hurtslikethefuckinghell
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hurtslikethefuckinghell · 2 years ago
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Ontem, 08/08/2020, fiz aniversário de seis anos.
Pelo menos, meus familiares dizem que é aniversário. Segundo eles, nasci de novo. Não acho que é pra tanto, mas tudo bem.
E eu me lembro como se fosse ontem. 08/08/2014. O dia que mudou tudo.
Eu me lembro do gosto do asfalto, das pedras, do vidro, do sangue.
Naquela semana, estava um pouco pra baixo, cabisbaixo.
Na verdade, fazia um tempo, acho que uns meses, que eu estava mal, tanto fisicamente quanto psicologicamente. Estava questionando tudo, praguejando. Desafiava a natureza, desafiava o universo, desafiava a Deus. Estava perdido e confuso.
Mantinha meu semblante monótono e sem expressão e isso condizia com uma parte de mim, que estava praticamente morta. A outra parte, contudo, estava inquieta e insatisfeita, com tudo.
Naquela semana, eu tinha decidido que ia suar um pouco. Precisava espairecer, precisava liberar toxinas. Estava carregado.
Lembro da minha insatisfação em relação ao meu corpo, ao meu peso e a todo o resto. Estava fodido.
Comecei a semana bem, fui correr com meu amigo Leocildo. Lembro que corremos por pouco tempo se comparado ao que corríamos em outras épocas, nas épocas boas. Mas foi uma boa volta às atividades. Foi uma boa segunda-feira.
Ainda naquela segunda-feira, fiz alguns exercícios em casa e programei uma dieta.
Na terça-feira, fui caminhar com meu pai. Meu pai sempre foi o melhor parceiro que eu tive. Tem seus defeitos, como todos têm. Entretanto, tem qualidades que nem todos têm.
Na quarta-feira, estava muito cansado, mas decidi ir caminhar. Fui sozinho, dessa vez. Estava com dor e não queria atrapalhar ninguém. Fiz um percurso pequeno, mas produtivo.
Na quinta-feira, fui jogar futebol. Futebol sempre foi minha paixão, sempre foi algo que, quando eu fazia, me esquecia de todo o resto. Estive próximo de me profissionalizar algumas vezes, mas faltou foco e psicológico. Na verdade, eu trocava o futebol às vezes (várias vezes) por qualquer joguinho que tivesse armaduras, espadas e escudos, asas e montarias.
Naquela quinta-feira, fiz um gol de cinema. Driblei dois adversários num movimento tão rápido e incomum que acho que até hoje eles não entendem o que aconteceu. Do meio da quadra, chutei de esquerda, na gaveta. O coitado do goleiro nem viu, tamanha a violência do chute.
Meu pé dominante sempre foi o direito, porém o esquerdo era quase a mesma coisa. Meus amigos me chamavam de Zidane (jogador francês que foi eleito três vezes o melhor do mundo, que era conhecido pela inteligência e por ser ambidestro).
De qualquer forma, fiquei feliz por um momento. Fiquei animado.
E aí, chegamos na sexta-feira. Eu lembro que dormi até mais tarde nesse dia. Quando acordei, combinei a caminhada com a Maria. Não estava nos melhores momentos daquele relacionamento, mas também não estava nos piores. Era estranhamente confortável.
De tarde, fui com o meu amigo (ao menos na época) Leonel ao barbeiro, que também é meu primo. Lá, conversei com alguns colegas, principalmente sobre futebol. O corte dele atrasou.
Quando cheguei em casa, comi duas bananas e saí de casa. Subi até a Av., cerca de três minutos da minha antiga casa e fiquei esperando a Maria.
Eu não sei porque as meninas demoram tanto pra se arrumarem. E tipo, não importa aonde vão, elas sempre se arrumam muito. Eu acho que deve ter algo relacionado com autoestima, então tudo bem. Se faz bem, é certo fazer.
De qualquer forma, eu não sei escrever autoestima. Presumo que seja tudo junto, porém não vou pesquisar. Presumo que o motivo de eu não saber nem escrever, é por nem ao menos ter.
De qualquer forma, ela ficou pronta e, logo na nossa primeira volta, aconteceu.
Estávamos quietos demais naquele dia, eu estava brincando com um pedacinho de mato que eu havia achado no meio fio. Ela estava vendo alguma coisa no celular, como quase sempre.
Quando estávamos próximos do cruzamento, em um posicionamento bastante desfavorável, um Ford Escort modelo 1992, desgovernado sob a “direção” de um motorista embriagado, a mais ou menos 90 quilômetros por hora, nos atingiu no meio fio.
Eu sempre me achei um ninja, mas é estranho como a situação muda quando você está acompanhado por alguém mais frágil que você.
E eu me lembro de simplesmente ter pensado, ou falado, Maria, esse cara não vai parar. Depois disso, por reflexo ou sei lá o que, eu me coloquei entre ela e o carro.
Quando eu senti o impacto, foi confuso. É estranho como tudo acontecesse e como a gente se sente quando têm consciência do que está acontecendo. Eu quase que sentia o amargo da derrota na minha boca. Um dos meus olhos quase que se fechou sozinho, travou. É uma sensação difícil de descrever e mais difícil ainda, de se viver.
Ainda em relação ao impacto, eu lembro que meu braço, meu peito e minhas costelas quebraram o vidro do para-brisas. Já minha perna esquerda não teve a sorte de quebrar o para-choques. Foi ao contrário, ele destruiu a minha perna.
