Tumgik
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Sexta-feira treze
Era uma vez, umas crianças. Umas insolentes crianças que, em qualquer tarde ensolarada, se juntavam para jogar bola em frente ao meu quintal. Certo dia, uma sexta-feira treze por sinal, o azar acariciou aquelas crianças, fazendo com que sua pequena bolinha de futebol fosse parar em minha casa. Enquanto se aproximavam de minha casa, decidindo o que iriam falar, pude ouvir duas figuras, que pareciam lideranças daquela manada, conversando: -Minha mãe sempre diz pra gente tomar cuidado com essa daí. Ela é muito velha e muito doida. Ninguém nunca vê ela na rua. - disse uma das lideranças do bando, que também era a maior criança de todas. - E então, o que vamos dizer? - perguntou a outra liderança infantil. - Eu não sei, mas minha mãe diz que nós sempre temos que ser gentis com as pessoas mais velhas, por que as vezes elas não ouvem direito - intrometeu-se uma menina de longos cabelos escuros -, e tem mais, se ela for tão velha assim quanto sua mãe e minha mãe falam, a gente bem que podia perguntar pra ela o que é uma sexta-feira treze. Agora as crianças já estavam bem perto de minha porta e eu apenas aguardava pelo velho som da campainha. Eles apertaram longamente o botão, pois pensativos com as instruções da menina, agora me tinham como surda. Abri a porta e aos berros o maior menino disse: - BOA TARDE, SENHORA! SERÁ QUE PODERIA DEVOLVER A NOSSA BOLA? - e completou quando foi cutucado pela garotinha - POR FAVOR? - E será que poderia também responder pra gente, com todo o seu conhecimento de pessoa mais velha - intrometeu-se a garotinha, - o que é uma sexta-feira treze? Achei divertida a questão da criancinha e decidi puxar minha cadeira de balanço para a porta e então, comecei uma história, uma história tão velha quanto o tempo, que já deve ter sido contada de mãe para filha diversas e diversas vezes. "Um dia, a mãe chamada Destino convidou seus dois filhos para ceiarem com ela. Percebendo que seus gêmeos estavam abatidos e que nada comiam, ela começou um sermão. 'Pobre Mitrel. Eu te fiz para ser gentil, doce, respeitoso, amável, leal e até mesmo um pouco ingênuo,  mas mesmo assim as pessoas te desprezam. Mesmo sendo uma peça sob medida, nenhum humano quer se deitar com você. Absolutamente nenhum. E isso porque eles foram ensinados com o sofrimento e ao não sofrerem, eles não conseguem entender o que  tem de errado. Não conseguem preencher o vazio indescritivel que habita dentro deles e que, acima de todas as coisas, deseja o mais absoluto caos. Pobre Mitrel. Você não tem função. Não tem o que fazer. Desculpe, mas é verdade, você simplesmente não tem nada o que fazer. Não tem com o que preencher seus tediosos e solitários dias. Porque, mesmo quando eles têm tudo, eles não estão satisfeitos. Não sem um pouquinho de sofrimento. Não precisa ser muito, pode ser só um pouquinho. É ainda melhor se o sofrimento não for diretamente deles, mas de um vizinho, um amigo, um amigo do amigo, um parente distante. Assim, eles também não tem que se incomodar com as consequências de um pouquinho de infortunio. Assim, eles tem o que pensar quando se deitar. São lembrados de agradecer a calmaria, a paz e a tranquidade, mesmo sendo muito chatas. Lembram-se de quão sortudos eles são e que existem outros que não tem tanta sorte assim.
