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Pensamentos ♪
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Respeite a Ordem, Obedeça o Caos.
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hkmaorablog · 1 month ago
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hkmaorablog · 2 months ago
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O Bom Companheiro
Novembro de 2004, – São Paulo.
O beco era apertado, fedia a urina velha e restos de comida apodrecida. Fincado entre dois prédios carcomidos na Avenida do Estado, era o lar de um homem esquecido pelo tempo. Ninguém sabia seu nome, era mais uma entidade da cidade... mas por ali o chamavam de Seu Marreta, não se sabia se pelo temperamento ou por alguma história velha de botequim.
Vivia de restos, favores e das moedas que ganhava vigiando carros ou no dominó. Um vício que o comia por dentro tanto quanto a pinga de garrafão. Jogava como se aquilo fosse tudo o que lhe restava — e, talvez, fosse mesmo. A mulher o havia deixado anos atrás. Levou os filhos consigo e o que restou eram as palavras duras que ecoavam na mente dele em cada gole: "Você vai acabar sozinho, Cláudio. Nem cachorro vai querer saber de você."
Pois ironia do mundo: quem lhe sobrou foi justamente a companhia de um cachorro. Um vira-lata surrado, de pelo sujo e orelha rasgada, que apareceu um dia no beco e nunca mais arredou pata. Batizou o bicho de Trapo, nome certeiro pra quem era mais osso do que cão.
Trapo era mudo de julgamentos, paciente nas ausências, fiel até quando apanhava. Porque apanhava. Marreta, quando voltava embriagado dos bares da região, descarregava no bicho a raiva que não sabia nomear. Um chute na costela, uma coronhada com a garrafa vazia. Trapo gemia, mas voltava no dia seguinte, abanando o rabo, lambendo a mão suja do dono.
Só que paciência tem limite até pra bicho de rua.
Numa noite abafada de novembro, o céu pesava em nuvens. Marreta voltava cambaleante, com o hálito cheirando a álcool barato e o coração cheio de nada. Perdeu no bar, no dominó, no baralho, na esperança. Trapo se enroscava na coberta de pano velho que dividia com o dono, mas ao primeiro passo tropeçou no cão, o primeiro olhar vidrado, já sabia: vinha chumbo.
Dessa vez, Marreta foi mais frio, mais seco. Deu uma pancada no focinho do cachorro com a madeira da cadeira quebrada que usava como banco. Trapo não chorou , apenas escorreu o sangue em sua cara — só correu. Rápido, entre os vãos dos prédios, e desapareceu.
Quando Marreta acordou no outro dia, a boca seca e o corpo doído, sentiu algo faltar. Não era a pinga, nem a dignidade perdida. Era o silêncio do beco. Trapo não voltou.
Desesperado, saiu em busca. Chamava-o nome pelas ruas imundas, perguntava nos bares, nos becos. Os olhos, sempre opacos, agora brilhavam de um medo que não sabia conter. Andou até a calçada larga da Avenida do Estado, onde os carros passavam feito tiros.
Viu o vulto ao longe — era Trapo? Talvez fosse.
Correu, o corpo velho tropeçava, mas o coração disparava como nos tempos de juventude. Atravessou sem olhar. Um caminhão não conseguiu frear.
O barulho foi seco. O corpo, jogado como um saco de carne. O sangue se misturou à sujeira da rua. Trapo assistiu de longe, parado, os olhos atentos. Depois virou-se, sumindo de vez entre os becos e vielas.
Capítulo 1 - Novembro de 2004, Brás – São Paulo.
Perambulando pelas ruas de um dos centros comerciais mais fétidos da cidade, encontra-se no meio da multidão uma alma perdida, envolta em uma névoa de apatia, entre pessoas consumistas e patrões gananciosos. Seu nome... Bem, ele é conhecido como Zé. Um garoto esguio, astuto e ligeiro, mas com algo que não podia ser ignorado: seus olhos, embora acostumados à dureza das ruas, ainda carregavam a inocência da criança que ele não pode ser.
O dia a dia de Zé não era uma escolha, mas uma necessidade. O quanto ele poderia faturar nas ruas e vielas da cidade era o único plano que ele tinha. Não por hobby, mas pelas circunstâncias. Órfão, nunca soube por onde anda sua família. Não conheceu o rosto de seus pais. O que restava dele eram as lições amargas que a rua lhe dera: enganar, furtar e sobreviver. As palavras de seu velho companheiro de rua, o senhor Antunes com barba grisalha que o acolherá por uma noite quando ele ainda mal sabia como se defender do frio horripilante ecoavam em sua mente: "A rua não é cruel, garoto. A rua só te ensina a ser esperto." Mas, apesar de tudo, ele não se tornara insensível. Seus gestos rápidos, seus truques sujos para enganar os outros, eram apenas formas de manter-se de pé.
No fundo, Zé ainda era uma criança. Fragilidade? Ah, ele tinha. Às vezes, quando o silêncio das ruas o envolvia e ele se escondia entre caixas de papelão, pensava no que poderia ser, no que poderia ter sido. Ele não gostava de dormir de olhos fechados, pois temia acordar em algum lugar distante, em um lugar onde não existiam mais lembranças de quem ele era.
Em meio àqueles rostos apressados que passavam ao seu lado, ele se sentia invisível, mas não por escolha. Se alguém o olhasse de perto, veria o garoto que já tinha aprendido a fazer da vida uma corrida constante. Mas Zé também tinha a suavidade de quem ainda sentia o calor da infância no peito. Ele observava as crianças nas praças, jogando bola e suas risadas fartas. Era como se ele soubesse, sem saber, que nunca seria um deles.
Naquele dia, no entanto, sua vida seguiria outro rumo. Zé andava pelas ruas do Brás com passos rápidos, seus olhos atentos a tudo. O calor do asfalto queimava seus pés descalços, mas ele estava acostumado à dor. Um cheiro de óleo e fritura invadia o ar, misturado ao cheiro de suor das lojas apertadas. Ele não pensava naquilo, só no que poderia pegar, onde poderia gastar. Até que seus olhos se fixam em uma mulher com cabelo longo e roupas caras, parada na frente de uma loja, com os olhos perdidos entre as vitrines e os produtos, sem perceber o mundo ao seu redor. Ela estava distraída.
Zé se aproximou devagar, quase sem querer, mas com uma necessidade que ele não sabia expressar. Ele não era um criminoso. Só estava tentando viver. Quando viu a carteira no bolso da mulher, pendurada com desatenção, algo se moveu dentro dele. Não o desejo de furtar, mas a urgência. Ele estendeu a mão de forma rápida, com a delicadeza de quem não quer ser notado, e pegou o que precisava. Em um movimento fluido, a carteira estava em suas mãos, e Zé se afastou no meio da multidão. Ninguém percebeu.
Mas no fundo, ele sabia que sua alma estava mais suja do que sua calça rasgada. Havia uma leveza naquele gesto, mas também uma dor. Ele não queria ser visto como um criminoso. Não queria ser alguém que as pessoas olhassem com desprezo. Ele queria ser só um garoto, com direito de sonhar, com direito de ter algo mais. Mas naquele momento, ele só tinha a sobrevivência.
E, como sempre, o som das ruas, as buzinas, o grito dos ambulantes, tudo passava por ele como um filme, onde ele nunca seria o protagonista. Mas Zé sabia que a vida, ali, entre as vielas, era sua.
Mas o que ele não sabia, era que naquela tarde, algo em seu destino estava prestes a mudar. O que era sua luta diária para continuar respirando, agora se tornaria uma questão de caráter. Porque, ao longe, observando sua ação, havia alguém que não estava ali para julgá-lo. Mas para testá-lo.
Zé se afastou rápido, cortando a multidão como uma lâmina afiada. A carteira já estava escondida dentro da calça puída, e ele sentia o peso dos trocados que ainda teria que dar um jeito de usar. Mais um dia vencido, mais um passo longe da fome. Havia algo estranho naquela tarde, um arrepio na espinha, como se estivesse sendo observado.
Ele não gostava disso. Estar no radar de alguém nunca era bom.
Ao dobrar uma esquina estreita, sentiu um vulto acompanhar seus movimentos. Instintivamente, acelerou o passo. Foi quando uma voz calma, sem pressa, o chamou:
— Zé ?
Ele parou no ato. Pouca gente sabia seu nome. E quando sabia, nunca era coisa boa.
Virou-se devagar. O homem que o chamara estava ali, a poucos metros. Meia-idade, barba por fazer, roupas gastas, mas sem o ar sujo de quem morava na rua. Tinha uma postura firme, mas não ameaçadora. Os olhos? Aqueles sim eram perigosos. Olhos que via mais do que devia.
— Tá me confundindo com alguém — Zé rosnou, tentando disfarçar a tensão.
— Não, não estou. Sei quem você é. Sei o que faz. Sei que sobrevive à custa dos outros... mas também sei que pode ser mais do que isso.
Zé riu curto, debochado.
