilizar as palavras corretas. Com isso em mente, ingressei à graduação em Letras, como forma de aprimorar meus conhecimentos linguísticos, e foi dessa forma que encontrei minha vocação. Nesse site, estão presentes algumas das minhas produções escritas, bem como alguns trabalhos de revisão e correção realizados em livros que foram posteriormente publicados.
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De Volta à sua Essência
Cabelo comprido, curto, liso, crespo, loiro, ruivo, castanho, preto. Vestido, salto, calça, saia. Maquiagem completa, contorno, cara lavada, só um rímel básico, por que você não usa um batom diferente? O tempo todo nos dizem como devemos parecer, como devemos nos portar, qual modelo seguir, qual a tendência da semana, o que é bonito e o que não é. Num mundo tão cheio de padrões a serem seguidos, é cada vez mais difícil se encaixar no que a sociedade espera com que nos pareçamos e, assim, vamos nos perdendo de nós mesmos. Na ânsia de nos vermos num ideal de beleza, de alcançarmos um glamour que nos é prometido caso nossa aparência condiga com o que dizem ser a mais bela de todas, a essência de cada um vai se perdendo aos poucos.
A verdade é que não temos todos como ser o padrão esperado de nós. Somos pessoas diferentes, com corpos, feições e formas diferentes. Tentar nos moldar para que outros nos aceitem pode ser cansativo, triste e, muitas vezes, frustrante. Além de não conseguirmos atingir a imagem que temos em nossas mentes, deixamos de ser sinceros conosco. Não raras vezes nos encontramos duvidando de quem somos e nos apagando, deixando de nos expressar. Quando nossa auto confiança se apaga, a falta de luz faz nossa alma murchar e a beleza se esconde nas sombras, por isso é necessário tentar tirarmos as lentes que não nos permitem enxergar além das amarras sociais e redefinir o que consideramos belo.
O primeiro passo para encontrar a beleza interior é aceitar e abraçar nossas diferenças, deixar de vê-las como um fator de exclusão e passar a enxergá-las como o que nos destaca e nos valoriza. No momento em que nos empoderamos e acreditamos no que há de melhor em nós, somos capazes de reencontrar o sol que há no âmago de cada um, e aí encontra-se a chave para viver com sinceridade e deixar nossa verdade florescer.
Buscando ressaltar o que há de autêntico em cada um, a coleção Primavera/Verão 2021 “De volta à sua essência” busca extrair aquilo que lhe torna especial, apostando em cabelos modernos, despojados, volumosos e com fios desconstruídos, com cores como o rosa lavado, o blorange, o loiro em degradê e tons contrastantes, trazendo conceitos de moda para muito além de simples tendências, mas como uma forma de expressão pessoal de modo que você possa mostrar quem é ao mundo com confiança, sinceridade e, é claro, beleza. Afinal, Ser belo é ser livre.
Ser belo é ser você.
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Coleção de Sorrisos
Sempre ouvi dizer que os olhos são a janela da alma. Não nego a poética que os olhos carregam e não posso deixar de concordar que eles sempre contêm mistérios merecedores de romances inteiros — por isso não é difícil que os livros reservem algumas linhas para descrever as emoções contidas em tais janelas. Para mim, no entanto, sempre foram os sorrisos. Muito se fala sobre eles, também, mas os olhos sempre parecem ganhar mais atenção. Há quem diga que sorrisos podem ser fingidos e não necessariamente mostrar a alma em si, enquanto os olhos não conseguem esconder as verdadeiras emoções, mas essa ideia não poderia estar mais errada. Sorrisos, até mesmo os falsos, ocorrem quando alguém não consegue mais segurar a emoção dentro de si e precisa demonstrá-la de alguma forma. É nesse momento que você realmente consegue ver a alma de alguém: quando ela precisa compartilhá-la.
Existem tantos tipos de sorriso que sinto vontade de colecioná-los: aquele sarcástico, meio de lado, no qual se enxerga todo o divertimento de alguém; aquele sincero no qual você consegue sentir aquela fagulha de alegria invadindo-lhe; aquele meio amarelo, completamente falso, no qual é possível ver a educação adquirida após muitas broncas na infância; aquele que as pessoas usam quando riem, com os cantos dos olhos se enrugando e que te fazem sorrir, também; o sorriso triste de uma alma machucada; aquele pequeno, quase imperceptível; o sorriso sem dentes de uma criança; aquele que as pessoas usam com os que amam e tantos, mas tantos outros.
Semana passada, dentro de um ônibus lotado, presenciei meu tipo favorito de sorriso. A garota não podia ter mais de vinte anos e conversava animadamente com uma amiga. Eu estava longe e não conseguia ouvir sobre o que elas falavam, mas a expressão dela me fez ter vontade de entrar na conversa apenas para sentir-me tão feliz quanto ela aparentava estar. Enquanto ela falava, gesticulava com as mãos e sorria de um jeito que seu rosto inteiro se iluminava. Ela não era particularmente bonita, mas, naquele momento, parecia brilhar com tamanha intensidade que me questionei se não estaria na presença de alguma divindade. A princípio achei se tratar de felicidade, mas passei a observá-la e notei que uma gama muito grande de emoções irradiava da alma que ela exibia naquele momento. Eu não consegui identificar todas, mas reconheci euforia, excitação, carinho e até mesmo um toque de gratidão naquele sorriso com dentes levemente tortos. Não conseguia desviar meus olhos da cena. Imaginava que ela estivesse falando de algo extremamente importante, algo que ela amava. Talvez de um namorado? De um filho? De um melhor amigo? Mesmo de longe eu conseguia sentir o amor nas palavras que não podia ouvir. A amiga dela sorria, também, mesmo que com menos paixão: havia satisfação no rosto dela, como se ela estivesse feliz pela outra. Observando todas aquelas emoções, quis que elas me preenchessem, também. A amiga apertou o botão para descer do ônibus e senti um leve desespero: não podia deixá-la sair sem saber o que a fazia sorrir daquela maneira! Movi-me discretamente, tentando chegar mais perto para ouvir aquela conversa que parecia tão plena e, então, a voz da garota me atingiu:
— E então tem uma cena ótima na qual o Victor vira pro Yuri e pergunta pra ele o que ele quer fazer. O roteiro é muito bem amarrado, até mesmo essa cena demonstra o quanto...
Não consegui ouvir o resto da frase porque o ônibus fez sua parada e as duas amigas saíram, absortas em sua conversa. Fiquei congelada no lugar. Um filme? Um programa de televisão? Era isso que fazia a garota sorrir com tamanha intensidade? Eu tinha certeza que tinha sentido amor irradiando daquele sorriso, poderia eu estar enganada?
Esses pensamentos ficaram comigo por alguns dias. Eu sabia que aquele sorriso era o tipo no qual a alma não cabe mais no corpo e se derrama inteira, envolvendo tudo ao seu redor em uma sensação de aconchego e afeto. É o tipo de sorriso mais raro e, até então, só tinha o visto em situações extremas: nos lábios de minha mãe na minha formatura do ensino médio, no rosto de uma noiva em seu casamento, a expressão de meu amigo descrevendo seu projeto de mestrado. Mas não naquela garota: ela o usava falando de algo banal e isso não fez sentido para mim. A única explicação que me ocorreu é que ela amava aquilo sobre o que ela estava falando, o tal roteiro bem amarrado a fazia genuinamente feliz e, para ela, nada era trivial nesse assunto. No fim, acredito que seja isso, mesmo, afinal, sentimentos não podem ser padronizados e ela não os conteve nem por um segundo. Certa está ela. Somos ensinados que não se pode dizer “eu te amo” em qualquer situação para que o amor não seja diminuído; aprendemos que não podemos adorar qualquer coisa porque a adoração verdadeira deve ser mais significativa; temos que tomar uma atitude blasé para que não nos achem fracos, mas de que adianta nos escondermos dentro de nós mesmos e nunca podermos sorrir como a garota que sorriu por conta de um simples roteiro bem construído? Por que amar várias coisas torna do amor obsoleto? Para mim, quanto mais se ama, mais se sabe amar.
