Tumgik
ldelucas · 4 years
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Praça dos Pombos
Fizemos de uma praça de 200 metros quadrados a nossa praça.. A praça que denominamos de “praça dos pombos”, simplesmente pelas nossas infindas discussões sobre a natureza dos pombos. Você costumava indagar por minutos sobre “evolução e adaptação de espécies”, e hoje penso: como podíamos conversar tanto tempo sobre coisa tão inútil como essa? Mas também foi nessa praça que tivemos muitas das nossas primeiras vezes. 
Não foi nosso primeiro beijo, mas foi para lá que fomos depois do nosso primeiro beijo. Em uma noite semichuvosa, sentei no banco branco e você deitou com a cabeça no meu colo. Não nos importávamos com o silêncio. Também foi lá que dissemos eu te amo pela primeira vez.  Fui eu. No meio de uma conversa banal, percebi que era inevitável dizê-lo. Que não o dizer seria hipocrisia. Então o disse. E você não pareceu surpresa. Você sabia que eu o diria. Acho que esperava que eu fosse o primeiro. Você sempre foi mais contida. Essa praça era também nossa catedral particular. Santuário de confissões, em que ambos éramos padres e confessores. Quantas vezes destilamos todos os nossos mais obscuros pecados? Ruminamos as nossas mais essenciais abominações? Foi lá que me confessou: sou bissexual. Foi lá que te confessei: isso não muda nada. Foi lá que te confessei: não sou mais cristão.  Foi lá que me confessou: isso muda tudo. 
Na praça dos pombos fizemos as nossas maiores decisões: eu faria direito, você faria biotecnologia. Iríamos para Curitiba. Não, iríamos para Uberlândia. Não, iríamos para São Carlos. Não, iremos para São Paulo. Falávamos sobre casamento. Sobre filhos. Você não gostava da ideia de um casamento grande. E mesmo não sendo católica, diria que não se casaria em igreja evangélica. Só na católica. Você queria 2 filhos. Um casal. Helena e Leonardo. Mas em um futuro distante. Foi lá que você me apresentou a ficção científica. Você me emprestou George Orwell, perfeito. Você me emprestou Bradburry, terrível. Eu te apresentei Huxley, você não leu. Eu te apresentei Dostoiévski, você não leu. 
Na praça dos pombos troçamos sobre os apelidos que os casais dão um para os outros. eu te chamava de mozi, e você me chamava de xuxu. Ríamos. Eu te chamava de doce de côco, e você me chamava de doce de abóbora. Ríamos. Até que um dia você me chamou de mozi e eu te chamei de more. E, de repente, não rimos. Aliás, nem percebemos. E o amor, maduro, foi tornado em substantivo próprio. Deixou de ser comum. Tornou-se específico. E nós éramos o alvo. E aí notamos que zombávamos de casais como nós. Mas nossa arrogância sempre nos levou a acreditar: somos um casal melhor. 
E comunicávamos alegrias. Na praça dos pombos chorei de alegria pela primeira vez. Na praça dos pombos eu te fiz chorar com os meus traumas. E foi quando percebi que você sentia tão gravemente como eu a minha dor. E você enxugava as minhas lágrimas com afagos e as celebrava com beijos. E por muitas vezes você me disse: você deveria escrever um romance sobre nossa história, e eu dizia: seria desonesto. Mas você afirmava: passamos por tanto, mudamos tanto, sorrimos tanto. Seria um romance completo. E de fato, a cada dia transformávamos esse enredo em uma coisa nova. Ainda que cotidiana, renovada. 
Mas um dia você desistiu de mudar. E eu desisti de mudar por você. Mudei tanto, que perdi-me no processo. Desconstruí tanto, que não havia fundamentos de reconstrução. Mudamo-nos para São Paulo. Eu para Ribeirão. Você para a capital. A praça dos pombos ficou para trás. Mas eu chamei seu apartamento de casa. E fui para casa ao menos duas vezes por mês. E em São Paulo construímos novas praças dos pombos. Aos domingos, íamos para a Paulista. Tomávamos o mesmo café. Comíamos o mesmo pastel. Aos sábados tomávamos sorvete. Eu fazia suas compras. Você cozinhava, eu lavava as louças. Eu cozinhava, eu lavava as louças. Maratonávamos Greys Anatomy. 
Fiz inúmeras músicas para você. Mas deixei de levar o violão. Você me censurava dizendo: não poste suas músicas no youtube, porque elas são para mim e não para os demais. Deixei de te mostrar. Compartilhava pesares. Você estava cansada. Você compartilhava pesares. Eu estava cansado. Você não via mais o meu potencial de mudança. Parece que nunca viu o meu ser, mas o meu poder ser. Aliás, quando estagnei, quando olhei para trás em busca de essências, você deixou de perceber potências. Hoje vejo que você não amava aquele que escreve este texto. Amava aquele que poderia ser o homem da sua vida. Não era eu. E se eu resolvesse tornar à minha fé? Não me aceitaria. E se eu resolvesse cambiar o rumo do meu curso de vida? Estava muito velho para isso. E se eu andasse na rua com a postura ereta? Você sentia vergonha. E se eu não soubesse o que é uma startup? Você se decepcionava. E se nas férias eu quisesses estar com minha família? Você a odiava. As opções ficaram escassas.  E nenhuma delas me aprouviam. De repente me vi caminhando para ser o homem da sua vida… Mas não o homem da minha. 
Tive depressão. Tenho. Nossa intimidade decaiu. Amor se tornou uma palavra distante, rotineira. Novamente substantivo comum. Amizade e romance pareceram ser realidades mais distintas e aplicáveis. Os defeitos nos cansavam. As qualidades não bastavam.  Não existiam mais primeiras vezes. E cada dia parecia se encaminhar para o último. Foi em Ribeirão Preto que te enviei mensagem. Ligamos um para o outro. Você em São Paulo. Decidimos: essa seria a última vez que nos chamaríamos de amor. “boa noite, amor”. “Boa noite, amor”. 
Nunca fomos de decisões temporárias. Sabíamos que, definido, era o fim. E foi. Ainda que reverberasse por meses na minha cabeça. Mas não na sua. Você sempre foi mais desapegada. E eu não era o homem da sua vida. Mas aí descobri: você não era a mulher da minha vida. E mais do que isso. Eu poderia ser o homem da minha vida. A raiva me fez bem. Exaltar os seus defeitos me fez superá-la. Mas uma compreensão madura me faz pensar na praça dos pombos. No final a praça dos pombos sempre me trará a memória de você. Mas se antes era um lugar chamado nosso, hoje ela pertence a outro casal, que troça de outros casais, e se ensoberbece achando-se o maior de todos. Não me arrependo das mudanças. E nem me arrependo da praça. Mas o que era nosso, agora é seu e meu. E quer saber? Estamos felizes separados, assim como fomos um dia felizes juntos. 
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ldelucas · 5 years
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Eu sendo
Olá novamente, querido. Parece que o meu até breve foi um pouco comprido demais.  Demorei para escrever novamente, não é? Mas hoje não irei me travestir do deus escritor como fiz no texto passado. Estou pensando em criar um novo alter ego. Gosto das personalidades múltiplas. Elas me fazem parecer louco, e gosto da loucura. Talvez essa seja a nova característica que eu queira ressaltar. Se com o deus escritor apresento a arrogância, talvez com uma nova personalidade eu demonstre a minha loucura. Ou quem sabe algo que sobreleve a minha solidão. Acho que esta talvez seja a tônica da minha existência por agora. Mas acho que isso não dá público, né? Falar de tristeza. Vocês são muito egóicos. Gostam daquilo que lhes deem um púlpito a subir, colocando-se acima de todos e tudo: “Ah, esses seres limitados, que pensam que a vida se realiza em uma ideia”, “Ah, esses que se satisfazem na persecução de conquistas políticas, mal sabem que no fim não existe sentido”. Bom, veja você, que endeusa a sua própria inteligência e nem o admite. É tão iludido como aqueles a quem critica. 
Deixe lhe dizer algo: no fundo, no âmago do seu ser, você bem sabe: essa sua descrença só lhe causa tristeza e solidão. Só lhe faz pesar a bigorna da existência. Na verdade, você tem a claríssima consciência de que quem busca por algo, pelo menos age em seu nome. Toma o mundo como quem se amarra ao chão na premência de um tornado e diz: “NÃO! NÃO PERMITIREI QUE A EXISTÊNCIA ME DERROTE!”. E você, apesar de desdenhar e rir-se, sabe, com uma impactante lucidez, que o sentimento mais puro que habita em você é a inveja. Por vezes até mais forte que a soberba. E no fim de tudo, você é derrotado pelo seu orgulho paradoxal, e lhe questiono: quem será o que mais se engana?