A partir daí, eu não vi mais a Maria. O motorista continuou acelerando e eu ainda estava em cima do carro, consciente e segurando com a força que eu ainda tinha. Era segurar ou aceitar o fato de que ele passaria por cima. Simples assim.
Quando ele finalmente viu que eu não ia soltar, freou, bruscamente. Fui arremessado próximo da guia e é daí que veio meio traumatismo craniano leve. Saía muito sangue da minha cabeça, do meu rosto, da minha barriga, dos braços. Tive o olho perfurado em dois locais, tanto na parte de cima, próximo da pálpebra, quanto na parte de baixo.
Quando olhei pra baixo, meus ossos não estavam dentro da minha perna. Eu acho que é preciso ser muito maluco pra ver uma cena dessas e ficar tranquilo como eu fiquei.
Poucas pessoas vão passar por isso, de ver sua perna em formato de “L”.
De qualquer forma, estava consciente e comecei a perguntar pela Maria. Algumas pessoas me disseram que ela estava bem, porém não sabia se podia acreditar. Assistia aos programas sobre acidentes no Discovery e sabia que era costume mentir pras vítimas pra que não hiperventilassem ou algo do tipo.
De qualquer forma, meu pai foi até o local, junto com muitas outras pessoas. A tia da Maria também estava lá.
Eu lembro até mesmo de me irritar e dizer pra todo mundo ficar calmo, pois estavam mais nervosos que eu. Eu não sabia se eu estava bem. Não sabia nem se queria estar ou ficar bem.
De qualquer forma, a ambulância foi chamada. A primeira a comparecer no local foi a branca, que levou a Maria. Pra quem não sabe, a ambulância branca do Samu é menos equipada, pra casos mais simples. Lembro que os paramédicos estavam um pouco aflitos, esperando a ambulância vermelha, que é a mais equipada, também conhecida como UTI móvel.
Um paramédico tropeçou na minha perna quebrada. Nesse momento eu já não sabia se ria, se chorava.
Eu estava sem um tênis e sem uma meia, não sei como ou o porquê, mas o acidente tratou de fazer isso de alguma forma. Depois de uns meses, recuperei o tênis. O meu óculos, entretanto, não teve a mesma sorte.
O paramédico me disse que precisava colocar a minha perna no lugar. Me deu uma duas meias que eu ainda tinha pra morder. A sensação dos seus ossos voltando pra dentro da perna é muito estranha. Uma série de estalos e gritos e pronto, estava “no lugar”.
Fui imobilizado com o colar cervical, colocado na maca e no soro e fomos pro hospital. Lembro que estava com certo receio de morrer. Um menino havia morrido, não muito tempo antes, porque tinha quebrado a canela. Complicações médicas depois, um coágulo foi parar no pulmão, o que resultou no óbito no mesmo dia.
Essa situação toda só saiu da minha cabeça porque algum personagem do desenho Corrida Maluca estava dirigindo a ambulância. A maca dançava, pulava e os paramédicos, posso jurar, riam.
Quando eu cheguei no hospital, os meus familiares estavam lá. E alguns amigos. E muitos “amigos”.
Eu lembro das luzes. Eram bonitas. Na época, eu já era muito míope e estava sem meus óculos, então eu só conseguia ver borrões de luz.
Eu e a Maria fomos levados até o mesmo local, mas não conseguíamos ver um ao outro. Estávamos imobilizados, estávamos com colar cervical.
Nessa altura, eu já tinha ciência do que havia acontecido com ela. Muito vidro no colo, no pescoço, e tinha arrancado parte do couro cabeludo. Mas estava relativamente bem.
Muitos mentiram pra mim, mas o Leonel me disse a verdade, me contou como ela estava e tudo mais.
Nesse dia, segundo minha mãe, meu avô chorou, depois de muitos anos sem demonstrar nada. Eu não sei se isso é bom ou ruim. Se é feliz ou triste.
Me lembro que o Dr. Márcio Guerra, médico do convênio, não quis nos atender. Estava ocupado com alguma coisa. O Dr. Antônio Vaz se prontificou para os procedimentos.
Eu pedi que a Maria fosse atendida primeiro. Não consegui ver nada, mas demos as mãos quando uma maca passou pela outra. Eu não sei se meu pedido foi acatado pelo Dr. porque ele acreditou na mentira (que eu estava bem, que ela podia ser atendida primeiro) ou se é porque meus remédios precisavam de um tempo pra fazer efeito, até eu poder ir pra sala cirúrgica.
Ali, me foi avisado que eu precisaria de no mínimo três cirurgias. Eu lembro de ir pra sala cirúrgica e logo depois de acordar no quarto, ainda na sexta-feira. A primeira cirurgia tinha corrido bem.
No sábado de manhã, o Dr. me disse que precisava limpar meu rosto. Havia uma casca que era uma mistura de pele morta, sangue e terra. Ele me disse que se não limpasse, eu ficaria com uma cicatriz pra sempre. Eu gosto de cicatrizes, mas fui pela maioria e deixei ele limpar.
Eu podia jurar que ele estava jogando ácido no meu rosto, mas era só água. Ele esfregou com uma escova e retirou toda a pele e o sangue e a sujeira dali. Eu posso jurar que ele levou um pedaço da minha alma com ele.