Aprendi muito com o sorriso daquela garota e é por isso que sinto vontade de coleciona-los. Cada um tem uma alma diferente e dá importância à coisas diferentes, tornando cada riso único. E o mais bonito deles é o de quem não precisa e nem quer se conter.
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Artigo científico
O artigo a seguir foi escrito para a matéria Análise do Discurso, tendo sido parte do projeto final do ano. O texto busca analisar a visão dos professores sobre a saúde mental na infância e adolescência a partir de falas feitas por meio de uma entrevista. O artigo foi encaminhado para publicação em revistas acadêmicas
A SAÚDE MENTAL NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA SOB O OLHAR DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO
Resumo: O presente artigo visa entender qual a percepção dos professores da educação básica em relação a distúrbios de saúde mental, com o objetivo de analisar como o assunto é abordado em sala. Foram entrevistados dois professores, um de séries iniciais, e outro, professor de física do EM. Para fazer a análise do discurso, utilizou-se das teorias de Althusser (2001), Foucault (2000) e Fairclough (2008). Observou-se que os professores têm conhecimentos ainda muito básicos sobre o assunto.
Palavras-chave: saúde mental; adolescência; educação.
Introdução
A discussão sobre a saúde mental está cada vez mais presente na sociedade. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2018), estima-se que uma em cada dez pessoas precisará de acompanhamento psicológico ou psiquiátrico ao longo da vida, sendo que a maioria não terá acesso ao tratamento adequado. Sabe-se que a não procura por profissionais qualificados dá-se por diversos motivos, que variam desde a falta de poder monetário até o desconhecimento sobre os transtornos psiquiátricos, sendo importante destacar que há um forte estigma permeando a ideia desses transtornos, em especial os transtornos depressivos. Ainda se reproduz muito o discurso que encara a depressão como falta de auto-estima, fraqueza ou até mesmo falta de força de vontade, sendo este um importante fator para a negligência da procura por ajuda médica.
Moreno, Moreno e Soeiro-de-Souza (2013) definem a depressão maior como:
“O termo depressão designa várias condições (...) Caracteriza-se por humor depressivo e/ou falta de interesse, anedonia, queda de energia, lentidão psicomotora, negativismo em sentimentos e pensamentos, além de sintomas físicos e insônia. Ao ônus da incapacitação psicossocial e profissional, e do sofrimento que a depressão causa, somam-se taxas elevadas de TD estimadas na população geral: prevalências-vida de depressão maior e distimia entre 15,1 e 16,8% e 4,3 e 6,3%, respectivamente, caracterizando-as como problemas de saúde pública.” (p. 39)
Os transtornos depressivos são doenças silenciosas que afetam diretamente aspectos sociais e pessoais do paciente, podendo acarretar em diversos problemas, o mais sério deles sendo o suicídio. Segundo a OMS (2018), essa é a terceira maior causa de morte de jovens entre 15 e 19 anos de idade, tendo feito 62 mil vítimas em 2016. Além disso, cerca de 20% dos adolescentes sofre de algum tipo de problema de saúde mental, mas a grande maioria permanece sem diagnóstico ou tratamento. É essencial que se dê atenção para a saúde mental do jovem em idade púbere, uma vez que a adolescência é um período importante para o desenvolvimento do indivíduo, sendo a fase transitória entre a infância e a vida adulta. É nessa transição que se definem os valores éticos e morais que formulam a personalidade do indivíduo, e por isso faz-se necessário ouvir, respeitar e auxiliar na construção do ser autônomo. Para Wallon (1985):
“A puberdade é a idade das reflexões sobre o ser e o não-ser, sobre a íntima ambivalência da vida e do nada, do amor e da morte. Pela primeira vez a pessoa se concebe concentrada sobre si mesma, não somente entre os outros, mas também no tempo. Dessa crise surge o adulto que optou pela vida contra a morte.” (p. 234)
Dessa forma, é papel da sociedade como um todo, em especial daqueles que estão em contato direto com os adolescentes, auxiliar nessa escolha que permite que o sujeito chegue à vida adulta. No entanto, em conhecimento do crescente número de ocorrências, pensa-se que a prevenção adequada não vem sendo feita a nível de saúde pública, nem nos âmbitos familiares e nas escolas, lugar onde esses jovens, em muitos casos, passam a maior parte do dia. Diante disso, pensa-se que os educadores não estejam tão atentos ao assunto como deveriam.
A presente pesquisa procura compreender a visão dos profissionais da educação sobre conceitos como a depressão e o papel da escola no auxílio da conscientização, buscando expor os ideais e pensamentos implícitos na fala de professores. Através de entrevistas, buscar-se-á responder a seguinte pergunta de investigação: Como os professores da educação básica percebem os distúrbios de saúde mental em crianças e adolescentes? A ferramenta utilizada para responder essa questão será a ACD, por entender-se que é através do discurso estruturado enquanto texto, prática social e evento discursivo que é possível observar quais são as ideologias perpetuadas dentro do ambiente institucional, uma vez que o professor é o sujeito detentor do poder discursivo dentro da sala de aula.
Pressupostos teóricos
Bahls (2002) afirma que os transtornos depressivos têm alta prevalência na população geral, com números que indicam que a depressão maior será o maior problema de sobrecarga para os profissionais da saúde em 2020. O autor atesta que na infância e na adolescência, a manifestações de doenças de origem depressiva mostra-se de natureza duradoura, causando danos permanentes para aspectos psico-sociais. Na infância, os sintomas de depressão geralmente se manifestam de forma física, como enjoos e dores sem razão aparente, além do isolamento social e dificuldades de compreensão básica. Já na adolescência, os sintomas, ainda que similares aos dos adultos, geralmente se mostram através de irritação, explosões de raiva, apatia e desinteresse, perda de energia e dificuldade de concentração, o que afeta diretamente o desempenho escolar. Como o pensamento subjetivo que permite a compreensão da morte é formado por volta dos doze anos de idade, o pensamento suicida no adolescente aumenta, contribuindo para a alta taxa de mortalidade nesta faixa etária.
Diante desses dados, Santos (2017) indica que a escola, por ser um ambiente social intermediário entre família e sociedade, mostra-se um ambiente propício para a avaliação emocional de crianças e adolescentes, sendo que a sala de aula é o lugar para o qual o aluno levará seus problemas emocionais, sendo por vezes a própria escola uma causa agravante de doenças psiquiátricas. Para que o encaminhamento que permitirá que diagnóstico seja feito, o professor deve estar atento a alterações de comportamento e sintomas típicos da depressão, entendendo que estes são diferentes dos sintomas apresentados em adultos. Assim, é necessário que o professor esteja informado sobre como identificar problemas de origem psico sintomática.
Entendendo que é através do discurso que as crenças e ideologias do indivíduo podem ser identificadas, faz-se necessário entender o que é análise do discurso a fim de identificar como os professores entendem a saúde mental. Para Orlandi (1999), a análise do discurso tem sua fundamentação no estruturalismo linguístico e no materialismo histórico-dialético de Marx. O estruturalismo enxerga a língua como um sistema estrutural que obedece uma lógica própria, seguindo um conjunto de regras que formam enunciados providos de sentidos e que podem ser interpretados por outros falantes. A partir disso, entende-se que a análise do discurso é encarar essa estrutura não enquanto um sistema abstrato, mas enquanto maneira de significar. Os significados, conforme a autora, devem ser entendidos por um viés marxista que indica que todo discurso é interpelado por uma ideologia histórico e dialeticamente construída, revelada pelo materialismo dos discursos.
Althusser (2001) encara a ideologia que permeia todo discurso como um conjunto de ideias historicamente construídas e propagadas nas sociedades de modo a garantir o funcionamento do sistema vigente de poder. É, portanto, uma espécie de ilusão coletiva interpelada nos sujeitos desde o seu nascimento. No sistema capitalista, em específico, a ideologia pressuposta na sociedade é a burguesa, que visa a exploração da classe proletária, propagada em uma constante a fim de garantir a alienação. O autor afirma ser possível observar a ideologia na forma em que a sociedade se organiza, desde as regras do dito “bom comportamento” até a ideia de produtividade, na qual o valor dos indivíduos é medido através da força do trabalho e do rendimento. Assim, a reprodução da força produtiva se dá na ideia de que os sujeitos precisam trabalhar para produzir bens que não pertencem a eles, com o salário como garantia de um não questionamento, além de ser uma ferramenta através da qual se pode adquirir bens e perpetuar o sistema capitalista.