Quer saber? Tenho ânsia de um objetivo. É isto. Falei. Desejo algo que me mova, e mais ainda: que se fodam as filosofias da negação da verdade. E daí que não existem verdades? Devo agora viver me lamentando, amarrar-me à cama e murmurar: “para quê viver? Para quê sonhar? Para quê sentir?”. Para essas perguntas o meu mais sincero e belo foda-se. FOOOOOOODA-SE. FOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOODA-SE. Escute, atento, leitor. Pois tenho algo a lhe dizer. Sim, a você que curtiu os meus textos anteriores, especialmente os do deus soberbo. Chegue perto, aprochegue-se. Ouça um sonoro: “obrigado!”. Achou que eu ia dizer “foda-se”, né? Para você não, eu te amo, obrigado pelo like, ser sem nome. Porém, foda-se também. 
O mais interessante desse nosso diálogo, contudo, é que sem você ou eu percebermos eu já criei um novo “eu”. De fato, quando digo “você”, já estou me incluindo nesse “você”, talvez até mais do que o você que é você, esse você sou eu. E, de forma bastante confusa e ambígua, transcendo o “eu” e me transformo em “você”, enquanto te/me elogio e te/me insulto. Afinal de contas, ao mesmo tempo em que sou o deus escritor, também sou zé e toda personagem que crio. E o mais louco de tudo: sou você. Mind Blow. I Know. 
Caríssimo você: serei bem sincero. O questionamento de tudo hoje me parece um início e não um fim em si mesmo. No fim das contas, não ter certeza de nada, não é algo tão péssimo assim. Isso só significa uma coisa: aquilo que somos nunca se encerra em uma verdade. Só nos faz concluir algo bastante intrigante: o significado pressupõe ação. Não existe símbolo estanque. Aquilo que é, nunca será se não continuar sendo e se transformando. Am? Você pergunta. Uai. Eu respondo. A inexistência de uma conclusão e de uma resposta, torna-nos seres dinâmicos. É um equívoco pensar que identidade é encontrar quem somos no mundo. Diferente disso: identidade é construir quem somos a cada dia. Não existe ser sem ação. Aquele que deixa de agir, anula-se. Aquele que desiste da busca de si, encerra-se. E aquele que acha que se achou, percebe, cedo ou tarde, que erra.  Não há quem se ache por definitivo.
Confuso? Pode ficar mais confuso ainda: o “ser” e o “estar” se confundem. Mas é revigorante que o “estar” não seja um dilema. O “ser” pode ser muito bem um “estar”, e ainda ser, desde que compreenda que ainda que esteja estando, aquilo ainda o faz ser, afinal de contas o “ser” é dinâmico, e a identidade pressupõe a ação do ser. Em termos menos Kantianos (sinônimo de confusos): a identidade é fluida, e mais do que dizer que ela o é, arrisco a dizer que é bom que ela seja. Sabe quando Raul Seixas cantava que preferia ser essa “metamorfose ambulante”? Ele estava certo. A palavra metamorfose é linda. O que é uma metamorfose? É um ser que se transforma em algo novo, ainda que não deixe de ser aquilo que era. Ora, isto é justamente o que quero: alguém que conserva partes de mim, que me definem (afinal de contas não há como me desprover de tudo, e nem é saudável), mas que se metamorfoseia, percebendo esse eu dinâmico. E é nesse ponto que o “ser” e o “estar” se diferenciam. Pois o estar perece quando vêm um novo estado. Mas o ser, ainda que mude, conserva partes de si. Por isso, ainda que nessa concepção, pareça que o ser e o estar são o mesmo, eles não são.  Assim, em vez de dizer que sou, direi que sendo. eu sendo, você sendo, eu-você sendo. Acabou. Fuck you.         
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ldelucas · 6 years
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Até Breve
Olá de novo leitor assíduo. Você deve se lembrar de mim, o deus escritor, criador de Zé e do princípio da humanidade literata nessa nova dimensão autoral. Claro que, se você não se lembra, é porque não contemplou a magnânima origem do caos ordenado que chamei de texto, cujo título é “Haja Caos”. Sei disso, pois se houvesse lido, não esqueceria. A genialidade criativa na qual estou profundamente imbuído não permite que, qualquer um que seja, possa pensar em outra coisa se não na grandiosidade de meus escritos. Cansei dessa humildade iconoclasta que se apresenta como valor essencialmente sábio. Cansei de diminuir-me, o deus escritor, perante outros tantos, leitores e escritores, que não fazem ideia de como atingir a magnitude de minhas habilidades. Eu sou melhor sim, tolo. Subjugue-se, portanto, antes que eu mesmo o faça. Não perca seu tempo.
Qual o objetivo dessa digressão ilimitada? Ora, essa é a minha despedida desse admirável mundo novo. Preencherei os espaços que deixei à invenção alheia. Cercarei o mundo de Zé de verdades muitas, a que não irá se contrapor. Depois disso, abandoná-lo-ei à solidão da incompreensão e à ilusão da fé. Mas lhe faço um favor. Dou-lhe um conforto prisioneiro. Escravo de si e de mim. Isso mesmo. Roubar-lhe-ei a liberdade, a maior de todas as angústias. Como? Fazendo-o acreditar que livre é aquele que de mim depende. Que abdica do real, em nome do ideal. Que em nome do céu, blasfema a Terra. Até mesmo prevejo o pensamento desses seres criados tomando forma. Dirão que há dois mundos distintos - veja que absurdo -, um visível e imperfeito, e outro invisível e perfeito. Argumentarão ainda que o mundo invisível só é acessível ao se guardarem os valores perfeitos e ao se buscar os princípios ordenadores do mundo e da verdade. Apegar-se-ão ao irreal como uma concepção abstrata inovadora e empoderadora. Dirão ainda que superiores são os seres que a esses valores obedecem. Isso mesmo, leitor. Serão piores do que eu mesmo. Esse abandono que lhes farei será de tal maneira traumático que se apegarão às ideias como resolutas do vazio da existência. Uns até mesmo desacreditarão de mim, seu deus, pensando que dessa maneira desprenderam-se. Irão propor novos sistemas com base em suas próprias limitadas razões, imaginarão novas e irrepreensíveis sociedades - sem a presença de um deus, que na verdade há muito já os abandonara -, e assim concluirão que finalmente são livres, ao se despojarem das verdades antigas. E eu, deus imortalizado, morrerei de rir quando insultarem-me dizendo-se livres. HAHAHAHHAHA. Mal sabem que migraram de grilhões. Substituíram por outros tecnológicos e se prenderam a cadeias ideológicas que logo verão completamente impraticáveis. E ficarão ainda mais vazios. E eu contemplarei a sua morte silenciosa e desesperada. HAHAHAHAHAHAHHAHAHAHHAHA.
Alguns ainda, mais espertos, levantar-se-ão anunciando a sua ruptura com o ideal. Viverão todos os prazeres que o mundo lhes permitir. Desinventarão a monogamia em nome de uma monumental e fantástica transa. Desacreditarão a fé, em nome da arrogância de sua própria vivência. Transgredirão o perfeito, condenando-o a inexistência total e completa. Mas ainda que compreendam tudo isso, estão condenados ao sofrer. Pois eu os criei seres dependentes de verdades. O vazio é para eles uma insanidade tamanha que os consome e os torna em recipientes repletos de dor e dúvida. Vasos de flores mortas, pois só se satisfazem com a água das ideias. Todos os homens criados estão, porquanto, destinados à imbecilidade ou ao sofrimento. Ao torpor ou ao vazio. De todos os lados, enchem-se de um caos, em suas múltiplas e multicolores faces.
Eu inventei o niilismo no momento em que inventei a ideia. Você pensava que o niilismo era a ruptura com a verdade, meu caro leitor? Não! O niilismo, como a filosofia do nada, é a crença nos ideais. Já que são eles mesmos que afastam do mundo criado e faz com que creiam em um nada inventado. Todos são niilistas em algum grau. Pois é impossível desprover-se de verdades por completo. Eu criei os homens como seres afundados na fé. Fé em mim. Fé em seus compatriotas. Fé em sua nação e seus soberanos. Fé na sua descabida inteligência. Fé em si mesmo. E se nada disso, fé na existência de nada. Pois nem o nada pode ser de todo provado. Pois até o algo é mais provável que o nada. Abandono-vos ao caos, leitores e minhas criaturas. De qualquer maneira, você estará envolvido da maldição niilista do idealismo. Destinado ao sofrimento e à ignorância, você será sempre um insignificante e passageiro ser criado pelo nada. Até breve.  
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ldelucas · 6 years
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A Sexualidade Muda
Bem vindo de novo, leitor amigo. Resolvi escrever uma crônica para tratar do assunto que se seguirá adiante, pois meu intuito é ser excepcionalmente pessoal. Esta é a máxima de minhas exposições: a escrita me permite tratar-me. As palavras autorais tomam a forma de um psicanalista sentado à cadeira. E eu, cliente, deito para escutar um algo que, apesar de originário de mim, externaliza-se e transcende a minha própria existência e identidade. Nessa dialética do discurso, já sou um eu novo e que se renova a cada ponto, vírgula, palavra, parágrafo escritos. Então saiba, meu caro, que esse texto não tem um só autor, mas uma entidade autoral que se aglomera em um aparentemente único indivíduo. Agora, devo dizer: não existem indivíduos. Os seres são sociais e socializados. Precisamos ser assim. Não poderíamos ser diferentes disso. Mas enfim, vamos ao nosso polêmico e intragável tema.