— Vai me dar sermão, tio? Já te aviso que eu não sou seu filho...
O homem balançou a cabeça, como se esperasse aquela resposta. Caminhou devagar até parar a dois passos de distância.
— Eu não vim dar sermão, garoto. Vim te fazer uma proposta.
Zé cruzou os braços, cético.
— Sei lá quem é você e já chega falando em proposta? Vai me oferecer trabalho honesto, é isso? Vender pano na feira? Lavar carro pros boy?
— Quero que pare de roubar.
O riso de Zé foi seco, irônico.
— E eu quero dormir num colchão macio com travesseiros de penas de ganso... Mas a gente não tem tudo o que quer, né?
O homem permaneceu impassível.
— Eu posso te tirar dessa vida, mas preciso saber se você está disposto.
A resposta veio na hora, cuspida com raiva:
— Disposto? Você acha que eu escolhi isso aqui? Que eu acordei um dia e pensei “ah, hoje vou passar fome e correr da polícia porque é divertido”?
Seus punhos estavam cerrados. Algo dentro dele queria berrar, socar, quebrar aquela conversa no meio. Odiava quando vinham com aquele papo de escolha. Como se ele tivesse tido alguma.
— Eu sei que você não escolheu — o homem disse, tranquilo, como se enxergasse além da ira de Zé. — Mas você ainda pode escolher o que fazer daqui pra frente.
O garoto cuspiu no chão, sem responder. O homem o observava com paciência, como se esperasse que ele dissesse algo. Mas Zé não ia ceder. Não ia mostrar fraqueza. Não ia revelar como aquela conversa realmente mexia dentro dele. Afinal, ele não confiava em ninguém.
E, por mais que não soubesse, aquele homem não tinha aparecido por acaso.
Capítulo 3 - um novo personagem.
Na outra esquina se encontrava Zé atordoado do papo que acabará de ter com um estranho.
- Mas que sujeito maluco, achou mesmo que fosse cair naquele papo brabo... Só me faltava essa!
Quando se virou parar tomar rumo deu de frente com trapo. Machucado e puro osso, percebeu imediatamente que aquela era se não marcas da vida, vida essa que as vezes o colocava de frente com a morte. A empatia foi imediata.
- Olha, venha cá menino. Chamando o cachorro.
Trapo desconfiado porque toda espécie de carinho que conheceu veio seguida de gritos e chutes ficou em estado de alerta. Se preparando para reagir.
A os poucos o olhos de Zé mudou de semblante. Um olhar com ternura o tomou por um instante... E o cachorro revidou, deu um passo meio que contra vontade. O menino então puxou um pão e o ofereceu ao cachorro.
- Venha, não vou te machucar. Pode vir. Tch tch tch...
O cachorro abanou o rabo, mas conteve o passo.
Então o garoto foi em direção ao cachorro.
Um passo de cada vez até finalmente alcança-lo.
- Pronto! Não tenha medo. Estou com você.
Imediatamente o cachorro lambeu sua face e o garoto começou rir.
Divertiram-se aquela tarde juntos.
Zé foi de rua em rua apresentando seu novo amigo a os conhecidos.
A senhora Lourdes que trabalhava em uma barraca vendendo meia e que as vezes lhe oferecia algo para comer indagou.
- Olá Zé, que belo amigo você tem, como se chama?
- Ele se chama bingo.
- Bingo? Ora porque deu esse nome?
- Porque a partir de hoje ele vai ser meu companheiro da sorte.
Lourdes não sabia bem oque aquilo significava, mas consentiu com a cabeça.
- Você e seu amigo já tomaram café?
- não.
- Pois bem trouxe um pedaço de bolo e café com leite na vasilha. Porque não pega um pedaço pra vocês terminarem bem o dia de hoje.
Capítulo 4: O Silêncio do Pavilhão Cinza.
Antes de ser um rato das ruas e vielas do centro, Zé era apenas uma criança ingênua. Pequeno demais para ser notado, esperto demais para ser esquecido. Jogaram ele no orfanato quando ainda cheirava a leite — o tipo de cheiro que ninguém ali sentia falta. O lugar ficava num beco da Zona Norte, escondido entre uma igreja abandonada e uma fábrica que cuspia fumaça preta sete dias por semana. Chamavam o orfanato de “Círco Dourado”, talvez por causa das paredes mofadas ou das almas cansadas que ali se arrastavam.
Ali dentro, justiça era palavra de dicionário, Zé apanhava porque era rápido demais na língua, ligeiro demais nas mãos. Ajudava a esconder os cigarros dos mais velhos, pegava pão a mais na cozinha, dormia com um sapato enfiado na barriga pra não perder. Era sobrevivência, não maldade — mas isso ninguém via. A diretora, Dona Heraldina, dizia que “moleque que se faz do doido a vida ensina”. E de fato, muitos não ouviam mesmo.
Foi lá que ele conheceu Caíque.
Caíque não corria. Não gritava. Andava devagar, falava mais devagar ainda. Tinha os olhos grandes demais pro rosto e o corpo frágil como papel molhado. Quando Zé o conheceu, achou que ele fosse só mais um bicho triste prestes a desistir. Mas Caíque tinha uma coisa que ninguém ali tinha: sabia escutar. E quando falava, era como se o mundo parasse pra prestar atenção.
— Você acha que a gente é gente mesmo, Zé? — perguntou ele uma noite, no beliche debaixo. — Ou só peças que jogaram fora?
Zé não respondeu. Não sabia. Só sabia que perto de Caíque, ele não sentia tanto medo.
Os dois se tornaram inseparáveis. Caíque lia os livros velhos que encontrava na despensa do padre. Lia pra Zé também. Começaram com histórias de bichos que falavam, depois chegaram em autores que Zé não sabia nem pronunciar: José de Alencar, Machado, até Dostoiévski apareceu uma vez, numa edição toda rasgada.
Zé aprendia com Caíque que o mundo era maior que aquele pavilhão imundo. Mas o mundo também era cruel — e mostrou isso do pior jeito.
Um dia Caíque começou a tossir sangue. Os outros meninos riam, diziam que ele era fraco, que tava se fingindo. Mas Zé sabia. Sabia pelo cheiro do suor dele, pela forma como seus olhos apagavam aos poucos. Descobriram o câncer tarde demais. Tarde demais como sempre é pra nós que somos esquecidos.
Zé acompanhou o amigo até o fim. Sentado num canto da enfermaria, ouviu o médico dizer que não havia nada a fazer. Caíque segurou a mão dele e disse:
— Se um dia você sair daqui… não deixa o mundo te transformar. nao se transforme em um bicho que não sabe amar. Não se torne uma caricatura de sí mesmo.
Caíque morreu numa quinta-feira, às três da manhã. O orfanato enterrou ele num canto do cemitério municipal, com apenas um nome na cruz. Zé ficou olhando a cova se fechar, os punhos cerrados, o coração rachado. Naquela noite, Zé deixou de ser só um menino e virou um homem — não por orgulho, mas por saber que a vida seria súbita, dura, ingrata.
Desde então, carregava em si um pedaço de Caíque, escondido entre as costelas. Um silêncio, um grito mudo, um fio de esperança que nunca apagava por completo. Era aquilo que o impedia de se entregar de vez ao mundo sujo — uma lembrança de que, sim, talvez eles fossem gente. Mesmo que ninguém havia lhe consedido essa honra.
Capítulo 5 - A origem
O frio veio primeiro. Depois, a consciência. A cabeça latejava, e quando tentou se mexer, sentiu o ferro das correntes apertando seus tornozelos. O cheiro de mofo e ferrugem enchia o ar. Zé piscou, os olhos se ajustando à escuridão cortada por um único feixe de luz vinda de uma greta na parede.
- Que porra de lugar é esse?
Lembrou-se da última coisa que viu: mãos fortes puxando-o para dentro de uma van, o pano encharcado de alguma coisa que o fez apagar. Tentou ignorar o aperto no peito e respirou fundo.
O medo nunca ajuda ninguém. Só atrapalha.
Seu olhar encontrou um pedaço de papel jogado perto de seus pés. Com dificuldade, conseguiu se inclinar e pegá-lo. Letras impressas e secas diziam: "Aprenda a se virar".
Ele riu, um riso rouco e sem humor.
- Como se isso fosse novidade...
Sem sol para marcar o tempo, ele se guiava pelo próprio corpo. A fome veio como uma faca atravessando suas entranhas. A sede era pior. Vasculhou cada canto ao alcance, até achar um cano rompido do qual pingava um fio de água. Bebeu sem pensar em contaminação. Depois, começou a testar os limites da prisão. Notou que alguns parafusos na parede estavam frouxos, arrancando um por um com os dedos sangrando. Até que, enfim, a corrente cedeu.
