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historiavermelha · 3 years
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historiavermelha · 3 years
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Pan Africanismo e Marxismo: Um debate histórico
O Pan-africanismo, surgido no final do século XIX, se caracteriza principalmente pela luta política da unidade dos povos africanos e dos negros em diáspora, contra a opressão racial, a segregação, a escravidão e o colonialismo pungente ainda nesse período. Mas mais do que isso, é um movimento que tem suas raízes ainda no final do século XVIII, mas que ganha força no século XX, que unem organizações abolicionistas pelo mundo contra a ideologia euro centrista dominante que os subjugava, sendo assim um movimento que unia lutas em comum dos povos negros, africanos e descendentes, espalhados pelo mundo.
Ao longo do tempo, o movimento pan-africanista e os pan-africanos assumiram diferentes formas de luta política dentro de cada contexto político onde estavam inseridos, mas sempre com intenções que visavam o fim da opressão e a libertação tanto dos povos escravizados que defendiam o direito de voltar ao continente, mas principalmente das regiões ainda colonizadas por países europeus em África.
Hoje em dia, é muito comum a apropriação do termo Pan-africanismo para se designar enquanto movimento antirracista que seja anticomunista ou anti-marxista, uma narrativa que liga as duas correntes como se representassem coisas distintas por definição. Intelectuais como Abdias do Nascimento e Carlos Moore defendem essas ideias, no entanto, o pan-africanismo, enquanto movimento histórico real, contou com diversas personalidades como Thomas Sankara, Amílcar Cabral, Kwame Nkrumah que eram marxistas e militantes comunistas, que foram fundamentais para articular a luta dos povos negros em África, enquanto se denominavam pan-africanistas.
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Lamine Senghor no congresso da Liga contra o imperialismo e a opressão colonial, Bruxelas, fevereiro de 1927.
Em 1917, a Revolução Russa abre um novo capítulo na história da humanidade, que para além de uma revolução socialista, representou também um movimento anticolonial a nível global desde a sua origem, a perceber que o império russo Czarista mantinha cativos povos dentro do seu território e financiava campanhas para reprimir lutas de libertação nacional pela Europa, como na Polônia, em 1915.
Em todo o mundo, lideres políticos importantes e até mesmo pan-africanistas com vieses reacionários como Marcus Garvey, reconheceram a Revolução Russa no seu primeiro momento, enxergando a autodeterminação dos povos e a luta anticolonial, uma vez que a internacional comunista já nasce com objetivo de defender a luta dos trabalhadores a nível mundial, combatendo o colonialismo e munindo lutas de libertação por todo o globo, assim como a luta antirracista. A exemplo dos Estados Unidos, onde a internacional comunista obrigou o partido comunista dos Estados Unidos a criar políticas que combatessem a segregação racial dentro dos movimentos sindicais para unir a luta dos trabalhadores.
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Comitê negro da liga antiimperialista - 1927
Mesmo líderes pan-africanistas não comunistas, no século XX, reconheciam a importância da União Soviética e da Internacional Comunista para o combate ao racismo a nível global. À exemplo do famoso líder negro Du Bois, autor de “Black Reconstruction in America”, na sua visita a União Soviética em 1926, soltou a célebre frase “Se isso é Bolchevismo, então eu sou Bolchevique.”
Entre as décadas de 1920, 30, 40 e 50, existiam diversas formas de pan-africanismo em disputa, que tinham sua unidade enquanto motivação que era a unidade dos povos negros africanos e em diáspora, porém suas formas de atuação política e propostas de solução eram diferentes. Enquanto, então, a Internacional, mantinha uma distancia de setores reformistas do pan-africanismo, fornecia todo apoio a setores comunistas, nos quais acreditava que estaria a solução para o fim da exploração e do racismo no fim das relações capitalistas e coloniais de produção. Defendiam um fim revolucionário do racismo e do colonialismo visando um horizonte socialista que unia os povos negros em torno de um ideal em comum. Percebia-se que, a despeito de todas as particularidades culturais do imenso continente africano, havia mais coisas que os uniam enquanto povo negro, explorado, colonizado, do que os separavam.