Como uma forma de expandir esse conceito para aplicá-lo na análise do discurso, Pêcheux (1969) apud Orlandi (1999) afirma que os sujeitos se constroem através da linguagem e, ainda que o discurso deixe transparecer a historicidade ideológica, há o subjetivo de cada falante a ser analisado. Mesmo que todos os sujeitos se construam através da linguagem, nenhum fala igual ao outro, uma vez que as teorias psicoanalíticas explicam o fato de que o subjetivo é único e que cada situação discursiva é, também, única, de efeito metafórico, sendo que o sujeito inconsciente se manifesta em forma de linguagem. As teorias de Pêcheux citadas por Orlandi (1999) explicitam o sujeito inconsciente do discurso em dois tipos de esquecimentos: esquecimento ideológico e esquecimento da ordem da enunciação, sendo o primeiro o que apaga as marcas ideológicas e o segundo o que apaga as outras formas de enunciar o discurso, marcando o sujeito inconsciente na escolha de palavras.
Além dessas relações que buscam compreender a formação dos discursos, Foucault (2000) evidencia as relações de poder presentes no discurso ao afirmar que este é objeto de desejo, uma vez que, em uma sociedade estruturada, “sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa.” (FOUCAULT, 2000, p. 09). O autor afirma que existem processos de exclusão e interdição de certos discursos que são levados em consideração pela hegemonia ou são totalmente rejeitados por ela, seja por estes serem proferidos por pessoas pouco detentoras de poder ou pelo objeto do discurso ser considerado um tabu dentro da sociedade em que este for proferido.
Diante dessas teorias que buscam entender como o discurso funciona, Norman Fairclough (2008) busca unir tais conceitos para conceber um método de análise que explicite as relações político-sociais do discurso, criando assim a Análise Crítica do Discurso. Para perceber as relações, o autor propõe que se observem três níveis, sendo que o primeiro busca analisar o texto enquanto matéria linguística com relações do léxico, da gramática e da sintaxe que compõem o corpus do discurso. O segundo nível de análise busca entender o discurso enquanto prática social, entendendo que ele é produzido, distribuído e consumido dentro de um contexto social que deve ser analisado para compreender o texto de forma interpretativa, observando o que foi dito, para quem, por que e como foi interpretado por seus destinatários. Já o terceiro nível entende o discurso enquanto como evento discursivo que analisa o que foi dito como matéria político-ideológica, procurando compreender quais as ideologias, relações sociais e contextos nos quais o texto foi proferido. Para Fairclough (2008), no entanto, o discurso é moldado pela sociedade da mesma forma que o ele tem caráter transformador nesta, uma vez que ele é uma forma de manter as estruturas sociais quando as reforça, mas uma vez que ele é utilizado como forma de romper com a hegemonia estabelecida, o discurso pode ser visto como uma ferramenta de mudança estrutural. Por isso, a análise tridimensional proposta por Fairclough mostra-se relevante para compreender quais discursos mantém a estrutura sócio-política e quais têm cunho transmutador.
Metodologia
A presente pesquisa, de abordagem qualitativa, foi conduzida através de entrevistas com dois professores da educação básica, aqui chamados de Sujeito A e Sujeito B. O sujeito A, de 47 anos, é formado em pedagogia, atuando como professor de séries iniciais na rede pública de ensino há 23 anos; já o Sujeito B, de 58 anos, é licenciado em física e atua como professor de Ensino Médio, tanto na rede pública quanto na particular, há 31 anos. A entrevista foi executada através de um aplicativos de mensagens instantâneas, sendo respondidas por gravação de áudios posteriormente transcritos com a permissão dos entrevistados. Para a realização da análise crítica do discurso, realizaram-se três perguntas com o objetivo de entender a visão dos entrevistados, sendo elas: 1) No seu entendimento, por que uma criança ou adolescente pratica atos de automutilação? 2) O que você entende por depressão? 3) Você acha importante discutir sobre a saúde mental dos estudantes dentro das escolas?
Análise da entrevista
Sendo a infância e a adolescência períodos importantes para o desenvolvimento do ser humano, buscou-se ouvir a opinião de profissionais da educação que atuam tanto na educação infantil quanto no Ensino Médio, entendendo que a construção do pensamento crítico permeado pelas ideologias vigentes são formadas em um contínuo pelo aparelho ideológico de Estado escola (ALTHUSSER, 2001).
A primeira pergunta visava compreender a visão dos entrevistados em relação aos atos de automutilação cometidos por crianças e adolescentes, sendo que o Sujeito A respondeu que:
A automutilação é um distúrbio de comportamento onde o adolescente agride o seu próprio corpo quando tenta aliviar suas angústias, achando que não há uma solução para os seus problemas, então, como um meio de colocar para fora aquilo que está sentindo, sua insegurança, ele se automutila.
A nível de texto, percebe-se que o sujeito entrevistado utiliza a língua em sua norma culta, não havendo marcas características da linguagem oral no discurso do entrevistado. Podem ser destacadas a utilização da palavra “está” em vez do informal “tá”, e o verbo “há” em vez do mais comumente utilizado “tem”. Orlandi (1999) afirma que através da estrutura linguística é possível perceber que a escolha das palavras revela a significação da língua e, nesse caso, com o uso de palavras tipicamente ignoradas pela linguagem coloquial, cria-se a hipótese de que o entrevistado escreveu suas respostas previamente à gravação do áudio, possivelmente revelando falta de domínio sobre o assunto. Além disso, percebe-se que o Sujeito A não menciona a palavra “criança” em sua resposta, mesmo que a pergunta tenha se referido tanto a crianças quanto a adolescentes. Esse apagamento, entendido como um esquecimento de ordem do discurso (PÊCHEUX apud ORLANDI, 1999), parece indicar que o sujeito subjetivamente entende a automutilação como um distúrbio de comportamento exclusivo da adolescência. É importante notar que o Sujeito A trabalha na educação de séries iniciais, tendo contato direto com crianças, portanto, não relacionar a possibilidade de automutilação com a infância é potencialmente um agravante para a negligência de casos que porventura venham a ocorrer.
Ainda sobre essa questão, o Sujeito B respondeu:
Ah, tem vários motivos, né? Às vezes os pais não dão atenção em casa, ou sofrem bullying no colégio, aí tem a cabeça fraca e não consegue encarar como uma brincadeira. É muito triste... que alguém chegue nesse ponto, acho que é um pedido de atenção mesmo (pausa). Mas é complicado, né, porque a maioria é isso mesmo, é gente que… gente que precisa de uma atençãozinha mesmo... só que criança é influenciável, sabe? Faz porque vê o colega fazendo e quer fazer igual, quer a mesma atenção que o coleguinha. Uma bobeira que dá neles.
É possível observar que o entrevistado repete várias vezes a palavra “atenção”, demonstrando descaso com a auto lesão praticada pelos alunos, em especial quando menciona que “criança é influenciável”. A escolha de palavras permite analisar o discurso no nível da prática social (FAIRCLOUGH, 2008), podendo-se inferir que o professor entrevistado não entende a automutilação como um sintoma de algum distúrbio de saúde mental, mas como uma tentativa de chamar a atenção de terceiros. Ao dizer que existem alguns casos nos quais o aluno está simplesmente reproduzindo o comportamento autodestrutivo dos colegas, acontece uma relativização do jovem enquanto ser de pensamento crítico, reforçando a ideia hegemônica do transtorno depressivo como uma espécie de fraqueza e falta de pensamento individual. Essa concepção é frisada novamente quando o professor declara que o indivíduo que passa por situações de bullying comete as lesões quando “tem a cabeça fraca”. A nível político-ideológico, nota-se a reprodução do discurso que não vê bullying como um problema que tem origem no agressor, mas no agredido. Para Foucault (2000), no entanto, as relações de poder presentes em determinados contextos dão mais voz ao discurso de algumas pessoas, fazendo com que o de outras seja rejeitado ou excluído. Entende-se que, nesse tipo de situação, o opressor seja o detentor do poder discursivo, impedindo que a voz do oprimido seja ouvida e impossibilitando a reação. Portanto, quando o discurso do professor sugere que quem não consegue encarar a situação de violência como uma brincadeira tem a cabeça fraca, ele falha em reconhecer as relações de poder que permitem que o bullying aconteça.