Livre das paredes mas ainda carregando as correntes como um espírito vivo atormentando o alojamento médico que se encontrava em um caixão de viaduto. Zé se aventurou pelo lugar. O alojamento abandonado era um labirinto de corredores embolorados, salas de equipamentos enferrujados e camas vazias. Mas ali também havia suprimentos. Ele encontrou roupas velhas, caixas com enlatados e pacotes de bolacha esquecidos. Não era um banquete, mas para ele, era o banquete.
O maior tesouro, no entanto, não estava entre as sobras de comida más em uma sala trancada, depois de forçar a fechadura com um pedaço de metal, encontrou prateleiras abarrotadas de livros. Não eram gibis ou romances baratos, tão pouco livros de auto-ajuda. Eram pesados, encadernados, com nomes que ele mal sabia pronunciar: Órganon, Fausto, Dom Quixote, Crime e castigo…
Se fosse outro tempo, talvez Zé passasse direto. Mas ali, sozinho e preso, o tempo era seu. Pegou um ao acaso e começou a ler. No início, as palavras fugiam, difíceis. Mas ele insistiu. Dia após dia, seu olhar deslizou com mais facilidade sobre as frases, sua mente absorvendo aquelas histórias como quem devora um prato de comida depois de dias sem comer.
Foi então que encontrou algo que o fez parar. Entre papéis velhos, restos de arquivos do que aquele lugar fora um dia, havia uma pasta amarelada. Dentro, uma certidão de nascimento.
De cara ele não deu a menor importância, mas a os poucos ele começou a fazer associações e teve a intuição de que ele conhecia de quem era aqueles documentos...
Nome: Hector Teixeira Albuquerque.
Mãe: Sandra Albuquerque.
Pai: Rafael Teixeira Cardoso.
Data do nascimento: 23/05:1992.
Hora do nascimento: 6:15h.
Local de nascimento: instituto Kelleher Meyer.
Mais abaixo uma foto de um bebê, evidenciando uma marca de nascença no ombro esquerdo. Uma cicatriz, quase como uma meia lua.
Zé virou a página amarelada entre os dedos sujos de poeira. A certidão de nascimento estava ali.
Abaixo do nome da mãe, apenas um espaço em branco. Mas no campo do pai, uma assinatura que fez seu peito apertar: Rafael Teixeira Cardoso.
Ele piscou, tentando processar a informação, quando notou algo na lateral do papel, escrito à mão, com tinta desbotada:
"Menino entregue ao abrigo Santa Luzia "Circo Dourado" Julho de 1992. Mãe desaparecida. Pai não localizado."
Seu coração deu um salto. Ele conhecia aquele abrigo. Era de lá que tinha fugido anos atrás, quando ainda era pequeno demais para se lembrar de tudo, mas grande o suficiente para saber que nunca mais queria voltar. As peças começaram a se encaixar, e um gosto amargo subiu em sua garganta.
Ele não era só um garoto sem passado. Seu pai existia. E, pior, ele provavelmente sabia onde Zé estava esse tempo todo.
Zé apertou o papel com força. Se Rafael Teixeira queria testá-lo, ia descobrir que ele nunca falhava numa prova.
Seu sangue gelou. Seu pai. Ele nunca soube nada sobre ele. Agora, ali estava o nome, claro como o dia. E se perguntava: foi ele quem o colocou ali? Para quê? Para testar sua resistência? Para ver se ele era digno de alguma coisa? Ou para esconder o filho que ele nunca quis assumir ?
O que Zé sabia era que sairia dali. E que quando saísse, devolveria ao mundo tudo o que o mundo lhe deu.
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hkmaorablog · 3 months ago
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Capítulo 4 - As obras dos Santos.
O silêncio da noite pairava sobre os corredores do hospital como um manto espesso. O relógio marcava onze horas quando o padre Samuel chegou à entrada lateral, envolto na penumbra de sua batina. A enfermeira noturna hesitou antes de permitir sua entrada, mas a presença do sacerdote sempre parecia carregar um peso inquestionável. Ele caminhou lentamente pelos corredores brancos e estéreis até o escritório da diretora.
Annalise o aguardava com as mãos entrelaçadas sobre a mesa. A luz fraca do abajur realçava as olheiras sob seus olhos. Ela sabia por que ele estava ali.
— Boa noite, Padre. — disse, sem se levantar.
Samuel fechou a porta atrás de si, ajeitou o colarinho por um instante, apenas o tique-taque do relógio preencheu o espaço enquanto dava passos miúdos em direção a mulher.
— Boa noite, minha filha — respondeu ele, com uma voz calma, quase paternal. — Espero não estar incomodando...
Sentou-se.
— Sempre é um incômodo quando a fé e a ciência entram em conflito — disse Annalise, olhando-o diretamente nos olhos. — Mas diga, o que o traz aqui esta noite?
O padre inclinou-se ligeiramente para frente, cruzando os dedos.
— Eu vejo o sofrimento destas almas, Annalise. Vejo-as se agarrando à falsa esperança dos seus tratamentos, quando poderiam encontrar a verdadeira redenção nos braços de Deus.
Ela arqueou a sobrancelha.
— Falsa esperança? Estamos salvando vidas! Padre.
— Salvar vidas, sim, mas a que custo? Se as pessoas confiam na medicina mais do que na graça divina, estarão condenadas. Eu lhe peço, Annalise, que permita que a fé ocupe o lugar que lhe é devido. Que os enfermos encontrem na oração sua verdadeira cura. Alguns tratamentos... talvez não precisem ser administrados com tanta urgência.
A diretora recostou-se na cadeira, cruzando os braços.
— Está sugerindo que eu sacrifique vidas para encher as igrejas?
Samuel sorriu, sereno.
— Estou sugerindo que lhes devolva o livre-arbítrio. Que permita que escolham entre a ciência falha dos homens e a salvação inquestionável de Deus.
Annallise permaneceu em silêncio por alguns segundos. Sabia que a igreja dependia de doações, e aquela casa era uma das suas maiores contribuintes. O pedido do padre não era apenas uma questão de fé, mas de influência. De controle.
— Você quer que eu deixe pessoas morrerem para que suas ovelhas procurem refúgio nos bancos da igreja? — sua voz agora era um sussurro gelado.
O padre Samuel manteve o olhar firme.
— Quero apenas que Deus volte a ser a resposta, Annalise. E você pode ajudar a tornar isso possível.
O silêncio voltou a preencher o escritório. O peso daquela conversa pairava entre os dois, como uma sombra que se alongava nas paredes. Annalise sabia que tinha uma escolha a fazer — e nenhuma delas era fácil.
Annallise suspirou, inclinando-se para frente, os olhos analisando cada detalhe da expressão do padre Samuel. O jogo de poder entre os dois era sutil, mas evidente.
— Interessante, padre. Você quer que eu abra mão da medicina em nome da fé — disse, tamborilando os dedos sobre a madeira fria da mesa. — Mas e se, ao invés disso, a fé pudesse servir a um propósito maior?
O padre ergueu uma sobrancelha. Annallise sorriu. Levantou-se e abriu um pequeno armário ao lado da mesa, de onde retirou uma garrafa de conhaque e um copo. Encheu-o até a metade e o deslizou na direção do religioso.
Samuel hesitou por um momento, mas então pegou o copo, girando o líquido âmbar sob a luz fraca do abajur.
— O que está propondo, minha filha? — questionou, antes de levar o copo aos lábios e tomar um gole lento.
Annallise sentou-se novamente, relaxando contra a cadeira.
— Você e eu sabemos que o mundo não é governado apenas por santos. Há pecadores em todos os lugares, e alguns deles têm muito dinheiro. O hospital precisa de doações para continuar funcionando, e há uma entidade que sempre esteve disposta a investir onde há interesse: a Prometheya.
Samuel pousou o copo sobre a mesa e tirou um pequeno maço de cigarros do bolso interno da batina. Pegou um, acendeu-o com gestos lentos e estudados, e tragou profundamente antes de responder.
— A Prometheya... a indústria farmacêutica? São homens perigosos. Seus interesses nem sempre estão alinhados com os da igreja.
— E nem com os meus — retrucou Annallise, seu tom adquirindo um peso diferente. — Mas eles têm poder, influência. E o mais importante: têm laços com um certo homem que eu venho procurando há algum tempo.
O padre permaneceu em silêncio por um instante, analisando as palavras dela. A fumaça do cigarro subia em espirais lentas pelo escritório.
— Você quer minha ajuda para trazê-los para perto — disse, por fim.
Annallise sorriu.
— Exato. Você tem a influência necessária para convencê-los de que este hospital pode ser um grande aliado para suas pesquisas. Se a Prometheya acreditar que há vantagens aqui, colocarão dinheiro, recursos... E eu terei acesso ao que preciso...
Samuel tragou mais uma vez, depois soltou a fumaça lentamente. Observou Annallise com um olhar que misturava ponderação e fascínio.
— E se eu recusar?
Ela inclinou-se para frente, os olhos brilhando com uma determinação fria.
— Então teremos um problema, padre. Porque você quer que a fé retorne. E eu quero o controle. Podemos ajudar um ao outro... ou podemos nos tornar obstáculos.
