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Combustão
A garoa constante em Luzamil é um fenômeno raro, não referente ao processo de formação dela, mas a consonância perfeita com eventos e pensamentos a torna única. A água escorrendo junto com as emoções decadentes das pessoas que estão indo e vindo; o som de seu cair formando uma bela sinfonia com os estrondos automobilísticos; a deformação da gota em contato com o chão sinalizando para todos que o tempo passa, um verdadeiro relógio natural.
- Seis e cinquenta. – Disse a senhora ao entregar o cachorro quente a Emily, sem demonstrar interesse em fazer qualquer contato físico com sua cliente. Pegou a colher de retirar molho e começou a limpá-la, sem muita pressa.
- O quê?! Só tem pão e salsicha aqui. – Emily diz no instante em que a moça de meia idade informou o valor, e percebeu o desvio imediato no olhar dela, concluindo que ela tinha completa noção de que o valor estava absurdamente caro.
- E molho. – Concluiu a moça a fala de Emily, ainda sem fazer contato com ela, guardando a colher e retirando um pacote de salsicha do carrinho para botar para cozinhar.
- Olha, não vô pagar isso não, beleza?! Quatro e cinquenta, no máximo, ainda tenho que passar ali no mercadinho. – Diz apontando com a cabeça e com os olhos o mercado pequeno que se encontrava atravessando a rua.
Ao finalizar, a vendedora finalmente ergue a cabeça, bate as mãos no carrinho, o guarda-chuva dele sacode, e olha profundamente nos olhos de sua cliente. As olheiras que ela carregava fez com que Emily sentisse um pouco de nojo, eram muitas, parecia que cada uma delas carregava uma enciclopédia inteirinha, as quais Emily faria questão de não saber do que se tratavam.
- Cê tá no centro! O preço aqui é assim, é caro! E vai logo que tem mais gente atrás de você. – Parece que custou uma noite de sono para a vendedora conseguir terminar sua fala e expressar sua revolta com a cliente, a boca que parecia rasgar para cada palavra proferida dedurava o cansaço.
Emily se virou e vira que tinha quatro pessoas em uma mini fila aguardando serem atendidos, todos eles com os olhos caídos, narizes torcidos e com as bocas cheias de munição, apenas esperando o gatilho ser apertado.
“Que merda” pensou Emily. Logo, tirou uma nota de cinco reais e outra de dois do bolso esquerdo da calça que estava vestindo. Entregou os sete reais para a vendedora.
A senhora pegou o dinheiro com desdém e acrescenta - Tô sem moeda, mas cê num merece também, mais estresse pro meu dia. – Diz já enquanto guardava o pagamento. Furiosa.
Emily segurou muito a boca naquele instante, a vontade de xingar a vendedora de cachorro quente e empurrar o carrinho dela contra ela era muito grande! Mas conseguiu se conter, se concentrou no barulho da garoa, no som do pingo da água ao chão, se desfazendo, abrindo alas para que sua raiva se desfizesse junto. Se retirou, atravessou a rua longa, suja e bem pavimentada, embora com o trânsito congestionado - por automóveis de coloração suja, baratos, mas extremamente eficientes - ficou frente ao mercado.
Nesse instante, antes de adentrar ao estabelecimento, Emily fechou os olhos e pensou “apenas pão, sabonete e bolacha”. Respirou fundo o ar da cidade, que carrega o peso emocional de um local que tem tudo a perder, ao mesmo tempo que é esperançoso. Olhou para as pessoas que passavam por ela, múltiplas facetas, das mais tristes as mais felizes, as tristes, em passo normal, as felizes, quase correndo: pessoas abastadas que só queriam chegar ao destino o mais rápido possível. Deu uma mordida no cachorro-quente e entrou.
O mercado definitivamente não era grande, poucas prateleiras, padaria questionável se havia de fato um padeiro, poucos refrigeradores e apenas dois caixas, sendo que um deles não havia ninguém. As paredes com a tintura danificada e o chão que parecia não ser esfregado por alguns dias. Até as câmeras de vigilância pareciam precárias, Emily indagou se realmente funcionavam. Quando a disseram que a região leste do centro era humilde, não imaginava que era nessa magnitude.