Devo alertá-lo que você pode experimentar sentimentos múltiplos e, de fato, o tópico a ser aqui discutido é o maior de todos os tabus, apesar de muitos escritores já terem falado a respeito dele. Sexualidade. Os maiores pensadores desta era e de outras passadas se debruçaram sobre essa temática controversa. Desde Freud à Foucault - pensando, obviamente, no atraso ocidental, já que os templos indianos e os autores do Kama Sutra há muito compreenderam a necessidade de não se ocultar tal assunto. Ainda colocando em relevância a maestria das autoras feministas como Simone de Beauvoir, Helen Kaplan, e tantas outras. Antes que você fique preocupado comigo e com esse texto, contudo, não tentarei me comparar a essas magnânimas mentes. Tal qual uma crônica, exibirei as minhas peculiaridades cotidianas.
Para o leitor que já vem acompanhando os sangramentos verbais que anteriormente mancharam esse Tumblr, é fácil lembrar de um fato importante em minha vida. O de que eu era cristão, e fervoroso, por um bom tempo. Para os leitores noviços, recomendo que leiam o texto Identidade. Vai. Dou uns minutos para você. Sou paciente. Pronto? Ok. Não sei o quanto você, meu caro, consegue compreender a realidade do que é falar de sexo dentro de uma igreja evangélica. Ou dentro de uma lar evangélico. Se a voz da sexualidade é abafada na maioria dos espaços de fala na sociedade, dentro da igreja, a sexualidade é muda. Não se fala sobre isso, já que é um assunto extremamente privado. A título de exemplo, vale dizer que o sexo já foi tratado pela Igreja Católica como um pecado menor e necessário - um pecado necessário? Ok.
Dentro da minha casa mesmo, fico traumatizado até hoje com uma cena: a de minha mãe vindo até meu quarto com as mãos cobrindo os seios. Sem sutiã. Mostrando-me as cicatrizes de uma cirurgia que havia feito. Foi a vez em que minha mãe ficara mais nua perto de mim. E nunca mais. Em contrapartida, meu pai atravessando a sala nu, já que havia esquecido de pegar uma cueca, era uma cena ordinária. Sem discutir essa dinâmica de gêneros e corpos, o que quero dizer é que: o corpo feminino me era estranho. E eu, como hétero que deveria ser, também estranhava o meu próprio corpo em relação à erotização e sexualidade. Não falávamos de sexo em casa. Aliás, não acho que tenha nem ouvido falar de meus pais fazendo sexo. Na igreja, as únicas coisas que ouvíamos acerca do sexo eram negativações. Não pode. Não faça agora. Não se masturbe. Não tenha pensamentos impuros. Não beije. Reprima. Reprima. Não sinta. Reprima. E a mente, obediente, reproduzia. Reprima. Reprima. Reprima.
Talvez a quantidade enorme de negativas não tenha sido suficiente para mim. Eu me envolvi em um vício crescente em pornografia. Eu, que não sabia o que significava uma punheta, aprendi na casa de um amigo que era possível sentir um prazer sexual sozinho, reprimido, escondido. Era normal que em todos os lugares eu procurasse um canto oculto em que pudesse cometer a atrocidade de me masturbar. 4 vezes ao dia, em média. Ansiando pelo proibido e pelo não dito. Um algo que nem sabia o que era. O simples desejo sexual me deixava com uma sensação completa de imundície. E quando meus pais descobriam… O semblante deles. A vergonha.  Auto-estima extremamente baixa. De quem não consegue nem mesmo transpassar um desejo tão primitivo. Afundava na lama e nos vícios. cada vez mais. E eu nem tinha com quem me comparar. Meus amigos todos eram mudos para esse assunto. Na minha cabeça isso só poderia significar que eles não estavam cometendo o mesmo pecado que eu. Pelo menos não na mesma intensidade e de forma tão iníqua. Achava-me incapaz de conter os desejos pecaminosos que me envolviam. Como um imundo homem destinado ao inferno e à vingança de Deus. E todos os infortúnios que me ocorriam eram culpa da minha incapacidade de autocontrole sexual. Se eu perdia uma partida de basquete no campeonato, era porque eu havia assistido pornografia no dia anterior e me masturbado com ela. Se acontecia comigo de me machucar, era uma vingança de Deus devido aos desejos que senti por uma determinada pessoa, mesmo que eu não os concretizasse em uma punheta.
Sentia raiva de mim, pois não podia canalizar essa raiva a Deus ou aos meus pais, e nem à religião. Afinal eu necessitava ser bondoso, caridoso, amoroso, um bom líder, que não murmura e nem destrata os seus irmãos e pais. Eu era o mais imundo dos seres viventes. Incontrolável. Intratável. Caso perdido. Talvez o cristianismo não saiba o que causou na minha cabeça. Talvez ele saiba, mas ache correto que isso seja causado. O fato é que vivi por anos inteiros como quem preferia - e pensei muitas vezes nisso - arrancar o próprio pênis fora a ir para o inferno. Pois como disse Jesus: “Se um dos teus olhos te faz pecar, arranca-o, e lança-o fora de ti, pois melhor é entrares na vida com um olho só, do que, tendo os dois, seres lançado no fogo do inferno.”. (Mateus 18:9). E se não bastasse a minha incapacidade de controlar-me sem que houvesse a necessidade de arrancar meus olhos e pênis, que me faziam sentir desejos - às vezes até chegavam ao absurdo de desejos homossexuais -, também não era corajoso o suficiente para arrancá-los fora. E isso fazia de mim egoísta, pois preferia isso ao meu amor a Deus. E também tolo, já que o inferno não me era um medo suficientemente grande para me impelir ao ato de cortar o mal pela raiz, literalmente. E pensava que era preferível não possuir desejo sexual algum, do que possuí-lo e, com ele, pecar, como fazia, ininterruptamente.  
E devo dizer que não faz muito tempo desde que comecei a desconstruir na minha cabeça a ideia de que transar não é uma imundície sem proporções. Quando comecei a namorar a pessoa maravilhosa que me ajudou em todos esses processos identitários, iniciei a aceitar a minha própria sexualidade. Assumi a minha bissexualidade. Transei, mais de uma vez. E quem jogar “Eu Nunca” comigo vai perceber que até pareço experiente e com uma liberdade para falar sobre sexo como muitos não tem. E é verdade mesmo que eu e minha namorada falamos muito sobre esse assunto. Desde nossas fantasias sexuais até nossos traumas. Desde o uso de brinquedos até o sexo poligâmico. Das nossas preferências. Das coisas que não gostamos. De anatomia - sim, o clitóris. Do que nos excita. Qual é a velocidade do sexo que preferimos. Entre muitas outras coisas.
Mas não é tão simples assim. Recentemente  tenho passado por um problema que tem me abalado completamente. Quando vou transar com minha namorada, tenho ficado impotente. Dentro dela, broxo. Não aconteceu só uma vez. E desde que aconteceu pela primeira vez, tenho ficado cada vez mais temeroso. Nervoso. Preocupado excessivamente com meu desempenho e com o prazer que vou prover a ela. E, talvez por isso, tem acontecido mais vezes. Nos últimos meses, sou um poço de nervos quando vou transar. Muitas vezes até mesmo acho melhor nem transar para não correr o risco de decepcionar. Não aprendi a lidar com isso. Verdade seja dita. Aprendi a viver de uma maneira que sinto muito menos desejo sexual do que uma pessoa normal. E não é equivocado pensar que isso tem uma grande influência do fato de que, não há muito tempo atrás, o meu desejo era o de cortar o meu pênis fora para não sentir atração alguma. Para que não pecasse e não estivesse sujeito à vingança divina e ao inferno.
Tenho sérios problemas de autoestima e de relevar a opinião alheia como determinante em que eu mesmo sou. Tenho sérios problemas sexuais, que fazem de mim uma pessoa incapaz de lidar propriamente com os meus desejos, impulsos, atos e diálogos sobre isso. Hoje tenho percebido que não sou o único que é incapaz de lidar adequadamente com sua sexualidade. Nossa cultura judaico-cristã reprime esse discurso com uma força imensa. Achamos que o sexo é uma situação privada. Não se deve falar sobre isso. Aliás aquele que fala é um animal que não controla os próprios desejos primitivos. Sexalidade é a marca máxima do antirracional - oi Freud. Civilização é aprender a lidar com as pulsões sexuais de forma a reprimi-las ao jugo da racionalidade. E todos sofremos de traumas a algum nível, pois é impossível fazer ser completa essa repressão. A privatização da sexualidade não só afeta as relações maritais trazendo à tona uma cultura patriarcal, como também afeta as individualidades, como você, leitor, pôde perceber com a minha história.