Pobre Etrel. Você representa tudo que eles desprezam, tudo que eles tentar evitar, tudo que os faz perder noites e mais noites de sono. Você os assusta. Você ocupa suas preces, mas mesmo assim, sem saber, você é o que eles mais desejam. É com você que eles se deitam quando recusam dividir a cama com Mitrel. É em sua direção que eles correm para escapar de suas rotinas monotonas e chatas, implorando por um pouco de aventura. É com você que os maridos traem as esposas, e que as esposas traem os maridos. É com você que os jogos de azar andam de mãos dadas, tornando-se fiés pelo resto de suas vidas. E por você que eles literalmente imploram depois de cada dia chato de trabalho no escritório, mas mesmo assim, quando relutante, decide ouvir suas preces e acalentar seus corações, eles passam a odiá-la. A empurrá-la. A desmerecê-la. A ofendem gratuitamente e adorariam esmagar esse seu rosto bonitinho, como já fizeram com tantas outras do seu gênero por supostamente ter estragado uma colheita, jogado uma praga ou simplesmente nascida como filha de Eva. Pobre Etrel. Eles te chamam e depois te matam. Sorte e azar. Aventura e calmaria. Adrenalina e CBD. Eu os criei! Eu os criei juntos, como irmãos gêmeos um do outro. Vieram a este mundo no mesmo dia, no mesmo tempo. Vocês se completam e um não vive sem o outro. Mas ainda assim, eles nomearam vocês. E de tão burros que são, fizeram errado. Fortuna e Infortunio. Infortunio e Fortuna. Mitrel deveria ser Fortuna. Uma jovem mulher de cabelos vermelhos, desenhada cuidadosamente, com cada detalhe pensado para torná-la ainda mais atraente, mais cobiçada. Eles querem montar na jovem, querem usá-la de toda forma e, meu pobre Mitrel, como eles usam você. Mas o tanto que lhe usam e o tanto que lhes enjooa. Logo, você não tem mais graça. Logo, você não é mais novidade alguma e então começam secretamente a desejar sua irmã. Etrel, você é infortunio, aquela que vira suas vidas de cabeça para baixo, que é desenhada como um monstro maléfico, mas é quem eles chamam a noite para satisfazê-los. E eles também te usam de toda forma, desejam uns aos outros e de tão de presente entre eles e te usam para seus jogos sujos. Eu os criei porque servimos aos humanos. É o único modo de controlar essa especie, serví-la, entretê-la, alimentá-la e, assim, de cabeças ocupadas, deixar que eles matem uns aos outros.'" Era isso que queriam saber, minhas crianças? - Mas isso não explica nada do que é a sexta-feira treze. Crianças insolentes. Eu conto exatamente como uma mulher aranha que comia memórias me contou e é assim que me pagam. Sentida, fui capaz apenas de dizer. - Eu lhes entreguei conhecimento absoluto, e que, me foi muito caro, de bandeija e é assim que me agradecem? - É isso que dá procurar conhecimento de gente velha. - disse o garoto grande mostrando a lingua para a garotinha. Todos sairam imediatamente correndo, menos ela, que permaneceu imóvel me olhando com curiosidade por mais alguns instantes, para depois se dar conta da gozação que haviam feito com ela e também correr depressa em direção ao bando.
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Bailarina vagalume
[será editado, publicado sem correção]
Uma amiga de confiança me indicou esse blog. Ela me disse que esse era um lugar seguro para contar a minha história. Um lugar onde ninguém me acharia louca, um lugar em que talvez até me entendessem, então, cá estou. Escrevendo esse pequeno relato as duas e meia da manhã. É segunda-feira. Faz pouco mais de uma semana que eu a vi. A bailarina vagalume, foi assim que a chamei. Nunca cheguei a perguntar o seu nome, nem a falar com ela, mas com certeza, jamais esquecerei sua luz. Bem, espero que não me achem muito maluca, mas lá vai. O circo havia chegado na cidade. As tendas foram montadas a poucos metros do condomínio da minha mãe, num espaço vazio em um estacionamento de um shopping pouco frequentado,  já conhecido por lugar sustentar eventos desse tipo. Provavelmente eu jamais teria pensando "que vontade enorme de ir ao circo", mas estava visitando minha mãe e ela fez o convite. Segundo minha mãe, haviam planfletos sobre o espetáculo espalhados pelo condominio todo e que, na compra de dois ingresso, se você apresentasse um desses planfletos, o segundo ingresso sairia de graça. Então lá estavamos nós, minha mãe, minha irmã mais nova e eu no circo. Estouramos pipoca, levamos suco e compramos algodão doce. Estavamos prontas pro espetaculo. Como os lugares não eram numerados, decidimos entrar mais cedo para escolhemos três bons lugares, bem pertinho do palco. Falavámos sobre palhaços e como esse termo era uma boa definição pro ex-marido da minha mãe, quando o início do espetáculo foi anunciado. "Senhoras e senhores, respeitavel público, é com grande honra que anuncio o espetáculo de desta noite, o Circo da Lagartixa Sorridente apresenta o Espetáculo dos vagalumes." Antes que eu pudesse reparar no narrador, uma bailarina caiu literalmente do ceú. Ela usava uma roupa marrom-escura que parecia um casco, seu tutu era de cetim esverdeado descendo-lhe do início da cintura até os joelhos e das costas de sua