Minha perna precisava desinchar pra que eu pudesse fazer a segunda cirurgia o mais breve possível. Depois de alguns dias, ela começou a desinchar. O primeiro procedimento cirúrgico era uma espécie de preparatório para o segundo. O terceiro procedimento é o que colocaria os pinos, a haste e todo o restante.
No meu terceiro procedimento cirúrgico, eu lembro de ter tomado uma injeção próxima do cóccix. O nome, salvo engano, é anestesia raquidiana. Dormi que nem senti. Contudo, acordei no meio do procedimento. Comecei a conversar com a enfermeira, que era uma antiga amiga de escola. Vanessa, estudou comigo no primeiro, no segundo e no terceiro colegial.
Eles colocam um pano, geralmente azul ou branco, pra que o paciente não possa ver, caso acorde, a cirurgia. Você também não pode mexer a cabeça, então não dá pra olhar.
Porém, eu me lembro que conseguia ver a sombra dos médicos na parede, trabalhando. Parecia um episódio de pica-pau. Eu conseguia ouvir as marteladas, o cerrote. Eu conseguia sentir, na verdade. Não dor nem nada do tipo, mas sim o trabalhar dos médicos.
O que eu posso tirar de conclusão do hospital, é que é um lugar triste. É um lugar cinza. A comida é sem gosto, as camas são frias. Eu não conseguia ir ao banheiro, nem antes das cirurgias e nem depois. Senti uma dor descomunal por isso, implorava por sonda, por remédios.
Ainda com muita febre e algum tempo depois, depois de enfrentar o tédio, as visitas, as perguntas, eu pude ir pra casa. A Maria já estava em casa fazia algum tempo. Eu não quis que ela me visitasse, porque eu não a queria naquele ambiente. Na verdade, tentaram nos colocar no mesmo quarto, mas eu hiperventilei quando a vi parecendo uma múmia, cheia de faixas e toda machucada. Aí, acharam melhor não.
Quando cheguei em casa, ainda com muita dor, fui visitado por muita gente. Se dá pra tirar algo bom de tudo isso, foi ter recuperado a amizade do meu amigo Andreas. Tínhamos nos afastado por erro meu e, muito embora  o preço tenha sido alto, fiquei feliz que o acidente gerou pelo menos alguma coisa boa.
Foi nessa época que comecei a dormir na casa da Maria, depois de quase dois anos de namoro. A tia dela gostava de cuidar da gente, de fazer sopinha, de passar pomada. Meus pais trabalhavam muito, então como a tia dela era aposentada, cuidava da gente.
Mas não fazíamos nada demais. Eu usava uma bota horrível. Eu estive na cadeira de rodas por pouco tempo, depois andador, muletas e por fim, fiquei “livre”, só com a porcaria da bota mesmo.
A fisioterapia acabava comigo, por isso eu parei de ir. Foi lá que eu conheci o pai do Gabriel, muito antes de sonhar em conhecer o Gabriel. O pai dele é mais legal que ele. Pode confiar.
Depois de algum tempo, com a perna ainda muito inchada, fui tirar meus pontos. O médico enfiou uma tesoura um pouco diferente dentro da carne, porque os pontos estavam dentro da perna. A dor que eu senti não pode ser descrita, na moral.
Nesse período pós acidente, a Maria me chamava de anjo. Dizia que eu tinha salvado a vida dela e essas coisas. Depois de um tempo, começou a dizer que não tinha me pedido nada, que não tinha que ser grata por algo que eu fiz porque eu quis, não porque ela pediu.
No final, ela dizia que eu não devia nem ter sobrevivido.
Ao longo desses seis anos de acidente, eu passei dois deles ainda com a Maria. 2015 e 2016. Nós não fizemos nada de especial, nem comemoramos, nem lamentamos muito. Mas lembramos, falamos sobre.
Nos outros anos, 2017, 2018 e 2019, passei acompanhado por outra pessoa. Uma pessoa que me fez esquecer essas coisas ruins. Eu lembrava do acidente, mas ele já não significava nada. Era passado. Claro que o fato de nunca mais poder jogar futebol como antes era triste, mas isso já não me afetava tanto.
Em 2020, passei por tudo sozinho. É por isso que eu acabei de notar que eu me lembro, como se fosse ontem.
Ontem, 08/08/2020, fez seis anos do acidente que deveria ter tirado a minha vida. É estranho lembrar de como tudo aconteceu.
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hurtslikethefuckinghell · 2 years ago
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“so you love him because he’s a hero? let me tell you something about heroes, princess a hero would sacrifice you for the greater good I have no such compunction I would burn this world for you.”
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hurtslikethefuckinghell · 2 years ago
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Ontem o dia amanheceu cinza. Podia ser obra da poluição que constantemente assola nossa cidade, pensei. Me arrastei até o banheiro e tomei um banho, ainda no automático. Aos míopes, o mundo só ganha forma depois de vestir os óculos. Quando finalmente recobrei os sentidos, senti uma leve contração na altura da tíbia e logo soube, chuva a caminho. ~ Hoje o dia amanheceu cinza, bruma leve da manhã. Aqui, dificilmente chove. Havia, contudo, certa esperança, mesmo que melancólica. Os metais espalhados pelo corpo tilintavam. Coisa de gente velha - ou de gente nova com alma velha. Tomei meu banho, ainda no automático. Quando finalmente recobrei os sentidos, percebi que a água corrente lavara o vermelho dos meus pulsos. Quando finalmente inspirei, petricor. Ela estava em mim outra vez… Mesmo não estando mais aqui. *nota pessoal (nem tentem entender
May 13th, 2023 5:33pm
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hurtslikethefuckinghell · 2 years ago
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É uma dor lancinante quando quem te proporcionou as melhores memórias, também se torna uma. Se o vazio não é matéria, por que é que pesa tanto? Afinal, Pedro, o que foi que você perdeu pra procurar amor com tanto desespero?