Diante das respostas de ambos os professores, é possível observar que há desconhecimento sobre o assunto da automutilação, seja por falta de informações disponíveis ou por falta de pensamento crítico sobre as ideologias presentes na hegemonia social. Santos (2017) chama a atenção para o fato de que a escola é um ambiente propício para a avaliação do quadro psicológico dos alunos, mas para isso, é necessário que os professores estejam atentos aos sinais que podem levar ao diagnóstico. Dessa forma, é possível notar que os professores têm ciência da existência do problema que a questão buscou discutir, mas existe uma relativização e um afastamento do problema da vida escolar.
A segunda questão buscava compreender o que os professores entrevistados entendiam por depressão. O Sujeito A respondeu que:
Depressão é uma baixa autoestima, onde a pessoa sente uma tristeza e desinteresse por planejar um futuro. A pessoa fica deprimida, desanimada e quer ficar isolada de tudo e de todos, não tendo ânimo, motivação para nada.
Ainda que a visão geral dos sintomas da depressão estejam de acordo com os apontados pelo Compêndio de Clínica Psiquiátrica, o Sujeito A falha em reconhecer a depressão como uma doença. Esse esquecimento (PECHÊUX apud ORLANDI, 1999) da palavra “doença”, entende-se que o problema é amenizado e tratado como apenas um problema de tristeza e falta de motivação, como pode ser notado pela utilização das palavras “desanimada” e “ânimo”. Nota-se, também, que o Sujeito A inicia sua definição utilizando as palavras “baixa autoestima”, o que limita a causa do transtorno depressivo à falta de amor próprio, sendo que, de acordo com a OMS (2018), as causas da doença variam, podendo ser citados os fatores genético, o stress contínuo, os contextos sociais de exposição à violência, os problemas socioeconômicos, a violência sexual e o abuso de substâncias. Diante disso, é possível observar que o Sujeito A não considerou o grande espectro de razões para a existência da depressão maior, reproduzindo em seu discurso uma ideia bastante genérica do transtorno.
Já o Sujeito B afirmou que:
É uma doença psicológica, precisa de tratamento com remédio porque a pessoa para de ter vontade de viver. É uma tristeza grande, uma falta de vontade de fazer as coisas. A gente que tem caso na família sabe como é difícil. Não gosto nem de pensar muito nisso. Mas acho que tem muita… tem muita banalização em cima disso, qualquer coisinha a pessoa já fala que tem depressão. (Pausa) Claro que se a pessoa fala que tem é porque pode ter mesmo, não pode julgar, né? Quem sou eu para dizer alguma coisa.
Aqui, nota-se que existe o reconhecimento da depressão enquanto uma doença, especialmente quando o Sujeito B menciona o tratamento com medicação adequada. Essa menção indica um conhecimento mais amplo sobre o assunto do que o apresentado pelo Sujeito A, o que pode ser explicado pelo fato de que ele cita um caso dentro de seu convívio familiar, o que, dentro desse discurso, parece conferir-lhe certa autoridade, aumentando seu poder discursivo (FOUCAULT, 2000) por mostrar que ele tem experiência com o caso.
Após o reconhecimento da depressão como um assunto médico, há uma contradição quando o entrevistado afirma que também há uma banalização da depressão, usando as palavras “qualquer coisinha”, o que na dimensão do evento discursivo (FAIRCLOUGH, 2008) pode ser entendido como a reprodução do discurso que banaliza o sofrimento alheio e não o reconhece como individual. Logo após essa fala, o Sujeito B parece reconhecer seu lapso freudiano, buscando corrigir seu discurso, contradizendo essa banalização e afirmando que “não pode julgar”. A partir disso, pode-se inferir que a ideia que ameniza a depressão está presente na ideologia propagada na sociedade em que o entrevistado está inserido e, mesmo sendo próximo de um caso clínico, o ato falho revela que a desconstrução dessa ideologia ainda não aconteceu por completo. No entanto, a correção posterior a uma pausa pode ser um indicador de que essa ideia esteja sendo pensada criticamente pelo sujeito discursivo, possivelmente em decorrência do convívio com casos depressivos. O Sujeito B finaliza seu discurso com a pergunta “quem sou eu para julgar?”, procurando desconstruir a ideia de poder discursivo criada com a menção de um familiar, o que pode ser visto como uma tentativa de incutir humildade ao discurso.
Outro fator importante de ser notado na fala do Sujeito B é o de que ele se mostra desconfortável para falar sobre o assunto, como evidenciado pela frase “não gosto nem de pensar muito nisso”. Para Foucault (2000), há no processo de interdição uma tentativa de silenciar certos discursos, tornando certas palavras e ideias não-pronunciáveis, indicando a existência de certos tabus sobre os quais não se pode falar. A depressão, por ser um tema desagradável para ser debatido, é um tabu de objeto, como evidenciado no discurso do Sujeito B, o que torna a discussão necessária para a conscientização sobre o assunto escassa.
Nota-se que ambos os entrevistados têm conhecimentos sobre a depressão, mas nenhum dos dois relacionou a segunda pergunta com a primeira, sendo que o Sujeito B em particular adotou posturas opostas em suas respostas. Isso pode se dar ao fato de que a automutilação é vista por ambos como algo exclusivo da adolescência, enquanto a depressão não necessariamente está relacionada com esse período da vida, e há um discurso hegemônico que encara o adolescente como um ser dado a dramaticidades exageradas, o que pode criar a relativização do sofrimento desses indivíduos. Além disso, nota-se que ambos descrevem os sintomas depressivos como tristeza e falta de interesse pela vida mas, para Bahls (2002), os sintomas mais comumente apresentados por adolescentes em episódios depressivos são os acessos e explosões de raiva, enquanto nas crianças os sintomas apresentados são de natureza física. Os discursos dos professores entrevistados não deixam transparecer conhecimento sobre esse fato, o que também pode contribuir para o não reconhecimento dos sintomas e, consequentemente, a falta de encaminhamento adequado.
A terceira pergunta da entrevista pretendia entender se os entrevistados achavam importante que se discutisse saúde mental no ambiente escolar. A resposta do Sujeito A foi que:
Sim. Eu acho muito importante que haja debates com profissionais sobre este assunto, pois assim as pessoas são orientadas e, se tiver algum adolescente ou criança nesta situação, poderá ser ajudada e ter uma oportunidade de ver o lado bom da vida através de uma orientação. Então a escola pode oferecer palestras com especialistas para debater este assunto.
Novamente, chama-se a atenção para a linguagem formal utilizada oralmente, o que, como na primeira resposta do Sujeito A, pode indicar a falta de segurança para falar sobre o assunto livremente, sem nenhum suporte.
Diante disso, observa-se que o uso repetido da palavra “orientação” em conjunto com a sugestão de que a escola ofereça debates orientados por especialistas, muito provavelmente referindo-se a profissionais da saúde, parece indicar que as conversas sobre doenças mentais devem acontecer em ocasiões especiais nas quais estes profissionais possam estar disponíveis. Assim, o entrevistado se exclui do debate, não indicando em seu discurso a possibilidade de trazer o assunto para dentro de sala de aula ou para o dia-a-dia escolar, o que poderia contribuir para normalizar e diminuir o tabu sobre a temática.
Quando o Sujeito A indica que a orientação de profissionais pode auxiliar a criança a “ver o lado bom da vida”, ocorre, a nível de prática social, a significação de que o transtorno depressivo é um simples foco negativo e pessimista sobre a vida, o que é, novamente, uma visão limitada das causas para o surgimento do distúrbio.