Ao fim da segunda guerra mundial, a maioria dos lideres políticos revolucionários do continente africano tinham como ideal de libertação nacional o marxismo, e mesmo aqueles que não eram lideres marxistas, tinham em seu corpo político, ativistas que defendiam a revolução e a luta anti-colonial sob um viés marxista. Essa influencia espalhada pelo continente africano aconteceu devido a anos de debate e disputa de narrativa sobre os caminhos que essas lutas deviam seguir. Enquanto Marcus Garvey defendia por exemplo a criação de um Estado Negro para superar a opressão racial, dirigido e comandado apenas por pessoas negras, existiam também lideres comunistas pan-africanistas , na Africa do sul, Estados Unidos, Cuba etc.
A despeito de problemas reais de análise do que representavam esses povos dentro de África, a partir do olhar europeu da União Soviética, lideres políticos como Thomás Sankara e Kwame Nkrumah, são fruto de um trabalho político importante que consolidou conquistas importantíssimas não são em África, mas nos Estados Unidos com por exemplo o Partido dos Panteras Negras.
A exposição mostra, a partir da história, que sempre houve um pan-africanismo marxista, que no entanto ele é relegado e pouco defendido, principalmente no Brasil, onde o Pan-africanismo pouco tomou esse caráter. Mesmo obras de Amílcar Cabral, que são escritas em português, pouco circulam, mesmo contendo debates importantíssimos sobre educação de Paulo Freire em seu conteúdo. É possível ser pan-africanista e ser também um militante comunista, se as buscas por referencias históricas encontrarem os caminhos certos.
REFERÊNCIAS:
SELIM. Nadi. Pan Africanismo e comunismo: conversa com Hakim Adi. 2017. Disponível em <https://www.buala.org/pt/cara-a-cara/panafricanismo-e-comunismo-conversa-com-hakim-adi>
TEIXEIRA. David Lael Barroso Teixeira. O Lenin internacionalista. Autodeterminação e anticolonialismo. 2020. Disponivel em <https://lavrapalavra.com/2020/09/21/o-lenin-internacionalista-autodeterminacao-e-anticolonialismo/>
BOUNICORE. Augusto César. A internacional comunista e a questão racial. 2015. Disponível em <https://www.marxists.org/portugues/buonicore/2015/03/02.htm/>
TRICONTINENTAL. Amanhecer: marxismo e libertação nacional. 2021. Disponível em <https://thetricontinental.org/pt-pt/dossier-37-marxismo-e-libertacao-nacional/>
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historiavermelha · 3 years
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Livro: "A Guerra Moderna - Roger Trinquier" Filme: "A Batalha de Argel (1966)" Documentário: "Escuadrones de la Muerte la escuela francesa"
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historiavermelha · 3 years
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FRANTZ FANON E A GUERRA DA ARGÉLIA
A história contemporânea da África deve ser contada a partir daquilo que representou a sua libertação dos modelos coloniais europeus presentes no continente desde o início da idade moderna, com o tráfico de escravos, as invasões, massacres, expoliação etc. E as diferentes formas com as quais os povos do continente lidaram com essas questões em suas muitas guerras de libertação. A Revolução Argelina foi apenas uma delas.
A história da Revolução Argelina tem sua importância na atualidade por estar inexoravelmente ligada a obra do psiquiatra martinicano Frantz Fanon, um dos líderes dessa revolução, que escrevendo no calor das batalhas contra a opressão colonial da França, produziu uma obra que é fundamental para entendermos a luta do povo africano pela sua libertação do colonialismo.
Participando de reuniões, conferências e estando intimamente ligado à Frente de Libertação Nacional da Argélia, Fanon foi responsável pela produção de artigos que forneciam para a população todo o cabedal intelectual necessário para construir sua emancipação através da construção de um poder popular revolucionário. E sua participação nesse processo por sua vez também o transformou enquanto militante político intestino da luta de libertação.
