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eu-vou-contar · 5 years
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 “Eu queria pedir a você que não escrevesse a minha história. Na verdade eu não vou gravar, é só isso que eu vou te contar. Eu sou uma escritora, eu escrevi a minha história e eu queria pedir a você que lesse. Lesse do jeito que eu escrevi, por favor.
 Era meio-dia e ela ainda dormia, sonhando talvez, ela se arruma para sair a procurar um emprego, o cheiro do café acorda ela, estira seus braços, sua coluna e boceja. A cama ainda a convida para ficar nela, seu corpo lhe era estranho já faziam dias, sai da cama pra fazer xixi, tomar banho, ir pra faculdade, não era um dia a mais, sentia seu corpo alheio.
 No ônibus, tinha a sensação que todos a olhavam. Na sala de aula, alguém falou de corpos e ela teve que sair, não entendia por que e nem pra que, mas ela tinha que sair e saiu. De volta pra casa, escreveu uma mensagem no seu celular, mas não teve coragem de marcar o “enviar” nesse momento, decidiu dormir, acordou depois de uma hora e enviou a mensagem: “Passa na farmácia, por favor”. Ele sem entender, mas entendendo, respondeu: “Tudo bem, farmácia?”. Ela não conseguiu dizer mais nada, mas ele comprou na farmácia o que tinha que ser comprado.
 Aconteceu, estava acontecendo. Não, a gente cuidava daquilo, não era possível, não! Ela já sabia, seu corpo sabia, não! No passar dos dias sentiu como todo o mundo era dono do seu corpo, menos ela. Ela sentia que doía, doíam seus peitos, doía sentir, doía a dor. Seu corpo não lhe pertencia mais, ela precisava recuperá-lo.
Olhares e discursos misturados com a culpa e as dores, se impregnavam naquele corpo que ela rejeitava. Ela resistia. Tomar a sua vida nas mãos estava sendo caro, ouvir o pastor da igreja do bairro, no domingo, lhe dava raiva, alimentava a culpa que resistia a sentir.
Uma mala e muito medo. Coragem. Viajaram. Na sua terra, achou o calor feminino que precisava, mulheres e irmãs que não conhecia, num abraço de ventres, úteros, bucetas, trompas de falópio, ovários, almas que experimentaram o que ela sentiu. Chegar a certa calma. Ouvir seu idioma a fazia se sentir mais segura, mas não estava em casa. Sentia vontade de ligar pra sua mãe, de ouvir a voz de seu pai, de abraçar suas irmãs.
Decidiu escrever uma mensagem para seu pai enquanto estava na farmácia: “Saudades, papai. Tem uma pergunta que me aperta no peito: tem alguma coisa que se eu fizesse nesta vida você deixasse de me amar?”. Ela se preparava pra esperar um longo tempo por que seu pai trabalhava muito e costumava demorar a responder as mensagens, mas dessa vez foi instantâneo. “Nããão! Meu amor, você é o amor da minha vida, lembra os abraços de seu papai agora. A senhorita está bem?”. Ela suspirou chorando, entre sensações de alívio e ansiedade. Precisava  daquelas palavras de seu pai.
Ele pagava o medicamento* enquanto falava pra ela que deviam comprar frutas e água antes de ir pro hotel. Um abraço apertado numa calçada de San Telmo dava calor ao frio de outono e inaugurava o passo seguinte. Só ela e ele naquela cumplicidade, burlando o destino, sendo clandestinos. Pagaram o melhor hotel que puderam e fizeram amor.
Procedimento estudado, hospitais e endereços, pessoas de confiança sabendo, chega o momento. Enquanto rolava um filme, as dores dominavam o seu corpo. Ligações e palavras a acolhiam. O frio da sua terra convidava a ficar entre cobertores enquanto sentia dores desconhecidas pra ela até então. Dores que não só pertenciam ao corpo. Senão aqueles que vinham da culpa, da clandestinidade, dos medos das mais variadas formas. Medos que nunca antes tinha sentido. Imagens das mais variadas cores invadiam os seus pensamentos, roubavam a sua vontade indeterminada e complexa.
 Aconteceu. Estava acontecendo. Era intenso. No passar das horas, sentia como seu corpo voltava pra ela, recuperava seu corpo aos poucos. Em cumplicidade com sua intuição, tinha a sensação de felicidade. Consegui, nós conseguimos! Intenso. Se antes ela sentia sua vida imprópria, agora se sentia transformada, atravessada, afetada e dona. Comeu churrasco e doce de leite, foram pra um show de tango. Dança, movimento, vida.
 Ouvir seu corpo, dar vida pra ele foi o que fez crescida por aquela vivência. Intuição indômita que guia. Experiência intensa que marca, faz parar, tomar a vida nas mãos, resistir, seguir adiante. Avião e inspiração. Voltando para o lugar que tinha escolhido para morar um ciclo de sua vida. Aquele mesmo lugar em que quase a encarceraram quando procuravam a farmácia onde comprara o medicamento, ela se sentiu inspirada para falar sobre o insuportável. Inspiração que veio daquela experiência que a empurrava a produzir pensamentos sobre. Era o seu presente agindo.
 Era quinta e tinha aula. Escrita de si. Viver e escrever. Ela não está preocupada por produzir um livro ou uma escrita de dissertação. Ela está ocupada em escrever. Ela sente que tem que escrever. Ela precisa escrever. Sente que a experiência não cessa de lhe convidar para escrever. Ela lê um livro antes de dormir e se depara com um trecho: “Nada sabemos de um corpo enquanto não saibamos o que ele pode”. Reflexiva porém com muito sono, vai dormir sorrindo, sem saber exatamente o porquê. Ela nunca mais foi a mesma.
 Nova vida, novo dia. E era meio-dia e ela ainda dormia.”
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* Segundo a Organização Mundial de Saúde, o aborto com medicamentos é seguro. A combinação mais recomendada é de misoprostol e mifepristone. O misprostol é conhecido no Brasil como citotec. No Brasil, os serviços de aborto legal não usam mifepristone e o procedimento é feito apenas com misoprostol. A OMS considera que as doses seguras são, para até 12 semanas de atraso menstrual, 800 microgramas de misoprostol. O remédio pode ser usado embaixo da língua ou introduzido na vagina. Uma mulher pode usar até três doses do medicamento em 12 horas. Se na primeira dose, a mulher não sangrar, a segunda dose pode ser 3 horas após a primeira.ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde. 2ª edição. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/70914/7/9789248548437_por.pdf
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eu-vou-contar · 5 years
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“Eu tive um filho aos 15 anos, e quem criou ele foi o meu pai. Eu vivia com o meu pai, ele teve um relacionamento super conturbado com a minha mãe, eu fui estuprada pelo meu padrasto aos 5 anos, foram quase 3 anos sofrendo violência e eu não tinha com quem falar e como falar. E eu tinha 17 pra 18 anos, e tava tentando recomeçar a minha vida, depois de ter tido esse filho e o meu pai cuidar dele. Eu conheci o rapaz numa festa, ele virou meu namorado, ele era uma pessoa mais velha, eu achava que talvez um homem mais velho entenderia toda essa minha história. 
Quando eu soube que eu estava grávida, eu acabei contando pra esse namorado, eu fiz o ultrassom e eu já estava com um pouco mais de 3 meses, e foi aí que eu entrei em desespero. Pelo tempo de gestação, a gravidez não era dele, era de algum encontro casual que eu tinha tido antes, como é que eu ia contar pros meus pais que eu estava grávida de novo? Que não era desse namorado, mas talvez de um encontro casual? Esse meu namorado, ele contou pra mãe dele e eu resolvi contar pros dois, né? Que o filho não devia ser dele, né? E ele disse que me apoiaria, mas que ele não assumiria um filho que não fosse dele. 
A mãe dele veio conversar comigo, dizia que eu deveria fazer o aborto, que não ia acontecer nada comigo, que o filho seria um estorvo na minha vida, que eu não ia poder continuar estudando, que eu pensasse no meu pai, todo o desgosto que eu já tinha dado a ele e que eu não podia dar mais esse desgosto. Ela inclusive dizia que não era crime, que a escolha era minha, ela ficou mais de uma hora falando comigo. Eu acabei fazendo o aborto e terminei no hospital com uma hemorragia muito grave. No hospital eu não aguentava mais esconder e eu falei a verdade, eu acho que eles não colocaram isso no prontuário, porque talvez se tivessem colocado no prontuário, eu teria sido presa, porque me disseram lá que, se o médico, sabendo a verdade, ele tem que denunciar a mulher à polícia. 