fantasia, saiam duas longas tiras de tecido escuro. Sua pele tinha tom de caramelo e seus olhos eram negros. Alguém muito competente havia feito sua maquiagem, usando tons de verde neon e amarelo fluosrecente. A produção do espetaculo também havia se preocupado bastante com o cabelo da garota, preendendo seus volumosos cachos em tranças firmes que começavam no topo de sua nuca e iam até mais ou menos a metade da cabeça, onde, a partir dali, eram soltas deixando aparente os vividos cachos da menina. Parada, ela permanecia agaixada, na mesmas posição na qual havia caído, com os joelhos dobrados para frente e usando as mãos de apoio no chão. Ela encarava fixamente a plateia, movendo apenas os olhos para saber o que acontecia aos seus lados. Não havia música. Nós a encaravamos sem saber quanto tempo mais teríamos que esperar por algum "acontecimento". Quando estava começando a ficar realmente desconfortável, o apresentador anunciou. "Diretamente dos escassos santuários de belezas naturais quase intocadas pelo homem, tenho o prazer de apresentar diretamente do belissímo estado do Amazonas, a inegualável bailarina Vagalume!" Sem esperar pelo fim dos aplausos, uma suave música de violino começou, primeiro muito baixa, depois muito alta, até finalmente ficar no volume certo e então recomeçar, e, foi só então que a bailarina se mexeu. Em um salto leve e rápido ela estava se sustentando na ponta dos pés, rodopiando e rodopiando, como só as balarinas são capazes de fazer. Os saltos que sucederam as voltas, eram longos e espantosamente lentos, fazendo com que a bailarina parecesse flutuar no ar. Sua dança era tão hipnotizante, que eu mal notei quando abaixaram as luzes do circo, percebendo somente quando outras luzes se ascenderam, pois tudo já estava escuro. A principio também não notei, mas estranhei ao ver as luzes menores se movendo de forma estranha, com orbitas em torno de algo que eu não podia identificar ao certo o que era. Precisei de mais luz para começar a entender o que estava acontecendo no palco, agora, percebi que as luzes que se moviam eram esferas de um verde neon, que eram jogadas para baixo e para cima, para um lado e para o outro, por talentosos malabaristas vestidos inteiramente de preto. Esses contra-regras do espetáculo adicionaram também argolas plásticas transparentes, iluminadas por uma especie de magueira repletas pequenas lâmpadas amareladas. Agora, o salto da bailarina a sustentava completamente no ar, afastando cada vez mais seus pés do chão. Enquando subia ela ensaiava seus passos de dança, rodopiando e deslizando com destreza pelo ar. E então, novamente sem eu notar como aquilo foi acontecendo, estava tudo escuro mais uma vez, entretanto ainda era possível enxergar a bailarina que dançava completamente livre, seguindo apenas o ritmo da música como compasso para sua dança sem gravidade. A bailarina emanava luz, na verdade, ela era a única fonte de de luz do lugar. Um verde dificilmente comparável com qualquer outro verde que eu já tenha visto, havia tomado conta de sua pela, liberando uma luz da mesma cor. Lembro de me sentir calma e acolhida por aquele estranho brilho, fazendo-me inclusive pensar se teria sido aquele mesmo fascício que nossos ancestrais teriam sentido ao ver ao verem o fogo pela primeira vez. Quando me dei conta, não havia mais nada na minha cabeça, nenhuma preocupação, nenhuma angustia com o dia e amanhã, tão pouco havia resquicio de cansaço do dia que havia passado, tudo, abosolutamente tudo que existia era aquele momento, aquela dança, aquela luz e tudo que eu desejava era assistir aquilo para sempre, me sentir daquela forma pela eternidade. Ela dançoue depois, quando já tinha dançado bastante, dançou ainda mais. No ápice de seus movimentos, guiada pela música, chegou a encostar na lona da parte de cima da tenda, até que em um momento, a melodia começou a anunciar seu fim. Os acrobatas voltaram e a bailaria foi deixando de emanar sua luz e, para mim, foi difícil se acostumar com sua pele não brilhante, pois havia me acostumado e pensado que seu estado natural era aquele em que seu corpo emanava luz. Quanto mais humana a mulher parecia, mais próxima do chão ela chegava, descendo e descendo cada vez mais até finalmente alcançar, agora, sem já emanar luz alguma,  a lona que forrava o chão. O narrador disse alguma coisa agradecendo a presença de todo o respeitável público e extasiadas, nós três saimos. Fizemos o caminho para casa completamente caladas e, ainda em silêncio nos deitamos. Fiquei com o sofá e me lembro de dormir pensando na bailarina vagalume. Na mesma semana, encontrei minha irmã passeando com a namorada pelo shopping. Comentamos brevemente sobre o espetáculo, mas não soubemos contar para minha cunhada o quão imperdível aquilo era. Minha irmã mandou uma mensagem mais tarde nesse dia, dizendo que havia tentado comprar ingressos para o espetáculo desse final de semana, mas que o circo já tinha ido embora. Fiquei triste por não poder assistir de novo e, de luto pelo meu ingresso, escrevo esse relato, na esperança de guardar o máximo possível do que eu vi em minha memória.