O relógio marcou meia-noite. O cigarro queimava entre os dedos do padre, e o conhaque reluzia no copo.
Samuel esboçou um sorriso discreto.
— Você joga um jogo perigoso, minha filha.
Annallise apoiou os cotovelos na mesa, entrelaçando os dedos.
— Sempre joguei. A questão é: você está dentro ou fora?
O silêncio voltou a preencher a sala. O padre bebeu o restante do conhaque de um gole só. E então, com um suspiro profundo, esmagou o cigarro no cinzeiro à sua frente.
— Estou dentro.
O destino já havia sido selado.
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hkmaorablog · 3 months ago
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Encontro nas Ruínas
A luz do fim da tarde mal penetrava nas janelas quebradas do antigo hospital, mas Daniel ainda conseguia distinguir as sombras que se estendiam pelas paredes, marcadas pela decadência e pelo abandono. Ele caminhava com cautela pelos corredores escuros, o eco de seus passos ressoando como se o próprio lugar estivesse vivo, esperando algo acontecer... Desde que fora trazido para aquele lugar por Annelise, Daniel sentia que havia algo a mais ali — como que parecia lhe dizer algo.
Ele não sabia exatamente o que procurava, mas a sensação de estar preso em uma teia invisível o incomodava profundamente. A cada sala que explorava, mais sentia a presença de segredos antigos, como se o hospital fosse um ponto de convergência para histórias que o passado tentara enterrar. As pilastras corroídas e as portas enferrujadas pareciam guardar segredos que ele não podia simplesmente ignorar.
De repente, ao virar um corredor estreito, Daniel avistou uma figura ao fundo. No início, pensou ser apenas uma sombra projetada pelas rachaduras, mas logo percebeu que alguém estava ali — um garoto, de aparência suja e com uma postura ligeiramente desconfiada. Seus olhos se encontraram, e, por um momento, o silêncio entre eles parecia denso, carregado de uma tensão inexplicável.
Zé Ladeira observava Daniel com a cautela de quem não se entrega a primeira impressão. Ele não sabia o que o garoto de olhos perdidos fazia ali, mas sentia algo, como se aquele encontro não fosse casual. O menino, sujo e com o semblante tenso, parecia ter a mesma atitude de quem conhece bem o jogo da sobrevivência, como ele. Mas Zé tinha algo mais: um instinto apurado, forjado nas ruas e nas trapaças diárias. E, ao ver Daniel, algo em seu olhar sugeria mais do que o simples desespero por respostas.
Daniel, sem esconder a surpresa, se aproximou devagar.
Daniel: "Você... Quem é você?"
Zé Ladeira, com um sorriso irônico, olhou para as correntes que ainda arrastava e fez uma pausa antes de responder.
Zé: "Eu sou o que sobrou, parceiro. E você? Tá perdido ou só tá tentando entender essa merda toda?"
Daniel sentiu um frio na espinha, mas não podia evitar a curiosidade. O garoto parecia saber algo que ele ainda não tinha descoberto.
Daniel: "Eu... tô tentando entender o que aconteceu aqui. Esse lugar, o que é? Como é que você chegou até aqui?"
Zé deu um passo em direção a Daniel, estudando-o com um olhar curioso e cauteloso.
Zé: "Não sei exatamente, mas acho que você tá tentando a mesma coisa que eu: sair dessa prisão, né? Mas sabe, esse lugar... não é só um hospital. É uma armadilha, meu chapa. Pra quem não sabe onde tá pisando."
Daniel sentiu um arrepio. Ele sabia que Zé não estava falando apenas do lugar físico, mas também das armadilhas invisíveis, as manipulações que se teciam ali. Mas a frase de Zé, aquela palavra "prisão", lhe soou familiar. Como se o garoto soubesse algo que ele não compreendia.
Zé, com uma risada abafada, olhou para as correntes e deu de ombros. "Eu sobrevivo porque não sou um idiota. Sei me virar muito bem. Você parece perdido, mas não acho que seja por muito tempo. Esse lugar... tem algo que não me deixa descansar, algo que eu tenho que descobrir. Só que... você... você tem cara de quem é mais um peão nesse jogo."
Capítulo 4: O Impasse Filosófico
Zé Ladeira estava sentado sobre uma pilha de destroços no que restava do antigo hospital, o local onde Annelise havia sido diretora. O lugar agora era apenas uma sombra de seu passado, suas paredes rachadas e sujas de cinza, como se carregassem os ecos das antigas histórias que ainda pairavam no ar. A luz fraca que entrava pelas janelas quebradas iluminava apenas fragmentos de um mundo desfeito.
Daniel, com seus 17 anos e a atitude de quem já tinha visto muito, observava Zé com um olhar desconfiado. A cada palavra que o garoto dizia, ele sentia uma estranha mistura de ceticismo e desdém. Daniel não conseguia se livrar da ideia de que Zé era apenas um garoto perdido, alguém que ainda estava tentando entender o mundo ao seu redor. Mas havia algo em Zé que não conseguia encaixar.
"Então, você está me dizendo que toda essa história que estamos vivendo é uma questão de percepção?" Daniel perguntou, a voz carregada de uma dúvida irônica. "Porque isso é o que você realmente está tentando dizer, não é? Que o que vemos, o que vivemos, é só uma projeção de nossa mente?"
Zé olhou para ele com um olhar sério, mais atento do que Daniel esperava de alguém tão jovem. Seus olhos, embora ainda com o brilho da infância, carregavam uma intensidade que desafiava qualquer tentativa de subestimá-lo.
"Você não entende, Daniel", Zé respondeu, a voz calma, mas firme. "A questão aqui não é só percepção. Não é só Platão e as sombras na caverna... É mais complexo do que isso. A realidade, como você a vê, é moldada por nossa consciência, como diria Schelling. Ele falava que o mundo não é uma coisa fixa, como você pensa. O real e o ideal se interpenetram, e a nossa mente está no centro disso. Você só vê o que a sua consciência permite."
Daniel fez uma careta. "Eu não sei, Zé. Eu já ouvi coisas assim, mas... parece que você está viajando demais. É um conceito muito difícil de acreditar."
Zé sorriu, como se já esperasse essa reação. Ele se levantou lentamente e começou a caminhar pelos escombros, com os pés cuidadosamente evitando os cacos de vidro e os detritos. Ele parecia tão à vontade naquele lugar destruído quanto qualquer adulto que já tivesse vivido muitas batalhas. Daniel o seguiu com o olhar, tentando entender o que estava acontecendo ali.
"Eu sei que parece estranho. Mas isso vai além do que Platão dizia sobre a caverna. Ele falava das sombras, das ilusões, mas Schelling foi mais longe", Zé continuou, parando em frente a uma parede parcialmente desmoronada. "Schelling dizia que a realidade não é só o que percebemos, mas é também aquilo que não percebemos, o que nossa mente não consegue alcançar. Você acha que está no controle, que pode ver tudo o que precisa ver, mas, na verdade, está preso em uma bolha de percepção. Como se estivesse sendo manipulado."
Daniel não sabia o que dizer. Ele já havia lido algo sobre esses filósofos, mas as palavras de Zé pareciam diferentes, mais diretas, como se o garoto tivesse realmente entendido aquilo. Daniel estava acostumado a pensar em filosofia de maneira mais abstrata, como algo distante, algo que apenas adultos ou intelectuais podiam discutir de forma legítima. Nunca imaginaria que um garoto de 13 anos pudesse ter um domínio tão profundo sobre esses temas.
"Você está dizendo que nós estamos presos em uma ilusão?", Daniel perguntou, mais sério agora.
Zé acenou com a cabeça, o olhar fixo nas ruínas ao seu redor. "Sim. E não só isso. A realidade que você acha que controla, essa mesma que você chama de ‘real’, é uma construção. Ela é mutável, fluida. Husserl, mais tarde, aprofundou isso. Ele falava da consciência intencional – a ideia de que nossa mente sempre está voltada para algo. Uma espécie de direção da atenção. Você não vê o mundo como ele realmente é. Você vê o mundo através da lente das essências. Tudo que percebemos, real ou ilusório são as essências, a nossa capacidade de nos referimos ao inexistente demonstra como o plano das essências se sobrepõe a nossa capacidade habitual de pensamento. O problema é que você nem percebe o quanto essa percepção é limitada." Toda e qualquer percepção de algo é se não a percepção de uma essência respectiva.
Daniel olhou para ele, uma mistura de surpresa e desconfiança no rosto. Ele ainda estava tentando absorver o que Zé dizia, mas algo em sua fala parecia genuíno, algo que ele não podia simplesmente ignorar. Zé estava desafiando a maneira como Daniel via o mundo. E isso o incomodava.
"Então, você está dizendo que tudo isso... tudo o que eu vejo, tudo o que fazemos, é só uma questão de como a nossa mente funciona?", Daniel perguntou, tentando entender.