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hurtslikethefuckinghell · 2 years ago
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A vida tem passado depressa, mas não tem ido pra lugar algum. Queria viver contigo todos aqueles clichês que nunca tive estômago pra aturar. Queria te colocar num daqueles carros antigos, que eu jamais teria capacidade de dirigir.
Queria te recitar o mais bonito dos textos, que com certeza não fui eu que escrevi. Queria te dar os presentes mais legais, todas as sensações que você sempre quis ter. Queria ser qualquer coisa, qualquer pessoa. Queria ser o ser perfeito pra você. É de se pensar, já que você já é a pessoa perfeita pra qualquer pessoa que eu inventar.
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hurtslikethefuckinghell · 2 years ago
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Gostava de ser criança. Gostava da época em que o clima decidiria se a brincadeira seria dentro ou fora de casa. Corríamos num ritmo quase anormal e, ainda assim, quase nunca nos cansávamos. Caímos inúmeras vezes e, dificilmente, nos machucávamos. Lembro que depois de horas jogando futebol, colocava a cabeça debaixo da torneira pra refrescar. Era a fórmula perfeita pra uma bela dor de garganta. Nesses dias, fazíamos descongestionantes caseiros. Escaldávamos várias raízes (afinal, minha família tem forte influência indígena) e, aos poucos, a garganta abria, o nariz desentupia e eu finalmente conseguia dormir. Pra ser sincero, nem sempre funcionava, mas eu dizia que sim. Nunca gostei de incomodar ninguém, tampouco frustrar os esforços alheios. Gostava demais dos meus bonecos - os preferidos eram da série “Comandos em ação”. Nem sempre ganhava esses, mas isso não importava muito. Sempre demonstrava felicidade quando ganhava algo. Nem sempre era verdadeiro da minha parte, mas ver a satisfação do presenteador em uma escolha supostamente certa me deixava contente. Não sei se era uma criança diferente das outras, mas já entendia, desde cedo, que a vida adulta não era nada fácil. Meu irmão não entendia isso direito, mas acho que tudo bem. Criança não foi feita pra entender ou se preocupar com isso, afinal. Aos domingos, gostava bastante de ir na casa dos meus avós. Meu avô era retireiro e tinha um pasto e umas vaquinhas em um bairro vizinho de onde morava.  Meus primos e eu íamos, de madrugada, acompanhar o meu avô. Uma vez fizemos uma competição pra ver quem conseguia tirar mais leite da charmosa - nome da melhor vaca do meu avô. Fiquei em último lugar. Pouco antes de amanhecer, entregávamos o leite em vários bairros da cidade. Meu avô tinha uma picape 147, o que deixava tudo ainda melhor. Tenho muitas histórias legais na casa dos meus avós. Num certo dia, estávamos brincando de esconder. Havia uma construção no mesmo quarteirão, ao final da rua, com alguns latões cheios de água e cal hidratada. Um ótimo esconderijo, cogitei. Nesse dia, venci o esconde-esconde, mas apanhei dos meus pais por ficar molhado e todo branco por causa da água e da cal. Acho que valeu a pena. Meu avô era criador de canários belgas. Uma vez, um canário morreu. Na verdade, foi assassinado por uma coruja, segundo meus primos. Muito embora aquilo estivesse longe de ser um assassinato, acenei e concordei com eles, convicto que não passava, na verdade, da natureza sendo natureza. Resolvemos, daí, fazer um enterro. De caixão, usamos a metade de uma cabaça seca. Fizemos, também, uma cruz com dois palitos de picolé. Acendemos velas e tudo mais. Tomei a frente na hora da oração. “Você foi um bom mascote, um bom amigo. Todos sentirão sua falta, pois era muito querido. Espero que encontre a cinza paz do solstício de inverno.” Só que criança é criança, certo? Dois dias depois, desenterramos o canário pra ver como estava. As larvas pareciam brotar de dentro do corpinho frio. Entre as penas, mal havia carne. Os olhos também haviam sido comidos. Aquilo me fez refletir por cinco ou seis minutos. Brincávamos muito nos terrenos dos arredores. Aqueles terrenos cheios de entulhos, musgo e umidade abrigavam escorpiões, caramujos, aranhas e outras tantas vidas. Um dia, uma Gymnophiona - a famigerada cobra cega - nos surpreendeu. Meu primo chegou até a pisar. Na época, nós não tínhamos ideia se a cobra era venenosa ou não, então decidimos votar. Veredicto: pena de morte! Pra constar, votei pela soltura. Já nessa época, adorava os dias chuvosos. Construía barragens na calçada usando tudo que dava pra ser usado. Pedras, galhos, areia. Adorava arrancar a roupa e correr sem rumo, sozinho ou com meus cachorros. Quando estava com vontade de morrer, ficava em casa ouvindo a chuva bater na janela. Fazia algo pra comer e assistia aos desenhos. Adorava tom e herry, pica-pau, o pequeno urso e castelo rá-tim-bum. Tinha um tio meu que jurava que “rá-tim-bum” era uma expressão utilizada em rituais e cultos satânicos. Os adultos, no geral, tomam como desrespeito quando uma criança não concorda com eles, mesmo que seja algo totalmente absurdo. Gente grande de verdade sabe o quão pequena é. Eu não concordo com Platão. Não quando ele diz que as crianças têm medo, pelo menos. Acho que é depois de velhos que nos tornamos covardes. Quando pequenos, damos a cara a tapa. Quando crescidos, esfaqueiam nossos corações. Acho que quando somos crianças, temos a ilusão de que ser adulto é algo legal. Mas quando chegamos à vida adulta, não quebramos mais brinquedos, ou vidros. Quebramos pessoas. E os vidros… bem… esses, usamos nos pulsos.