Estou falando do meu problema porque preciso desesperadamente de conversar. Leitor, eu broxo quando faço sexo com minha namorada. E cada dia  mais tenho afetado nossa relação, pois o lado sexual de nosso amor está abalado. Ela começa a pensar que não sinto atração por ela. E tenho consciência disso, então quero satisfazê-la para que ela perceba que isso não é verdade. Mas quando começo a pensar na possibilidade de que fique impotente, disparo em pensamentos mil de ansiedade. Em uma cadeia viciosa e crescente eu broxo, e não consigo voltar ao normal. Deitamos de novo na cama. Choro. Sim, leitor, eu choro ao transar, pois não está funcionando e é culpa minha. O que faço? Como lidar com esses traumas? É muito difícil, meu caro amigo. É fácil perceber o quanto toda a minha religiosidade passada afeta a minha sexualidade hoje. Quero quebrar esse silêncio que a religião impôs ao sexo. Eu tenho problemas. E não sou o mais potente de todos os caras. Aliás, impotência tem sido a tônica da minha vida sexual. Amigo, que tal quebrarmos esse tabu que tem nos feito prisioneiros de uma autodestrutiva e tóxica mentalidade? Vamos falar disso? Quero quebrar a mudez da sexualidade, e já.
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ldelucas · 6 years
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Rolê caseiro - parte 1
Frederico Silveira levanta-se de sua cama seminu e de meias. Caminha até o banheiro a passos sonolentos. Lava o rosto. Encaixa o óculos entre as orelhas. Contempla a sua imagem no espelho redondo das bordas douradas. Não olha seu rosto, mas seu corpo. Arruma a postura, e depois abaixa o peito novamente. Vira de costas e mira o olhar à lombar. Vira-se de lado, afasta-se do espelho. Pensa: “A essa distância pareço mais magro”. Não sorri. Afoba-se em vestir algo para ocultar a sua vergonha. Abre o armário e foca os olhos na blusa preta que ama, apesar de nunca a usar. Tira do cabide a verde usual e a veste. Mais larga que as demais. Olha-se no espelho mais uma vez. Ensaia as mesmas poses de antes, mas em maior velocidade e menos detalhes. Escolhe uma calça Jeans. abotoa-a um pouco acima da cintura. Mira-se no espelho novamente. Frente. Costas. Lado. Afastado. Inspira. Expira. Sai pela porta do quarto. Senta à mesa e toma seu café. Iogurte com granola - sem passas - e uma caneca de café com leite, sem açúcar. Volta ao quarto. Calça o tênis. Olha-se mais uma vez no espelho, dessa vez sem poses, e nem sorriso, como de praxe. Sai pela porta de casa e dirige-se ao ponto de ônibus.
No ponto há dois homens. Conhecidos aos olhos, desconhecidos ao verbo. Encara o corpo magro de um deles. Compara-se minuciosamente. Lista: “Os braços dele são finos demais, suas pernas muito compridas, é magro excessivamente… mas quem dera eu fosse assim”. Foca o olhar furtivamente, ainda que detalhista, no outro. Mais gordo. Pondera: “será que estou como ele?”. Questiona-se: “Será que quando me encaram, perguntam-se se estão gordos como eu?”. O ônibus chega. Entra. Não há lugares para sentar. Avista um canto e comprime a barriga contra a parede do veículo. O ônibus acelera. Para. Acelera. Para. Acelera. Para uma última vez. Frederico sai do ônibus. Cruza os braços para atravessar a rua e caminha até a faculdade de Direito.
Chegou cedo. Corre para a sala e guarda o seu lugar. Não há cadeiras ocupadas. Abraça a mochila ocultando a barriga. Espera que cheguem um de seus amigos. Levanta-se e vai até o banheiro. Olha-se no espelho. Não há ninguém lá. Arruma a postura e abaixa o peito de novo. Vira-se de lado. Afasta-se. Trota de volta à sala. Avista no corredor Flávia Duarte. Caminha até a amiga sorrindo.
_ Bom dia Flávs!!
_ Eaí Fred! Sussa??? - Responde com sua hiperbólica empolgação usual.
_ Suave! - contrapõem a empolgação de Flávia com seu tom sempre calmo.
_ Manoo, é o seguinte: cê sabe que eu sou meio de lua né.. E minha lua em aquário tá gritando hoje por um rolezinho daqueles caseiros pra gente jogar um Eu Nunca ou se pá até um verdade ou consequência, sei lá… Tipo, ouvir umas músicas furacão 2000… Tá ligado esses rolês né?? Cê topa?? _ Cerra as mãos como se fosse rezar ali mesmo.
_ Uai Flávs, bora! Quem cê tá querendo chamar? - responde Fred, sempre no mesmo tom.
_ Ai mano, não sei, tipo… fazer um Eu Nunca com o nosso povo nem rola, né mano? Porque, porra, já sei o caralho tudo de vocês! Não deve ter mais porra nenhuma que eu não saiba!! Verdade ou Consequência também não dá, né? A gente não vai sair se pegando que nem uns porra louca.. Tipo, migos né? Tipo pegar os irmãos ou algo assim e eu não curto incesto kkkkkkkk
_ Flávs, cê tá querendo chamar quem então?
_ Ai sei lá Fred! Tomar no cú! Não mia o rolê não, cê vai né? Por favoooooor!! Eu tô muito afim disso hoje, manooo - Suplica com as mãos cerradas e os olhos pedintes.
_ Eu Fecho Flávs, chama suas crushes, que eu sei que é por isso que cê quer esse rolê _ Diz Fred com um sorriso maroto
_ Afffffs, tá bom, eu vou chamar elas sim, porra!! E vai rolar uma baita suruba na tua casa e cê vai ter que limpar depois!!!
_ Não ia ser na sua casa o rolê? _ questiona com as mãos na cintura.
_ Vai se fuder Fred, falei que ia ser na sua casa, mano!
_ Ahm… Não falou não
_ Ah, que se foda mano, vai ser lá, fechou?
_ Sei lá Flávs, posso te dar resposta até o fim da aula?
_ Desde que seja sim… Tô zuando mano, relaxaaa, pode sim!
Alguns colegas já invadem a sala de aula e o horário de aula se aproxima.
_ Flávs, vou ali no banheiro e já volto - Comunica-lhe já acenando uma despedida.
No caminho cumprimenta Carlos Teixeira e Luiza Nogueira com um High-five rápido. Ao fundo ouve o grito escandaloso de Flávia fazendo coro com a risada histérica de Carlos e com o grito de “BORA” de Luiza. Percebe que não há escapatória mais. O rolê será em sua casa. No banheiro confere se há alguém. Ensaia novamente as poses sem nunca olhar para o rosto. Antes que se vire de lado, todavia, um colega entra. Frederico finge que lava as mãos e verga cordialmente a cabeça em saudações. Cruza os braços para atravessar o corredor até a sala. Em frente à porta estão Flávia, Luiza e Carlos em prosa. Frederico se ajunta a eles.
_ Fred, cara, te falar.. O que a gente leva de bebida pro rolê? - Questiona com sua cotidiana elegância Carlos Teixeira. Frederico desvia os olhos de Carlos para Flávia como um pai que repreende com o olhar uma filha gramputa, mas depois revira os olhos conformado - Leva o que você for beber, cara… E qualquer coisa a gente compra mais no mercado - Responde Frederico.
_ AEEE PORRA - exclama Flávia escandalosa.
_ Então fechou depois da aula? A gente pode dividir o Uber daí... Quem é que vai? Você vai chamar o povo Fred? Ou quer que a gente chame? A que horas falo para eles chegarem? - Indaga Luiza com sua mania organizacional.
_ Que se foda mano, depois a gente vê essas porras! - Intromete-se Flávia.
_ Podem chamar quem vocês quiserem.. A gente pode ir de Uber depois sim… Só mandem eles levarem as próprias bebidas - Responde à Luiza e à sua ânsia de planejamento.
_ Tá mas, tipo, quais bebidas? A gente vai comer algo? Como que os outros vão? Vai ter um máximo de pessoas? - Continua indagando Luiza
_ Lu, chill Out sis.. A gente nunca decide isso agora, cê sabe disso… No rolê dá certo - Responde Carlos com um sorriso debochado.
_ Mas… _ Continua Luiza
_ Relaxa Lu, vai dar certo - Debocha Fred com seu sorriso também.
_ ENTÃO FECHOU?? - Exclama Flávia jubilosa
_ Fechou! - Concorda Fred com uma quase animação.
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ldelucas · 6 years
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Macho Alfa
Olá novamente leitor assíduo. Veja que já suponho que esse não é o primeiro texto meu que você lê, mas o último. Só houveram 6 posts contando com esse até agora. Então acredito que você tenha descido o feed e lido todos eles até este último, não é mesmo? Que bom que sim! Fico feliz que você esteja incluído nesse envolvente Tumblr. Mas enfim, hoje quero lhe falar de um assunto que tem me incomodado recentemente. Já que se materializa inteiramente na figura de uma só pessoa, que por um acaso está hospedado em minha casa. Ou não tão acaso assim, como se perceberá. Mudarei nomes e direi alguns fatos a mais a fim de me proteger de eventuais processos injustos contra minha pessoa. Dirijo esse texto aos leitores homens, mas convido as mulheres a que critiquem-nos todos, os machos alfa.