Fanon, que em sua obra seminal “Pele Negra, Máscaras Brancas”, primeiramente rejeitada em sua banca, estudando e morando na França, debate a questão psicológica que existe dentro do homem negro vivendo em uma sociedade em que o branco é dominante e ao invés de lutar para se emancipar sente necessidade de também ser branco, negando sua identidade política. Sua tese, no entanto, à época foi muito criticada e descredibilizada. Apenas após sua morte, muito jovem, com as mudanças que o mundo passou, começou a ser levada em conta.
Como um intelectual anti-colonialista, marxista, Fanon teve contato com obras revolucionárias como as de Mao Zedong (revolução Chinesa) e Ho Chi Minh (revolucionário vietnamita), que permitiam a ele uma visão crítica profunda do que representava o imperialismo e o colonialismo, não só dentro de África, mas em outras regiões por eles afetadas.
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Fanon na redação do El Moudjahid - Fonte: Fanon notre Frère - documentário argelino, s.d.
Durante o período em que atuou como militante na Frente de Libertação Nacional Argelina, Fanon publicava seus artigos no jornal “El Moudjahid”, que era o principal jornal veiculado que visava a construção de uma independência do povo argelino do colonialismo frances durante toda a revolução. Atribuem-se a Fanon artigos escritos de 1957 à 1960. São títulos esses aos quais possuímos pouquíssimo acesso, assim como muitas obras de autores argelinos, tunisianos, magrebinos, que foram importantes também para a guerra de independência. Muitos dessas obras e artigos eram definitivamente proibidos e queimados pelo exército francês e pelo estado colonial francês, inclusive proibidos de circular dentro de muitos países da Europa. Mesmo assim, após o período mais intenso dessas guerras, Fanon e a experiência argelina foi importante pra muitos movimentos de diáspora africana e que partilhavam do ideal internacionalista marxista-leninista, como o partido dos Panteras Negras, nos Estados Unidos, na década de 60-70.
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El Moudjahid – T644.b.26.1-<https://europeancollections.files.wordpress.com/2014/04/photo-2.jpg>
Os métodos de análise crítica da sociedade propostos por Fanon em seus artigos eram o materialista-dialético, a luta de classes, etc. Métodos esses que ele usava para aplicar na realidade prática e concreta da Argélia através das suas publicações no El Moudjahid. Essas experiências foram fundamental para que Fanon escrevesse o seu livro mais importante atualmente, “Condenados da Terra.”
O período de 1954 – 1968 representou uma intensa Revolução Cultural e Política em toda a Argélia, um país controlado pelo estado colonial francês e sua máquina de guerra de excessão. Durante esse período, 30% da população argelina vivia em campos de concentração, muitos eram torturados e presos pelo exército francês, que exprimia uma devastação total aonde se colocava como força política. Pioneira em muitas técnicas de guerra-moderna e contrarrevolucionária, a França, além de usar a Batalha de Argel, conflito na capital do pais, como laboratório para testar suas técnicas de guerra, influenciou complexos militares inclusive nas ditaduras que viriam a se seguir na América-Latina durante todo o resto do século XX.
Nas décadas de 50-60, o mundo passa por uma mudança no tecido social, muitas experiências socialistas, influenciadas pelo pensamento marxista-leninista e a forte presença do estado socialista soviético na construção ideológica, levam países e regiões a se emancipar através de guerras revolucionárias contra o colonialismo, à exemplo da Indochina, de muitos países islâmicos, a Coreia Popular e Cuba. São marcados fortemente pela presença dos partidos comunistas e pela solidariedade internacional, uma vez que se entendia a luta contra as opressões como algo que unia os trabalhadores de todo o mundo, movimento esse iniciado pela Revolução de 17.
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Mapa das seis willayas consolidadas na Conferência de Soummam, em 1956. Fonte: Wikimedia Commons.
A partir de 1960, a Argelia, já destruída com as guerras de tentativa da França de manter sua hegemonia dentro do território, consegue diversos avanços diplomáticos e com intensas mobilizações populares nas ruas, e em 2 de Julho de 1962, a Argélia consegue a sua independência e tem como tarefa reconstruir um país destruído pela guerra. No entanto, algums diferenças que estavam escondidas durante a batalha pela libertação começaram a aperecer e grupos e brigas pelo controle do Estado se envolvem em disputas, militares e civis. No entanto o país se torna referencia de asilo para refugiados das ditaduras latino-americanas como um estado socialista forte.