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hurtslikethefuckinghell · 2 years ago
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hoje tomei um café tudo o que fiz foi lembrar você talvez pelo amargo tipo dois* talvez, por ter que (te) beber todos os dias
café sem açúcar, dança sem par Cazuza, com certeza, entenderia.
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hurtslikethefuckinghell · 2 years ago
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Os dias têm sido diferentes. Entender um pouco mais sobre a metacognição foi de grande valia e, embora tímidos, consigo elencar dois ou três progressos. Refleti sobre o não pensamento como forma de pensamento, sobre a felicidade como pretensão ilusória de eternizar momentos, sobre o estoicismo de Hamlet. Não é preciso me conhecer muito, porém, pra deduzir que não cheguei a nenhuma conclusão empolgante. Na verdade, as coisas estão mais confusas do que nunca. Tenho sentido muito calor, muito enjoo. Talvez esteja na hora de trocar esse ventilador. Talvez seja pelo aumento da dosagem do remédio. É o terceiro aumento consecutivo, aliás. Doses cavalares que, confesso, não têm sido eficazes. Continuo acordando com o pior dos humores. Continuo com dificuldades pra dormir. Meus demônios, a saber, estão cada vez mais cruéis. Mérito (ou demérito?) meu, afinal, são criações minhas, mesmo que indiretamente. Queria compartilhar algo que li por aí, mas não lembro o teor, tampouco o autor. Podia jurar, em outros tempos, que tinha memória eidética. Agora, tomo remédios pra me lembrar de tomar os outros remédios. Continuo com os episódios psicóticos. Não consigo mais distinguir o que é real e o que não é. Delírios, alucinações, devaneios. A nota positiva é que como não sobrou ninguém por perto, ninguém se machuca, senão eu.
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hurtslikethefuckinghell · 2 years ago
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aquela última conversa tem se repetido na minha cabeça há vários dias.⠀ sentar perto de você, escutar você, olhar para o seu rosto e saber que acabou e que nada poderia ser feito.⠀ e agora a cena se repetena minha mente em tardes movimentadas ou manhãs sonolentas ou em longos sonhos durante a madrugada. e em nenhuma dessas reencenações conseguimos mudar o desfecho. sempre chegamos àquele velho impasse que terminou tudo de forma tão melancólica.⠀ talvez, de fato, não havia outra saída. ⠀ mas está tudo bem. eu prometo tentar de novo da próxima vez que você aparecer, seja dormindo ou acordado. - "repetição", do livro "Algo dentro de mim que arde e grita"
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hurtslikethefuckinghell · 2 years ago
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eu pensei que você fosse o amor da minha vida mas daí notei que você é mais uma daquelas feridas que demoram a cicatrizar e às vezes nem cicatriza.
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hurtslikethefuckinghell · 2 years ago
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Eu tinha um carro legal e um emprego bacana que me remunerava relativamente bem. As notas mais altas da turma eram as minhas. Não tinha tantas preocupações, era o típico adolescente privilegiado. A melhor parte: tinha uma namorada que era a pessoa mais maravilhosa do mundo. Mas sabe, eu não tinha foco, não sabia bem o que queria da vida. Vivia meio que no modo automático, nadando sem direção. E bem... quando nadamos sem direção, podemos nos afogar. Podemos nos afogar feio. E eu me afoguei. Um certo dia ela cansou de mim e foi embora. Tive que aceitar – por força de imposição, é bem verdade – a ida dela. Tive que aprender a viver sem. É o famigerado aprendizado que, se tivéssemos escolha, jamais optaríamos por adquiri-lo.
Mas a vida é assim mesmo, às vezes nós precisamos perder alguém que nos importamos. Às vezes, precisamos perder algumas coisas pra entendermos uma série de outras. Olho pro meu passado e não me orgulho, sabe? Pelo contrário, o arrependimento e a culpa sempre foram cruéis comigo. Tantas coisas que eu disse que, só de lembrar, sinto nojo. E é sobre isso, né? Apesar disso, quando conseguimos identificar certas condutas no passado, é sinal de amadurecimento, de certa evolução. Não gostaria, de coração, que as pessoas pagassem o preço que eu paguei pra adquirir a pouca experiência que tenho. Existe um mito de que aquilo que não te mata, te deixa mais forte. Balela. Essas tribulações me deixam cada vez mais irritado e triste. Espero, também, que não olhem para as pessoas achando que elas têm uma vida perfeita só porque têm carro, dinheiro, faculdade. Não pense que alguém está bem só porque tem algo que você não tem ou queria ter. Algumas pessoas vão perder tudo isso e só então, talvez, vão aprender a valorizar. É, às vezes nós temos que perder pra aprender. E eu perdi. Valorize, com todo o seu coração, tudo aquilo que você tem, ou pode ter certeza que a vida vai se encarregar de te ensinar a valorizar aquilo que você tinha. Dói olhar pro passado, dói viver num presente sem você, dói demais saber que o futuro que planejávamos jamais vai existir. Porque eu queria, do fundo do meu coração, que fosse você. Queria tanto que fosse você. Mas aí, um dia, percebi que você já não queria mais que fosse eu. Se despeça de quem já se despediu de você. O fim do pra sempre é o marco inicial da verdadeira dor.