Apesar de ter começado o presente texto com uma linguagem leve e um tanto cômica, não objetivo a sua risada daqui em diante. De fato, pensar sobre isso levou-me às lágrimas na madrugada passada. Uma única frase dentro de um contexto específico causou-me um misto de sentimentos, tais quais ira, tristeza, vergonha, desesperança e outros sentimentos que provavelmente não conseguirei nominar. Antes de lhe recitar a frase, porém, preciso explanar aquele contexto, que envolve: 1. o emissor e 2. os precedentes.
João Ricardo é um jovem de 26 anos que acaba de terminar um casamento que durou 3 anos. O motivo é o de que fora traído diversas vezes pela sua cônjuge, a qual não sei o nome. Verdade seja dita, ela realmente o traiu. Mas outra verdade, ocultada por ele, também seja dita: ele também a traiu. De maneira que não ouso colocar a culpa em nenhum deles especificamente, mas na relação tóxica que construíram. Não importa aqui quem foi o primeiro a trair. Afinal, se um casamento é um ciclo de vinganças mútuas, ressalto, há algo de errado nessa relação. Não quero entrar nesse mérito, porém. Não quero ser juiz de uma relação que nunca tive a oportunidade de acompanhar. E nem condenar alguém que nunca tive a oportunidade de conhecer - que é a sua cônjuge. Mas conheço João Ricardo. Pois foi meu amigo de infância e compartilhei diversas experiências com ele. Sendo assim, habilito-me a julgá-lo, mas com ressalvas.
Para ser justo, antes dessa última experiência dele hospedado em minha casa, não o via há 10 anos. Todos sabemos que uma pessoa transforma-se completamente em 10 anos e, com certeza, foi o que aconteceu com ele - e comigo. Por isso todas as opiniões que trarei são refutáveis, e, inclusive, espero que você me refute, meu sábio leitor. Enfim. Após o término de seu casamento, João Ricardo arruma as malas e corre em direção a Florianópolis na intenção de espairecer a cabeça, cidade em que habito. Aí mesmo que recebo dele uma mensagem, em que me diz o quanto está triste e que queria encontrar-me. Conta-me por cima o que houve, dizendo-me que havia se divorciado e que necessitava de companhia. Tive pena, apesar de não ser o mais nobre sentimento nesses momentos. Convidei-o a ir em um churrasco de família que ia. Foi a partir de então que soube melhor da história de sua relação e dele mesmo.
João Ricardo serviu o exército durante o tempo de 2 anos. Destacando-se como um grande soldado, foi escalado como ponta de lança em uma missão de intervenção militar nas favelas do Rio de Janeiro. João me contava com prazer dizendo-me sentir como se estivesse em um jogo de Counter Strike. Gabava-se de sua determinação e coragem, de como estivera nos locais de maior risco à vida e, ainda assim, não havia levado nenhum tiro sequer, mesmo sendo o primeiro da linha de combate. Confesso que a maneira empolgada com que me contava suas histórias de guerra despertou em mim um sentimento ambíguo: aquele sentimento que temos quando vemos um daqueles filmes americanos em que um soldado, por não saber lidar com as atrocidades da guerra e com os pesadelos que o assombram, disfarça o trauma em uma fantasia de heroísmo e de indestrutibilidade, anunciando a todos a sua bravura e habilidade por ter sobrevivido, quando na verdade, ele simplesmente não sabe lidar com o que lhe acometeu. Sentimos como se devêssemos insistir para que faça tratamento psicológico, e temos vergonha de ter nojo de seus dizeres, já que o consideramos um alguém que passou por traumas diversos e que só encena algo que ele realmente não é. E temos razão em querer acolhê-los. Já que se não resolverem esses internos patológicos, serão sempre emocionalmente indisponíveis, entre outras possibilidades de máscaras.  
Esses disfarces pareciam cada vez mais com o que descrevi. João é extremamente extrovertido, e tem uma boca sem freios e censura. Não importa com quem está falando, se velhos ou crianças, se homens ou mulheres, seu discurso é sempre o mesmo. Alguns tópicos são: as histórias de guerra e exaltação de sua própria habilidade e da adrenalina; um narcisismo estapafúrdio - chegou a dizer inclusive que faria uma estátua de ouro de si mesmo para se não houverem mais homens no mundo, as mulheres admirarem a mais perfeita espécime do passado -; os rolês e muitas festas, e quantas mulheres pegava e quantos “contatinhos” possuía - dizia, por exemplo, que recém mudado o status do facebook, mais de uma menina mandara-lhe mensagem implorando pelo seu beijo -; e, é claro, a sua ex, o quanto ela era mau caráter e o quanto ele ainda a amava.
Não era fácil andar com João nas ruas - ou em qualquer lugar. Fomos à praia. Chamei uma amiga. A primeira coisa que me perguntou era se podia pegá-la - como se fosse minha a autoridade de permiti-lo. Andando na praia, e no caminho de volta a casa, exibia-se tirando a camisa e dando boa tarde a todas as meninas “gostosas” - como ele chamava - com quem cruzamos. Além de não retirar o olhar delas até que sumissem da vista e agradecer a Deus em alta voz pelo corpo delas, que desejava possuir. Contava, inclusive, seus planos de abrir uma casa de festas 24h por dia, em que homens pagariam 5 reais e mulheres 2 reais.
Não era fácil apresentar conhecidos para ele. Minha namorada mesmo, que estava lá durante os dias em que estive com ele, soube que ele poderia passar dos limites. Eu não sentia como se pudesse confiar nele para não tentar seduzi-la. Não digo isso como se eu a precisasse defender ou como se ela fosse a minha posse, de quem devo proteger de outros homens. Só não queria que, de fato, ela passasse pela situação de um amigo meu lhe tentando seduzir e ela ter de lhe rechaçar, com raiva. Tanto é verdade que não podia confiar-lhe que quando ela ia embora, ele quis ir para a cidade dela. Além disso, quando ela ia para a rodoviária, ele queria que o deixasse junto com ela. Não encontro outros motivos para que ele fosse para a cidade dela, e nem sei onde ele planejava hospedar-se.  
Para ser bem sincero, no momento em que ele foi embora para a casa onde estava se hospedando aqui em Florianópolis, torci para que não mais nos encontrássemos. Primeiramente porque não aguentava mais estar com ele. Depois, porque mesmo que eu pudesse fazer um esforço em nome de ajudá-lo, não me sentia apto e nem mesmo responsável, já que nem mesmo sentia a liberdade de lhe dizer tudo o que queria - não nos falávamos há 10 anos!! Ontem, porém, ele perdeu o ônibus e o lugar onde podia ficar. Suspeito porém que o fez propositalmente. Tive raiva, não queria o receber em casa. Mas não havia como abandoná-lo sem lugar onde ficar, mesmo que não acreditássemos que ele realmente havia perdido o ônibus.
“Mas por que você suspeita que ele mentiu, Lucas?”. É o que você deve estar perguntando. Primeiramente porque ele já me dissera que não queria voltar para casa até fevereiro e faria de tudo para não ter que fazê-lo. Além disso, já havia se gabado como um mentiroso habilidoso, que conseguia convencer a todos de suas falácias. Depois, disse que não havia ônibus. Achei 14. Disse que era necessário que fossem convencionais. haviam 7. Disse que não haviam vagas neles. O primeiro que abri possuía 12 vagas. Por fim, a primeira coisa que me perguntou ao nos sentarmos para falar era onde era a 1007, uma balada de Florianópolis, já que marcara com uma menina e a faria pagar o seu ingresso para entrar. Queria ir nesse “rolê” desde manhã. Estranho.
Já estava extremamente enraivecido, leitor. Não mais sentia pena de sua condição e nem considerava mais a sua história passada e como ela influenciava em sua personalidade expansiva e absurda. Personalidade de macho alfa. Aliás, se você estiver lendo isso, meu amor, peço desculpas de novo pelas várias mensagens que mandei para você ontem, enquanto estava exageradamente bravo com a situação toda e com ele. Essa mensagem não foi para você, leitor, a não ser que você seja meu amor.
A gota d’água, porém, foi quando ele sentou ao meu lado e começou a falar acerca das suas 10 “namoradas”. Foi quando ele soltou aquela decepcionante frase: “tô aqui cultivando o meu rebanho né, sabe como é?”. AHHHHHHHHHHHH. Raiva. Fúria. Ira. Cólera. Furor. Zanga. Asco. Ojeriza. Execração. Desprezo. Todos os sinônimos que você puder achar, leitor. Odiei a existência de João naquele mísero momento. Eu, que muito dificilmente me estresso, explodia raios internos de sinônimos de raiva. Não odiei somente a ele naquele momento. Odiei a todos os caras, inclusive a mim mesmo, por atitudes como essa. Por nominar mulheres de rebanho e reduzi-las a pedaços de carne consumíveis em uma só refeição, ou quem sabe duas, mas nunca as considerando pessoas com algo mais do que corpos.Odiei-me por pedir nudes para a minha namorada de forma insistente, às vezes, e equiparei-me ao João e senti uma fúria descontrolada de mim, e uma tristeza profunda e incomensurável, além de uma vergonha de uma atitude abjeta e vil. Senti vergonha de todos os machos-alfa e de todos os pais que os ensinaram que essa maneira de ser é a melhor. E que não lhes permitiram a sensibilidade e a fraqueza, e nem o afeto carinhoso. Raiva e vergonha. Raiva e vergonha. Tristeza. Tristeza. Lágrimas.