Com a política de Reagan nos EUA e o neoliberalismo já nos anos 80, a Argelia se ve pressionada por grupos fundamentalistas islâmicos financiados por agencias secretas estadunidenses, além de uma dificuldade de conseguir regular uma economia que era baseada principalmente pela mineração de petróleo. Algo que mostra, segundo Lippold: "é mais fácil começar uma revolução do que mantê-la após a vitória.”
Os métodos de análise crítica da sociedade propostos por Fanon em seus artigos eram o materialista-dialético, a luta de classes, etc. Métodos esses que ele usava para aplicar na realidade prática e concreta da Argélia através das suas publicações no “El Moudjahid”. Seu legado deixado principalmente pela obra “Condenados da Terra” tornou a crítica ao colonialismo um assunto que tem suma importância até os dias atuais, e o transformou no principal intelectual marxista a atuar diretamente na difusão do pensamento anticolonial em África. Sendo suas obras proibidas em muitos países da Europa durante muito tempo, devido a ameaça que elas ofereciam ao colonialismo francês.
"O mundo colonial é um espaço desumanizador, compartimentado e despersonalizante. Na compreensão dos mecanismos colonialistas em todos os níveis – sócio-econômico, militar, diplomático, médicos, culturais, etc – Fanon pôde traduzir os fenômenos de dominação colonial através de uma transcêndencia metodológica, sintetizada na sua sociogenia no método de investigação; e o 155 entrecruzamento dos discursos: o literário, o imagético, o econômico, o psiquiátrico, o material onírico, no método de exposição do seu texto. O colonialismo aplica a violência como principal interface de poder, mas a violência cobra um preço, cedo ou tarde: internalizada no colonizado, pode voltar-se contra o colonizador. Toda operação de violência, toda aplicação de dispositivos que visam a dor, o sofrimento, a aniquilação do outro, que é homogeneizado sob o olhar do colonizador, que é criado como colonizado através do roubo de suas terras, através do golpes e coronhadas, bombas e metralhas, leva o colonialismo a um círculo vicioso, quanto mais mata e trucida, mais cria militantes para a causa nacional."
LIPPOLD, Walter Günther Rodrigues. FRANTZ FANON E A REDE INTELECTUAL ARGELINA: circulação de ideias revolucionárias e sujeito coletivo no jornal El Moudjahid. 2019. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.
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historiavermelha · 3 years
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O que é  “História Econômica”?
À partir da revolução industrial, com as crises cíclicas do capitalismo, e com a mentalidade quantitativa advinda do modo de pensar capitalista, iniciou-se um estudo político da história. Autores começaram a pensar em categorias que serviriam para estudar as economias do passado, mas não só, seus modos de produção, forças produtivas, relações de produção, consumo, circulação, moedas, etc. Se tornaram também categorias da história econômica que surgiram a partir dessa mentalidade. Smith, Ricardo, Marx, Engels, Weber e mais um serie de autores iniciaram obras que tinham como objetivo estudar a economia através do tempo, as economias do passado.
Nesse sentido, a vida material do ser humano através do tempo também vira área de estudo da história econômica. Instrumentos, ferramentas, moedas, documentos, arquivos e sistemas que legitimavam tal modo de produção no período e serviam, na forma da transmissão de conhecimento, de forma que se reproduzisse às gerações seguintes para que suas necessidades fossem satisfeitas.
Cabe ao historiador econômico explicar de que forma as relações econômicas eram fundamentais para explicar as relações sociais do passado. A escravidão, a servidão e o assalariamento por exemplo, que existiam devido a demanda da própria sobrevivência daquela sociedade inserida naquele período histórico.  