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Inferno INC
Certa noite, eu morri. 
Havia acabado de fechar os olhos quando uma dor aguda alvejou meu peito. Foi indescritivelmente terrível, mas também foi indescritivelmente rápida. Em menos de um segundo, tudo havia acabado. Abandonei as preocupações bobas com as contas, a estúpida, constante a preocupante necessidade alimentar e as abomináveis crises de ansiedade, típicas de alguém que nunca mais quer pisar em um escritório. Deixei para trás todas as circunstâncias que preocupam a humanidade. Estava livre e também estava morta. 
Eu estava ainda me dando conta dos benefícios da morte, quando o responsável - certamente muito incompetente -,  deste setor da morte, pensou que, sem pausa alguma, eu deveria ser colocada imediatamente em uma espécie de purgatório (ou inferno). Sendo assim, quando abri os olhos, estava sentada de frente para um computador.
Tentando montar a cena na minha cabeça, olhei ao redor. Notei que estava em algum grande escritório. Mesas e mais mesas se estendiam no horizonte, todas estrategicamente posicionadas em filas, de modo que o usuário jamais tivesse privacidade alguma. Haviam também uma diversidade enorme plantas de plástico e galões de água com copinhos descartáveis, espalhados pelo lugar. O teto era feito de placas de isopor, também não havia janela alguma e tudo era iluminado por lâmpadas fluorescentes brancas, daquelas que já fazem os olhos doerem, quando se olha para qualquer direção acima da altura dos monitores. Paredes de um branco não-branco decoradas com calendários floridos, finalizam a decoração do lugar. 
Era péssimo.
Como um todo, o lugar me lembrava muito um antigo escritório de telemarketing que eu trabalhei quando jovem. A única diferença desse lugar para os demais de sua memória, era que aqui haviam colegas de trabalho do mundo todo.
Na tela do computador, um e-mail estava aberto:
"Prezado(a),
A diretoria da “Telefonemas INC”, tem o prazer de informar que você, o(a) NOME DO (A) CANDIDATO (A), foi selecionado para o cargo ______________________.
Atenciosamente,
Metesquiel Gaccio 
Diretor Executivo XII."
Um arrepio gelado percorreu a minha espinha. Muitas questões ocupavam minha mente. 
 Se, e, apenas se, aquilo fosse para mim, significava que eu havia sido contratada por aquele escritório para cumprir alguma função burocrática.Quando ainda era viva, essa mesma preocupação me voltava com frequência (principalmente durante do banho), “E se eu tivesse que recorrer ao telemarketing?” eu havia concluído que preferia trabalhar em um café gourmet, do que voltar a pisar em um escritório como aquele. Mas, ao mesmo tempo não fazia sentido, que tipo de morto procuraria emprego? Ainda mais um emprego em um escritório? 
Mal tinha terminado de ler o e-mail, quando, algo ao meu lado, soltou um som estridente. Foi assim que descobri que tinha um telefone na mesa. Pega de surpresa, minha primeira reação foi atender.