Hoje já é o dia de amanhã. Confesso que os meus pensamentos hoje são ambíguos novamente. Não sei se devo culpabilizá-lo totalmente e tentar ajudá-lo a superar seus traumas, ou se devo desacreditar da existências desses traumas e enfurecer-me com ele. O mais importante do dia de hoje, porém, é que aquela raiva tornou-se em indignação. A raiva é uma paixão irracional aplicável a um momento isolado. A indignação é uma raiva que se transmuta em luta. Sei de meu lugar de fala. Por isso não posso falar para mulheres e ensiná-las pelo que, e com quem lutar. Longe de mim pensar que poderia fazê-lo. Por isso esse texto é para você, leitor macho-alfa.
Você não é um vaqueiro para colecionar rebanhos. Você não é um robô para não possuir sentimentos. Você não é um ignorante para deixar de apreciar a arte e a poesia, renegando-as a afetividades inferiores à brutalidade. Você não é apito para assobiar nas ruas o dia todo, aliás isso é só escrotisse. Você não é apto para controlar o que “sua” mulher veste e o que, e com quem, fala. Se você faz isso, encorajaria ela para que te abandonasse. E você, cara desconstruído, não é apto para ensinar como as mulheres devem se defender dos homens babacas. Sabia que quando você pensa que é necessário a sua presença para ensiná-las, você as rebaixa? E olha só, é mais um daqueles babacas que você tanto xinga. Você não pode culpar os seus pais se você já sabe que o que faz é machista. Está na hora de mudar. E você deve sim ouvir quando alguma mulher lhe diz que o que você faz é uma atitude que a rebaixa. Quem você pensa que é, ó todo poderoso, para saber mais do que elas próprias sobre o que as afeta ou não? Abracem seus filhos! escovem seus cabelos! Chore junto com eles e os deixe chorar sem reprimir-lhes as lágrimas! Deixem que as mães ensinem os filhos sobre respeito às mulheres! Não “ajudem” as mulheres em casa, como se fosse delas o dever de manter a casa limpa, Sejam sócios e não auxiliares! De onde vocês tiraram que existe um lugar apropriado para que cada sexo fale? Quem disse que é você quem manda em casa? Que é você que deve sustentar a mulher e é você quem deve educá-la? Se você conseguir achar um motivo sequer que justifique esse seu domínio idiota, fale, por favor. Spoiler: não vai achar!
Amigo leitor, tenho muito a dizer e você tem muito a me xingar. João Ricardo me ensinou uma coisa. Existe uma estrutura que nos compele a determinadas atitudes de macho-alfa. E isso é cruel, conosco homens e, principalmente, com as mulheres que estão ao nosso redor - e não falo de sexo aqui, mas de gênero. Tal como os traumas a que João está submetido, que não lhes nego a existência, todos temos propensões sociais que nos movem a atitudes padrões de desrespeito às mulheres. É fato. Também é fato que o social é muito mais forte que o individual, e que muitas vezes não estar nesses padrões é ser excluído socialmente. Ser chamado de gay - apesar de eu considerar um elogio - pode ser um xingamento para você. Mas a estrutura social não nos determina. Eu tenho aprendido a adotar atitudes não machistas. Acredito sinceramente que tenho avançado muito no respeito que é necessário dar às mulheres. Ainda assim, muitas vezes falho em coisas que nem mesmo eu sei que estão erradas. Mas aprendo. E batalho contra essa estrutura que ousa me dominar. Não vai. Amigo macho-alfa, quer ser o mais fodão de todos os caras que existem? Que tal vencer a maior de todas as bestas? Que domina todos os homens de alguma forma e que os submete a algum tipo que seja de dominação. Que tal enfrentar e vencer o machismo? Mano, dessa maneira você vai ser o cara mais foda que eu já vi. O verdadeiro alfa. E fique tranquilo, essa besta todos podemos enfrentar, e juntos. Então, o que acha? Bora? Bora.
Ps: Lembra que falei que iria exagerar as situações? Pois é, não exagerei. Beijos.
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ldelucas · 6 years
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Haja Caos!
Boa noite amigo leitor! Digo boa noite já que é a hora em que escrevo esse texto, mas nada impede que porventura o leia de manhã ou de tarde. Não me ofende. Ofende-me que você não leia, então é bom que você leia. Na verdade não. Não preciso da sua atenção. Sei que escrevo bem de qualquer maneira. Sua opinião não me importa. Minto. Fui um pouco brusco com você. Vou parar por aqui. Na verdade a sua opinião ao meu respeito tem importado para mim por toda a minha vida. Nem importo muito com quem você seja. No fim das contas só sinto essa necessidade absurda de ter a sua aprovação, óh ser inominado. Mas não fique aqui por piedade de mim. Não quero sua piedade. Quero sua admiração. Então admire minha escrita, combinado? No fim das contas eu não sou ninguém mesmo. A minha existência perdura enquanto o meu criador quiser. Não foi decidido ainda se sou um personagem ou um pseudônimo. Aliás, não foi feita uma escolha importante a respeito da minha identidade. Serei uma hipérbole emocional manifesta em uma existência, ou serei a própria realidade da existência? Romantismo ou Realismo? Qual o gênero desse texto, que, a propósito, parece uma crônica, mas lembra um conto? Se eu colocar uns animais nessa atrocidade literária, ela se metamorfoseia em uma fábula? Transformo-o em poesia, ao lhe incutir aliterações? Quiçá a quimera quixotesca queira quitar a querela qualificada! Viu como sou versátil? Como tenho um vernáculo rebuscado? Faço poesias, ainda que as faça sem qualquer significado. Acho que vou parar com essa verborragia semi-intelectual. Mas o que tenho que fazer para te suprir, meu amabilíssimo leitor? Difícil escolher algo que lhe possa agradar por completo. Sobre o que tenho que escrever, quer dizer, falar, para que possa trazer um agrado utilitarista? Para você que não me entendeu, leigo, explico: dar prazer ao máximo de pessoas possível. Desculpa rebaixá-lo assim. Não quis chamá-lo de burro ou ser arrogante. Por favor não pense que sou um inveterado soberbo. Veja, meu caro, a arrogância é nada mais que o temor de que eu encontre em outro, um alguém superior. Já que meu maior medo é aquele velho sentimento de inferioridade que assombra o caminhar cotidiano. Pare Lucas! Quer dizer… Personagem Z. Isso, já me decidi, não serei o Lucas nesse conto-crônica-fábula-poesia-divagação-atrocidade. É melhor criar um grotesco homem que abarque o caos que habita em mim. A confusão, a arrogância, a necessidade de aprovação e a loucura. Dessa maneira, sempre terei nessa existência criada um alguém, um servo, que me considere um deus. Para as minhas personagens, sou o criador divino. Sempre serei para elas, superior. Para essa reles escória chamada personagem. Despejo nesse protagonista que fala, toda a inferioridade que em mim é sentimento, mas que nele será realidade. Só assim percebo que não há inferioridade no sentir, mas no ser. Por isso, não sou inferior, em nenhum momento. Sou um deus, adorado pela minha criação. É isso. Essa é a solução. Há deuses que começam pelo A. Eu começarei pelo Z. O primeiro homem se chamará Zé. Darei a ele o dever de ser igual a mim, mas nunca o permitirei que me alcance. Darei a ele um lugar perfeito de morada, mas colocarei no meio dele uma coisa sedutora, que lhe direi que não faça, só para vê-lo pecar e dar a ele castigo. Chamarei os meus desígnios de bons e imutáveis, ainda que mudem às vezes. Serei o maior de todos os enganadores. Farei com que Zé acredite que esse caos inexplicável que é essa narrativa faz  sentido. No fim, condenarei-o por não ser como eu. Chamarei-me de bom e sábio. A ele de inferior. A quem foi dada uma única tarefa, a qual transgrediu. Ainda que não houvesse como realizá-la. Enfim, meu caro leitor. Contemple o nascimento de um novo mundo e de uma nova vida. Haja Trevas e Caos! Nos ouvidos confusos de Zé, todavia, ouve-se: haja luz!
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ldelucas · 6 years
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Ostracismo
Disseram-me: Nada sabes!
Aos Gritos: Ostracismo. Vou-me mudo
Mudo o prumo, aprumo o rumo
Acusam-me surdo! Na surdina sumo
Dizem-me: mentes! Mente pequena!
Sentem pena, mas qual a pena?
Limitam-me a fala. Falácia! É o que exclamam
Clamam: Assente-se! Não te sentes mal?
Ex-clamam: Não sintas! Que a cinta o agrida!
Julgam-se pais, detentores da paz!
Paz na pressão e na repressão! 
Levanto-me em vão, pois logo vão abater-me!
E batem! Rebatem-me os dizeres todos!
Quem sou? Se tudo o que de mim soou é vil?