Eu fiquei uma semana nessa maternidade e do meu lado só tinha mulheres com seus filhos recém-nascidos, foi horrível, o meu namorado ia lá e me acusava de ser desleixada, como é que eu não poderia saber que estava grávida de 3 meses, um pouco mais de 3 meses. Eu não sentia nada, eu não sentia enjôo, eu não sentia absolutamente nada, mas o que mais me marcou nessa história, foi o momento da expulsão, o momento em que se concretizou o aborto. Quando as contrações começaram, e eu estava nessa ala da maternidade, eu tava andando pelo corredor, e quando tudo saiu, o sangue saiu, eu fiquei parada olhando pro chão, no meio do hospital, as pessoas ainda, eu lembro que as pessoas demoraram para vir me socorrer. Todo o mundo viu, não foi só eu, e mesmo que eu quisesse, eu não conseguia parar de olhar pro que estava entre os meus pés.”
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eu-vou-contar · 5 years
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"Eu me lembro exatamente daquele dia, era a gravidez de um namorado que havia terminado comigo há mais ou menos um mês, ele descobriu que ainda gostava da ex-namorada dele e me deixou. Ele, na verdade, passou um tempo com nós duas, e eu apaixonada por ele. Se eu dissesse que estava grávida, ele ia dizer que eu tava fazendo aquilo pra segurá-lo, ele iria me dizer que tinha sido de outro, porque ele não estava mais comigo, ele me diria na cara: “De quem é? Porque meu não é”. Eu pedi pra uma amiga ir procurar e contar a ele, conversar com ele e ele disse exatamente isso: “Eu nem sei se é meu”. Então eu me vi sozinha, né? Com dois filhos, eu tinha um ex-marido, um namorado que também era ex e estava grávida. Uma amiga conhecia um cara que vendia Cytotec*, ele trabalhava em uma farmácia, eu esperei o meu pagamento e comprei os quatro comprimidos, eu tomei dois e coloquei dois. Na época, eu paguei 300 reais pelos comprimidos, isso era quase todo o meu salário, eu não sei quanto seria hoje. Eu não teria mais dinheiro se desse errado e deu errado, né? Eles eram falsos, eu tive que ir na farmácia, peitar o cara e ameaçar ele, que se ele não me desse novos comprimidos, eu iria denunciar ele ao dono da farmácia, ele me deu novos comprimidos e novamente não deram certo. Daí a uma semana foi que começou a brotar, a sair um corrimento fedido e eu comecei a ter muita febre, eu nunca vou esquecer desse momento, eu estava na fila de um banco e uma amiga me viu já sentada no chão, quase desmaiando e sangrando muito. Eu não podia ir pra um hospital e contar o que tinha feito, daí ela me mandou pra um enfermeiro, que era um amigo dela de confiança que dizia que iria terminar o que tinha que ser feito. Eu fiz um empréstimo com um agiota pra pagar esse cara, eu fui num fundo de quintal, né? Eu fiz a curetagem sem anestesia, ele me dizia que a infecção já estava em um estado tão grave, que eu corria risco de vida, o feto já estava morto há algum tempo, quando eu tava tentando já com os remédios nas semanas anteriores. Ele me passou antibióticos e eu decidi não tomar, eu não sei nem se eu queria acabar morrendo naquele momento, tamanho o sofrimento que eu vivia. Eu nem sei o que mais doeu, se foi a curetagem no fundo de quintal, os dias que eu passei sem poder falar nada, ou se foi todo esse medo da lei e do pecado em torno de mim." * Segundo a Organização Mundial de Saúde, o aborto com medicamentos é seguro. A combinação mais recomendada é de misoprostol e mifepristone. O misprostol é conhecido no Brasil como citotec. No Brasil, os serviços de aborto legal não usam mifepristone e o procedimento é feito apenas com misoprostol. A OMS considera que as doses seguras são, para até 12 semanas de atraso menstrual, 800 microgramas de misoprostol. O remédio pode ser usado embaixo da língua ou introduzido na vagina. Uma mulher pode usar até três doses do medicamento em 12 horas. Se na primeira dose, a mulher não sangrar, a segunda dose pode ser 3 horas após a primeira.ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde. 2ª edição. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/70914/7/9789248548437_por.pdf
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eu-vou-contar · 5 years
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“Eu tenho muita curiosidade de imaginar as outras histórias que você tem ouvido, às vezes eu acho que devem ser todas muito parecidas com a minha, especialmente se forem de meninas adolescentes. Eu sei que todas nós somos um pouco diferentes, cada uma vai trazer um detalhe, mas eu imagino que devam ser histórias mais ou menos do mesmo, meninas adolescentes. É, eu tinha 15 anos, eu tinha acabado de iniciar a minha vida sexual, era o meu segundo dia de relação sexual com ele, ele não aceitou usar camisinha, ele disse que conseguiria se controlar, eu não podia tomar pílula, eu tinha 15 anos, eu morava na casa da minha mãe, qualquer coisa que entrasse naquela casa, ela ia saber. Eu não podia ter uma cartela de pílula, que ela descobriria rapidamente.
Bem, mas ele não fez como ele prometeu, ele não gozou fora como ele tinha prometido, na hora ele até riu, ele disse que não daria em nada, que eu fosse tomar um banho, que eu passasse vinagre na vagina. E foi isso que eu fiz, eu passei vinagre na vagina, eu cheguei na verdade até a colocar vinagre, eu não sei se até dentro do meu útero, mas eu fiz isso né? Eu, naquele momento, já comecei a entrar em desespero, em menos de 15 dias, eu roubei dinheiro em casa, dos meus pais, e comprei um exame de farmácia. E ele deu positivo. Eu nem onde esconder aquele exame em casa eu podia, se eu colocasse alguma coisa na lixeira, a minha mãe ia descobrir, né? Só pra vocês terem ideia, eu não tinha a possibilidade de fazer diferente. Eu só sabia de uma coisa, aquele filho eu não ia ter.
Os meus pais são muito católicos, eles iam à missa todos os domingos, a minha mãe era aquelas mulheres que era capaz de, sabe, sair dali do bairro de onde a gente vivia, ir pra outro muito distante aos domingos, porque ela queria ouvir um sermão específico de um padre, um coro de uma igreja. Eles falavam, eu tinha um tio na época que era padre e uma das minhas irmãs dizia que queria ser freira. E a conversa na minha casa sobre pessoas que se juntavam, eles falavam amigavam, e que não casavam, é que elas viviam como prostitutas, e de mulheres que tinham relações sexuais antes do casamento, era que elas estavam perdidas.
Então, eu não queria ser uma mulher perdida, amigada ou prostituída nos termos que era a conversa na minha casa, isso se meu namorado quisesse me assumir, essa era outra forma com que se falava na minha casa. Eu falei primeiro com o meu namorado e a primeira reação dele foi duvidar, ele dizia que eu era uma menina virgem antes de conhecê-lo, eu não ficaria grávida tão rápido, que as meninas recém-virgens não ficavam grávidas em tão poucas relações sexuais. Eu preciso dizer que foi horrível ouvir isso, foi horrível além de passar por tudo que eu tava passando, eu fiquei muito sozinha, eu senti uma vergonha muito grande, eu não sabia com quem conversar, com quem eu ia falar na escola, eu achava que só eu passava por aquilo, tinha passado por aquilo ali. E eu sempre achava que todas as pessoas iam acabar falando com os meus pais, iam acabar contando a eles.
Eu tinha uma professora de matemática que eu gostava muito, né? Eu criei coragem e fui falar com ela, eu sei que era muito arriscado, ela me acolheu, ela disse que eu fosse à casa dela, nós não iríamos conversar ali na escola, eu era muito boa em matemática, eu participava de competições, então eu tinha uma justificativa pra minha mãe que eu tava indo estudar matemática na casa da professora. Quando eu cheguei lá, nós conversamos muito e o marido dela era médico, foram eles que me ajudaram, ninguém nunca soube, eu nunca mais toquei nesse assunto com essa professora de matemática, foi tudo muito, mas muito tranquilo. Hoje eu sou uma pesquisadora madura de matemática e todos os anos, eu levo flores no cemitério pra me lembrar dessa professora de quem me ajudou a ser quem eu sou hoje.”
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eu-vou-contar · 5 years
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“Eu tinha sido mãe muito adolescente, o pai era um professor de música da escola que eu estudava. Ele era muito mais velho do que eu, ele já tinha outros filhos e depois de mim, ele repetiu essa história ainda com outras estudantes e fez mais filhos nelas. Até hoje ele é músico, isso parece que nunca maculou a trajetória dele como professor. Eu havia acabado de entrar na faculdade, eu estava com o meu filho de um ano, um pouquinho menos do que isso e me dividindo entre o curso, arrumando a casa, cuidando dele, tentando arrumar um trabalho. 
Eu morava com a minha mãe, que nunca me deixou faltar nada, mas ela também nunca trocou uma fralda do meu filho, pra me ajudar, pra dividir comigo, né? Eu agradeço ela, mas essa era a distribuição da vida, tudo era só eu e eu mesma, eu sentia a minha juventude, sabe, passando muito rapidamente, durante a gravidez e durante o primeiro ano de nascimento do meu filho. O pai nunca o visitou, nunca pagou pensão, eu tive que depois de muito tempo, ir brigar na justiça e arrumar isso na minha cabeça, né? De que era um direito do meu filho. 