"Sim", Zé respondeu, com um sorriso quase imperceptível. "Mas também é mais do que isso. A mente não é só um reflexo do que vemos. Ela cria a realidade à medida que a experimenta. A realidade não está fora de nós, daniel. Ela está dentro de nós, na nossa percepção, nas nossas experiências, nos nossos pensamentos...
Daniel permaneceu em silêncio por um longo momento, processando as palavras de Zé. Ele olhou para o lugar em que estavam, para os escombros ao seu redor, e pela primeira vez, sentiu um leve desconforto. Ele já sabia que a realidade era mais complexa do que imaginava, mas as palavras de Zé criaram uma sensação de incerteza que ele nunca tinha experimentado antes.
Zé, como se percebesse a luta interna de Daniel, deu um passo atrás. "Eu sei que é difícil de entender. Mas a verdade é que ninguém aqui está completamente no controle. Nem você, nem Annelise. Todos nós estamos sendo guiados por algo maior do que percebemos."
Daniel não respondeu de imediato. Ele olhou para Zé, e pela primeira vez, algo dentro dele cedeu. Ele não sabia o que era, mas sentia que o garoto tinha razão em alguma coisa. Talvez ele fosse mais do que parecia. Talvez fosse exatamente isso que ele precisava entender: que, apesar de tudo o que conhecia, a realidade não estava apenas nas coisas que podia ver, mas também nas que ele ainda não entendia.
Daniel franziu a testa, o sangue começando a ferver naquelas palavras. O que Zé queria dizer? Ele não estava ali como um peão, ele queria entender a história do lugar, queria encontrar a verdade sobre o que Annelise e aquele homem: Rafael Teixeira, estavam realmente fazendo com ele. Mas como era óbvio não se pode deduzir as regras do jogo a partir das composição de suas peças, afinal pouco importa de qual matéria seja composta as peças de um dominó, as regras serão as mesmas...
Daniel: "E você... quem é você, afinal? Por que está aqui?"
Zé olhou para Daniel, com uma expressão que oscilava entre a hostilidade e a curiosidade. Mas algo em seus olhos parecia se aprofundar, como se ele estivesse guardando algo. Então, ele se aproximou um pouco mais, sem dizer nada. Por um instante, Daniel sentiu que as palavras de Zé estavam carregadas de um segredo sombrio.
Zé: "Eu... tô aqui porque alguém me colocou aqui. Não sei se você vai acreditar, mas... o homem me trouxe até aqui, foi o tal de Rafael Teixeira!"
O impacto daquela revelação caiu como um peso sobre Daniel. Ele piscou, incerto se tinha ouvido corretamente. Zé parecia tão perdido quanto ele próprio naquele lugar, e a ideia de que alguém ali estava vinculado de maneira tão pessoal ao homem que havia sido mencionado pela velha o assustava.
Zé soltou uma risada amarga, como se aquela situação fosse mais uma piada cruel do destino. A tensão entre eles era palpável, como se, por um instante, o mundo ao redor tivesse parado.
Zé: "Ele acha que me protege, mas, na verdade, tá só me empurrando pra dentro de mais uma gaiola. Talvez você, garoto, saiba mais sobre ele do que eu. Mas seja esperto. Esse homem tem muito mais segredos na cabeça do que você imagina."
Daniel sentiu uma onda de confusão, mas também uma sensação crescente de que ele não estava mais sozinho na busca pelas respostas. O que Zé sabia? E por que Rafael havia estado ali, em um lugar que parecia ter mais mistérios do que ele conseguia entender? A única coisa certa era que, juntos ou separados, eles estavam no mesmo labirinto — e, no final, só sairiam dele se conseguissem entender a verdade oculta nas ruínas daquele hospital.
Ele não sabia exatamente o que estava procurando, mas sentia que o hospital, com suas paredes podres e escadas enferrujadas, escondia segredos que ele precisava entender. Cada sala que explorava, cada pedaço de papel antigo que encontrava, parecia sussurrar um enigma. O hospital, que um dia fora um centro de cura, agora exalava um cheiro de morte e mistério.
Daniel: "Você sabe o que aconteceu aqui? Eu... eu preciso entender. Tem algo sobre esse lugar, algo que não me deixa em paz."
Zé olhou ao redor, seu olhar mais profundo agora, como se o hospital fosse um velho conhecido que ele nunca deixaria de reconhecer. Ele havia chegado ali antes, com pistas de onde foi mantdo confinado por Rafael Teixeira.
Zé: "Eu sei, sim. Mas se você acha que vai sair daqui com alguma resposta fácil, você tá enganado, garoto. Esse lugar era um hospital, mas... sei lá, talvez o que aconteceu aqui não tenha nada a ver com cura. Talvez o maior segredo desse lugar seja que ele curava um tipo de doença que ninguém devia saber que existia."
Daniel ficou em silêncio, absorvendo as palavras de Zé. Ele sentia que havia algo mais — um pano de fundo, uma história não contada que agora se desdobrava diante dele, uma história de segredos tão profundos quanto as raízes podres que sustentavam as paredes do hospital. Mas ele não podia perder tempo. Precisava entender por que Annelise o havia trazido para esse universo e o que realmente acontecera.
Daniel: "Eu... não estou tentando sair daqui. Eu quero entender. Por que alguém traria gente como nós para esse lugar? O que foi que aconteceu aqui?"
Zé olhou para ele, com um semblante mais sério agora. Ele parecia pesar suas palavras, como se estivesse prestes a revelar algo mais profundo.
Daniel franziu a testa, uma onda de compreensão começando a surgir. Ele olhou para as paredes danificadas ao redor e para o labirinto de corredores que pareciam não ter fim. Tudo ali parecia em ruínas, mas ainda assim, existia uma estranha ordem nos pedaços quebrados.
Zé, percebendo o silêncio de Daniel, continuou.
Zé: "Você tá procurando por algo, né? A mesma coisa que eu. Acho que você já sabe. A resposta tá ali, nas paredes, nos documentos... o que aconteceu com esse lugar? E quem, ou o que, tem as chaves desses segredos?"
Ouvindo isso, Daniel se sentiu mais determinado do que nunca. Ele não estava mais sozinho nesse mistério. Ambos estavam ali, na mesma busca, e juntos poderiam descobrir o que realmente acontecera naquele lugar.
Zé começou a andar lentamente, as correntes que ele ainda arrastava roncando pelo chão enquanto ele se movia. Daniel o seguiu, ainda cauteloso, mas sentindo uma conexão silenciosa com o garoto. Eles eram, de certa forma, dois lados da mesma moeda. Cada um tentando entender os mesmos mistérios, as mesmas perdas, as mesmas armadilhas da mente e do corpo.
Eles chegaram a uma sala isolada, com estantes de livros e documentos espalhados por toda parte. Zé se ajoelhou, vasculhando uma pilha de papéis envelhecidos. Daniel se aproximou, observando atentamente. Daniel achou um bilhete que parecia ser a senha de um cofre. Ele então vasculhou o cômodo e achou atrás de uma estante um cofre antigo no qual ele usou a senha para acessar a chave das corrente que atormentava zé.
Daniel " tome, pegue essa chave e se liberte das correntes do seu passado".
Zé: "Esses documentos... eles falam de experimentos. De algo muito maior do que qualquer um pode imaginar. E o pior... eles falam de pessoas que, assim como nós, foram usadas. Mas não é só isso. Esse lugar, esse hospital, era mais do que um simples centro médico. Era um campo de controle. Talvez até de manipulação genética."
Daniel leu com mais atenção, mas as palavras eram densas e complexas demais para ele absorver de uma vez só. Ele sentia que havia mais, algo que estava apenas começando a se revelar.
Zé olhou para ele, com uma expressão grave.
Zé: "E, no fim das contas, talvez você e eu sejamos mais parecidos do que eu pensava. Fomos parte de algo maior. Algo que ainda tá se desenrolando."
Daniel sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Ele olhou para Zé, compreendendo que a verdade sobre aquele hospital, e sobre as pessoas envolvidas — Annelise, Rafael Teixeira, e até eles mesmos — estava bem mais distante do que ele imaginava. E o que havia começado como uma busca por respostas agora se tornava uma jornada para entender os próprios limites da manipulação humana.
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hkmaorablog · 3 months ago
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Capítulo 3: A Noite Chuvosa e os Segredos Revelados
A chuva caía incessante, batendo forte nas folhas da árvore que Zé Ladeira escalara para se esconder. A noite estava fria e úmida, e o vento forte fazia com que a escuridão se tornasse ainda mais opressiva. Ele se manteve ali, imóvel, observando a casa da velha. A casa, escondida entre as árvores da floresta, parecia ser uma extensão da própria escuridão. As janelas estavam ligeiramente abertas, mas as cortinas pesadas dificultavam a visão do que se passava dentro. Zé sabia que algo estava acontecendo ali, algo que ele não compreendia completamente, mas a necessidade de descobrir a verdade o mantinha firme, mesmo com a chuva torrencial que caía sobre ele.