Ela pegou uma cesta de compras com a mão esquerda, enquanto matinha o cachorro-quente na direita, seguiu para a minúscula padaria. Até então ela acreditava ser a única cliente, mas percebera um adolescente, pouco menor que ela, com vestimentas de baixa renda, moletons por todo lado, sendo atormentado por dois rapazes que definitivamente o garoto não conseguiria se defender em caso de briga, eram altos e definidos. Eles pressionavam o menino para entregar alguma coisa.
Embora ela houvesse consciência de que aquela situação era desagradável e covarde, ela não queria se envolver, não é como se isso fosse novidade nesta cidade de um modo geral, só queria pegar alguns pães e ir embora, então, ela entrou na “fila”.
- Passa logo ô merdinha – disse um dos rapazes que usava um conjunto de jeans preto e um boné que dava impressão de ser maior do que a cabeça dele.
O menino segurou forte o que quer que estivesse nas mãos atrás. O outro rapaz que, por sua vez, vestia jeans de azul claro e calçava um tênis de marca prestigiada - detalhe este que fizera Emily concluir que os rapazes provavelmente tinham muito dinheiro - não disse nada, apenas deu um soco no rosto do menino que cambaleou muito, mas pareceu resistir o suficiente a ponto de não soltar o que estivesse protegendo entre as mãos. Emily ficou muito surpresa, pensou em reagir, mas ainda assim se absteve da violência contra o jovem, acreditando que se manter neutra é sempre a melhor opção.
A boca do menino, agora, sangrando, e com a bochecha extremamente vermelha, convergiram com os olhos de ódio dele. O adolescente voltou em passos rápidos ao rapaz que atingiu seu rosto e o chutou, fazendo-o cambalear pouco, mas o suficiente para esbarrar em Emily, fazendo com que ela derrubasse o cachorro quente que fora comprado com, basicamente, muito esforço. Ninguém ali poderia imaginar que o garoto teria tal coragem.
- Ah, que porra velho! Cuidado, caralho! Tomar no cu! – Diz Emily, já sem paciência, pois, aparentemente, a sua ideia de querer apenas visitar outras partes da cidade por diversão, fora fracassada. Queria apenas um momento sem ter que se estressar muito, mas as vezes parece que isso é inevitável na vida dela.
O rapaz de jeans azul virou-se a Emily e a olhou com superioridade, como se ela fosse apenas uma mulher histérica qualquer, como diz a maioria dos homens em Luzamil.
- Cala boca ô gorda! – O rapaz de jeans azul grita para Emily e se vira, carregando um soco letal, dessa vez.
No instante que ele dá o primeiro passo para alcançar o menino, todos escutam uma explosão. O menino, o outro rapaz e a única operadora de caixa disponível se jogaram no chão no momento do estrondo, até mesmo as pessoas que estavam fora do mercado conseguiram escutar o barulho, focando suas breves atenções para o que estaria acontecendo dentro do estabelecimento.
As três pessoas que estavam de encontro com o chão voltaram para a realidade alguns segundos depois da detonação, podiam jurar que iriam morrer. O menino e o outro rapaz que o atormentava ficaram horrorizados assim que levantaram as suas cabeças e abriram os olhos: sangue escorrendo de um corpo com um buraco feito na barriga, que parecia ter sido assada ao mesmo tempo, estava esticado ao chão. O cumplice do rapaz morto olhou para Emily como quem olha para o maior medo. O menino não conseguira tirar os olhos do corpo com a barriga furada e torrada. A atendente simplesmente debandou do lugar.
Enquanto isso, Emily olhou para o rapaz de preto, como se a hora dele tivesse chegado, ela agachou e ficou ao nível dele, os olhos deles se encontraram. O rapaz enxergava nos olhos dela o inferno, uma chama ardente era sentida na alma apenas por encará-la, como se ele tivesse sido isolado de todo o ambiente em que se encontrava e fosse jogado no meio de uma fornalha. Ele queimou, antes mesmo de ser literalmente queimado
Com um estalar de dedos, ela evocou uma chama em sua mão e a arremessou na cabeça do rapaz, estourando-a, terminando de rechear o chão coberto de sangue, com mais sangue e órgãos queimados. O corpo dele cai duro ao chão. Ela olha para os cadáveres diante dela como se não passassem de lixo que não fora recolhido, mas da um leve sorriso de canto. Ela precisava disso.