Eu conheci um novo rapaz, ele era muito agradável, ele fazia faculdade junto comigo, nós éramos do mesmo curso e ele gostava do meu filho. Ele passava horas com ele conversando, contando história, sabe, fazendo aquele lugar que pra mim era tão importante, de nós termos alguém pra dividir, pra tá junto pra pensar a educação dele. Devagar, ele foi mostrando um outro lado, ele foi se mostrando violento, ele bebia, ele se transformava. Eu jamais gostei de bebida e eu não queria aquilo pra mim, eu tentei devagar ir me afastando dele, eu vi que se eu fosse fazer uma ruptura drástica, aquilo não ia terminar bem, mas a violência dele aumentou à medida que ele foi sentindo que não tinha mais futuro.
 E ele começou a me perseguir, ele deixava ameaças, ele ia na escola buscar o meu filho sem a minha autorização, passava dois dias com ele, eu tive que ir à polícia, eu tive que tirar a autorização dele na escola. E o que eu ouvia da polícia, na escola, se ele não era o namorado que eu tinha posto dentro de casa, as coisas foram piorando e eu preciso lembrar, nesse tempo não existia Lei Maria da Penha, né? Nós íamos em uma delegacia comum. Um dia eu tava chegando do trabalho e ele me esperava com uma arma. Ele tentou me matar, ele chegou a atirar, ele me acertou no pulmão, eu fui internada, eu passei por cirurgia e eu só pensava no meu filho, sozinho, fora dali. 
No hospital, os médicos, os enfermeiros que me atendiam na emergência, logo quando eu cheguei com o tiro, ele não tinha se alojado em mim, mas tinha me atravessado, ele me perguntavam: “Você tava com outro né? Ele fez isso porque encontrou você com outro”. Não, eu preciso dizer a eles e a vocês o que eu não respondi naquela época, não, eu não estava com outro, eu só queria era escapar daquele homem. E pra piorar toda a minha situação, eu descobri que eu estava grávida, eu sempre sonhei em ter outro filho, eu preciso ser honesta, eu sonhava em ter uma filha, mas não naquela hora, não com aquele homem, não depois de ter sofrido violência, levado um tiro. Eu precisava abortar, logo, sem correr risco de vida e sem que ele soubesse. 
Eu soube de uma clínica em outra cidade, eu peguei um avião, foi uma fortuna pra mim, e fui lá e levei meu filho comigo, eu tenho poucas lembranças dessa viagem, ou do que foi o procedimento, nada me deixou marcas, assim, essa não é uma história que eu tenho pra contar, como foi esse momento. Eu só lembro que eu saí dali mais segura de que essa vida seria vivida, só eu e o meu filho.”
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eu-vou-contar · 5 years
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"Já faz uns 15 anos essa história. Eu tinha 13 anos, o meu namorado era um pouco mais velho do que eu, eu acho que ele tinha uns 18 anos, eu não tô certa da idade dele, ele era o meu primeiro namorado. A minha menstruação era muito irregular, eu acho que era ainda da minha juventude, eu tinha acabado de ficar moça, né? Quando eu soube que estava grávida, ele já conseguiu o remédio, era o Cytotec*, e me deu, me deu e falou como usar. E eu fiz exatamente como ele orientou. Já na madrugada que eu fiz o uso, comecei a passar muito mal, mas era muito mal mesmo, não é exagero, eu vomitava e sangrava sem parar. Eu ia ao banheiro muitas vezes e já tava, sabe, quase perdendo a consciência, eu não tava sabendo muito bem o que tava acontecendo. 
 Ele foi me ver pela manhã e eu estava ainda pior, em nenhum momento nós dois cogitamos que era a hora ou que seria bom ir a um hospital, ele foi pra escola e eu fiquei em casa. Fiquei em casa sozinha, a minha mãe trabalhava como doméstica, ela saía muito cedo. Eu fui piorando durante o dia e de tarde eu fui a pé na escola dele, fui sozinha, saí de casa e fui a pé, eu precisava de ajuda, eu precisava de alguém para ir comigo ao hospital. Eu cheguei na escola, falei com ele, eu não me lembro mais a razão, mas ele não pôde ir comigo, eu tive que ir sozinha. Eu fui da escola até o pronto-socorro andando, parando, eu sentava no meio-fio, eu achava que eu ia desmaiar, eu já tava sangrando muito e foi assim que eu cheguei no pronto-socorro. 
 Já no hospital, eles já vieram logo dizendo que aquilo era um aborto provocado, que eles sabiam tudo e que a culpa era minha, que não gostavam de mulher que faz aborto. Lembra bem, eu tinha 13 anos, não gostavam de mulher que faz aborto, que era tudo bem feito, que a culpa era minha e que eles não podiam fazer nada por mim, eles não deram um remédio pra dor e me mandaram de volta pra casa. Eu voltei pra casa sangrando, perdendo os restos que ainda tavam dentro de mim, né? Abortando mesmo. Eu pensei que eu ia morrer, porque eu sangrava,  sangrava e eu nunca tinha ido ao médico, eu não sabia que era aquilo que eu ia receber de atendimento. Eu nunca tinha ido no ginecologista e a primeira vez que eu fui ao ginecologista, eu já tinha 20 anos, quando eu engravidei da minha primeira filha."  
* Segundo a Organização Mundial de Saúde, o aborto com medicamentos é seguro. A combinação mais recomendada é de misoprostol e mifepristone. O misprostol é conhecido no Brasil como citotec. No Brasil, os serviços de aborto legal não usam mifepristone e o procedimento é feito apenas com misoprostol. A OMS considera que as doses seguras são, para até 12 semanas de atraso menstrual, 800 microgramas de misoprostol. O remédio pode ser usado embaixo da língua ou introduzido na vagina. Uma mulher pode usar até três doses do medicamento em 12 horas. Se na primeira dose, a mulher não sangrar, a segunda dose pode ser 3 horas após a primeira.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde. 2ª edição. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/70914/7/9789248548437_por.pdf
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eu-vou-contar · 5 years
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“Eu tenho duas histórias de aborto, imagino que algumas pessoas já vão ouvir e dizer “duas!” Eu não sei se nenhuma outra mulher passou por aqui e contou pra você mais de uma história, ou se eu sou a única em toda essa campanha que vai contar a você duas histórias. É, foram duas histórias, eu vou contar só uma hoje e vou te explicar por que que vou contar só uma. Eu sou filha de uma família de classe média, tive acesso à informação, tinha acesso a cuidado, eu sabia o que uma menina jovem podia saber sobre proteção, sobre sexualidade.
Eu tava me iniciando na vida sexual, tava nas minhas primeiras relações, não era a primeira ainda e ele usava camisinha, né? E a camisinha estourou, mas ele não me falou na hora. E assim que eu soube que tava grávida, que eu fiz o exame e eu soube, procurei um grupo de informações para adolescentes e sexualidade que tinha na minha cidade, era um grupo super bacana e eu fui lá e contei a verdade, foi até com ele, com o meu namorado na época. E elas me orientaram, elas me disseram que era ilegal, mas que eu podia ter escolhas e inclusive me indicaram onde que eu poderia ter acesso ao aborto com um médico.
Eu fui nesse médico, ele era um sujeito super grosseiro, ele foi super duro comigo e eu não me lembro qual era a idade gestacional que eu tava, mas ele foi taxativo, ele disse: “se você não voltar amanhã, eu não vou fazer mais”. Eu saí dali muito assustada e resolvi que eu tinha que contar pra minha mãe, a minha mãe trabalhava, eu fui ao consultório dela, fui com o meu namorado, nós contamos tudo a ela. A minha família não era muito simpática a esse namoro, então a minha mãe disse que à noite conversaria comigo em casa. Ela me abraçou, ela me acolheu, ela disse pra eu me acalmar e, quando ela chegou em casa, disse que ok, a decisão era minha, ela iria me apoiar em qualquer decisão, mas primeiro ela queria que eu fosse ao ginecologista da família, no que ela confiava. E ele era um homem muito conservador, né? Imagina aquela época, ele era muito conservador, mas me surpreendeu, porque ele disse: “olha, eu não faço, mas eu sei aonde você pode conseguir o remédio* e eu posso orientar você por telefone”.
O meu namorado foi aonde ele disse que vendia o remédio, era uma feira, comprou, eu ingeri e coloquei alguns e sempre acompanhada pelo médico pelo telefone. Passaram uns dias e nada aconteceu, nós tínhamos uma pequena viagem, eu e a minha família, e durante a viagem de carro, eu comecei a perder sangue, eram coágulos imensos, que eles assim, faziam uma poça no carro, eu sujei o carro inteiro. A minha família me levou pro médico conhecido da família, que me receitou chás, a minha família se reuniu com ele num canto, eu não me lembro, não ouvi o que eles conversaram, eles só disseram que tava tudo bem, que eu fosse no outro dia no médico que já vinha me acompanhando. Eu fui nele, ele fez uma ultrassonografia e viu que tava tudo limpo no meu útero, eu não precisei nem fazer uma curetagem.