“Oi, ahn meu cartão não funciona mais. Ontem. Ontem eu pedi uma pizza e na hora de pagar ele não passou, tentamos algumas vezes, mas nada, ele só não funcionava. Eu tinha pego uma de oito pedaços, metade portuguesa e metade frango, pois se eu pegar toda de frango, eu logo enjoo. Aí na hora de pagar, meu cartão não passava. Aparecia uma mensagem de cartão inválido e o cara e eu ficamos tentando lá por um tempão. Tenho certeza que não errei a senha, usei a data de aniversário do meu quarto cachorro, o Pinball. Ele é um vira-lata marrom com... ”
Coloquei o telefone no gancho. Sem nenhuma pausa, o som estridente começou de novo.
“Manchinhas brancas. Eu brinco que ele é um dálmata ao contrário. Na verdade, ele é todo ao contrário, não gosta de brincar com bolinha e também não curte carinho na barriga, parece até um gato, colocou a mão na barriga ele já...”
Mais uma vez, coloquei o telefone no gancho e, novamente, ele tocou, mas dessa vez decidi tentar ignorá-lo, o que era absolutamente fácil para mim, que abominava telefonemas. 
Quando eu estava bastante feliz com a perspectiva de que logo seria demitida daquele maldito novo emprego, pois seria insustentável manter uma funcionária no telemarketing que se recusa a encostar num telefone, uma estridente voz na minha cabeça começou a dizer:
“ataca automaticamente. Não vê e nem pensa em quem está atacando, só age por impulso. Há um tempo atrás, minha mãe foi mordida assim. Ela encostou sem querer na barriga do Pinball e CRÁ!!!! Furou a palma da mão dela, de fora a fora, mas tadinho, ele ficou mal. Não deu dez minutos e lá estava ele, se esfregando nela [...]”
Não havia mais necessidade de telefone, agora eu podia ouvir a conversa toda na minha cabeça. Obviamente, essa possibilidade me desesperou, mas logo fui contida por um homem que se apresentou como “ meu supervisor”. Ele disse que eu trabalharia em escala 6x1, com direito a uma folga, em um domingo a cada sete semanas, disse também que eu tinha direito a duas pausas por dia, cada uma de dez minutos, e que, se eu fosse sensata, perceberia que esses míseros minutos deveriam ser “gerenciados” para saciar necessidades fisiológicas. 
Depois disso, meu “supervisor” começou a se gabar com orgulhoso por fornecer uma cozinha com apenas um microondas velho para 355 pessoas que têm seus exatos 20 minutos de almoço ao mesmo tempo. Farta de tantos absurdos, eu  interrompi:
“Não vou trabalhar aqui!”
Assim que neguei, pude ouvir ele dizendo, sem mexer os lábios, “você vai” e assim a ligação na minha cabeça recomeçou.
 “como se tentasse pedir desculpas. O Pinball sabe quando faz algo de errado, ele é delicado, sentimental, fiel [...]”.
                                                         ❂
Trabalhei ali, por três dias, ou, pelo menos, pelo tempo que eu acho que foram três dias. Não era fácil contar o tempo ali, a luz do escritório ficava  sempre acesa e o relógio da tela do meu computador, nunca passava das três horas da tarde. A única coisa que sinalizava a passagem do tempo, era a disponibilidade - avisada através da tela do meu computador -, de uma nova pausa a ser retirada. No total peguei seis pausas, duas por dia, como era de direito. 
O telefone nunca parava de tocar, o supervisor era um cuzão e toda vez que eu ia ao banheiro fora da minha pausa, a voz na minha cabeça voltava. Mas, felizmente, tudo isso chegou ao fim. Uma forte dor no meu torço, me trouxe de volta. A massagem cardíaca feita pelo meu marido, por sorte, médico, me manteve viva até a chegada dos paramédicos. 
Nunca soube exatamente o que foi aquela “experiência” no telemarketing, mas assumi que não foi um sonho, pois sonhos rapidamente vão embora depois que acordamos e, aquela lembrança nunca sumiu, na verdade, nenhum pedacinho dela foi esquecido por mim. 
Lembrar vividamente de tudo aquilo, me fez temer o pós-vida, então assumi um estilo de vida mais saudável, entrei para yoga e dedico parte do meu tempo, como voluntária em um abrigo para crianças. 
Hoje com 47 anos, espero viver mais 60.
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