A resposta do Sujeito B foi que:
Acho sim. Esses dias veio uma psicóloga aqui falar com os alunos por causa daquele caso recente do suicídio daquele menino que ninguém sabia que tava doente, tem que alertar os jovens sobre isso pra eles saberem né, que podem procurar um professor, pra eles saberem que aqui a gente não julga. Antigamente a gente tinha a psicóloga que trabalhava aqui, eu achava bem importante porque a gente não sabe a realidade de cada um, não tem como... Agora não tem mais, mas quando a gente nota algo estranho assim, alguém que era bom e de repente começa a tirar nota ruim, para de participar da aula, a gente pede pra coordenadora pedagógica tirar da sala, ver o que está acontecendo. A professora de história acho que fala bastante disso, a de português pediu redação em setembro, que tem o setembro amarelo, tem que conversar com eles.
Percebe-se que o Sujeito B, bem como o Sujeito A, reconhece a importância da conversa sobre o assunto no ambiente escolar, mencionando a necessidade de acompanhamento profissional dentro da escola, no entanto, a menção de um suicídio recente de um adolescente revela que este acompanhamento só está sendo realizado depois de uma fatalidade, e não antes, de forma preventiva. Além disso, o entrevistado busca afastar-se do debate, mencionando outros professores que discutem o assunto com os alunos, mas em nenhum momento mencionando se ele está disponível para a conversa. A utilização da primeira pessoa acontece no momento “aqui a gente não julga”, estruturalmente se inserindo brevemente no discurso antes de se retirar novamente, indicando que quando se nota algum sintoma, a coordenação é chamada para dialogar fora do ambiente de sala de aula.
A significação ocorrida na dimensão de prática social do ato de “não julgar” entra em contradição com a resposta das duas primeiras questões, em especial a primeira, em que o entrevistado afirma que uma das consequências da depressão é um simples pedido de atenção. A partir daí, por entender-se que todo discurso é carregado de ideologia e o pré-julgamento ocorre baseado nela, conclui-se que há um apagamento ideológico (PÊCHEUX apud ORLANDI, 1999) no qual o sujeito não nota que o sujeito inconsciente faz juízo de valor em casos que porventura venham a ocorrer dentro do ambiente escolar.
Outro ponto levantado é a menção do aluno que tirava boas notas repentinamente começar a ter seu desempenho prejudicado ser um alerta para o professor. Enquanto Bahls (2002) aponta o baixo rendimento escolar como uma das grande consequências dos sintomas depressivos, percebe-se uma lógica baseada na ideologia capitalista indicada por Althusser (2001) quando o professor utiliza as palavras “aluno bom” para designar a criança que tira boas notas. Há, aqui, a determinação do valor do estudante baseado em seu rendimento escolar, numa imitação do que futuramente medirá seu valor de trabalhador pelo seu rendimento de lucro. A escola “(...) ensina o “know-how” mas sob formas que assegurem a submissão à ideologia dominante ou o domínio da sua prática” (ALTHUSSER, 2001, p. 58).
Utilizando dessa lógica que reproduz a ideologia burguesa, infere-se que o entrevistado só perceba o problema do rendimento escolar como sintoma de algum distúrbio psiquiátrico quando há uma mudança do que ele considera bom para o que é entendido como ruim, logo, o aluno que por outros motivos não possui um bom rendimento ou não interage em sala encontra-se excluído da preocupação do professor. Ainda é possível supor que alunos que tiram boas notas possam estar sofrendo de algum distúrbio psiquiátrico, portanto, o indicador “nota” utilizado pelo entrevistado para perceber a doença pode ser ineficiente.
Em ambas as respostas, é possível notar que a discussão sobre a saúde mental, ainda não está presente no dia-a-dia escolar, sendo mencionada em ocasiões específicas, como o setembro amarelo, o mês de prevenção ao suicídio citado pelo Sujeito B. Portanto, percebe-se que os discursos dos professores começam a ter caráter transformador, mas ainda contribuem muito para a estrutura sócio-política indicada por Fairclough (2008).
Considerações finais
O presente artigo buscou, dentro do contexto escolar, trazer questões e levantamentos sobre como se encontra a percepção e o posicionamento de professores referente a saúde mental na infância e na adolescência. Através dos dados coletados e das análises feitas, observou-se que o tema de saúde mental é considerado importante para a abordagem nas escolas, entretanto, essa afirmação só faz-se valer em momentos específicos, com eventos especiais, ao contrário do que realmente seria o necessário para a conscientização sobre o tema e ajuda efetiva para o estudante depressivo. O papel do professor em sala de aula, além de ser o orientador e mediador do conhecimento, é de estar atento aos sinais que seus alunos demonstram, por menores que sejam. Trazer o assunto da saúde mental para a sala de aula e torná-lo rotineiro pode gerar uma maior segurança da criança ou adolescente para contar o que está passando e evitar problemas posteriores.
Além disso, foi possível observar a superficialidade dos professores em relação ao tema. Conforme afirma Foucault (2000), o tabu é a exclusão de certos discursos que são rejeitados, dessa forma fica ainda mais explícito o quanto a saúde mental é um tabu na sociedade atual. A partir disso, aparece o questionamento: qual é o preparo feito e quais os materiais disponíveis para que os professores abordem o assunto com propriedade e segurança? Aqui pode-se notar a relação de poder dita por Althusser (2001), na qual o mais importante é que os alunos sejam “educados” e preparados para o mercado de trabalho. Ou seja, a discussão sobre questões da saúde mental (e outros assuntos) não se tornam importantes para a ideologia burguesa, e pode-se notar o reflexo desse pensamento nos professores que, inconscientemente, não veem o tema como uma necessidade fundamental.
A marca de preconceito presente nas falas dos professores entrevistados, torna em evidência o que apresenta Pêcheux (1969) apud Orlandi (1999) em sua teoria de que o sujeito faz uso de uma linguagem que é formada ideologicamente, causando esquecimentos e apagamentos. O fato dos professores tratarem do assunto usando expressões como “quer chamar a atenção”, “é baixa autoestima”, entre outros, mostra que o contexto social no qual eles vivem ou já viveram reproduz esses discursos. Se não houver a conscientização dos mesmos, essas mesmas falas continuarão a ser reproduzidas por outros no qual os professores exercem influência. Diante de toda essa discussão, onde se encontra o aluno que sofre com transtornos, e acaba sendo excluído dentro desses discursos?
A partir das conclusões que foram feitas, pode-se notar que a percepção de alguns professores da educação básica não está totalmente fomentada na ideia de combater, com todos os recursos possíveis, os índices da OMS (2018) apresentados no artigo. A conscientização dos mesmos é de extrema importância para que, não apenas uma questão de números seja alcançada, mas sim a qualidade de vida das crianças e dos adolescentes. Além disso, a falta de informação e embasamento vista em alguns educadores no que diz respeito à saúde mental torna-se preocupante pelo fato de eles estarem constantemente envolvidos com os alunos que precisam de cuidados e atenção. Os professores devem estar preparados para tornarem-se grandes aliados na prevenção de transtornos e suicídios nos referidos alunos.
Referências
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: notas sobre os aparelhos ideológicos de Estado. 8ª ed. Rio de Janeiro: Edições Graal. 2001.
BAHLS, SC. Aspectos clínicos da depressão em crianças e adolescentes. J Pediat, 78(5): 359-366, 2002.
FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília. UNB. 2008.
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso: aula inaugural no Collège de France pronunciado em 2 de dezembro de 1970. 6ª ed. São Paulo: Edições Loyola. 2000.
MORENO, Doris Hupfeld; MORENO, Ricardo Alberto; SOEIRO-DE-SOUZA, Márcio Gerhardt. Transtorno depressivo ao longo da vida. In: FORLENZA, Orestes Vicente; MIGUEL, Euripedes Constantino. Compêndio da Clínica Psiquiatra. Barueri: Manole, 2013.
ORLANDI, Eni P. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes. 1999.
OMS - Organização Mundial da Saúde. Folha informativa: saúde mental dos adolescentes. Rio de janeiro: OMS; 2018. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5779:folha-informativa-saude-mental-dos-adolescentes&Itemid=839. Acesso em 14 nov. 2018.
SANTOS, Aline Mayer dos. Depressão na adolescência e o papel da escola em conjunto com a família. Pindamonhangaba: FUNVIC. 2017.