Logo depois eu terminei esse relacionamento, era um namoro de adolescência, eu tive, eu preciso dizer, eu tive o apoio dele, tive o apoio da minha mãe. Só depois que tudo passou, foi que a minha mãe me chamou pra conversar e disse que ela era contra o aborto, que ela jamais faria um aborto, mas que ela como minha mãe, ela iria me apoiar na decisão que eu achasse que era melhor pra mim. Eu fiquei pensando muito sobre isso, como é ser uma mãe assim, ser uma mãe capaz de apoiar uma filha em decisões, mesmo sendo adolescente, diferentes das que ela acredita e sem julgar naquele momento, né? Ela não me impôs o que ela pensava e é por isso que quando eu passei pela segunda experiência de aborto, eu resolvi que eu ia resolver totalmente sozinha, e foi isso que eu fiz. E eu nunca contei a ela, porque eu não ia impor a ela, novamente, a minha decisão.”
* Segundo a Organização Mundial de Saúde, o aborto com medicamentos é seguro. A combinação mais recomendada é de misoprostol e mifepristone. O misprostol é conhecido no Brasil como citotec. No Brasil, os serviços de aborto legal não usam mifepristone e o procedimento é feito apenas com misoprostol. A OMS considera que as doses seguras são, para até 12 semanas de atraso menstrual, 800 microgramas de misoprostol. O remédio pode ser usado embaixo da língua ou introduzido na vagina. Uma mulher pode usar até três doses do medicamento em 12 horas. Se na primeira dose, a mulher não sangrar, a segunda dose pode ser 3 horas após a primeira.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde. 2ª edição. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/70914/7/9789248548437_por.pdf
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“Eu era jovem, já namorava há algum tempo com esse cara. Nós acabamos brigando e eu estava grávida, aí a melhor decisão era fazer um aborto. Eu falei com ele, que não só se manteve distante, como fugiu quando eu fui fazer o aborto. Ele não fugiu porque não queria o aborto, ele fugiu porque nem daquilo ele queria participar. O problema era só meu. Eu estava em Londres nessa época, tinha 35 anos e isso foi em 1992.
Já faz muito tempo, eu não sei se o serviço hoje é diferente, mas naquele momento, quando eu chegava no serviço de saúde, eu tive que passar por vários psicólogos. Eu marcava uma data, eu tive que me internar na véspera porque eu sou asmática e era todo um cuidado especial. Na noite do aborto, eu fiquei no hospital, eles me deixaram num quarto em que tinha a minha cama, mas tinha uma outra cama vazia, que talvez fosse para um acompanhante, e ela estava vazia. No fundo desse quarto, quase que no corredor, eu vi um bercinho.
Quando eu vi esse berço, eu vi a cama vazia, eu comecei a chorar. Tinha uma outra mulher que também estava internada para fazer o procedimento. Ela me viu chorando e viu o berço, eu acho que ela imaginou que eu estava chorando por causa do berço e ela veio me consolar. Ela não só veio me consolar, como fez um escândalo dentro do hospital. Imediatamente chegaram psicólogos, enfermeiros, médicos. As pessoas tiraram o berço, vieram me pedir desculpas. Eu demorei até para conseguir explicar que eu não estava chorando pelo berço, eu estava chorando porque eu tinha terminado um relacionamento e estava naquele momento sozinha com aquela cama ao lado, não era o berço que estava me fazendo sofrer tanto.
Bem, eu expliquei, mas de qualquer jeito eles me acalmaram, se o tratamento já estava supercuidadoso, ele ficou melhor ainda. Eu fiz o aborto e, quando acordei, fui colocada em uma sala que era toda amarela, tinha flores e era um ambiente supertranquilo. Eu acordei com uma enfermeira segurando na minha mão e perguntando se eu estava bem. O ambiente todo era de muito acolhimento, parecia, sabe, mais uma casa do que mesmo um hospital.
Eu sei que a minha história é muito simples, né? Você deve ter ouvido histórias muito diferentes da minha, das mulheres que fazem aborto em clínica, com remédio, escondida, no Brasil, mais jovem do que eu. Eu só queria contar pra mostrar que é possível ter todo o procedimento com tranquilidade, com cuidado, com dignidade, como foi a minha história. E como ser cuidada pode deixar tudo mais simples, né?”
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eu-vou-contar · 5 years
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“Eu acho que eu vou contar do jeito que eu conto para as minhas amigas, mulheres da minha família. Eu não sei se é assim que as pessoas estão contando a você, né? Eu já contei essa história algumas vezes, eu contei para outras mulheres que precisavam saber como fazer, eu já contei quando outras mulheres me contaram as delas, eu já contei dentro da minha família para ajudar outras mulheres. Não é a primeira vez que eu conto, eu só nunca contei assim, por Whatsapp, mas vamos lá.
Eu já tinha dois filhos, as condições financeiras eram apertadas, como são até hoje, e a minha filha mais nova, ela tinha pouco mais de um ano. Eu tinha dois bebês em casa e eu engravidei de novo, eu vivi um verdadeiro pânico. O meu marido era muito namorador, era um farreador, ele vivia na gandaia, já tinha feito filho fora do casamento que eu sabia, ele não estava nem aí para mim. Saía e me deixava com os dois, não estava nem aí pros meninos também, não era só pra mim. Ele só queria saber de se divertir e parece que esquecia que ele era um cara casado.
Pra ele tudo era normal e ele me dizia “onde se cria um, se cria dois, se cria cinco”. Quem vivia a situação era eu, né? Eu podia estar doente, quem tinha que levantar para dar mamadeira era eu porque ele estava na gandaia. Os meninos tinham escola no outro dia, a outra estava com a mamadeira de madrugada e ele na gandaia, não era assim, né? Ele ia farrear, algumas vezes, quando era final de semana, ele ficava dois ou três dias fora de casa para conseguir voltar e ele já vinha na maior ignorância. Ele não vinha calmo, ele vinha mamado. Foi daí que eu tomei a decisão de que eu ia fazer o aborto, você não tem ideia de como é que ele foi contra, ele só repetia “onde se come um, se come dois, se come cinco”, e eu só dizia “eu não quero”. Eu já tinha tomado a minha posição, eu pedi a ajuda dele e ele me dizia “eu prefiro que você morra a fazer um aborto”.
Ele contou para família dele inteira, que ficou toda contra mim, e eu só pensava “eu vou ter mais um filho desse homem pra quê?” Eu já tinha dois filhos e eu já sofria demais, foi aí que eu tomei a minha iniciativa e eu não tinha dúvida, todos os dias, quando ele chegava, eu pegava um pouquinho de dinheiro. E eu fui guardando, mas isso foi fazendo que semanas fossem passando. A minha irmã tinha chegado da capital e eu pedi a ela o Cytotec*, eu apliquei dois, aproveitei que ele estava na gandaia, ele ficaria o final de semana todo fora de casa, porque na época era uma fortuna esse dinheiro, então eu só quero repetir isso, eu tive que de fato ir juntando devagarzinho para conseguir comprar.
Sabe, hoje o meu marido até que melhorou um pouco, né? Ele está velho, ele vai ficando mais calmo, mas ele era terrível com mulher, era terrível, tanto que eu ficava esperando ele ir para gandaia para poder fazer o aborto. E na época todo o mundo me dizia, até a família dele que ficou contra mim quando eu fui fazer o aborto, me dizia “larga esse homem, larga esse homem que isso não é futuro pra você”. Bem, eu apliquei dois com o canudo e tomei mais dois, quando deu duas horas da manhã, eu comecei a sangrar. Você não vai acreditar, mas a menina começou a chorar de fome da mamadeira, ele estava na gandaia, eu tinha que ir dar a mamadeira da menina e sangrando, no outro dia eu fui levar o mais velho na escola e eu fiquei dez dias assim sangrando. E era um sangue coalhado, sabe? E na medida que os dias foram passando, começou a ter um cheiro diferente.
Quando já tinha quase uns 15 dias, porque nesse meio tempo, entre sangrar e ficar esperando, eu não sabia mais o que fazer, eu comecei a tomar injeção de anticoncepcional pra tentar segurar o sangue. Eu comecei a ter febre e ele do meu lado dizia que eu devia morrer, eu tinha que morrer. Com 15 dias, com essa febre, tendo tomado anticoncepcional e o sangue, né? O sangramento cada vez mais forte, eu fui pro hospital. No hospital eu soube que eu já estava com uma infecção generalizada, esse foi o único momento que ele se aproximou de mim pra me cuidar, mas ele continuava me xingando. Todo o mundo da minha família foi no hospital e ainda teve gente da minha família que me chamou de assassina. Eu errei, eu não vou dizer que eu não errei, mas eu queria saber quem é que não errou. Bem, mas aí eu fiz a curetagem, no hospital ninguém me tratou mal, porque eu já estava quase morrendo, eu acho, né? Mas eles me perguntaram se eu tinha provocado o aborto, eu não sou besta, né? Eu disse “não”, e aí eles me disseram, “a gente não aceita mulher que provocou aborto”. Você acredita nisso? Eu ouvi isso: “a gente não aceita mulher que provocou aborto”.