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hurtslikethefuckinghell · 2 years ago
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Estou impaciente de organizar factos. Gosto, contudo, de lusismo. Mais uma vez, então, prostro-me a escrever, aleatoriamente. Só quero tirar isso de mim. Os dias têm sido diferentes. Entender um pouco mais sobre a metacognição foi de grande valia e, embora tímidos, consigo elencar um ou dois progressos. Refleti sobre o não pensamento como forma de pensamento, sobre a felicidade como pretensão ilusória de eternizar momentos, sobre o estoicismo de Hamlet. Não é preciso me conhecer muito, contudo, pra deduzir que não cheguei a nenhuma conclusão empolgante. Na verdade, as coisas estão confusas como quase sempre. Tenho sentido, constantemente, muito calor, muito enjoo. Talvez seja pelo aumento da dosagem do remédio. É o terceiro aumento, aliás. As doses têm sido cavalares, mas não fazem muita diferença no meu dia-a-dia. Acordo praguejando, vivo praguejado e, mesmo dormindo, meus demônios atacam. São implacáveis, afinal, muitos deles são criações minhas, direta ou indiretamente. Tem um trecho que li recentemente, gostei bastante. Queria poder dar os créditos, mas minha memória tem falhado ultimamente. Estranho, pois podia jurar que era eidética. Talvez a covid tenha influenciado em algo, afinal. Enfim, era algo sobre escrever visceralmente, mesmo uns odiando e outros amando. Uma máquina de escrever fazendo analogia a uma metralhadora carregada. Tem jeito de ser coisa do Bukowski... Bom, continuo tendo episódios psicóticos. Não são bem alucinações ou delírios, mas continuo pirando. Eu não quero e, quando está prestes a acontecer, meu corpo se contorce e tenta, com as forças que restam, contornar a situação. Mas é em vão e, daí, explodo. Como não sobrou ninguém por perto, ninguém se machuca, exceto eu.
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hurtslikethefuckinghell · 2 years ago
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Acho que fui promovido no trabalho e, pra ser sincero, estou com medo. Sei que é normal sentir insegurança diante do desconhecido, mas meus sentimentos, por vezes, são catalisados justamente por ser como sou. Estou preocupado, também, já que vou substituir outra pessoa. Não me foram dadas muitas escolhas, é verdade, mas mesmo assim estou inquieto pensando em como meus colegas vão receber a notícia, em como a pessoa que vou substituir vai digerir sua nova função. Gostaria de poder ter conselhos de alguém, mas ouvir pode ser complicado, já que muitas vezes buscamos validação ao invés de quaisquer outras coisas que os outros possam oferecer. Muitas vezes, queremos ouvir a nossa opinião, proferida por lábios de terceiros. Ainda sobre ouvir, preciso ser sincero. Sou egocêntrico e, por mais que eu saiba que as palavras e prismas ofertados por outras pessoas possam ter grande valia, não consigo absorver as informações de forma prática. Em outras palavras, ao menos em regra, tenho facilidade a ouvir e observar, mas muitas vezes descarto tudo aquilo que não faz sentido, não valoro como deveria. E é um grande erro, eu sei, já que muitas vezes as respostas estão nos pensamentos mais simplórios, muitas vezes aquilo que em primeiro não faz sentido, após determinada reflexão, demonstra-se como solução. Tenho estudado, mesmo que timidamente, algumas matérias. Acho que vou iniciar uma pós-graduação em direito administrativo - licitações, embora deteste a matéria. Obviamente, indubitavelmente, de maneira inexorável, optaria pelo meandro stricto sensu. O problema, dentre outros, é meu total desânimo e despreparo mental pra encarar qualquer coisa que demande energia cognitiva. Não vou pular de alegria, afinal, não estou feliz. Além disso, a cabeça pesa e as costas doem. Acho que preciso começar a me regrar mais, deitar mais cedo, dormir melhor, comer certinho. Mas, muito provavelmente, vou passar mais uma noite em claro, sob efeito de remédios, álcool e alguns cigarros. Também é provável que eu coma qualquer porcaria e acabe de entupir minhas veias. Quando era mais novo, gostava de passar as noites em claro, mas eram noites produtivas, pois tinha alguma companhia e não carregava tanta dor. Tinha dias ruins, é claro, e esses tentava passar dormindo pra não pensar. Era um equívoco, porém, já que sonhava com aquilo que tentava esquecer. Acabei lembrando de uma música, the smiths é minha banda favorita. “O corpo governa a mente ou a mente governa o corpo? Eu não sei. Não podemos nos agarrar, aos velhos sonhos nunca mais.” Mas, vamos nos agarrar a quê, então?