Logo, a história da economia não é, segundo Carlo Cipolla, mera descrição de fatos econômicos, dados estatísticos, gráficos e nem nenhuma quantificidade matemática específica para a reprodução da economia em si. Mas parte do estudo das resoluções do homem na luta pela sua sobrevivência, em eterno embate com a natureza, a produção de riqueza a partir desse embate e consequentemente a alteração nas suas formas de se relacionar com a produção e de distribuir essa riqueza através do tempo. Para isso leva-se em conta não apenas a economia, mas a forma como o homem racionalizava (ou não) essa economia histórica, psicológica e geograficamente, encaixando a categoria econômica no tempo médio da história, nem tão longa quanto a história cultural/mental, mas nem tão curta quanto a política, e tão fundamental quanto ambas.
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historiavermelha · 3 years
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historiavermelha · 3 years
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Violência eclesiástica na Idade Média.
O significado da palavra violência como conhecemos hoje tem suas atribuições por conta da forma como a sociedade encara essa violência, algo que não se assemelha à sua formatação durante o período medieval que antecede as cruzadas, isso acontece porque o significado da palavra aplicada àquela época tem uma conotação diferente da qual estamos acostumados. Uma vez que a historiografia define a violência física na Idade Média como algo cotidiano e institucionalizado, o que se considera como violência à época tem um significado diferente, de transgressão mais do que de uso de força física.
Durante os séculos IX e XI, encontra-se na Europa uma Igreja Católica entregue a violência e as formas brutais de tratamento para com seus servos. É importante dizer que a violência que conhecemos hoje não é menos significativa que àquela época. Mas que as forças que são utilizadas hoje não nos permitem imaginar que houve outrora um mundo mais violento.
“O que nos separaria daquele passado não seria a eficiência dos estados modernos em controlar o emprego da força. A diferença residiria em outro aspecto: no fato de que, há um milênio, ocorrências deste tipo não eram apenas sentidas como ruptura da normalidade, já que o belicismo teria sido parte da mentalidade comum e do comportamento difuso.”
RUST, Leandro Duarte. 2016.  Pg. 02
O que significa dizer que os Estados modernos controlam o uso da força devido a mentalidade que a sociedade tem nos dias de hoje em controlar essa violência, mesmo que representativamente, uma vez que ela é usada para justificar diversas questões na atualidade, como embargos econômicos e controle de áreas de interesse comercial. No período medieval não havia essa mentalidade de que o mundo deveria alcançar uma paz global sem o uso de armas, pois o uso dessas armas era parte da sua cultura e da sua mentalidade.  
Como fazia parte da mentalidade da época esse uso cotidiano da violência, até a Igreja Católica se viu forçada a entrar nesse contexto, onde era comum o uso de castigos e punições físicas contra heresias. Porém, uma vez que ideologicamente a Igreja combatia esse tipo de violência, começou uma série de reformas juntamente com os cavaleiros (que naquela época faziam o que quisessem com as classes mais pobres, desde saques a assassinatos) para que essa classe mais pobre fosse protegida. E os cavaleiros não poderiam mais atacar, pilhar ou saquear. Eles, visando as recompensas da igreja, faziam então um juramento por um princípio de fé, que protegeria essa classe mais pobre. E pobre, nesse contexto, tem um sentido de “desarmada”, essas assembleias tinham o nome de “movimento da Paz de Deus.”
           Esse posicionamento da Igreja a favor do desarmamento, uma vez que o belicismo era algo comum na época, elevava o Clero a um patamar de uma classe que controlava ideologicamente as outras. Pois abdicavam das armas por uma questão de fé, como explica Rust.
“Eles fixavam um código social no qual os eclesiásticos apareciam como ocupantes de uma posição única, distinta do modo de vida dos laicos. A principal diferença residiria, paradoxalmente, no desarmamento. Pois o clero não era “pobre” por opção, mas por um princípio de fé.”
RUST, Leandro Duarte. 2016. Pg. 03
               Utilizando-se dessa ideologia desarmamentista, a Igreja se posicionava e dava a imagem de uma instituição de paz, de clemência e que protegia e cuidava da população mais pobre, uma imagem de pureza e da castidade que guiava as mentes para um plano superior livre das violências da laicidade daquele mundo feroz.