Eu não me arrependi de nada, isso eu posso garantir a você. Na verdade, eu só me arrependi de uma coisa: de eu ter demorado tanto, porque eu demorei tanto e por isso que eu fiquei 10 dias, 15 dias sangrando. Eu tinha que ter feito antes e eu não tinha que ter contado a ele, se alguma coisa eu me arrependo, eu fiz de errado, foram essas duas coisas. Durante muito tempo ele bebia, chegava da farra e jogava na minha cara: “olha o que você fez”. Sabe o que eu digo a ele e eu digo a todo o mundo quando eu conto essa história? Eu não esqueci, eu não vou esquecer, e se eu tenho algo para ser julgada, é só Deus que vai me julgar.”
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* Segundo a Organização Mundial de Saúde, o aborto com medicamentos é seguro. A combinação mais recomendada é de misoprostol e mifepristone. O misprostol é conhecido no Brasil como citotec. No Brasil, os serviços de aborto legal não usam mifepristone e o procedimento é feito apenas com misoprostol. A OMS considera que as doses seguras são, para até 12 semanas de atraso menstrual, 800 microgramas de misoprostol. O remédio pode ser usado embaixo da língua ou introduzido na vagina. Uma mulher pode usar até três doses do medicamento em 12 horas. Se na primeira dose, a mulher não sangrar, a segunda dose pode ser 3 horas após a primeira.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde. 2ª edição. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/70914/7/9789248548437_por.pdf
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eu-vou-contar · 5 years
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“Eu tenho 32 anos, sou fisioterapeuta e trabalho com bebês. Eu acho que é um pouco ironia do destino, ou sei lá se isso é o destino ou se é o que a gente mesmo faz, né? Eu não sei se é isso a história de cada uma de nós. O meu filho está em casa agora, então eu queria te pedir, primeiro para dizer que eu queria contar a minha história, eu vou voltar aqui, mas eu preciso conversar com você em um momento que ele não esteja por perto. Eu engravidei aos 13 anos de um garoto que tinha 16, e eu já namorava há um tempo com ele. Eu sei que tudo isso foi muito precoce, você pode até começar estranhando, como é que uma menina de 13 anos tinha vida sexual? É fato. Eu parei aos 14 e aos 21 eu engravidei novamente, do mesmo namorado, já era meu marido. Nós já tínhamos quase 10 anos de relacionamento e maturidade zero, como você pode imaginar de um relacionamento que começou aos 13.
Quando eu dei a notícia a ele eu já sabia qual era a reação, ele ia dizer não. Eu não tinha nenhum apoio em quem eu mais confiava, caso eu quisesse manter aquela gestação, como era o meu desejo. Eu tinha que resolver aquilo sozinha. Pedi ajuda a uma vizinha que por incrível que pareça, um dia ela conversando comigo no elevador, ela me contou a história dela que tinha feito um aborto. Ela conhecia um médico, eu fui nele, mas eu pedi pro meu marido que marcasse. Eu não aceitei nessa consulta que fizesse ultrassonografia, eu não aguentaria ouvir o barulho do exame do coração. Eu não queria fazer esse aborto, eu sofri muito. Eu preciso ser honesta com você, eu sonhava com aquele bebê me pedindo socorro, aquilo tudo me angustiava e me matava.
No dia do procedimento nós não tínhamos com quem sequer deixar o nosso filho que, naquele momento, tinha sete anos. E, eu não sei se vocês acreditam, mas nós acabamos tendo que levar ele pro procedimento. Era um consultório de um prédio super chique na minha cidade. O médico cobrou muito dinheiro, mas era muito dinheiro, muito, assim, hoje eu imaginaria algo como uns cinco mil reais. Eu nem sei como é que o meu marido conseguiu esse dinheiro. O fato é que foi o dia mais sofrido de toda a minha vida, eu não tenho a menor dúvida em dizer isso a você, foi o dia de maior sofrimento em toda a minha vida. Eu senti tanta dor que eu chegava a perder a consciência. Vomitei durante o procedimento, saí de lá praticamente carregada e eu só pensava, o pensamento era único, que eu ia morrer. Eu achava: “eu vou morrer e vou deixar o meu filho órfão”.
Foi a pior sensação física e emocional que eu já vivi, eu demorei para me recuperar, não foi fácil. Eu me sentia culpada por não ter conseguido enfrentar o meu marido, eu me sentia culpada por não ter seguido essa gravidez, por não ter tomado outra decisão, por muitos anos, eu carreguei essa culpa. A única pessoa que um dia me ouviu falando sobre isso foi uma amiga. Eu fui à casa dela, nós bebemos um pouco, eu não estava nem bêbada e eu botei tudo aquilo para fora de uma vez só. Eu chorava tanto que ela não conseguia sequer me controlar, foi a única pessoa, e hoje, você é a segunda que eu conto.
Eu hoje posso dizer a você que eu sigo a vida. Eu cuido talvez de todas as crianças do mundo, essa é a minha profissão, e eu cuido das crianças que parece que o mundo não quer, que as mães não querem. Sou especialista em desenvolvimento infantil, cuido de crianças com deficiência. E você sabe qual é o meu maior medo até hoje? É da minha família descobrir. Eu ainda vivo com o mesmo marido desde os 13 anos, nós não tivemos mais filhos, nós não falamos sobre isso e o meu maior medo é imaginar que a minha família pode descobrir.”
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eu-vou-contar · 5 years
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“Eu sei que você só quer ouvir uma história, é a história da gente mesma, né? Mas me deixa contar essa segunda história na minha. Eu não sei se você se lembra que eu falei que a minha comadre me ajudou, e eu te falei que eu tinha perdido alguém muito querida para mim. E essa é a história da minha comadre. Ela morreu, morreu de aborto e eu acho que a história dela tem que ser contada. E eu preciso contar essa história, me deixa contar a segunda história, por favor. Ela é também a minha história, né?
Eu não acompanhei o aborto dela, nós estávamos separadas, até mesmo brigadas, aquelas brigas de família, mas eu tive um sonho com ela. Você pode não acreditar, mas eu tive um sonho com ela. Aí eu resolvi ligar, mesmo afastada, eu insisti, eu liguei nos dias em que ela estava tomando o Cytotec*. Eu não sabia de nada e ela já estava sangrando, mas ela não me contou nada. Eu insisti, nos dias seguintes eu tentei inclusive procurá-la, ela até me atendeu mal ao telefone. Ela era muito católica, daquelas que tem adesivo no carro, sabe? De movimento pró-vida. Eu acho que o adesivo era “Brasil sem aborto”, era grande. Ela havia me ajudado no passado, depois ela tinha se convertido ainda mais a essa parte da Igreja Católica e eu tenho que frisar isso: todas nós somos de família católica, mas essa minha comadre era mais católica que todos nós.
O que aconteceu é que nesse dia, que eu cheguei a tentar contato com ela, ela já estava sangrando. O Cytotec já estava funcionando e eu só imagino a dor dela, que era uma dor por tudo o que ela acreditava, era uma dor física e ela sozinha. Ela foi no hospital fazer a curetagem e daí voltou. Eu não sabia de nada, toda essa história que eu estou contando a você eu soube depois. Ela era a madrinha do meu filho e eu sou a madrinha do filho dela.
Quando ela voltou para casa, dois dias depois ela começou a ter muita febre e voltou para o hospital. Em uma semana, ela estava morta. Morta. Você consegue acreditar nisso? Morta por um aborto. No enterro, ninguém falava sobre isso, a família pediu que no atestado de óbito tivesse pneumonia, septicemia. E no enterro nós só falávamos sobre... sobre nada né? A gente se comunicava por gestos um para o outro.”
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* Segundo a Organização Mundial de Saúde, o aborto com medicamentos é seguro. A combinação mais recomendada é de misoprostol e mifepristone. O misprostol é conhecido no Brasil como citotec. No Brasil, os serviços de aborto legal não usam mifepristone e o procedimento é feito apenas com misoprostol. A OMS considera que as doses seguras são, para até 12 semanas de atraso menstrual, 800 microgramas de misoprostol. O remédio pode ser usado embaixo da língua ou introduzido na vagina. Uma mulher pode usar até três doses do medicamento em 12 horas. Se na primeira dose, a mulher não sangrar, a segunda dose pode ser 3 horas após a primeira.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde. 2ª edição. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/70914/7/9789248548437_por.pdf
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eu-vou-contar · 5 years
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“Eu queria contar quatro histórias, histórias minhas e histórias de outras mulheres que eu ajudei. Eu só vou contar uma história hoje, e eu queria também antes explicar o que me motivou a contar essa história aqui para você. É porque eu acabei de perder uma pessoa muito querida, muito amada minha, que fazia parte dessas quatro histórias que eu ainda preciso contar.