Ela dirige-se em direção ao menino, que havia deixado cair o que tanto segurava com força, um saquinho preto, com pedras valiosas que, agora, estavam esparramadas pelo chão.
- Então o vilão da história era você?! Incrível. – Diz, verdadeiramente surpresa, mantendo o sorriso de canto. Ela sabia que aquilo não deveria pertencer ao adolescente, afinal, a vestimenta dos rapazes deduravam o poder aquisitivo deles.
- Po-po-poor—ffa... – O menino tenta dizer algo, mas o nervosismo dele faz com que ele gagueje, de modo como se tivesse esquecido como é falar.
- Ta tudo bem, você não terá o mesmo destino que os outros dois, não...se você der o fora daqui – Diz ao piscar para ele.
Ele imediatamente compreendeu o que Emily quis dizer, tomou alguns segundos, respirou fundo, se levantou e, dessa vez, conseguiu falar, ainda que muito nervoso.
- O-obrigado. – Falou cabisbaixo.
- Não me agradeça, foi literalmente coincidência, não sou nenhuma heroína, nem quero ser, mas isso é o que acontece quando você derruba meu cachorro-quente e é grosso comigo. – Ela sorri de ponta a ponta – Alias, se a polícia ou aqueles heroizinhos bonitinhos interrogarem você, diz que não me arrependo de nada disso – Conclui ao olhar para uma das câmeras que ela ainda indaga se funcionam.
O menino, já em pé, apenas acena com a cabeça e corre o mais rápido que consegue para fora do estabelecimento.
Pouco tempo depois, uma imensa explosão é formada no local, os carros nas ruas adjacentes são desocupados rapidamente; pessoas que passavam por ali por perto se assustam e correm o mais rápido que podem, e algumas até mesmo são afetadas pelo impacto explosivo. Uma chama imensa cobre o local, uma fumaça sobe para compartilhar do céu escuro da garoa.
E uma mulher, que da chama sai viva e satisfeita.
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A dominação do nosso próprio intelecto pode ser um tanto quanto exaustiva, é verdadeiramente irritante o zumbido de pensamentos oriundos e invasivos, mas as vezes é necessário se entregar por eles de modo que a dor de cabeça seja menos intensa, ou, as vezes, apenas para te encorajar.
Verônica estava sentada na cadeira da mesa de jantar, que ficava entre a sala de estar e a cozinha, uma vez que não havia divisória entre essas duas partes da casa. Com a mão no queixo, indagava com uma triste expressão em seu rosto: o que é que estava faltando? Uma pergunta profunda, pois ela não estava si perguntando por um viés materialista, mas sim existencialista, um vazio preenchia seu coração e mente, de modo que a fazia ficar por horas no estado em que ela está agora, pensativa, embora suas reflexões eram sempre as mesmas: a desigualdade e o material que ela nunca obtivera, uma paixão não correspondida por uma de suas vizinhas e, principalmente, o futuro que ela anseia e teme.
Ela balançava a cadeira para frente e para trás, a janela da sala de estar estava aberta e uma forte brisa invadiu todo o cômodo, isso chamou-a atenção e a retirou de seu estado pensativo. Surpresa, ela fora checar o tempo afora, conseguiu observar as nuvens escuras ainda distantes, mas que em breve chegaria até o bairro onde ela mora.
Encostada na porta de sua casa, ela aproveitou e percebeu dois rapazes jamais vistos anteriormente pela vizinhança, que se encontravam na porta da última casa antes de virar a esquina e descer o morro. Um dos rapazes era alto e de cabelo loiro, o outro era pouco menor que seu companheiro e possuía cabelos castanhos, ambos estavam vestindo casacos sobretudo. Como de costume, Verônica sempre se incomodara com pessoas nova andando pela sua moradia, o que elas simplesmente iriam fazer em um dos locais mais pobres de Luzamil? E, por experiência, muitas visitas indesejadas ou, até mesmo, desejadas, acabavam em uma gritaria e conflito sem fim. Esses eventos a deixa verdadeiramente magoada.
Ela fechou a porta atrás dela e seguiu em direção aos dois rapazes, sem fazer muito alarde. O rapaz menor avistou Verônica e logo em seguida cutucou seu parceiro, sinalizando de que alguém se aproximava, então, os dois rapazes, em consonância, colocaram as mãos no bolso inferior de seus respectivos sobretudo. Ela estranhou o movimento dos rapazes e quando ficou cara a cara com eles soltou a primeira palavra, sem muitos modos.