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Ensaio sobre Triste Fim de Policarpo Quaresma
O ensaio a seguir foi escrito para a matéria de Literatura Brasileira II, e foi publicado no Caderno Literando, no Blog do Projeto Proler (http://prolerjoinville.blogspot.com/2017/06/o-caderno-literario-literando-e-um.html) como um dos ensaios escolhidos. O texto pode ser lido na íntegra a seguir:
As decepções do major Quaresma
“Cada louco traz em si o seu mundo e para ele não há mais semelhantes: o que foi antes da loucura é outro muito outro do que ele vem a ser após”[1]. Toda cidade tem seu louco de estimação, aquele personagem urbano que todos conhecem, todos já presenciaram a loucura. Mas, afinal, o que é a loucura se não uma interpretação diferente do mundo em que vivemos? Assim somos apresentados a Policarpo Quaresma, um sonhador. Muito comparado com o personagem espanhol Dom Quixote, o protagonista de “Triste Fim de Policarpo Quaresma” luta pelas causas perdidas com um otimismo incurável, a ponto de ser considerado louco pela sociedade que o circunda. O questionamento do que torna o Major Quaresma louco permeia fortemente na primeira parte do livro, fazendo-nos refletir sobre essa e outras questões durante e após a leitura da obra de Lima Barreto.
Não tenho como encarar o livro se não como um grito de protesto do autor. Dividido em três partes, a obra é de tom sarcástico, ácido, chegando muitas vezes a ser divertido quando aponta o ridículo da sociedade brasileira, deixando clara sua insatisfação com esta. A característica principal do protagonista é amar seu país como jamais outro homem o amara, não fazendo distinção entre as diferentes culturas encontradas no Brasil, mas sempre valorizando o que é de procedência devidamente nacional, chegando, enfim, à conclusão de que a única cultura devidamente brasileira é a indígena, aquela que a sociedade convenientemente esquece.
Como o sonhador que Quaresma é, depois de muito estudo e leitura, propõe às devidas autoridades que a língua oficial do Brasil seja alterada para a tupi-guarani, na crença de que seria ouvido. O que o protagonista encontra, no entanto, é uma imprensa que o torna motivo de piada, uma sociedade que o considera louco – e ainda atribui sua loucura à leitura excessiva, como se observa na citação: “– Devia até ser proibido, disse Genelício, a quem não possuísse um título “acadêmico” ter livros. Evitavam-se assim essas desgraças. Não acham?”[2] – e, enfim, a internação em um manicômio. Como Osman Lins diz em “Policarpo Quaresma ou Os Perigos da Ação”[3], Quaresma vivera toda sua vida encerrado em si mesmo, em meio a seus livros, culminando em sua “loucura”, logo, ele não esperava tamanha reação e, então, temos a primeira decepção do Major Quaresma: com a sociedade urbana. Tudo o que ele queria era o melhor para seu país, mas não encontra apoio em meio aos seus. A revolução não se faz com apenas um homem. Quaresma é, então, o “louco de estimação” dessa sociedade, já que a ganância não o consumia e suas ideias de sábio o tornavam puro, até mesmo inocente, como dito tão brilhantemente pelo narrador da obra: “É raro encontrar homens assim, mas os há e, quando se os encontra, mesmo tocados de um grão de loucura, a gente sente mais simpatia pela nossa espécie, mais orgulho de ser homem e mais esperança na felicidade da raça.” [4].
Com o fracasso de seu plano, Quaresma abandona o centro urbano e “(...)vai empreender uma nova forma de ação, voltada simplesmente para a terra, e não mais para a sociedade”[5], comprando um pequeno sítio com o irônico nome de Sossego. Se ele já não podia confiar na sociedade brasileira, a terra fértil tornara-se seu próximo plano de ação para enaltecer o território brasileiro. Ali, no entanto, descobre que seu conhecimento literário de nada serve contra as formigas saúvas que teimam em destruir suas plantações, descobre que a terra não é tão piedosa quanto ele acreditava e precisa render-se aos conhecimentos populares e locais. No entanto, não desanima. O major Quaresma se dedica à terra com a mesma paixão que se dedicava ao tupi-guarani, mas então a segunda decepção o atinge: a politicagem local não permite que ele viva sua vida no Sítio Sossego. Além disso, a segunda parte do livro aborda de forma direta os problemas presentes até hoje na vida campestre que, desde a época da publicação do livro, tem a necessidade de uma reforma agrária. Na forma do personagem de Olga aparecem os questionamentos sobre a pobreza do homem do campo quando há tanto a ser explorado. A resposta que Olga obtém, entretanto, é desanimadora. O personagem Felizardo responde-lhe: “Terra não é nossa... E “frumiga”?... Nós não “tem” ferramenta... isso é bom para italiano ou “alamão”, que o governo dá tudo... Governo não gosta de nós...”[6]. Nas palavras de Luiz Ricardo Leitão “Os motivos expostos pelo matuto – que nos remetem à cumplicidade entre Governo e latifundiários, ambos encarregados de agenciar o colonato e a desterritorialização dos lavradores nativos (...)”[7]. Encontramos, então, a segunda grande decepção do major Quaresma: não só com a sociedade urbana, mas também com a sociedade campestre e com a própria terra.
Observando todos esses problemas, no entanto, o protagonista não se desanima e, ao saber de uma revolta que está ameaçando o governo brasileiro, voluntaria-se para lutar pela proteção desse governo. No ambiente de guerra, o autor critica fortemente a gestão de Floriano Peixoto que, nas palavras de Lima Barreto, tinha uma “(...) concepção de governo não era o despotismo, nem a democracia, nem a aristocracia: era a de uma tirania doméstica. O bebê comportou-se mal, castiga-se.”. Quaresma tem fé em seu governo e expõe as soluções que encontrara à Peixoto, que o chama de visionário, ignorando todas as ideias do sonhador. Encontramos, então, a terceira grande decepção de Policarpo Quaresma: com a república. A crítica aos militares (que nada fazem, nem mesmo participam das lutas) está presente em todo o livro, mas torna-se especialmente forte na última parte. As injustiças que Quaresma enxerga na guerra e as denúncias que ele faz convicto de que estava fazendo o melhor pelo seu país encerram seu triste e irônico fim: morrer como um traidor de sua nação. Uma de suas constatações finais é de que:
O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. As terras não eram ferazes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E quando o seu patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a viu combater como feras? Pois não a via matar prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadernado de decepções. A pátria que quisera era um mito, um fantasma criado por ele no silêncio de seu gabinete.
Nem a física, nem a moral, nem a intelectual, nem a política que julgava existir, havia. A que existia de fato, era a do Tenente Antonino, a do doutor Campos, a do homem do Itamarati. [8]
O grito de protesto de Lima Barreto é justamente esse: há, possivelmente, muitos Quaresmas espalhados pelo país, mas lutar contra o poder com um exército de um homem só se torna impossível. Quantos “loucos de estimação” não buscam as melhorias que Quaresma buscava? As causas perdidas pelas quais o major Quaresma lutava são ainda hoje muito pertinentes. Os problemas que Barreto apontava ainda estão presentes em nossa sociedade, mas a mensagem que o livro nos deixa é de que o otimismo só serve quando há armas com as quais se lutar. O inimigo é grande demais para apenas um soldado.
Um prazer cada vez mais raro,
Aerodinâmica num tanque de guerra,
Vaidades que um dia a terra há de comer,
Ás de espada fora do baralho,
Grandes negócios, pequeno empresário.
Muito prazer, me chamam de otário,
Por amor às causas perdidas.
Tudo bem, até pode ser
Que os dragões sejam moinhos de vento.
Tudo bem, seja o que for,
Seja por amor às causas perdidas. [9]
[1] BARRETO, Lima, Triste Fim de Policarpo Quaresma. Rio de Janeiro: Ediouro, 18ª ed., 1996, p. 44
[2] Id, Ibidem, p. 35
[3] Suplemento literário nº 879, O Estado de São Paulo, jun. 1974, p.6
[4] Id, Ibidem, p. 37
[5] Suplemento literário nº 879, Id.
[6] Id, Ibidem, p. 75
[7] Lima Barreto: o rebelde imprescindível. Editora Expressão Popular, São Paulo, 1ª ed., p. 55 e p. 56
[8] Id, Ibidem, p. 131.