Eu estava grávida da pessoa que é o pai dos meus dois filhos e quem me ajudou foi a minha comadre. Eu comprei o Citotec*, tomei uma vez e inseri alguns e não funcionou. Tomei uma segunda vez, com outra fonte, na feira da cidade onde eu vivia e foi a minha comadre que me ajudou, também não funcionou. Eu aumentei a dose, já nessa segunda vez, e não funcionava. No fim das contas eu procurei um médico e falei que tinha tomado duas vezes o Citotec, ele fechou a cara. Eu lembro de ele cruzar assim os braços, não queria conversar comigo e me disse que não me ajudaria de jeito nenhum. Quando eu já estava saindo, já quase na porta, ele me disse que teria o telefone e o endereço de uma mulher que poderia me ajudar, mas que ele mesmo não poderia fazer nada.
Eu não sabia para onde estava indo, nem quem iria me atender. Quando eu cheguei, essa mulher, ela me inseriu uma seringa, sabe? Era uma seringa muito grande e tinha um líquido amarelo, viscoso, era um amarelo escuro. Foi só injetar esse líquido na minha vagina ou útero, e eu já comecei a sangrar. Eu senti muita, mas muita dor. Eu fiquei muito assustada, essa mulher gritava comigo, dizia “você não pode ir ao hospital, você tem que aguentar a dor”. E eu claro, desobedeci a ela e fui procurar um hospital, eu fui assim mesmo.
O que eu queria contar para você é que depois de muitos anos – essa história já passada, resolvida no hospital do jeito que você pode imaginar –, eu fui ao hospital público que eu tinha ido na época, fui ao otorrino, o médico de ouvido. Ele olhou meu prontuário, abriu e disse “ah, você fez um aborto”. Aquilo me deixou sem voz. Aquilo foi um susto tremendo para mim, foi chocante para mim aquilo ter ficado registrado ali, anos depois, e esse prontuário ainda existir sobre o meu passado.”
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* Segundo a Organização Mundial de Saúde, o aborto com medicamentos é seguro. A combinação mais recomendada é de misoprostol e mifepristone. O misprostol é conhecido no Brasil como citotec. No Brasil, os serviços de aborto legal não usam mifepristone e o procedimento é feito apenas com misoprostol. A OMS considera que as doses seguras são, para até 12 semanas de atraso menstrual, 800 microgramas de misoprostol. O remédio pode ser usado embaixo da língua ou introduzido na vagina. Uma mulher pode usar até três doses do medicamento em 12 horas. Se na primeira dose, a mulher não sangrar, a segunda dose pode ser 3 horas após a primeira.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde. 2ª edição. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/70914/7/9789248548437_por.pdf
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eu-vou-contar · 5 years
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“Eu tenho 56 anos, resolvi que quero gravar a minha história para você, eu só preciso de um pouco de privacidade porque eu ainda não contei essa história para as minhas filhas. Eu vou fazer, mas eu queria fazer talvez uma coisa e depois a outra. Contar para elas é outro peso, diferente do que vai ser contar para você hoje. Isso aconteceu em 1979, eu tinha 18 anos, conheci um cara do Rio de Janeiro, ele estava de passagem pela minha cidade. Eu era super carente nessa época, eu ficava com alguém, eu já achava que eu ia namorar firme e o relacionamento era sério.
De repente eu me vi grávida, liguei para ele num telefonema interurbano – não sei se você lembra que nessa época um telefonema interurbano era coisa caríssima e difícil –, e ele já foi direto ao assunto. Eu falei e ele já respondeu: “se você quiser ter, esse problema é nosso”... não, não, não, não foi assim não. Sabe o que ele disse? Me parece até eu me confundindo aqui, né? Ele disse: “se você quiser fazer um aborto, o problema é nosso, se você quiser ter, o problema é seu”. Eu sei que pode causar espanto, que se imaginaria que os homens vão dizer “eu vou assumir”, não, não, não. Não é à toa que eu errei, né... depois de três filhas e tendo um marido bacana. Na verdade, o que ele me disse foi exatamente o contrário, “se você quiser abortar, o problema é nosso, se você quiser ter, o problema é seu”.
Eu acho que até ali eu nunca tinha pensado sobre aborto, nunca tinha passado na minha cabeça. Como eu disse, eu era muito nova, mas eu sabia também que não podia ter aquele filho sozinha. Eu falei com uma amiga da nossa família, ela era 14 anos mais velha do que eu – também por um telefonema interurbano –, ela me disse: “olha, você tem escolha, é essa, aqui na cidade já se faz a vácuo, você pode vir, eu ajudo você”. Eu acho que essas duas conversas, com formas diferentes de chegar em mim, porque uma me apoiou e outra de alguma maneira me apoiava abandonando, eu tomei a decisão. A gravidez era um problema. Eu estava fazendo o vestibular, terminei o vestibular, esperei ser aprovada e fui para essa cidade da minha amiga para fazer o procedimento. Eu estava feliz, hoje eu fico pensando o que era esse sentimento todo que eu vivi, essa euforia. Depois, com a gravidez das minhas filhas, eu fui estudar e entender que isso é uma parte de todo um processo hormonal que eu estava vivendo, eu tinha um problema a enfrentar e ainda estava feliz com isso.
Bem, o rapaz me deu dinheiro e essa minha amiga me levou na clínica. O lugar tinha nome de santo, não é ironia, tinha nome de santo. Ele ainda tinha um chaveirinho que quando você ia embora recebia, que dizia “volte sempre”. Parece até ironia né? Era uma clínica bem arrumada, com placa, nada disfarçado ou escondido. Todo mundo sabia o que acontecia lá dentro, e havia muitas mulheres. A minha amiga ficou me esperando na sala de espera e eu entrei, tirei a roupa, pus a batinha onde tinha outras mulheres também esperando pelo procedimento. E ali dentro eu reconheci outras mulheres que eu conhecia, da praia onde eu ia nas férias ou dos locais que eu convivia. Uma outra mulher estava muito emocionada, chorava, eu acalmei ela, eu nem sei se essas mulheres se lembram uma das outras nesse momento.
Eu fui vendo as mulheres indo, muitas chegaram depois de mim, passaram na minha frente, eu estava muito tranquila, eu fui ficando por ali, né? Finalmente me chamaram, eu lembro de ver um médico muito alto e outro que eu acho que era o anestesista, mas havia outras pessoas na sala e todas elas usavam máscaras, aquelas máscaras de médico, profissional de saúde, em centro cirúrgico. Eu já acordei depois em uma sala muito grande, deitada em um colchonete no chão, havia muitas mulheres desse jeito, deitadas num colchonete no chão. Assim que eu acordei, eu vi uma das mulheres sendo carregada pelos braços e pelas pernas e colocada num colchonete ao meu lado, uma das mulheres acordou muito agitada, então tinha de tudo por ali. Depois eu vesti a minha roupa, me avisaram que eu tinha um tampão na vagina, eu ganhei o chaveirinho e fui embora.
Eu fiquei sozinha no apartamento dessa minha amiga porque ela tinha que viajar. E foi aí que eu fui tirar o tampão. E eu fiquei impressionada do que saiu de mim, ninguém tinha me dito que era um tampão de um metro, eu fui tirando e aquilo parecia que não acabava nunca, foi um desespero que eu vivi naquele momento. Eu depois passei a pensar muito sobre isso. Eu me resolvi no daime, eu tive outros filhos, as minhas filhas, eu fui tocando a vida. E hoje eu me descrevo que eu me transformei numa menina com um segredo, eu ainda sou essa menina com esse segredo. Eu acho que eu me perdoei, mesmo não acreditando em pecado, mas eu acho que esse ciclo, ele só vai se fechar quando eu conseguir contar essa história de hoje para as minhas filhas.”
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eu-vou-contar · 5 years
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“Aos 15 anos eu fiz o meu primeiro aborto, estava no começo de um relacionamento e não queria filhos. Desde aquela idade eu sabia que eu não queria ser mãe. Até hoje não quero ser mãe. Ele era um cara bem mais velho do que eu, já tinha dois filhos e nós tínhamos um relacionamento muito complicado, mas eu estava muito apaixonada por ele. Eu descobri que estava grávida e já fui contando para ele, que logo me disse que não queria mais filhos, que não tinha emprego, que já não pagava pensão dos outros filhos. Na verdade, ele dizia que pagava e quando eu ficava sabendo das histórias nem isso ele fazia, nem pagar a pensão dos dois filhos que ele tinha de um relacionamento anterior.
