folhasolta
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Folha Solta
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Não-binário vivendo enquanto espera a Morte visitar novamente.
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folhasolta · 4 years ago
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O peso das costas
Creio na melancolia disfarçada nas minhas palavras, abraçada nas minhas costas dizendo coisas nas quais delas eu escrevo. Não há outra forma, deste o primeiro movimento sinto ter sido ela, eu mero instrumento, o mesmo canal que faço com a caneta. Não adianta lutar, das palavras carregadas de sentimentos lindos há o toque dela, do meu respirar nutri seu ser e com mais clareza transcende. Deixo-a em mim, não a nego mais alimento, nem sequer forço-me parar de ouvir porque ela não pensa em ir.
Tuê Incarnare, Emanuel Silvano.
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folhasolta · 4 years ago
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Quando viu, já estava do outro lado.
Do outro lado, atravessando a rua, na lanchonete de esquina. Um rapaz era observado, ele mal podia adivinhar. O rosto colado à tela de seu celular, o café frio na mesa, uma caixinha com enfeite. Nem sequer o nome sabia, mas o importante era o cenário. Por este motivo era espionado pelo senhor no banco da igreja, o jornal enrolado na mão, o óculos preso no cordão. Esqueceu-se de quando seus olhos fixaram para frente, mas o sorriso de orelha a orelha do menino era visto pelo leve borrão, os dedos frenéticos digitando e o café amargurado ainda mais pelo tempo. Pôde ver a abertura da caixinha e do brilho deduzir um anel. Vivenciou a corrida eufórica depois de acreditar vê-lo chorar, só podia ter acontecido algo. Sem saber se era bom ou mal, do bolso colocado o presente, deixou cair no chão pelo pulo ao sair da lanchonete. Ninguém percebeu além daquele sentado no banco que sem pensar atravessou a rua para impedir a frustração do outro e quando viu, passou um ônibus.
Tuê Incarnare, Emanuel Silvano.
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folhasolta · 4 years ago
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Clarice, se não for eu? Quem será?
É Clarice, quando me dei conta, já era assim, não conseguia escrever quando queria, aumentando minha angustia. Já não sabia o que dizer e o que queria escrever desaparecia. É Clarice, dói. É doloroso porque é um trabalho forçado, se não for feito por mim, exclusivamente por mim, não será meu e o processo é doloroso, nem sempre encontro-me disposto, maior parte das minhas conquistas foram da relutância de não desistir e tenho tão poucas medalhas, tantas invisíveis que não bastam. Clarice, eu estou afogado, quando eu percebi não estava mais boiando, flutuava totalmente submerso, imerso em mim. Aqui não tem muita coisa, é um mar muito vago, grande e tem muito azul, vejo alguns corais, alguns peixes, mas são poucos. Sei que tenho que nadar mais, sei que tenho que me esforçar mais, mas eu só deixo a correnteza me levar é disso que quero falar. Quando quero escrever, já não sei mais o que escrever, mas ao escrever por escrever, de certa forma, eu encontro um jeito de colocar um ponto no fim do texto.
Tuê Incarnare, Emanuel Silvano.
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folhasolta · 4 years ago
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Só e sozinho
Esse é para aqueles que acham que eu não melhoraria nessa vida. Eu não diria que sempre soube, porque escrevo pela dúvida de mim e venho-te agradecer. Saber que vi tu, meu amigo, pensar isto e dar risadas, mostrou o respeito que tu tens e eu tenho de mim.
Porque duvidei da minha moral e dela caí no breu. Não quero te culpar, mas vejo agora que quando não via, tu sabias. E se aproveita disso à risadas, foi dos meus pedidos de ajuda. Acredite, tu me ajudou um monte, pois das possibilidades infinitas que eu tinha.
Foi através de você que percebi não ter ajuda se não viesse de mim primeiro.
Tuê Incarnare, Emanuel Silvano.
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folhasolta · 4 years ago
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Querida Clarice,
Espero que não tenha raiva de mim ao ler meu nome endereçado na carta, pois sei que devo mandar muitas e isto de certa forma rouba seu tempo, por isso só quero que as leia quando estiver disponível, quando seu tempo puder ser compartilhado comigo e não as leias de maneira forçada, empurrada. Que não faça de minhas palavras um mastigar enrolado na tentativa de engolir melhor, quero que possa nelas me ler quando sentir a minha falta, quando quiser lembrar de mim, quando recordar que eu existi um dia, então por favor, eu te peço, não se obrigue a consumir tudo de mim, não queira consumir tudo de mim, somente queira ser tocada por mim.
Tuê Incarnare, Emanuel Silvano.