Nada do que de mim se viu é digno saber?
Não sei, nada sei, é o que dizem...
Vou-me mudo, que outro mundo, talvez
Abrigue-me, o imundo ser...
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ldelucas · 6 years
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Dama de Ouros
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O casal está sentado no chão coberto da sala. Entre lençóis e almofadas construíram uma cama. Em uma mesa que já fora um banco estão postos os ingredientes essenciais da noite. Entreolham-se furtivos na aurora da nudez. Cartas na mão. Entre eles, 5 cartas, das quais 3 já se revelaram. Um rei de paus, uma Dama de ouros e um 4 de paus. Nas mãos de um já se forma um par de 5, nas mãos de outro, um ás promissor. Pedem mesa. Big Dealer elabora seu estratagema falacioso. Sobe para 40. Small Dealer não se deixa enganar. Conhece o outro. Não mente bem. Paga. Próxima carta. Um 10 de copas. Big Dealer pede mesa. O outro o desafia com um sorriso, como se dissesse: “então você estava mentindo não é?”. Aposta 80. A esperança de Big Dealer é a última carta. Pode formar no máximo um par, tirando o da mesa. Confia na sorte de seu ás de espadas?. Paga. Small Dealer arqueia as sobrancelhas durante microssegundos. Fica preocupado. Última carta. Mais uma Dama. Dessa vez de espadas. Ambos pedem mesa. Small Dealer vence. Big Dealer curva os ombros vagarosamente enquanto posta os olhos fixos nos lábios de Small. Fala arrebatador:
_ Qual o seu desejo? - Small Dealer acaricia desintencionalmente sua própria coxa e morde inconsciente a ponta direita do lábio inferior.
_ Me chupa - sussurra quase como se o seu desejo não lhe permitisse a voz.
Big Dealer curva levemente a cabeça em sinal afirmativo. Sua boca já meio aberta como se já previsse a súplica do outro. Aproxima-se de cima a baixo e quando sua cabeça já ameaça tocar-lhe o umbigo, ergue-se novamente e ri da agonia do outro. Small Dealer segura-lhe a nuca e aproxima os 4 lábios, que se tocam. Beijam-se suavemente, sem que as mãos e corpos se toquem. Cerram os olhos e restringem-se à sensação do relevo úmido das línguas que se invadem. A pura empiria faz esquecer as regras. Big Dealer já se precipita a despir o outro, que não o censura, apesar do combinado. Não se contêm mais. Já é a quarta rodada e não mais aguentam a lentidão competitiva das cartas. Big Dealer arranca a roupa toda do outro com voracidade, e da mesma maneira abrupta se afasta e em pé se despe desesperado, enquanto o outro toca o peito com as costas da mão como um convite. Big Dealer ordena que Small Dealer se deite na cama manufaturada e busca naquela mesa uma dose de rum. Aproxima-se do peito do outro e acaricia-lhe a face enquanto lhe beija o torso e a barriga. Ergue-se mais uma vez e aproxima a boca do outro à rígida ponta de seu órgão.
_ Me chupa - ordena Big Dealer a Small Dealer que ouve a voz de seu dominador.
Gruda a língua à rigidez e se delicia com o robusto órgão. Big Dealer exprime prazer fantástico em gemidos inevitáveis, enquanto o outro chupa-lhe e agarra-lhe a bunda com prazer. Big Dealer agarra o cabelo do outro e aproxima ainda mais a boca de Small que se engasga. Small Dealer usa os seus dedos e brinca com as curvas do central órgão. Big Dealer lhe implora:
_ Quero te comer! Quero te comer! - Small Dealer acaricia-lhe a coxa e se prepara para montar-lhe.
Big Dealer, em posição ativa, se debruça de 4, enquanto o outro, passivo, lhe penetra. Big Dealer come o falo do outro com sua buceta e lhe grita:
_ Vai vagabundo! Pula em mim seu puto!
Big Dealer se esquiva do perseguido e deita Small Dealer de frente. Small Dealer com dentes cerrados lhe berra:
_ Deixa eu te mostrar como se faz!
Devora Small Dealer ao pular em cima dele. Apodera-se e o consome como lhe apraz. Rege despótico o prazer seu e do outro. Goza e goza de novo, e mais uma vez. Até que se farte. Então se deita e espera que o objeto de sua dominação também goze. Quando lhe sai o asqueroso suco branco, ordena-lhe que se lave. Vai até a mesa e toma mais uma dose. Pega as cartas e as distribui. O outro volta.
_ Vamos ver se você ganha de mim dessa vez, homem! - Diz-lhe a mulher que continua como Big Dealer.
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ldelucas · 6 years
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Identidade
Eu não sou mais cristão. Essa frase pode ter lhe causado inúmeros sentimentos. Talvez uma identificação de imediato, ou quem sabe uma frustração e raiva da minha pessoa. Pode ser que fez com que você se interessasse em continuar lendo ou que o tenha feito parar imediatamente - nesse caso você não está lendo esta frase. Ou, o mais provável, não tenha feita qualquer diferença na sua vida e na fluidez da escrita. Justo. Mais importante: por que dizer isso em um texto de introdução ao blog? Ora, acredito que na fase da vida em que me encontro, não há nada que me defina melhor que isso. Explico.
Vivi durante toda a minha vida dentro de uma igreja evangélica. Participei da salinha das crianças e dos adolescentes, até mesmo como “tio” mais adiante. Tocava músicas infantis e dava lições sobre o amor de Jesus e suas obras. Tópicos tais como o respeito ao próximo, a caridade, a obediência aos pais, a santidade e o temor a Deus; estavam sempre em relevância. Ao mesmo tempo, tinha uma vida dupla: na igreja, o filho do líder de louvor e o tio das crianças; na escola, o menino premiado como o “melhor ator” por ser aquele que mais bem mentia para os professores. Ouvia frases extremamente ambíguas para me definir: “Você é um referencial para essa geração!”, “Meus pais acham que você é um exemplo para mim, mas não sabem o quanto você xinga! Rs”. Enfrentava um problema que lança suas pontadas até hoje, que é o de super relevar a opinião alheia acerca de quem eu era. Precisava ser destaque em qualquer lugar em que estivesse. O mais puro na igreja. O mais furtivo na escola. A encarnação do exemplo de amor e santidade de um lado. O alfa da alcateia de outro. O camaleão. O problema disso? Vestia-me de tantos disfarces que nem mais me lembrava da minha cor original.
Colapsei. Mesmo fingindo, meus pais bem sabiam que era ilusório. Afundado em um vício sujo de pornografia, tornei-me o antissocial. É Impossível ser o perfeito molde de encaixe em todas as peças. Por isso era melhor para mim não ser molde algum. Era melhor ser invisível. Um camaleão de um único disfarce. Se não sabia quem era, tinha raiva de que me definissem. Não me relacionava. Se não podia ser quem eu quisera ser, então não seria ninguém. Todavia, encontrei-me. Dentro da igreja, minha identidade fluía solta.
Preciso dizer, antes de continuar, que existem inúmeros péssimos cristãos. Legalistas, que se utilizam dos dogmas religiosos para governar e excluir. Transformam a inclusividade do evangelho na definição de dois lugares distintos: os cristãos e os não cristãos. Criam uma dicotomia social e a emendam com uma dicotomia moral, aliando o “bom” ao que lhe apetece e o “mal” ao que lhe enoja. Os aproveitadores da fé, que encontram na hierarquia eclesiástica uma maneira de transcender as suas próprias mediocridades e frustrações, que se fantasiam de todo-poderosos e santificados líderes, que prescrevem aos seus seguidores como se portar, em quem votar, com quem casar, onde trabalhar… Existem muitos homens que se utilizam da mensagem cristã para engrandecer o nome errado e para se servir daquilo que deveriam servir.
Mas existe genuinidade, e um bom cristão é alguém excepcional. Esses são meus pais. Não acho que houve tempo em que minha casa estivesse vazia. Seja por meio de uma “célula” ou de uma simples visita, meus pais eram vistos como amigos fiéis que prezavam pela confiança e honestidade. Contemplei a transformação de realidades. E quando digo isso, não falo de pessoas simplesmente começando a ir a igrejas, mas de pessoas que não possuíam casa, e pelo esforço conjunto de meus pais e outros bons cristãos, casas foram construídas. De pessoas que não suportavam um relacionamento abusivo e encontraram forças para sair dele no auxílio e conforto das palavras e abraço de minha mãe e pai. Também vi muitos que se aproveitaram da servidão deles em seu benefício e desapareceram. Deixaram tristeza e, às vezes, até mesmo prejuízos financeiros. Abatidos, mas não destruídos, reerguiam-se e se voltavam ao próximo que necessitasse de sua ajuda. Mas não só externamente, meus maravilhosos pais sempre fizeram de tudo, contraindo inclusive dívidas, para que eu e meu irmão pudéssemos estudar nas melhores escolas. Não podíamos pagá-las, porém faziam permutas ou pediam empréstimos confiando e investindo em nossos futuros. Suas maiores prioridades eram a fé em Deus, o amor ao próximo e a boa educação de seus filhos. É por isso mesmo que você pode começar a entender, como pode um filho de maravilhosos pais cristãos, com toda a referência que eles lhe proporcionam deixar de lado essa fé?