Fui eu que falei para ele pela primeira vez sobre aborto, ele logo me chamou de vagabunda, disse que não, ao mesmo tempo em que dizia que não queria ter aquele filho comigo. Uns dias depois ele apareceu na minha casa com uns comprimidos de Citotec*. Eu morava com a minha mãe, ele me deu os comprimidos e, antes, eu fiquei dois dias sem comer e sem beber água. Eu não me lembro se foi ele que me disse ou outras pessoas me disseram que eu devia ficar bem fraca para que o remédio fizesse o máximo de efeito e tudo desse certo.
Então eu tomei três e pus três na vagina. Logo em seguida eu tive um sono muito forte e já acordei sangrando muito. Ele estava comigo no quarto, eu tinha dificuldade até de ir ao banheiro para urinar, eu ia o tempo todo e não conseguia fazer, e comecei a sentir muitas dores. De noite, isso tinha começado à tarde, eu já não aguentava mais de dor. Eu urinava muito pouco e foi quando resolvi eu mesma colocar a mão dentro da vagina, e senti que estava como se fosse inchada, que tinha algo. Eu coloquei a mão dentro e eu puxei com a mão, era como se fosse uma bolinha de golfe. Eu não sei o que era aquilo, acocorei, fiz força e puxei, coloquei dentro de uma sacola de plástico e depois joguei num terreno baldio.
Eu achei que tudo estava bem, que tudo teria terminado ali, não posso negar. Depois começou a vir um sentimento que acho que era de culpa. Eu pensava sobre isso, tinha pesadelos sempre, sonhava com crianças deformadas me chamando de mãe, mamãe, ou então elas me perguntando por que eu tinha feito aquilo. Eu continuei no relacionamento com esse cara. Era um relacionamento abusivo, abusivo mesmo, ele me batia, nós tínhamos brigas violentas e ele desconfiava de tudo e de todo o mundo. Ele me mandou parar de tomar o anticoncepcional porque dizia que se eu tomava o anticoncepcional, eu podia traí-lo quando ele não estivesse ao meu lado.
Um dia, eu já não tomava mais a pílula, eu sabia que estava fértil. Eu já não queria mais me relacionar com ele. Ele me ameaçou surrar e me obrigou a ter sexo com ele, foi aí que eu engravidei novamente dele. Eu tinha 18 anos, eu sabia que aquilo não tinha futuro, por tudo o que eu já tinha vivido e pelo o que eu estava vivendo com esse homem violento. Os pesadelos já tinham ido embora, eu sabia que eu não queria ter nenhum filho com ele.
Eu peguei um empréstimo em nome da minha mãe e consegui comprar os comprimidos novamente. Diferente da primeira vez, eu não tive nenhuma culpa aqui, eu fiz tudo absolutamente sozinha. Eu, sabe, eu agora aqui contando para você, talvez eu devesse até me ajeitar, eu diria que eu não tive culpa também no primeiro. Eu tive esse monte de pesadelos que foi horrível, parece que eu estava ali me ajeitando em tudo o que eu vivia, mas não era culpa. Era talvez um peso, por tudo o que eu vivi e por aquilo que eu vivia com aquele cara, de sofrer violência. Eu não queria um homem como aquele sendo pai do meu filho. Nós terminamos e ele nunca soube desse meu segundo aborto.”
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* Segundo a Organização Mundial de Saúde, o aborto com medicamentos é seguro. A combinação mais recomendada é de misoprostol e mifepristone. O misprostol é conhecido no Brasil como citotec. No Brasil, os serviços de aborto legal não usam mifepristone e o procedimento é feito apenas com misoprostol. A OMS considera que as doses seguras são, para até 12 semanas de atraso menstrual, 800 microgramas de misoprostol. O remédio pode ser usado embaixo da língua ou introduzido na vagina. Uma mulher pode usar até três doses do medicamento em 12 horas. Se na primeira dose, a mulher não sangrar, a segunda dose pode ser 3 horas após a primeira.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde. 2ª edição. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/70914/7/9789248548437_por.pdf
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eu-vou-contar · 5 years
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“Eu não sei como eu devo fazer, se devo gravar, se devo escrever. O jeito que eu escrevo aqui no Whatsapp é meio linha a linha, eu acho que você vai ter que ter paciência. Eu queria que você contasse a minha história também linha a linha, do jeito que eu estou te escrevendo. Isso foi em 1992, eu não posso gravar para você porque ninguém aqui na minha casa pode ouvir. Eu quero muito participar da campanha, mas a minha condição é essa: eu quero que você conte a minha história linha a linha.
Eu tive um filho aos 18 anos, era minha primeira gravidez, não planejei e não queria, mas não pude abortar, embora eu pensasse nisso, não tive oportunidade. Sofri represálias por engravidar jovem e sem marido. Eu fui à luta, não foi fácil e, em dois anos, engravidei novamente, eu não sabia de nada. Estava com um rapaz que assumiu o meu primeiro filho, nós não tínhamos nenhuma estabilidade, nem financeira, nem emocional. A menstruação atrasou, mas era comum acontecer. Eu passava dias sem tomar o remédio e, nessa bagunça, engravidei.
Era a segunda gravidez, ninguém iria me perdoar. Eu ainda estudava, meu companheiro contou para a mãe dele e ela nos ajudou, me deu beberagens e chás. Ela já tinha feito abortos e sabia por onde começar. Tem crença em beberagem e chá, em chá amargo, disse que resolve, mas não deu certo. Tomei o remédio* de farmácia, mas eu não sei o nome. Um senhor da farmácia do bairro era quem fornecia, mas não deu certo. Minha sogra me levou a uma senhora que fazia aborto. A mulher era auxiliar de enfermagem aposentada, tinha trabalhado com um médico que fazia aborto. Ela introduziu uma espécie de torçal de borracha na minha vagina, mandou eu voltar em 24 horas ou quando eu sangrasse.
Era uma casa bem pobre, havia outras mulheres, imagino que pelo mesmo motivo que eu. Fui para um quarto e me deitei. Ela fez o procedimento com aquela borracha em mim, não prestei atenção se ela ao menos lavou as mãos. Fomos pra casa de ônibus e aquilo começou a pinicar em mim. O trabalho dela era só iniciar o aborto, quem tinha que terminar em algum outro lugar era eu. As cólicas foram aumentando, mas não tinha sangramento.
De noite, no banheiro, um líquido viscoso saiu. Eu achei que tinha acabado e não voltei mais na mulher. Comecei a ter febre, era muita febre e um sangramento. Minha irmã e minha mãe começaram a desconfiar, fui levada à maternidade e lá eu fui muito maltratada. Eu sempre mentia, como a minha sogra e a mulher tinham mandado. O hospital parecia uma delegacia. Fiquei lá vários dias, acho que foram quatro, todos os casos passavam na minha frente. Eles queriam me punir, saía um líquido escuro como café e fedia muito. Um deles, que estava lá no hospital, disse: “essa aí é aborteira, todo ano ela vai chegar aqui”. Eu surtei, meu choro era compulsivo, pedi para morrer em casa, eles não podiam me dar alta, eu já estava lá há um dia em jejum. Eles me pediram paciência, que a equipe médica tinha casos de mais urgência do que o meu. O meu caso era leve, eles diziam, se eu fosse embora, iria morrer.
Eu estava com fome, humilhada e transtornada, saí no outro dia. Eles fizeram o procedimento e eu saí andando. Não contei isso a ninguém, era uma autopunição por ter matado. Você acredita nisso? Eu assimilei a lição. Só consegui falar disso 12 anos depois, no pré-natal do meu filho. Depois eu conheci outras mulheres com a mesma história que a minha. Agora, outras mulheres vão conhecer a minha história, que deve ser como a história delas.”
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* Segundo a Organização Mundial de Saúde, o aborto com medicamentos é seguro. A combinação mais recomendada é de misoprostol e mifepristone. O misprostol é conhecido no Brasil como citotec. No Brasil, os serviços de aborto legal não usam mifepristone e o procedimento é feito apenas com misoprostol. A OMS considera que as doses seguras são, para até 12 semanas de atraso menstrual, 800 microgramas de misoprostol. O remédio pode ser usado embaixo da língua ou introduzido na vagina. Uma mulher pode usar até três doses do medicamento em 12 horas. Se na primeira dose, a mulher não sangrar, a segunda dose pode ser 3 horas após a primeira.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde. 2ª edição. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/70914/7/9789248548437_por.pdf
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eu-vou-contar · 5 years
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“Eu tinha 27 anos e uma filha de 4 anos, me relacionava com um cara que era muito afetuoso, muito bacana, já éramos até amigos antes de sermos namorados. Eu posso garantir a você, nós fazíamos tudo direito, eu sou a prova de que os métodos podem falhar. 
Eu engravidei, nós procuramos rapidamente uma dessas clínicas conhecidas de aborto, mas ela estava fechada. Havia tido uma batida policial e nada estava funcionando. Nos indicaram outra, que eu não tinha nenhuma referência, exceto uma amiga que me sugeriu que ali podia, que ela tinha uma prima e que tudo podia dar certo nessa clínica. Eu fiquei um pouco insegura, mas não podia ter outro filho naquele momento tendo uma criança de 4 anos. Eu resolvi encarar, mas, preciso dizer, estava com muito, muito medo. 