Ele havia seguido a velha por semanas, observando de longe. Mas, naquela noite, algo estava diferente. Zé sentiu que algo se aproximava, uma reviravolta que ele não podia deixar explicar. Ele viu Daniel chegando à casa, seu corpo encharcado pela chuva, seus olhos desesperados, mas também, de alguma forma, vazios, como se estivesse sendo atraído por algo além do seu controle. Zé observou de cima, com seus sentidos aguçados, enquanto a velha começou a hipnotizar o garoto. Ele já havia visto a manipulação antes, mas nunca dessa forma. Daniel estava sucumbindo ao poder da mulher como uma marionete, e Zé não pôde deixar de sentir uma mistura de raiva e compaixão.
A velha murmurava palavras baixas, um canto hipnótico que parecia penetrar a mente de Daniel. O garoto, que até então estava lutando para manter o controle, agora parecia ser uma folha levada pelo vento, entregue à vontade da mulher. Zé sentia a tensão crescente enquanto observava. Ele podia ver Daniel se debatendo, as mãos se apertando contra a cabeça, os olhos se revirando, como se estivesse travando uma batalha interna contra forças que não podia compreender. A luta de Daniel era desesperada, quase mortal. Ele sentia que estava à beira de algo grande, algo que não poderia voltar atrás.
A agonia de Daniel era quase palpável, e Zé não conseguiu mais ficar parado. Ele desceu da árvore com a agilidade de um felino, movendo-se como uma sombra em meio à tempestade. A raiva queimava em suas veias, o desejo de entender o que estava acontecendo e, principalmente, de acabar com o controle que a velha tinha sobre Daniel. Ao chegar perto da casa, ele a observou pela janela. A velha estava completamente imersa em seu trabalho, sua atenção totalmente voltada para Daniel, que parecia estar perdendo a batalha contra a hipnose. Zé deu um passo em direção à porta, mas, antes de tocar a maçaneta, algo o impediu.
Ele pensou por um momento. Algo dentro dele sabia que a velha sabia muito mais do que parecia. Ela estava escondendo algo, algo que Zé precisaria para alcançar a verdade. Ele respirou fundo e, com uma determinação feroz, entrou pela porta dos fundos, que estava entreaberta.
Quando Zé entrou na sala, a velha levantou os olhos, percebendo sua presença instantaneamente. Ela não se surpreendeu, mas Zé viu o ligeiro desconforto em seu olhar. Ele avançou em direção a ela, seu rosto determinado, suas palavras saindo com uma frieza calculada.
Zé entrou na sala com passos firmes, seus olhos fixos na velha. Ele sabia que a chave para tudo estava diante dele, mas precisava arrancar as palavras dela, custasse o que custasse.
Zé: "Eu não vim aqui pra fazer perguntas vazias, Annelise. Eu sei que você guarda respostas, respostas que ninguém mais tem coragem de procurar. Agora, você vai me contar o que tá acontecendo aqui. Você vai me contar por que esse lugar é um cemitério de segredos."
Annelise: olhando-o com um sorriso enigmático "Ah, você não entende, Zé. Nunca entendeu, nem vai entender. Tudo tem seu propósito, tudo é parte de um plano maior. Você acha que está em controle agora, mas eu já vi homens como você. Pensam que podem controlar o que não compreendem. Você não sabe o que está lidando."
Zé: "Eu sei o suficiente. Sei que Daniel está se perdendo, que você está usando ele, que ele tá sendo manipulado... Mas eu também sei que ele tem um poder, algo que você não quer que ele descubra. Eu não sou cego."
Annelise: sorri, quase com prazer "Você acha que pode salvar ele, Zé? Ele é como um animal selvagem agora, e você quer domá-lo? Não existe dominação sem consequência. Você pensa que o controle sobre ele é uma bênção, mas é uma maldição. Um peso que você não está preparado para carregar."
Zé: "Eu não quero ser o salvador, mas não vou deixar ele se perder, não vou deixar ele se transformar no que você fez com ele. Você sabe o que ele pode se tornar. Eu já vi a luta dentro dele, vi o conflito, a dor... você não pode ter o controle sobre ele para sempre."
Annelise: encostando-se na parede com um olhar frio "Você não entende, Zé. Ele tem algo dentro de si que você jamais compreenderá. Ele tem o poder de destruir tudo, tudo que eu construí. Ele é um risco. Uma ameaça. Por isso, você vai ser o novo elo, o novo guardião. Você vai zelar por ele, vai mantê-lo sob controle, ou ele vai engolir tudo. Vai engolir você, vai engolir tudo o que restou."
Zé: "Você acha que pode me manipular dessa forma? Que eu vou aceitar ser um capacho? Eu já vivi o suficiente pra saber que você tem medo dele. Medo do que ele pode se tornar. E agora, o que você vai fazer, me dar o livro e me dizer o que fazer com ele? O que você quer, Annelise? Me tornar a sua marionete também?"
Annelise: "Não, Zé. Não é assim. Você já é parte desse jogo. Você não é mais um simples espectador, você é o árbitro. E você vai decidir: manter Daniel sob controle, ou permitir que ele se perca. Se ele se perder, Zé... você vai ser o único culpado. O único responsável."
Zé: olha fixamente para ela, suas palavras saindo como um desafio "Então é isso? Você me deixa com essa carga, essa responsabilidade, porque sabe que não posso deixar ele se tornar o monstro que você teme? E o que vai ser de mim depois, hein? Eu vou ser o seu escravo, o seu protetor, ou o seu inimigo? Eu já sou parte desse jogo, mas não vou jogar suas regras. Vou criar as minhas."
Annelise: se aproxima lentamente, sua voz um sussurro ameaçador "Você acha que pode criar suas próprias regras, Zé? Que pode escapar do que já está escrito? O jogo é maior do que você, maior do que Daniel, maior do que tudo. Você vai lutar contra os próprios demônios dele, e no fim, vai perceber que o maior inimigo... é você mesmo. Porque o controle, Zé... ele te consome, te destrói."
Zé ficou em silêncio por um momento, absorvendo as palavras da velha. O peso da responsabilidade pesava em seu peito, mas ele sabia que não tinha escolha. A luta pela verdade e pelo controle de Daniel estava apenas começando.
Zé: "Você vai me contar tudo o que sabe, velha. Ou vou fazer com que se arrependa de ter me trazido até aqui."
A velha olhou para ele com um sorriso enigmático, mas algo em seus olhos revelava que ela não estava totalmente segura de sua posição. Zé se aproximou mais, seus olhos fixos nos dela.
Zé: "Se você acha que pode controlar tudo e todos, tá muito enganada. Eu não sou como o garoto. Eu vou arrancar suas respostas, de qualquer jeito."
A velha manteve o silêncio por um instante, e então, com um suspiro, cedeu.
Annelise: "Você quer saber mais sobre Rafael Teixeira, é isso? O homem que você chama de pai... Não sabe nada sobre ele, não é? Ele nunca soube de você. Você é um bastardo, Zé. Seu pai jamais soube que você existia."
As palavras caíram sobre Zé como um golpe direto. Ele olhou para ela, atônito, sem saber se deveria acreditar ou não. O que ela estava dizendo parecia impossível, mas algo dentro dele sabia que havia mais naquela história do que ele podia imaginar.
Annelise, vendo o choque em seus olhos, continuou.
Annelise: "Você foi criado nas ruas, sem um nome, sem uma origem, porque ele nunca soube de você. Mas, mesmo assim, ele esteve aqui, fazendo o que fazia... criando a base para tudo isso. O hospital, as experiências... E você, Zé Ladeira, você foi apenas mais uma peça na engrenagem."
Zé não soubera o que sentir. A revelação de sua origem mexeu com ele mais do que qualquer coisa que ele já tivesse experimentado. Mas ele não tinha tempo para processar tudo aquilo agora. Ele precisava daquilo. Ele precisava da chave para entender como tudo estava ligado.
Zé: "Me dá o livro. Quero o livro que controla tudo isso."
Annelise olhou para ele por um momento, e então, com um gesto lento, puxou um livro grosso de uma prateleira próxima. Era um livro antigo, com a capa desgastada e a tinta desbotada. Ela o entregou a Zé sem uma palavra.
Zé segurou o livro com as mãos trêmulas, sentindo o peso daquilo — o peso de um conhecimento que podia mudar tudo. Ele sabia que, a partir dali, nada seria mais como antes.
— Annelise — Vamos até o meu quarto.
O quarto de Annelise era um mausoléu de recordações. Pilhas de livros, documentos antigos, e uma escrivaninha repleta de anotações cobertas de poeira. Sob a luz amarelada do abajur, suas mãos ossudas folheavam um dossiê com páginas amareladas.
Zé Ladeira, de pé, encostado na porta, observava-a com os olhos semicerrados. O menino, apesar da pouca idade, já carregava o peso de um homem que viu demais.
— Você sabe o que eu quero — disse ele, cruzando os braços.