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folhasolta · 4 years ago
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Café da Manhã
Acordará ainda na madrugada, levantará horas depois. As crianças ainda dormiam e mesmo se acordassem, continuariam na cama. Ninguém levanta cedo num domingo. Pensará cochilar por cinco minutos, percebendo pelo relógio o passar de dois.
O tempo funciona desse jeito sem tempo de notá-lo. Se piscar os olhos passará um segundo no ponteiro, mas se começar a contar perceberá o passar dos anos. Encherá uma xícara de café, a vontade de tomar não estimula o corpo, mas tomará por hábito. Sentará naquela cadeira manchada pelo tempo, não sendo tão diferente de quem está sentado nela, o tempo também depositará manchas na pele, algumas cicatrizes e a velhice.
Essa última lutará contra ao se olhar no espelho, perderá a batalha analisando antigas fotografias enquanto o café esfria.
Verá a foto da caminhada de duas horas até o bar da cidade vizinha para comemorar com os velhos amigos que na foto ainda eram novos. Recordará do LSD que usou para comemorar seus trinta anos e como o vestido florido da Anastásia parecia estar vivo, as flores estavam tão vivas como todos naquele dia. Sentirá falta de Anastásia.
Pensará no velório de dois anos atrás, a sopa de abobrinha como pedido para aquele dia. De todas as comidas, sopa de abobrinha era a sua favorita e isso era tão Anastásia de ser que se fosse outra coisa não seria ela.
Sentirá também um cheiro diferente vindo de fora da casa, a filha do vizinho, de dezessete anos, acabará de acender um baseado no quintal.
“Bom dia.” Acena para a moça, pobre coitada que se assustará jogando no chão o baseado ainda acesso.
Quando notará quem foi que a cumprimentou, voltará a procurar o baseado perdido enquanto dizia:
“Bom dia, Dona Ana! Vai um trago?” 
Pensará em recusar por causa das crianças, procurará o relógio pendurado na parede, os ponteiros indicavam sete da manhã. As crianças foram dormir depois das duas, certamente não ousariam levantar da cama uma hora dessas. Assim, aceitou o convite e deixou as fotografias na mesa.
Já ao lado de Carla, sentará no gramado, pensará o que atormentava a alma daquela jovem. O que transformava aquele fogo do baseado em algo tão pulsante visto naqueles olhos entristecidos e o sorriso desanimado. Pulsava-se pelo o quê?
Lembrará de seu antigo grupo no trilho ferroviário da cidade, queimando um e pensando como seriam no futuro. Concluirá não ser o que pensou um dia, recordará de Pedro e Arnaldo, a dupla conspiração, sempre falando das estatísticas e rotas de solução. Naquele tempo o Brasil mais matava LGBTQIA+ no mundo e lembrava da dor de um deles virar estatística. O outro, Pedro, viu a última vez no mesmo velório e ainda chora por Arnaldo. 
Aquilo doeu em seu peito, o fogo dos jovens queima, perguntará o que a atormenta para fugir da dor de um coração cheio de lembranças inalcançáveis. A resposta ouvida foi qual faculdade cursar.
A Faculdade, sua antiga Hidra, cortará tantas vezes que a vê como uma floresta de cabeças gritantes. Demorou para dominar, na realidade não sentirá ter posto as coleiras, afinal como colocar quando se há mais cabeças do que se pode contar. Na bagagem de sua vida cortará as cabeças da publicidade, crescerá as artes visuais, arquitetura cortando logo em seguida e outras quatro cresceram. Perdeu-se em tantas que cursou que nunca encontrou algo que pudesse se prender. 
Ouvirá as frustrações da jovem, as duas seguiram seus rumos no fim do baseado, o seu destino era retornar para a casa. Entrará para dentro, guardará as fotos e sentará no sofá. Ligará a televisão para ver o jornal, dali não levantaria tão cedo. Fechará os olhos e virá o Marcelo. Sentado ao seu lado, procurará através do tato a sua mão, encontrando somente o controle e afagou como se fosse.
Sentirá sono, deitará naquele pequeno sofá até dar-se conta do seu acomodo dos dias dando o agora à pensar nele. Fará três anos em agosto, quarenta de casamento em setembro, cinquenta e sete de namoro dia 13 de dezembro e sessenta e um desde a primeira vez que o virá em janeiro.
Jovens.
O nada capaz de impedi-los, hoje, há uma lacuna. O veria em breve novamente e isto o que sustentava seus dias, acomodou-se na espera. No café de domingo, nos passeios de sábado, nas ocupações da semana, notará estar tão morta como ele.
Quando abriu os olhos, estava decidida numa certeza, dos gritos vindo do andar de cima que a vida era uma criança acordando querendo ver desenho animado no café e sua vida precisava de mais um curso.
Tuê Incarnare, Emanuel Silvano.
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