A gente juntou dinheiro, eu nem sei como, e marcamos o procedimento. Eu fui bem tratada, não senti dor nenhuma, nem no procedimento e nem depois. Fui para casa. Parecia que tudo tinha dado certo, eu fiquei em casa dois dias descansando e depois voltei à vida normal, mas foi exatamente um mês depois que eu comecei a ter uma espécie de um sangramento, era uma menstruação, mas era diferente. Ela rapidamente passou para uma hemorragia, havia sangue por todos os lados. Eu ficava em pé, fazia uma poça de sangue embaixo de mim, eu fui tomar banho e pedaços de coágulos de sangue saíam durante o banho, mas era muito sangue. 
Essa clínica em que fiz o procedimento não fazia curetagem e havia uma regra de que eu não podia voltar para procurá-los. Isso era diferente das outras clínicas, em que você saía ou com o telefone do médico ou orientações do que você ia fazer caso algo desse errado, ou seja, eu estava jogada à própria sorte. Meu namorado na época conhecia uma enfermeira que trabalhava em um hospital universitário e ela conseguiu uma vaga para mim. Nenhum absorvente nesse momento segurava mais a minha hemorragia, eu tinha medo de morrer, eu tinha medo de ser presa, eu me via indo em sangue. 
Eu posso dizer a você que eu tinha três palavras, medo, medo e medo. Eu tremia muito, comecei a sentir dores, mas como se fossem muito mais fortes que uma cólica de menstruação. Como não tinha emergência, o meu leito ficou em um canto no corredor. Era um lugar que não era muito usado e era quase que esquecido, ele foi estratégico, para ninguém cuidar de mim e eu ser esquecida. Fizeram a minha ficha e aquela foi a primeira noite de três noites em que eu fiquei internada. 
Nos três primeiros dias, ninguém fez um exame comigo, ninguém falou comigo, ninguém se aproximou de mim. Os residentes passavam por mim e eu os ouvia falar, se referir a mim como “a aborteira”. Foram dias muito difíceis e eu cheguei a ouvir esse diálogo que eu conto agora: uma mulher perguntava para outra “quem é essa aí no canto?” “Ela fez um aborto, ela tá aí para ela lembrar o que ela fez, para apagar o que ela fez”. Era uma voz feminina me condenando, sabe? Isso parece que teve uma dor particular, ouvir de uma mulher, foi aí que eu comecei a me desesperar. 
No final do quarto dia, eles fizeram um exame e depois a curetagem, só depois disso eu fui liberada. Eu saí do hospital andando e, naquele dia, naquele momento, eu me transformei numa feminista. Agora eu sou uma lutadora pela descriminalização do aborto, e sabe quem fez isso comigo? Eles fizeram isso comigo. Eu sobrevivi por sorte, mas aprendi a lição sobre o que é resistir e é o que eu venho fazendo desde então, e é o que eu faço aqui, mais uma vez.”
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eu-vou-contar · 6 years
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“Aos 15 anos comecei um namoro, eu morava numa cidadezinha do interior. O meu pai tinha acabado de morrer e eu vinha de uma família muito conservadora, eu diria até mais do que conservadora, minha mãe era uma mulher muito autoritária. Eu odeio dizer isso, mas com a morte do meu pai era como se eu pudesse começar a conhecer o mundo e viver.
Eu acho até que eu gostava do menino, é muito difícil hoje voltar para trás e dizer o que era aquilo, porque tudo parece deslumbramento da adolescência. Eu tinha toda aquela empolgação de quem estava descobrindo a vida. Nós já namorávamos há algum tempo quando eu perdi a virgindade com ele. Com 16 anos eu engravidei, mas antes de engravidar, houve uma conversa com ele que me marcou muito. Antes mesmo de eu saber que estava grávida, ou de eu ir falar com ele, isso martelava a minha cabeça. Um dia ele me perguntou: “o que você acha do aborto? Você abortaria?” Eu nunca tinha pensado sobre isso. Hoje tenho 41 anos, sou uma mulher muito mais madura, vivida e conheci mulheres, histórias de aborto. Ali, aos 16 anos, tudo era muito novo para mim. 
Quando eu engravidei eu nem precisei perguntar a opinião dele, já estava dito por essa conversa que martelava minha cabeça. Ele me levou para um exame de urina, depois levou ao laboratório. Ele pegou a carteirinha da minha cunhada para poder ter acesso ao plano de saúde. Foi tudo escondido. Quando o resultado deu positivo, ele nem perguntou a minha opinião, não houve discussão entre nós, ele disse “eu não posso assumir, eu não vou assumir, eu não tenho condições e você vai abortar”. Eu diria que não foi uma escolha naquele momento, foi uma ordem. Eu não tinha o apoio dele e nem da sociedade ao meu redor, para dizer que eu ia ser uma mãe solteira numa cidade do interior, aos 16 anos e sem pai. Ele ainda me dizia, como para me ameaçar, que a minha mãe e o meu irmão iam me abandonar, iam me botar para fora de casa, ou seja, eu não ia ter ninguém, só o julgamento. 
Isso me gerou, claro, muito conflito interno. Eu não tinha com quem falar, cheguei a conversar com uma prima e ela era meio boboca, da mesma idade que eu e não me ajudou muito. O cara me deu chás, me deu comprimidos e nada, depois ele conseguiu o Citotec*. Gastou muito dinheiro para conseguir e marcou dia e horário para eu estar com ele para fazer o aborto. Eu não posso mentir, enquanto eu esperava todo esse processo de ele resolver, eu já estava começando a sonhar com o bebê. Sabe quando você sonha acordada? Era eu. Eu achava que ele iria mudar de ideia e que ele ia aparecer na minha frente como o herói que ia dizer “nós vamos assumir, tudo vai dar certo”. 
Eu fui para casa dele, tomei os medicamentos, e ele ficou ao meu lado assistindo todo o processo do abortamento. Doeu, mas doeu muito. As crenças e o tabu que vivia ao meu redor era uma dor que eu posso dizer que era uma dor na alma. E eu sangrei muito e não fui ao hospital. Durante um tempo eu me condenava, me punia, achava que eu era a única e a principal responsável por tudo isso. Eu não podia me abrir com ninguém. Como poderia contar a alguém que eu sou uma criminosa? Eu não queria ser presa, eu tentei até falar antes de hoje, foram umas duas ou três vezes, mas os olhares de condenação, os olhares de reprovação, me fizeram recuar e não mais contar essa história.
Aos 21 anos eu me casei, e foi só na segunda gravidez que eu consegui me ajeitar nessa história, durante o pré-natal, conversando com uma enfermeira. Eu já tinha entendido ali que era algo que eu precisava passar, ou que eu me permiti passar. Quando eu contei essa história e agora quando eu conto novamente, eu posso dizer a você que eu não tenho arrependimento. As pessoas perguntam logo “você se arrependeu?” Parece que essa é a primeira pergunta que vem. Não, eu não tenho arrependimento, não é isso. O que eu ainda sinto é a lembrança da solidão que eu vivi, e por isso hoje eu sou solidária a todas as mulheres que passam por isso. Sabe, é muito irônico, essa solidariedade me “chegou” para dentro de casa, pra eu me mostrar solidária com a minha filha.
A minha filha mais velha, de 16 anos, engravidou e toda a família do pai é muito evangélica, muito religiosa. Ela veio me consultar, eu contei a minha história, ela levou um susto. Eu disse a ela que eu apoiaria ela na decisão que ela quisesse, para abortar, ou para ter o filho. Ela decidiu ter o filho. Hoje eu tenho neto de 2 anos  e 10 meses. Nós somos uma família maravilhosa: a minha filha, o meu neto, a minha outra filha, nós somos quatro em casa. Nessa ocasião eu também contei para minha filha mais nova. As duas são, como o pai, muito evangélicas, mas eu acho que elas olham hoje para o aborto de outro jeito, de um jeito diferente do que diz a igreja, do que diz que é pecado e que as mulheres devem ser presas. Quando se fala disso tudo, eu tenho certeza que elas lembram de mim, da mãe delas.”
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* Segundo a Organização Mundial de Saúde, o aborto com medicamentos é seguro. A combinação mais recomendada é de misoprostol e mifepristone. O misprostol é conhecido no Brasil como citotec. No Brasil, os serviços de aborto legal não usam mifepristone e o procedimento é feito apenas com misoprostol. A OMS considera que as doses seguras são, para até 12 semanas de atraso menstrual, 800 microgramas de misoprostol. O remédio pode ser usado embaixo da língua ou introduzido na vagina. Uma mulher pode usar até três doses do medicamento em 12 horas. Se na primeira dose, a mulher não sangrar, a segunda dose pode ser 3 horas após a primeira.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde. 2ª edição. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/70914/7/9789248548437_por.pdf
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