- O que vocês estão fazendo na casa da Dona Terezinha? – Verônica disse com a tonalidade da voz em níveis tediosos e sem qualquer vontade de dar algum cumprimento respeitoso.
- Boa tarde! Somos da polícia federal de Luzamil! Queremos fazer algumas perguntas a moradora desta casa, mas aparentemente não há ninguém, aqui, agora. – Respondeu o rapaz menor.
- Ah puta que pariu, policiais, de novo?! Vocês por algum acaso possuem fetiche sexual com o pessoal daqui do morro? Honestamente, eu estava esperando uma surpresa nova, mas seria bom demais para ser verdade, cansaram daqueles coletes pesados e agora estão enchendo o saco a la Sherlock Holmes?! – Diz ela ao olhar as vestimentas deles da cabeça aos pés.
Os policiais não ficaram muito contentes com o comportamento da mulher de cabelos rosados diante deles, o mais alto, então, enfureceu um tanto e isso ficou nítido em sua expressão: torceu o nariz, as sobrancelhas caíram e os lábios que até então estavam neutros tiveram os cantos levemente caídos.
- Escute, senhorita, primeiramente, em nenhum momento fomos grosseiros com você, então, é injusto que você nos trate dessa maneira, como disse, viemos apenas fazer algumas perguntas a dona Tereza e nada mais, não te devemos respostas a qualquer coisa, cumprimos ordens de nossas superiores, por favor, nos deixe trabalhar, afinal, tudo o que fazemos é pelo bem dessa cidade, mas pessoas como você não são capazes de compreender isso. – Disse o rapaz mais alto com um sorriso no rosto ao concluir sua fala.
- Pelo menos eu não sou cadelizada por nenhuma xerifazinha de merda – Verônica retruca em tom de deboche e notara que ambos policiais perderam o restante da paciência numa volta de mão.
O policial maior rapidamente sacou a pistola e a apontou na cabeça dela, enquanto o outro policial não fizera nada, uma vez que o parceiro tomou tal atitude primeiro, preferiu apenas observar. Verônica sentiu medo, muito medo, mas ela sabia no que estava se metendo, ela sentiu discorrer pelas suas veias um sentimento bom, não estar feliz, mas de que o que ela estava fazendo, condizia com alguma vontade inativa habitada dentro de si.
- Vaza daqui, vagabunda, e só falarei esta vez – Diz o rapaz destravando a pistola.
Verônica da um passo atrás, mas logo sorri com o canto direito da boca.
- Ora, irei vazar, sim! – Ela afirma.
No instante da sua fala, Verônica si ilumina em uma cor rosada e teletransporta para trás do policiar menor, dando uma forte cotovelada na nuca dele, fazendo-o desmaiar. O policial maior retardou para entender o que acabara de acontecer, mas logo percebeu a presença da mulher rosada atrás dele e imediatamente soltou um disparo da arma de fogo, mas Verônica fora rápida o suficiente para teletransportar novamente, desta vez, para trás do policial armado, apontando a pistola, que pegara do policial nocauteado, na nuca do policial restante, agora, com medo e surpreso.
- Vaza daqui, vagabunda, e só falarei esta vez – Diz Verônica.
O rapaz alto, então, largou sua pistola, agachou, puxou o braço do parceiro nocauteado, apoiou em seu ombro e debandou.
Verônica por sua vez queria muito ter atirado, coragem ela tinha o suficiente, mas ela notara que algumas pessoas estavam assistindo o conflito por trás das cortinas de suas janelas, não queria carregar um exemplo de assassina para essas pessoas, embora esse seja o único e verdadeiro motivo para ela não saciar sua vontade. No obstante, ela lembrara de sua tarde de indagações e reflexões, concluindo que o que estava faltando era exatamente isto: cumprir a própria vontade.
A chuva enfim chegou, as gotas preenchiam o rosto dela e a sensação que ela usufruía daquele momento é como se a água da chuva estivesse a purificando de algum mal, ela voltou para casa. E novamente escutou alguns disparos, mas lembrou que não havia nada a se preocupar, não é culpa dela se apenas dois policiais ingênuos resolvem disparar em um local intolerante com oficiais. Ela sorri e segue ao banheiro.
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