[9] ENGENHEIROS DO HAWAII, Dom Quixote. Gravadora Universal Music, 2003.
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Link de acesso para o projeto completo: https://issuu.com/makeitworth/docs/universos_invis__veis
Muitos textos foram escritos para a faculdade de Letras. A revista “Universos Invisíveis” foi criada para a matéria de Literatura Infantil-Juvenil, com o objetivo de divulgar e fazer uma sinopse de um livro previamente escolhido junto à professora. Apesar de ser um trabalho em equipe, com a exceção da primeira “matéria”, tive parte na criação de todos os textos que se encontram na revista, mesmo nos que a mim não são creditados, pois como líder da equipe, participei divisão, revisão, correção e ajuste. O projeto gráfico foi todo realizado por mim.
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A vida de um meteoro
Tudo na vida de um meteoro é passageiro. As amizades, as conversas e até mesmo seus pensamentos. Pode parecer triste, viajar por aí, fazer amizades com estrelas e luas sem nunca poder ficar, mas a verdade é que eles se divertem muito, já que nenhum outro astro conhece tantos lugares desse universo que não para de se expandir. É um fato conhecido que tudo se movimenta no espaço, mas os meteoros são especialmente rápidos e viajam para onde quiserem, o que às vezes os leva para lugares interessantíssimos. É o caso desta história. Certa vez, um meteoro conversou com alguns viajantes mais experientes e eles lhe disseram que, em um insignificante mundinho azul, uma espécie nova estava se formando. Era bastante animador descobrir que um planeta estava desenvolvendo alguma forma de vida orgânica, já que ninguém nunca sabia o que estava por vir. O universo era uma grande loteria e, algumas vezes, algum corpo celeste particularmente sortudo teria as condições ideais para criar suas próprias formas de vida, que eram sempre únicas e diferentes das outras. Nosso meteoro ficou muito alegre e decidiu visitar aquele planeta que se chamava Terra, de acordo com uma estrela com quem fez amizade. Eram milhares de anos de viagem, mas aquela constelação no caminho tinha ouvido falar que essa espécie era uma gracinha, e eles estavam começando a tentar se comunicar uns com os outros. Todos estavam falando sobre aqueles seres inteligentes. Eles estavam começando a construir abrigos e fundar pequenas comunidades, contou-lhe aquele satélite gelado e deprimido, que estava tão longe de tudo que jamais poderia criar coisa alguma.
O meteoro já estava viajando há algum tempo quando as coisas começaram a mudar. Ele continuava fazendo suas paradas, conversando animadamente com os habitantes espaciais, mas assim que ele lhes contava para onde estava indo, os astros subitamente torciam o nariz, davam-lhe as direções e não diziam mais nada, não deixando escolha ao nosso meteoro se não seguir viagem. Numa dessas coisas engraçadas do acaso, encontrou outro viajante que seguia na mesma direção e decidiram, pela conveniência da coisa, seguir juntos, já que ninguém parecia muito disposto a conversar com eles. Era algo muito incomum – dois meteoros andarem juntos, mas a verdade é que, pela primeira vez desde que esse universo surgiu, a vida nunca tinha sido tão solitária para eles. Por muitos anos, debateram sobre o motivo daquilo tudo, e eles não conseguiam imaginar o que podia estar acontecendo, mas o fato é que, conforme os novos amigos iam chegando perto do tal planetinha azul, as estrelas iam ficando mais sérias, as nebulosas mais infelizes e até mesmo os buracos negros (que já eram misteriosos e assustadores por natureza) pareciam ainda mais misteriosos e assustadores. Os dois meteoros começaram a ouvir cochichos, começaram a ouvir que a espécie que viajavam para ver não valia a pena e eles iam se arrepender, mas não desistiram, e foram finalmente chegando perto de seu destino. O que viram deixaram-nos assustados. A espécie da Terra – na verdade, existiam várias, mas havia uma que parecia se achar especial – era violenta e assustadora. Nos breves momentos que ficaram ali, viram guerras e poluição, viram alguns espécimes grandalhões maltratando outros menores, viram sangue e destroços. O amigo de nosso meteoro viu alguns bípedes uniformizados atacando um grupo de filhotes e partiu dali naquele mesmo instante, sem nem ao menos se despedir, murmurando para si mesmo que aquela era a pior forma de vida que já vira e essa viagem tinha sido uma perda de tempo. Inconformado, nosso meteoro resolveu ficar por mais um tempinho, e resolveu falar com uma lua que morava ali perto – que, ironicamente, se chamava Lua. Ela era muito simpática e serena para alguém que era obrigado a encarar aqueles horrores todos os dias, e foi isso que o viajante lhe disse.
A Lua apenas sorriu e contou que ela estava ali desde muito antes de eles surgirem e ela assistiu a cada passo de sua jornada. Eles eram tão pequenos e insignificantes quanto seu planeta, talvez até mais, mas eles achavam que eram a coisa mais importante que já aconteceu no universo, e a Lua gostava de como eles pensavam. Eles tinham até feito uma visitinha a ela, uma vez. Claro, existiam conflitos e tudo o mais, mas não era apenas isso. Existiam grupos que se dedicavam inteiramente a ajudar espécimes machucados, existiam os que abriam suas casas e seus corações para filhotes que tinham sido abandonados, existiam aqueles que lutavam pelos direitos dos que nem conheciam, e, acima de tudo, existia o amor. Um ser humano – era assim que se chamavam, o meteoro descobriu – enxergava poesia num grão de poeira, buscava conhecimento no que não compreendia, fazia arte como uma pura necessidade de espírito e, sua melhor característica, contava histórias. A Lua adorava suas histórias, especialmente quando eles a utilizavam como personagem.
É claro, nem todos eram bons, mas nem todos eram ruins e, acima de tudo, nenhum deles era somente um ou o outro. Esse era um dos atributos mais interessantes daquela espécie, a Lua afirmou. Ela nunca se cansava de assisti-los e, quando algo muito ruim acontecia e a decepção era grande, algo surpreendentemente bom estava acontecendo no mesmo instante. As coisas boas não eliminavam as ruins, mas o contrário também não acontecia. Essa dualidade do ser humano era o que os tornava únicos no universo. O meteoro pode observar algumas dessas coisas boas acontecendo e ficou encantado ao perceber que alguns humanos haviam notado sua presença e estavam observando-o de volta. Ele até mesmo fez sua cauda brilhar com mais força para que eles pudessem ver melhor.
Como tudo na vida de um meteoro, o seu momento por ali acabou e ele precisou seguir sua viagem. Despediu-se da lua e da Terra, e decidiu que todos os astros estavam errados em relação àquela espécie naquele pequeno planeta azul. Nenhum viajante tinha ficado tempo o suficiente ou se dado ao trabalho de tentar entendê-los, e a palavra se espalhou pelo cosmos de modo que todos os julgaram sem ao menos poder ou querer vê-los. Ele resolveu que tentaria voltar e visitá-los mais uma vez, mas antes precisava contar a todos: ao escutar tais julgamentos rasos, sem conhecê-los de fato, todos se afastariam e deixariam de viver momentos incríveis. Assim é a vida de um meteoro. Assim é a vida de todos nós.
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Efêmera
Sempre considerei-me uma pessoa de sorte, já que toda a minha família está viva. Todos os meus quatro avós, todos os meus tios, todos os meus primos. Mas como todos nós eventualmente nos encontramos, encontrei-me em um funeral de um querido amigo. Ninguém viu esse dia chegando, mas lá estávamos nós, vestidos de preto e com lágrimas escorrendo pelo rosto. Fui deixada vazia de sentimentos, vazia de racionalidade. Perdida. Anestesiada.
Nunca soube muito bem como agir em situações sociais, então, como em todas as ocasiões infinitamente mais felizes em que me encontrei, encostei-me num canto e observei, esperando a tristeza invadir a mim também. Havia lágrimas, mas havia outros como eu — amortecidos. A perda pairava sobre nós como uma sombra que nunca nos abandonaria. O ar pesava, mas a gravidade parecia falhar. A mãe de meu falecido amigo tinha o olhar vazio e ignorava todos que tentavam falar com ela. O pai conversava em voz baixa e séria com alguns parentes. Nossos amigos em comum choravam, uns em silêncio, outros em meio a conversas saudosas. E eu sentia meus olhos secos. Meu coração ainda batia? Não tinha certeza.