Antes disso, retornemos ao que falávamos. Encontrei-me na igreja. Lembro-me bem da minha primeira viagem missionária. Fomos ao Paraguai. Eu, Lucas Fonseca, era um ator e dançarino. Eu, Lucas Fonseca, o péssimo ator e dançarino. Íamos a praças e igrejas nos utilizando de diversas linguagens - já que não sabíamos todos falar espanhol - para anunciar as boas novas de Cristo. Esse 1 mês foi a primeira vez em toda minha vida em que me senti sendo. Eu era eu. Não era mais o filho do líder de louvor e nem era mais o aluno líder do bando desordeiro. Eu era o Lucas Fonseca, descobrindo a plenitude de minha identidade. Óbvio que isso não era porque eu dançava. Aliás, é por isso que estou sempre com a mão ocupada em festas - segurando o copo ou o celular de alguém -, pois se me chamam para dançar, digo: “não posso, mano, tô segurando o celular aqui!”. Encontrei-me, pois me relacionei comigo mesmo e com os outros sem pretensões de ser qualquer pessoa, até porque nem mesmo sabia qual era o papel que deveria assumir. criei um papel, então. O papel de Lucas Fonseca.
Retornei transformado, encontrei na igreja quem eu era. O problema: achei que se eu havia me encontrado na igreja, foi devido a ter me encontrado com Cristo. Quando, na verdade eu só havia me encontrado. Se já me espelhava em meus pais, agora queria ser tal cristão como eles eram. Fiz compromissos de ler a bíblia todos os dias, e lia. Aprendi músicas evangélicas para tocar no culto, e toquei, ao lado do meu pai, inclusive. Entrei em uma banda, em que não fazia nada além de passar os slides das letras, mas estava feliz. Tornei-me co-líder de célula, as reuniões eram em minha casa. Auxiliava, como meus pais, os meus amigos e os que chegavam na igreja necessitados de amizade. Aprendi que comunidade significa prezar pelo pleno desenvolvimento de cada um dos membros, por meio de suas funções. Amava estar dentro de um corpo funcional. Entrei em outra banda, em que dessa vez fazia algo:  tocava baixo. Apesar de muitas tretas, a banda também me ensinou muito.
Mas foi quando nos mudamos para Florianópolis, quando perdi todos os meus referenciais e as amizades se tornaram distantes, quando já não havia reputação ou imagem por prezar, quando precisei construir tudo mais uma vez; nesse momento é que me apeguei verdadeiramente à igreja. Orava constantemente e estudava livros de teologia e lia inúmeras vezes a bíblia. Planejava estudos bíblicos, tornei-me professor de pré-adolescentes. No colégio, tornei-me o vulgo pastorzinho. Pregava por todos os cantos e elaborava grupos dentro mesmo da escola para falar sobre a bíblia.
Acontecia uma coisa, entretanto, um ciclo interminável que assolava a minha mente. Todo começo de ano, indistintamente, e com cada vez mais intensidade, dúvidas me assolavam a cabeça. Eu sabia - mais ou menos- quem eu era, mas será que sabia quem Deus era? Eu acreditava nesse meu conceito de Deus? Acreditava nesses princípios que me definiam? Acreditava nessa existência divina que exigia-me a mais completa fé? E concluía: “ a mente de Deus é amplamente superior a minha, não posso conhecer todas as coisas, devo simplesmente confiar que Ele sabe de todas as coisas.”. Assim seguia, em uma fé insossa, mas persistente. Tornou-se rotina. Apesar das muitas boas experiências, não eram plenas e nem perscrutavam a essência de quem eu era. Eu não era cristão. Eu era, mais uma vez, uma aparência. Uma identidade que desvanecia. Um eu forjado.
Mais uma vez tornei-me antissocial. Escolhi um grupo pequeno de pessoas com quem podia simular uma identidade a que havia me apegado. Não entrava mais ninguém. Era necessário um tremendo pulo no abismo para sair dessa. Tudo o que havia me tornado até então fundamentava-se na minha religiosidade e na minha fé. Meus amigos mais próximos eram cristãos. O orgulho dos meus pais era cristão. O meu abrigo era cristão. O único raio de luz, ainda que fraca, era cristão. Não ser cristão era embarcar no escuro. Era necessário coragem, era necessário um empurrão para que eu voltasse a ser eu de novo.
Eis que surgiu um grande e profundo amor em meu coração. Uma maravilhosa alma que apanhou o meu olhar e arrebatou o meu querer. Aquela que hoje me acompanha na escuridão da responsabilidade do ser. Origem da minha coragem para ser melhor e, enfim, ser. É verdade que muitos dizem e dirão que ela me tirou da fé cristã, mas isso não é verdade. Não retirem de mim a responsabilidade, pois a tristeza  e o sofrimento são meus, por mais compartilhados que possam ser, ainda são meus. Saí da igreja. Transgredi a fé. Fiz isso por minha própria causa e em nome da minha própria identidade. Eu sou o único culpado, e o único responsável.
Hoje, quando penso em qualquer coisa que tenha a ver com a igreja ou com a vida cristã, sinto uma profunda tristeza. Veja, meus pais não me forçaram a ficar, apesar de insistirem - nada mais justo, sendo que é o motivo maior de suas vidas. Foram maravilhosos em me deixarem ir, mas, ao mesmo tempo, sei que lhes causei uma enorme decepção, e àquele orgulho do filho exemplo, perdeu-se. Sinto o peso de não deixá-los orgulhosos e de os estar decepcionando todas as vezes. Quando os visito nas férias, tenho certeza que eles devem estar orando para que eu me converta novamente aos caminhos da fé. E sinto uma profunda tristeza com a possibilidade de frustrar suas expectativas, que sei que vou. Eu gostaria, sinceramente, de ser cristão. Ainda lembro do abraço de despedida do meu pai quando me mudei de cidade para fazer faculdade. Abraço de quem irá sentir falta do filho e de quem acha que cometeu um erro, pois ele está se afastando dos caminhos de Deus. E eu querendo lhe dizer: “você não cometeu nenhum erro, você não cometeu nenhum erro, você não cometeu nenhum erro!”.
Assumi uma responsabilidade que me dói todas as vezes. Assumi a necessidade de ser. Ficar na igreja sem ser, tornaria-me um nada, e talvez um daqueles maus cristãos de que falei antes. Talvez um dia eu volte para a igreja, mas esse dia não é hoje, pois voltar para igreja significa não ser eu. Aprendi que a identidade é um eterno construto e uma (des)compreensão profunda das manifestações internas que me formam. Precisei me reconstruir várias vezes. Reaproveitei muitas das partes que quebrei, e joguei fora algumas delas. Identidade é uma constante metamorfose. Identidade não significa felicidade. Felicidade plena é entorpecimento. Identidade também não significa tristeza. Significa autenticidade. Mas o autêntico nem sempre é o novo. Identidade é a apreensão do em torno e a compreensão do interno. É fazer-se novo com base no existente. É ressignificar a realidade e dar sentido aos atos do cotidiano. Não estou completo, mas tenho cada vez mais partes. Defino-me tanto pelos meus pensamentos e atos, como pelas minhas relações e influências. No fim, esse misto de obras acabadas e em construção fazem de mim um autêntico Lucas Fonseca, que pode não ser exatamente o mesmo que amanhã, mas que de alguma forma guarda o mesmo processo, ainda que caótico, e uma essência que me faz ser eu. Quem sou? Estou descobrindo, e cada dia descubro mais. Na alegria e na tristeza, casei-me comigo mesmo, e tenho me conhecido. Não vou me divorciar de mim. Tratarei do meu relacionamento comigo com amor e respeito. Cedendo quando necessário. Jogando-me no escuro quando preciso. Descobrindo e redescobrindo-me, tenho me amado. E esse amor não será desfeito. No escuro da responsabilidade que assumo, crio novas luzes e cores. No fim, quero ser eu. E você? Qual sua história?
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ldelucas · 6 years
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Bem Vindo
Não posso mentir sobre o assunto desse blog. Ele é sobre mim. Sim, sobre mim. Ele é principalmente sobre minha identidade e sobre o meu pensar cotidiano, com suas contradições e ambiguidades. “Você se acha tão interessante assim a ponto de que eu leia um texto sobre você?”. Depende. Aprendi que apesar de que assumo a responsabilidade e tenho o dever de me auto-definir, sempre o faço com alguma influência do meu em torno. Então o blog também é sobre você e sobre sua identidade. É sobre se transformar e ser transformado. É sobre evoluir e regredir. Por fim, é sobre ser, em todas as expressividades e olhares do ser. Por vezes, discordo de alguns seres. Por vezes, discordo do meu próprio ser. O blog é um construto constante da identidade que nós assumimos. Convido-o, então, à metamorfose e à transgressão. Convido-o à transcendência da arte e à brutalidade do real. Convido-o, sem mais delongas, a ler e ser lido por meio do seu e do meu discurso. Bem vindo.
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