Impulsionamento
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hurtslikethefuckinghell · 2 years ago
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Na quinta-feira, tive uma recaída. É difícil falar em recaídas, já que é difícil imaginar ir mais fundo do que já está. De qualquer forma, me senti muito mal. Não quis comer, não quis tomar banho e nem trabalhar. É difícil manter a postura às vezes, fingir que está tudo bem. Em alguns momentos, pensei realmente que surtaria. Ultimamente, os episódios de síndrome do pânico têm me acertado mais. Na sexta-feira, tive um momento legal. Não ligo muito pra elogios, mas fiquei estranhamente satisfeito, grato. Há algumas semanas, fiz um recurso de apelação ao tribunal de são paulo e, em se tratando de matéria fiscal e tributária, era evidente a aplicabilidade da norma especial em detrimento da norma geral. Ao meu ver, não reverteríamos a sentença, estávamos enxugando gelo com um recurso meramente protelatório. Mas, logo quando cheguei ao escritório, a advogada que trabalhou comigo no recurso me deu a notícia e, além disso, me elogiou aos demais colegas. Me deixou bem por uns instantes. De noite, resolvi sair. Raramente saio de casa e sempre que sou convidado a qualquer coisa, invento alguma desculpa. Não que eu tenha muitos convites, aliás, também são raridades. Mesmo assim, quis espairecer. Geralmente, só me sinto seguro em casa, passo horas na cama olhando pro teto, tenho pensado demais nas coisas que vão acontecer e, ainda mais, nas que não vão. Quando cheguei no restaurante japonês, conhecia algumas pessoas. Me chamaram pra sentar, mas inventei que estava esperando alguém e eles me deixaram em paz. Não queria companhia, não estava lúcido o suficiente pra fingir que estava bem e, além disso, não estava ébrio o suficiente para querer desabafar. Pedi um rodízio completo e, muito embora estivesse enjoado, consegui comer uma quantidade razoavelmente boa. Fiquei observando as pessoas, as famílias, os casais. É inquietante a sensação de estranho no ninho, de não pertencimento a nada. Gostava de estar sozinho, outrora, mas ultimamente é algo imposto. Não é solitude, é solidão. O adulto é triste e solitário, aos olhos de Clarice Lispector. Aos meus, também. Estive notando alguns momentos que passam sensações estranhas. Meio que sinto falta dessas coisas, embora não sejam propriamente boas. Sair do cinema depois de um bom filme, tomar banho de madrugada, no escuro, acordar e estar chovendo, dormir com a pessoa que tu gosta, com ela ouvindo cada batida do seu coração. Faz tempo que não chove aqui, a ultima chuva só veio pra derrubar as temperaturas. A chuva também sempre me causou uma sensação estranha, é difícil explicar porque não é algo nem bom e nem ruim. É melancólico, mas não é necessariamente triste. É estranho, mas não é necessariamente ruim. Gera certo otimismo, mas não é necessariamente bom. Algumas coisas não têm explicações, só podem ser sentidas. Meu sábado, passei dormindo. Tive alguns pesadelos, reencontrei algumas pessoas e, sempre que acordava, acordava assustado. Fiz alguns planos pra ocupar a mente, mas não consegui sair da cama nem pra comer, nem pra tomar banho. Deixei o celular desligado, mas isso nem faz muita diferença, já que não converso com ninguém, já que sou invisível. Estive pensando em outras pessoas e em como decidem simplesmente acabar com a própria vida. Será que elas se arrependem em algum momento? No instante depois de se jogar, no segundo antes do impacto, deve haver algum remorso durante aquela breve queda livre. Será que veem o chão se aproximando depressa e pensam: Ah, que droga, que ideia péssima! Por algum motivo, acho que não. Nessa semana, quis me machucar algumas vezes, por motivos variados. Mas, de alguma forma, consegui manter o controle sobre isso. As ideações suicidas vêm e vão, mas já estive pior em relação a isso. Será que algum dia vou me sentir bem de novo? Eu realmente não faço ideia. Só sei da falta que a falta faz. Aliás, ontem foi dia dos pais. Meu pai não quis nada, mas mesmo assim achei legal presenteá-lo. Ele gosta de camisetas de time, independente do time. Acho que puxei esse gosto dele, a propósito. A ideia de adoção tem amadurecido mais e mais, já que tenho aceitado mais e mais a ideia de que não vou conseguir me relacionar com ninguém. Sempre achei o ato da adoção muito belo e, por conseguinte, nunca achei necessário o vínculo sanguíneo ao amor. Claro que demanda uma responsabilidade que penso não ter, é algo que demanda planejamento, é uma mudança de vida substancial. Bem, preciso pensar. Amanhã é feriado, não gosto de feriados, não gosto de não ter o que fazer. É claro, não gosto de fazer nada, mas acho necessário ser obrigado a fazer determinadas coisas, já que isso evita o ócio mental e, por vezes, ajuda a não pensar tanto em coisas desagradáveis.
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hurtslikethefuckinghell · 2 years ago
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Hoje tive uma aula muito interessante sobre valorização, sobre os porquês de buscarmos validação com base em diretrizes e opiniões alheias. Não tenho amor próprio, mas sei que deveria ter. E quero, quero muito conseguir. É assim que a depressão atinge, você acorda em uma manhã com medo de viver. Ou desgosto. De qualquer forma, traçamos uma reflexão bastante interessante que consiste, basicamente, na relação de conflito entre o autismo e o instinto humano. De um lado, impulsos inconscientes que visam atender necessidades de sobrevivência. Necessidade extrema em conectar-se a alguém, esperança de algum dia alguém enxergar em você coisas que ninguém jamais enxergou. Doutro, um distúrbio de neurodesenvolvimento que apresenta traços atípicos, manifestações comportamentais, déficits na comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, repertórios restritos e afins. Estou confuso, mas começo a cumprir um esboço de promessa pautado em disponibilidade de esforço à melhora outrora intangível.