Eu já ouvira muito sobre a morte. É nossa única certeza, afinal, não é? Pelo menos é o que todos dizem. Eu achava que estava preparada para lidar com ela. Mas por que eu não conseguia sentir alguma coisa? Qualquer coisa. Como um apelo à minha alma, relembrei todos os momentos felizes que compartilhei com meu amigo, de todas as lágrimas que chorei em seu ombro e em todos os bons drinks que dividimos. As últimas palavras que trocamos.
Nada.
Apenas o vazio.
Não sei dizer por quanto tempo fiquei encostada naquela parede, acenando educadamente com a cabeça quando alguém se dirigia a mim, mas em algum momento tudo começou a ficar insuportável e a urgência de sair dali dominou-me, então o fiz. Não me despedi de ninguém, não olhei uma segunda vez para o rosto frio que por tanto tempo significou conforto para mim, apenas virei minhas costas e andei sem me importar para onde.
Avistei pessoas que não estavam de preto nem tinham lágrimas nos olhos e foi para lá que me encaminhei sem pensar muito. Quando finalmente parei e tentei observar meus arredores, vi que me encontrava em uma praça. Sentei-me em um banco e surpreendi-me quando notei que o calor do sol ainda me atingia. O astro ainda brilhava. O casal deitado na grama ainda ria, as crianças ainda brincavam. A vida, contra todas as probabilidades, seguia.
A dor eventualmente chegou ao meu peito, sim, mas veio junto de uma estranha paz. A realização atingiu-me: um dia existíamos, no outro, não. E, no fim das contas, não importa. O que importa são as impressões que deixamos enquanto ainda estamos vivos para que, enquanto ainda viverem aqueles que nos conhecem, sejamos lembrados com bons olhos. E então, eventualmente, as pessoas que nos conheceram chegarão a um fim. Nossa última impressão é, com sorte, uma lápide com nosso nome, e então o tempo acabará com ela, também. Mas não importa. O mundo continua girando e o tempo não para de passar. A vida é curta, afinal.
Passageira.
Efêmera.
Mas enquanto dura, ainda há o calor do sol para sentir e risadas para compartilhar. E isso é o que me conforta.
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Quente
Com um último retoque, ela estava pronta. Era, sem dúvidas, a melhor obra que Rodolfo já havia feito. Observou-a no conjunto total: com quase dois metros de altura, toda feita em mármore branco. Seus longos cabelos cacheados pareciam esvoaçar levemente; os lábios carnudos estavam congelados em um fantasma de um sorriso; os olhos pareciam encará-lo de volta, com paixão. Chamou-a de Carolina e, antes mesmo de lembrar que havia sido feita por encomenda e já estava paga, jurou aos pés dela que jamais a venderia.
Naquela noite, ela lhe veio em sonho. Sua pele já não era branca como o mármore frio, mas calorosa e escura como o café. Seu sorriso não era uma mera sombra, mas vivo e morno como o mais lindo dia de primavera. Ela estendeu-lhe as mãos perfeitas e, ao pegar-lhes, sentiu o afeto invadir seu corpo e seu peito arder com um amor como nunca havia sentido antes.
— Farei qualquer coisa por ti, Carolina! — Anunciou e, como resposta, ela soltou uma gostosa risada. Ele nunca ouvira som mais bonito em toda a sua vida.
Ela se aproximou dele e acariciou seu o rosto e, antes de conseguir beijar-lhe os lábios cheios, ele despertou. Levemente desapontado, caminhou até seu estúdio e lá estava ela. Pegou em sua mão gelada e dura, um mero eco da mulher pela qual estava perdidamente apaixonado. Mesmo assim, tentou gravar em sua mente cada uma das curvas de seu cabelo, cada vinco em seus dedos. Não sabia quantas horas se passaram quando alguém bateu em sua porta.
— Abre, Rodolfo! — Gritou a voz grave de Roberto, o colecionador de arte que havia encomendado a estátua da mulher mais linda que o artista pudesse imaginar.
Xingando baixo, ele jogou um lençol por cima do corpo de sua amada e correu para abrir a porta.
— Não está pronta — ele disse à guisa de cumprimento.
— Ora, meu caro, já não te dei tempo suficiente? — Roberto respondeu adentrando o estúdio sem esperar convite.
— Tu não podes exigir que a arte fique pronta em um prazo, a inspiração não funciona assim. Tua estátua não está pronta — contestou.
— Posso ao menos ver teu progresso? Quero garantir que fiz um bom investimento — Roberto andou até Carolina, erguendo a mão para tirar-lhe o lençol.
— Não! — Rodolfo disse, impedindo o colecionador. Não podia suportar a ideia de outros olhos encontrando os de sua amada. — Não é esta. A tua está aqui — andou até outro trabalho seu, inacabado e abandonado em frustração. Rodolfo considerava-a feia e sem vida. Roberto pareceu concordar.
— Meu querido amigo, não posso negar que é lindíssima, mas não é teu melhor trabalho. Consigo pensar em diversas mulheres mais bonitas que esta! Não foi por isso que paguei. Sei que tu estás escondendo minha estátua sob o lençol que não me deixou remover. Como tenho muita estima pelo senhor, dou-te mais um mês para finalizá-la.
Rodolfo concordou de mau-humor, mostrou a saída ao comprador e resolveu deitar-se mais cedo naquele dia.
Todas as noites, sonhava com Carolina e, juntos, dançavam valsas, percorriam campos floridos, beijavam-se longamente e trocavam juras de amor. Ao acordar, Rodolfo se punha aos pés de sua obra de arte, a devoção explodindo em seu coração.
— Tu só existes em meus sonhos, minha amada. Gostaria de tê-la comigo o tempo todo — disse-lhe uma noite, após dançarem juntos por horas à fio.
— Não é verdade — ela respondeu com sua voz melódica. — Tu és meu criador, existo além de teus sonhos.
— Como uma estátua! Estou definhando por não poder sentir teu calor. Acordar é meu maior tormento; a vida dói.
— Então nunca acordes.
Mas ele sempre acordava. Estava enlouquecendo, precisava cada vez mais ficar junto de Carolina. Já não conseguia deixar seu estúdio, receando que, se o fizesse, ela se levantaria de seu suporte e o abandonaria para sempre.
Quando um mês se passou, Roberto voltou exigindo ver sua estátua.
— Não está pronta! — Rodolfo disse, desesperado.
— Ora, isso está ficando ridículo! Posso ver as olheiras sob teus olhos; estás magro, com aspecto de doença. Imagino que venha trabalhando nela sem descanso — o comprador respondeu caminhando até Carolina e erguendo a mão para descobri-la.
— Não! — Bradou o artista, mas era tarde demais. O lençol caiu aos pés da mulher de mármore. Rodolfo sentiu a raiva tomar conta de si. Nenhum outro homem deveria profanar o corpo de sua amada dirigindo-lhe o olhar, ela pertencia apenas a ele.
— É magnífica! — Exclamou Roberto, alheio à revolução que se dava no escultor. — Vejo que meu dinheiro foi posto em bom uso. Amanhã mandarei meus homens para buscá-la, ficará extraordinária em minha galeria. Muito bem, Rodolfo, muito bem.
O colecionador foi-se embora muitíssimo satisfeito. Rodolfo gritou em frustração. Carolina não podia deixar seu estúdio e ir para a casa de outro homem, ele não permitiria. Ensandecido de ciúmes, pegou suas ferramentas e atacou a estátua, fazendo-a em pedacinhos. Chorou ao ver os pedaços da pedra clara espalhados pelo chão, com um imenso pesar de ter destruído a imagem de sua amada, mas sabia que havia feito a coisa certa. Agora ela seria só dele, existindo unicamente em seus sonhos, nos quais ninguém mais colocaria os olhos naquelas feições de fada. Sentindo falta dela, mal podia esperar para adormecer e vê-la novamente.
Naquela noite, Carolina não foi visitar seus sonhos.
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