Annelise ergueu o olhar, a sombra de um sorriso se formando nos lábios enrugados.
— Sei. Você quer a verdade. Mas a verdade, meu caro, tem um preço.
Zé Ladeira riu pelo nariz, descrente.
— Eu não vim negociar, velha. Você vai me dizer onde ele está.
Ela deslizou os dedos pelo papel como se o nome escrito ali ainda queimasse.
— Rafael Teixeira… Ah, Rafael. Um homem brilhante, idealista. Um tolo.
— Ele te traiu? — Zé perguntou, zombeteiro.
— Não. Eu traí ele — respondeu Annelise, impassível.
O menino se inclinou para frente, os olhos faiscando.
— Então por que você me daria isso agora?
Ela inspirou fundo e pousou a mão sobre a dele.
— Porque você tem a coragem que ele não teve. Porque o mundo que eu sonhei só pode existir se você entender o que fazer com essa informação.
Zé puxou a mão de volta.
— Você quer vingança.
— Quero que você veja que não há lugar para fraqueza. Você é meu filho, não é?
O silêncio caiu entre os dois. Ela deslizou o dossiê até a beirada da mesa.
— Ele está em Paraty. Escondido. Tentando esquecer o que fizemos naquele hospital.
Zé Ladeira pegou os papéis sem desviar o olhar.
— Você não sente nada por ele?
Annelise sorriu, mas seus olhos estavam vazios.
— Eu senti. Um dia. Mas há muito tempo eu aprendi que sentimentos não constroem nada… Só atrasam.
Zé Ladeira virou-se para sair, mas antes de cruzar a porta, lançou um último olhar sobre o ombro.
— Então talvez você tenha esquecido o que significa ser humana.
E sem esperar resposta, sumiu na escuridão do corredor.
Quando chegou ao local onde sabia que Rafael Teixeira estaria, ele entrou com passos pesados, o livro ainda nas mãos. O que encontrou foi um cenário de horror.
Rafael Teixeira estava estendido no chão, sem vida, o corpo sem movimentos, coberto por uma camada de sangue. Ao lado dele, uma garotinha estava imóvel, paralisada, seus olhos vazios, como se fosse uma marionete sem dono.
Zé sentiu um nó na garganta, uma sensação de revolta crescente. Ele não sabia quem havia feito isso, mas sabia que estava em um ponto de não retorno. Ele olhou para a garotinha, suas mãos tremendo enquanto ele se aproximava. O que havia acontecido ali? Quem havia causado tamanha destruição?
Ele levantou o olhar para o corpo de Rafael, ainda atordoado pela dor da perda e pela revelação de sua verdadeira origem. Ele agora possuía o livro, o poder, mas a pergunta era: até onde ele iria para entender tudo o que se escondia nas sombras do passado?
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hkmaorablog · 4 months ago
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Capítulo 2: Encontro nas Ruínas
A luz do fim da tarde mal penetrava nas janelas quebradas do antigo hospital, mas Daniel ainda conseguia distinguir as sombras que se estendiam pelas paredes, marcadas pela decadência e pelo abandono. Ele caminhava com cautela pelos corredores escuros, o eco de seus passos ressoando como se o próprio lugar estivesse vivo, esperando algo acontecer... Desde que fora trazido para aquele lugar por Annelise, Daniel sentia que havia algo a mais ali — como que parecia lhe dizer algo.
Ele não sabia exatamente o que procurava, mas a sensação de estar preso em uma teia invisível o incomodava profundamente. A cada sala que explorava, mais sentia a presença de segredos antigos, como se o hospital fosse um ponto de convergência para histórias que o passado tentara enterrar. As pilastras corroídas e as portas enferrujadas pareciam guardar segredos que ele não podia simplesmente ignorar.
De repente, ao virar um corredor estreito, Daniel avistou uma figura ao fundo. No início, pensou ser apenas uma sombra projetada pelas rachaduras, mas logo percebeu que alguém estava ali — um garoto, de aparência suja e com uma postura ligeiramente desconfiada. Seus olhos se encontraram, e, por um momento, o silêncio entre eles parecia denso, carregado de uma tensão inexplicável.
Zé Ladeira observava Daniel com a cautela de quem não se entrega a primeira impressão. Ele não sabia o que o garoto de olhos perdidos fazia ali, mas sentia algo, como se aquele encontro não fosse casual. O menino, sujo e com o semblante tenso, parecia ter a mesma atitude de quem conhece bem o jogo da sobrevivência, como ele. Mas Zé tinha algo mais: um instinto apurado, forjado nas ruas e nas trapaças diárias. E, ao ver Daniel, algo em seu olhar sugeria mais do que o simples desespero por respostas.
Daniel, sem esconder a surpresa, se aproximou devagar.
Daniel: "Você... Quem é você?"
Zé Ladeira, com um sorriso irônico, olhou para as correntes que ainda arrastava e fez uma pausa antes de responder.
Zé: "Eu sou o que sobrou, parceiro. E você? Tá perdido ou só tá tentando entender essa merda toda?"
Daniel sentiu um frio na espinha, mas não podia evitar a curiosidade. O garoto parecia saber algo que ele ainda não tinha descoberto.
Daniel: "Eu... tô tentando entender o que aconteceu aqui. Esse lugar, o que é? Como é que você chegou até aqui?"
Zé deu um passo em direção a Daniel, estudando-o com um olhar curioso e cauteloso.
Zé: "Não sei exatamente, mas acho que você tá tentando a mesma coisa que eu: sair dessa prisão, né? Mas sabe, esse lugar... não é só um hospital. É uma armadilha, meu chapa. Pra quem não sabe onde tá pisando."
Daniel sentiu um arrepio. Ele sabia que Zé não estava falando apenas do lugar físico, mas também das armadilhas invisíveis, as manipulações que se teciam ali. Mas a frase de Zé, aquela palavra "prisão", lhe soou familiar. Como se o garoto soubesse algo que ele não compreendia.
Zé, com uma risada abafada, olhou para as correntes e deu de ombros. "Eu sobrevivo porque não sou um idiota. Sei me virar muito bem. Você parece perdido, mas não acho que seja por muito tempo. Esse lugar... tem algo que não me deixa descansar, algo que eu tenho que descobrir. Só que... você... você tem cara de quem é mais um peão nesse jogo."
Daniel franziu a testa, o sangue começando a ferver naquelas palavras. O que Zé queria dizer? Ele não estava ali como um peão, ele queria entender a história do lugar, queria encontrar a verdade sobre o que Annelise e aquele homem, Rafael Teixeira, estavam realmente fazendo com ele.
Daniel: "E você... quem é você, afinal? Por que tá aqui?"
Zé olhou para Daniel, com uma expressão que oscilava entre a hostilidade e a curiosidade. Mas algo em seus olhos parecia se aprofundar, como se ele estivesse guardando algo. Então, ele se aproximou um pouco mais, sem dizer nada. Por um instante, Daniel sentiu que as palavras de Zé estavam carregadas de um segredo sombrio.
Zé: "Eu... tô aqui porque alguém me colocou aqui. Não sei se você vai acreditar, mas... o homem me trouxe até aqui, o tal de Rafael Teixeira!"
O impacto daquela revelação caiu como um peso sobre Daniel. Ele piscou, incerto se tinha ouvido corretamente. Zé parecia tão perdido quanto ele próprio naquele lugar, e a ideia de que alguém ali estava vinculado de maneira tão pessoal ao homem que o havia trancado naquele alojamento era no mínimo desconcertante.
Zé soltou uma risada amarga, como se aquela situação fosse mais uma piada cruel do destino. A tensão entre eles era palpável, como se, por um instante, o mundo ao redor tivesse parado.
Zé: "Ele acha que me protege, mas, na verdade, tá só me empurrando pra dentro de mais uma gaiola. Talvez você, garoto, saiba mais sobre ele do que eu. Mas seja esperto. Esse homem tem muito mais segredos na cabeça do que você imagina."
Daniel sentiu uma onda de confusão, mas também uma sensação crescente de que ele não estava mais sozinho na busca pelas respostas. O que Zé sabia? E por que Rafael havia estado ali, em um lugar que parecia ter mais mistérios do que ele conseguia entender? A única coisa certa era que, juntos ou separados, eles estavam no mesmo labirinto — e, no final, só sairiam dele se conseguissem entender a verdade oculta nas ruínas daquele hospital.
Ele não sabia exatamente o que estava procurando, mas sentia que o hospital, com suas paredes podres e escadas enferrujadas, escondia segredos que ele precisava entender. Cada sala que explorava, cada pedaço de papel antigo que encontrava, parecia sussurrar um enigma. O hospital, que um dia fora um centro de cura, agora exalava um cheiro de morte e mistério.
Daniel: "Você sabe o que aconteceu aqui? Eu... eu preciso entender. Tem algo sobre esse lugar, algo que não me deixa em paz."
Zé olhou ao redor, seu olhar mais profundo agora, como se o hospital fosse um velho conhecido que ele nunca deixaria de reconhecer. Ele havia chegado ali antes.