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hurtslikethefuckinghell · 2 years ago
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Vou tentar descrever como eu me sinto. E vou tentar fazer isso de maneira simples, sem me preocupar com o vocabulário, sem lembrar do quão perfeccionista costumo ser. Basicamente, meu coração tem estado muito acelerado, preciso respirar fundo pra que não me falte ar. Minhas mãos estão sempre geladas e tenho alguns impulsos, involuntários, os quais tento controlar. Mesmo assim, me mexo sem querer: pode ser simples, como uma perna balançando sem parar, mas pode fugir um pouco da regra da normalidade, daí tenho alguns acessos e me movimento quase que em trancos. Meu cérebro revive e remói  muitas coisas, não consigo ficar muito tempo sem pensar no passado ou no futuro. E, como sabemos, depressão é excesso de passado; ansiedade é excesso de futuro. Então, estou sempre triste e sempre ansioso. Meu estômago está sempre enjoado e sinto, constantemente, um frio estranho na barriga, é quase como se sempre houvesse a sensação de que algo horrível vai acontecer. Não consigo comer nada, mas não consigo emagrecer. Já passei dos cem quilos por vezes, mas também já estive nos sessenta, cinquenta. Não existe equilíbrio. Estou vivendo alguns empasses, alguns dilemas, mas sei que os vivo de maneira unilateral, já que as pessoas pouco se importam e não imaginam quaisquer interações sociais comigo. No meu trabalho, estou prestes a ter uma crise, seja de choro, seja de raiva, seja sabe se lá o quê. Não suporto olhar no rosto da maioria das pessoas, não aguento mais fingir simpatia, fingir que tudo está bem. Estou perdendo o controle. Em casa, é ainda pior. O trabalho, por mais medíocre que possa ser, acompanhado de pessoas que nem à mediocridade chegam, em raros momentos me distraí. Já em casa, estou sempre pensando no pior e, consequentemente, as ideações suicidas têm aumentado. Estou perdido, não faço ideia do que fazer. Não acho afago na igreja, no trabalho, em casa, nas pessoas. Em absolutamente nada. Não existe, hoje, objetivo de vida, não existe qualquer coisa que diminua, ao menos, minha vontade de querer morrer. E amanhã, assim como já aconteceu outras vezes, vão dizer que estou um pouco pra baixo, vão perguntar se está tudo bem. Vou acenar e dizer que sim, que estou bem. Mas a verdade é que me sinto um lixo, um estranho, um peso. E o mundo continua estranho, só que diferente. Parece que dormi por bons anos, não conheço as bandas que estão fazendo sucesso atualmente, não sei quais os jogos mais jogados, não faço ideia de qual youtuber está em alta. Não tenho muitos amigos ou amigas. Meu celular só toca quando desperta e, geralmente, é um lembrete pra tomar meus remédios. Eu, definitivamente, não sei viver. Não sei existir. Mas sei desistir.
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hurtslikethefuckinghell · 2 years ago
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Minha quinta-feira: [...] Saí da terapia estranhamente relaxado, me permiti pensar, por um breve instante, que havia feito algum progresso. Um engano execrável, já que surtei no caminho pra casa e quase enfiei o carro no primeiro poste que vi. Cheguei em casa um pouco mais calmo, tomei um banho quente e me coloquei a pensar. E não consegui chegar a lugar nenhum, pra variar. Não estava pensando nada em especial, era um devaneio despretensioso, assim como qualquer outro. Não consigo detalhar essa pseudo reflexão. É engraçado pensar em como a nossa mente pode criar, recriar, remoer e, logo em seguida, olvidar. Restam, apenas, lacunas que talvez jamais serão preenchidas. Na sexta-feira: Meu melhor amigo estava aniversariando, mas não consegui desejar as felicitações. Vocês têm/sentem esse tipo de bloqueio? Existe, realmente, algo de errado comigo? Pensei, por um breve momento, no momento não tão breve que atravessamos. Pensei na fragilidade da vida, apesar de muitas vezes nos demonstrarmos fortes. Acho que meus pensamentos sempre estarão atrelados a um ou mais paradoxos. Gostaria de ser menos genérico, mas gosto desta sensação de liberdade, mesmo que velada, quando supostamente consigo driblar a burocracia dos meus pensamentos. Um ano a mais de vida? Um ano a menos? Não sei. Copo meio cheio? Meio vazio? Sei lá. Sábado: Acordei cedinho, tomei um café e tudo o que fiz foi lembrar você. Talvez pelo gosto amargo, quiçá pelo vício de ter que te beber todos os dias. Às vezes, penso que o mundo é um lugar ruim e que nada bom floresce aqui. Noutras oportunidades, enxergo certas singularidades que me deixam até triste de tão feliz. Talvez eu é que não esteja preparado pra lidar com aquilo que me circunda. Nem mesmo com o que nasce dentro de mim. Às vezes, vejo a solidão como paz. Solidão, às vezes, é a melhor sociedade. Mas, como dizia Clarice, o que eu desejo ainda não tem nome.
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