           Os membros do Clero, no entanto, eram também membros da classe dominante daquela época e por causa disso, em caráter de exceção, eram encontrados praticando costumes da classe dominante. Bispos cavalgavam para a guerra e participavam dela, não como membro da Igreja, mas como membros da Aristocracia. Esse tipo de comportamento, mesmo o membro eclesiástico estando praticando fora do corpo do clero, gerava desconfiança e fazia com que ele perdesse credibilidade, uma vez que a Igreja e seu corpo adotava voluntariamente a castidade e a renúncia a essa violência física. Por esse motivo o Bispo ia para a Guerra não como membro da Igreja, mas como aristocrata.
           E o motivo pelo qual esse Bispo guerreava era o motivo pelo qual cada cidadão guerreava, por domínios, terras e motivos econômicos de proteção de seu patrimônio.
“Supostamente, sua inclinação não era espontânea. Em outras palavras, como guerreiros, os bispos teriam sido estrangeiros do seu próprio oficio ou maus exemplos de pastores de almas. ”
RUST, Leandro Duarte. 2016. Pg. 05
           Surgiu então uma contradição nas ideologias impostas pela Igreja. Pois, os mesmos membros que iam guerrear, ainda que separados da igreja, legitimavam a violência, que era algo institucionalizado ao mesmo tempo que controlavam idelogicamente essa violência. O que ocorre é que nesse período, a concepção que se tinha da palavra violência, do latim “violentia”. Era outra totalmente diferente da que conhecemos nos dias de hoje.
           Podemos usar um exemplo de um caso que ocorreu com o exército dos Arduínos, que em comparação com Leão, cometeu atrocidades pelo reino itálico em busca de poder e controle social. Porém, para a mentalidade da época, apenas os Arduínos cometeram atos de violência para com a igreja e a sociedade da época. Pois o derramamento de sangue era aceito, uma vez que fosse em nome da Igreja ou da manutenção da ordem pública. Uma vez que esses mesmos atos eram cometidos para subverter essa ordem, a ordem da Res Publica, eram condenados e considerados atos de violência.  
“A violentia era o nome cabível à obstrução da ordem pública. Dizê-lo não significava, per se, referir-se a agressões e intimidações pela força. Usurpar uma função como a de um conde ou bispo, ou desviar uma causa dos locais autorizados a dizer a justiça poderia ser descrito como uma conduta violenta –“
RUST, Leandro Duarte. 2016. Pg. 07
           Colocados ideologicamente num patamar superior e livre da violência como princípio, o clero tinha, visto de fora, uma visão muito mais aprofundada da violência que assolava o mundo medieval a qual eles faziam parte. Pois o derramamento de sangue e o uso da força bruta por si só não eram considerados atos de violência. Era necessária essa visão para que a Igreja pudesse manter o controle social por meio da coerção, da intimidação, no dia a dia da vida do homem simples.
           Porém, toda essa trama do uso da força, seja ela ideológica ou física é mais complexa dentro desse mundo do que parece, uma vez que ela não era sempre aceita sem resistência, pois ela acarretava em diversas relações sociais de lutas internas e o que só fazia a guerra ser mais legitimada do que em nenhum outro tempo.
           A Igreja, além de tudo, possuía ainda a missão de espalhar a palavra de Deus para onde fosse, e manter a ordem, enfrentando qualquer tipo de resistência. E para isso se utilizada dessa força, dessa “violência legítima” que era costumeira para que se resistisse a ordem vigente. As guerras santas, após esse período, foram tão legítimas quanto qualquer outro movimento dentro desse contexto, mesmo sendo umas das mais violentas de todos os tempos.
        É possível perceber então, que o entendimento por trás da violência que se instaurava na época era da manutenção da ordem católica e da manutenção das hierarquias de classe vigentes. E que no período, mesmo sendo ele extremamente violento, onde o uso da força era diário e rotineiro, o conceito de violência fundado pela Igreja então, só era considerado, se ferisse essa ordem. E que todos o movimento a favor da aristocracia e da Espada tinha o aval e a legitimidade da igreja para violentar, matar e cometer a atrocidade que fosse, contanto que fosse em nome de Deus. Criando uma instituição bélica e de guerra para sacramentar essas instituições.
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