Zé: "Eu sei, sim. Mas se você acha que vai sair daqui com alguma resposta fácil, você tá enganado, garoto. Esse lugar era um hospital, mas... sei lá, talvez o que aconteceu aqui não tenha nada a ver com cura. Talvez o maior segredo desse lugar seja que ele curava um tipo de doença que ninguém devia saber que existia."
Daniel ficou em silêncio, absorvendo as palavras de Zé. Ele sentia que havia algo mais — um pano de fundo, uma história não contada que agora se desdobrava diante dele, uma história de segredos tão profundos quanto as raízes podres que sustentavam as paredes do hospital. Mas ele não podia perder tempo. Precisava entender por que Annelise o havia trazido para ali e o que realmente acontecera.
Daniel: "Eu... não estou tentando sair daqui. Eu quero entender. Por que alguém traria gente como nós para esse lugar? O que foi que aconteceu aqui?"
Zé olhou para ele, com um semblante mais sério agora. Ele parecia pesar suas palavras, como se estivesse prestes a revelar algo mais profundo.
Daniel franziu a testa, uma onda de compreensão começando a surgir. Ele olhou para as paredes danificadas ao redor e para o labirinto de corredores que pareciam não ter fim. Tudo ali parecia em ruínas, mas ainda assim, existia uma estranha ordem nos pedaços quebrados.
Zé, percebendo o silêncio de Daniel, continuou.
Zé: "Você tá procurando por algo, né? A mesma coisa que eu. Acho que você já sabe. A resposta tá ali, nas paredes, nos documentos... o que aconteceu com esse lugar? E quem, ou o que, tem as chaves desse segredo?"
Ouvindo isso, Daniel se sentiu mais determinado do que nunca. Ele não estava mais sozinho nesse mistério. Ambos estavam ali, na mesma busca, e juntos poderiam descobrir o que realmente acontecera naquele lugar.
Zé começou a andar lentamente, as correntes que ele ainda arrastava roncando pelo chão enquanto ele se movia. Daniel o seguiu, ainda cauteloso, mas sentindo uma conexão silenciosa com o garoto. Eles eram, de certa forma, dois lados da mesma moeda. Cada um tentando entender os mesmos mistérios, as mesmas perdas, as mesmas armadilhas da mente e do corpo.
Eles chegaram a uma sala isolada, com estantes de livros e documentos espalhados por toda parte. Zé se ajoelhou, vasculhando uma pilha de papéis envelhecidos. Daniel se aproximou, observando atentamente. Daniel achou um bilhete que parecia ser a senha de um cofre. Ele então vasculhou o cômodo e achou atrás de uma estante um cofre antigo no qual ele usou a senha para acessar a chave das corrente que o atormentava.
Zé: "Esses documentos... eles falam de experimentos. De algo muito maior do que qualquer um pode imaginar. E o pior... eles falam de pessoas que, assim como nós, foram usadas. Mas não é só isso. Esse lugar, esse hospital, era mais do que um simples centro médico. Era um campo de controle. Talvez até de manipulação genética."
Daniel leu com mais atenção, mas as palavras eram densas e complexas demais para ele absorver de uma vez só. Ele sentia que havia mais, algo que estava apenas começando a se revelar.
Zé olhou para ele, com uma expressão grave.
Zé: "E, no fim das contas, talvez você e eu sejamos mais parecidos do que eu pensava. Fomos parte de algo maior. Algo que ainda tá se desenrolando."
Daniel sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Ele olhou para Zé, compreendendo que a verdade sobre aquele hospital, e sobre as pessoas envolvidas — Annelise, Rafael Teixeira, e até eles mesmos — estava bem mais distante do que ele imaginava. E o que havia começado como uma busca por respostas agora se tornava uma jornada para entender os próprios limites da manipulação humana.
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hkmaorablog · 4 months ago
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A Semente Perdida
No âmago da Floresta Amazônica, onde o verde é mais denso e os segredos da natureza permanecem envoltos em mistério, um cientista alemão, Dr. Heinrich Weissmann, e sua filha, Annelise Weissmann, desembarcam em busca de uma lenda botânica: a Árvore de Yarymã. Segundo os antigos relatos de tribos indígenas, suas sementes possuem propriedades curativas capazes de regenerar tecidos e curar doenças incuráveis.
A jornada dos Weissmann começa na cidade de Manaus, onde entram em contato com um guia local, Elias Tavares, que os leva até os Yapurixás, uma tribo isolada que guarda os segredos da floresta há séculos. Os Yapurixás concordam em ajudá-los, mas alertam sobre os perigos da busca. A floresta é viva, dizem eles, e protege seus segredos daqueles que a tratam com ganância.
O que Heinrich e Annelise não sabem é que não estão sozinhos nessa busca. A Prometheya, uma poderosa corporação farmacêutica russa, também está atrás da semente. Liderados por Viktor Sokolov, um ex-militar frio e meticuloso, os russos possuem recursos ilimitados e pouca consideração pelas advertências indígenas.
À medida que Heinrich, Annelise e sua equipe de cientistas se embrenham mais fundo na selva, percebem que a busca não é apenas por uma planta milagrosa, mas por algo maior: um equilíbrio entre ciência e respeito pela natureza. Os Yapurixás os guiam através de provas físicas e espirituais, ensinando-lhes sobre a conexão sagrada entre os seres vivos. No entanto, a presença da Prometheya cresce, e logo a expedição se torna uma corrida contra o tempo.
No clímax da jornada, Heinrich e sua equipe chegam ao local sagrado onde a Árvore de Yarymã cresce. Mas ao mesmo tempo, Viktor e seus homens também chegam. O confronto se torna inevitável. Os Yapurixás utilizam suas táticas de guerrilha florestal para tentar deter os russos, enquanto Heinrich e os cientistas lutam para salvar as sementes. No meio do caos, Heinrich é morto, e Annelise, devastada, consegue escapar levando uma única semente consigo.
Anos depois, Annelise e Rafael Monteiro, um dos cientistas que estiveram com ela na Amazônia, construíram juntos o Weissmann Institute, um hospital de renome mundial que revolucionou a medicina com terapias regenerativas baseadas na semente. Durante anos, os dois trabalharam lado a lado, compartilhando momentos de admiração mútua, desafios científicos e uma tensão emocional latente. Embora Rafael fosse profundamente apaixonado por Annelise, ele via como sua ambição crescia a cada novo avanço, obscurecendo qualquer laço afetivo entre eles.
Enquanto o hospital prosperava, Annelise ampliava sua influência nos círculos médicos e políticos, planejando cuidadosamente sua vingança contra a Prometheya. Seu plano começou a se desenhar quando Viktor Sokolov, agora à frente da divisão de pesquisa da Prometheya, propôs uma parceria: em troca do acesso às pesquisas do Weissmann Institute, os russos investiriam bilhões na expansão da instituição, tornando-a referência absoluta na medicina global.
Rafael, desconfiado da repentina aliança, tentava alertá-la. Mas Annelise estava decidida. Ela viu na proposta a oportunidade perfeita para destruir seus inimigos de dentro para fora. Para garantir sua posição, começou a manipular acordos, eliminar cientistas que poderiam atrapalhá-la e arquitetar um incêndio devastador que consumiria o hospital e os russos junto com ele, apagando todas as evidências e garantindo que apenas ela tivesse o segredo da semente.
Enquanto isso, Rafael se distanciava cada vez mais, encontrando consolo em Camila, uma jovem paciente brasileira que sofria de uma doença degenerativa. O amor entre eles floresceu rapidamente, e Rafael descobriu que Camila estava grávida. Infelizmente, a fragilidade de sua saúde a impediu de sobreviver ao parto. Sua filha, Aurora, nasceu com habilidades psíquicas e curadoras, um legado da poderosa semente.
Na noite do grande incêndio, o Weissmann Institute virou um inferno em chamas. A Prometheya, traída e sem tempo para reagir, foi consumida pelo fogo junto com seus segredos. Annelise desapareceu na confusão, deixando para trás um mundo que a via como uma visionária e, ao mesmo tempo, uma destruidora impiedosa.
Rafael, agora com Aurora nos braços, percebeu que o futuro da medicina não estava no poder ou na vingança, mas na criança que herdara o verdadeiro dom da Árvore de Yarymã. O destino da menina e os segredos da floresta agora se entrelaçavam em uma nova batalha entre ambição e esperança.
A floresta guarda seus segredos e decide quem é digno de conhecê-los. Nem todos sairão ilesos dessa história.
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hkmaorablog · 4 months ago
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hkmaorablog · 5 months ago
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hkmaorablog · 5 months ago
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hkmaorablog · 5 months ago
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hkmaorablog · 5 months ago
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hkmaorablog · 5 months ago
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hkmaorablog · 5 months ago
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hkmaorablog · 6 months ago
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Feliz Natal
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hkmaorablog · 7 months ago
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