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maiomaio-blog2 · 9 months
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Sobre a FPLP e a crise de setembro
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Na edição de maio/junho de 1971, a New Left Review publica uma entrevista com Ghassan Kannafani. Além de escritor, Kannafani era, à época, editor do al-Hadaf, publicação semanal da FPLP (Frente Popular de Libertação da Palestina). 
Um ano antes, em junho de 1970, o Egito e a Jordânia aceitam o Plano Rogers, proposto pelos EUA, que procurava colocar um fim ao conflito entre as duas nações e Israel. O acordo é bastante polémico e muito mal recebido pelo povo palestiniano, que não se considera representado no documento. Com esta medida, antecipava-se o desaparecimento da resistência palestiniana, que depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967, se refugiara em peso na Jordânia. O governo deste país, controlado pelo Rei Hussein, vinha bloqueando sucessivos ataques da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) dirigidos a Israel. Em setembro de 1970, sob pressão, membros da OLP sequestram três aviões civis e forçam a sua aterragem na Jordânia. Para Hussein, esta é a gota de água, e inicia uma ofensiva sangrenta contra as guerrilhas palestinianas. 
Interpelado sobre o sequestro dos três aviões, Kannafani fornece o contexto social e político desta ação, procurando sempre reconduzir a conversa para o plano estratégico geral da resistência palestiniana. Mais do que uma interpretação pronta-a-usar dos acontecimentos de 7 de outubro deste ano, este testemunho reflete um momento histórico bastante particular da luta pela libertação. Na década de 70, vários grupos palestinianos, como a FPLP de Ghassan, apresentavam-se como marxistas-leninistas, reflexo da influência crescente da República Popular da China, de Cuba e do Vietname, e da desilusão recente do Nasserismo. 
Sob este quadro político, Kannafani defende que apenas “um movimento proletário em massa”, combinando a resistência palestiniana e um movimento de oposição interno em Israel, será capaz de derrubar esta cruel “situação colonial” 
Numa altura em que ensaiamos formas de solidariedade, trabalhadores do mundo inteiro organizam boicotes ao fornecimento de armas e de outros carregamentos a Israel. Perante uma comunidade internacional complacente com o genocídio em curso, este testemunho de Kannafani realça a importância de uma luta em várias frentes, “contra Israel, o Sionismo mundial, o imperialismo e os regimes reacionários árabes.” 
No mundo não-árabe, a Frente Popular é mais conhecida pelos sequestros que levou a cabo em setembro de 1970. Muitas críticas foram tecidas aos sequestros. Algumas delas de proveniência burguesa. Mas há outras duas críticas que gostava aqui de apresentar. A primeira tem surgido tanto de pessoas no interior da resistência palestiniana, como Kamel Radouan, porta-voz do Comité Central, como no exterior: os sequestros terão dado a Hussein uma desculpa para atacar a resistência numa altura em que, de outra forma, isso não aconteceria. A segunda crítica é feita sobretudo por pessoas de fora do movimento de resistência. Os sequestros terão transmitido às massas palestinianas uma falsa sensação de poder e de confiança, que estava longe da sua força organizacional e militar real. Os sequestros substituíam, por isso, a organização das massas, e eram um evento teatral que encorajava a fantasia. Isto não serve para negar que os sequestros tiveram um efeito positivo, dando-vos uma audiência mundial na televisão, perante a qual podiam explicar o propósito da resistência palestiniana. Este ponto não está em causa. Mas neste momento defende os sequestros? 
Em primeiro lugar, aprecio a sua rejeição do moralismo burguês e da obediência à lei internacional. Foram as grandes causas da nossa tragédia. Agora, gostaria de responder às suas questões. Quero falar neste tipo de operações no geral. Disse sempre que não planeamos sequestros porque adoramos Boeings 707. Fazemo-los por razões específicas, em alturas específicas e contra um inimigo específico. Seria ridículo sequestrar aviões atualmente e aterrá-los no Cairo, por exemplo, ou na Jordânia. Neste momento não teria qualquer significado. Mas é preciso analisar a situação política em que levámos a cabo estas operações, e os objetivos que queríamos alcançar. Recordemos a situação. A 23 de julho, Nasser aceitou o Plano Rogers, e uma semana mais tarde o governo jordaniano fez o mesmo. Mais uma vez, os palestinianos foram postos de lado. Se for ler a imprensa árabe e internacional entre 23 de julho e 6 de setembro, verá que o povo palestiniano estava a receber o mesmo tratamento que recebera entre 1948 e 1967. Os jornais árabes começaram por escrever sobre o quão “heroicos” são os palestinianos, mas também sobre o quão “paralisados” estavam, ou sobre como não havia qualquer esperança para estes “bravos heróis”. A moral do nosso povo na Jordânia, na Cisjordânia e em Gaza estava extremamente em baixo. Em cima disso, uma delegação da liderança do movimento de resistência palestiniano, o Comité Central do PLO, viajou para o Cairo para negociar com Nasser e com o seu governo; passaram dias e dias a discutir se deviam permitir que retomássemos as transmissões a partir do Egito, depois do encerramento da nossa rádio em meados de agosto. A delegação queixou-se então à Liga Árabe e tentou trazê-la para a discussão. Antes de 23 de julho, na imprensa árabe, a resistência palestiniana era tratada como a grande esperança do povo palestiniano; ao mesmo tempo, todos os árabes consideram que a Liga Árabe é, no mundo árabe, a mais baixa forma de política, o órgão político mais paralisado. E agora tínhamos a mais elevada forma de política a aproximar-se da “pocilga” da Liga Árabe. Isto indicou que a liquidação ameaçava a revolução, quer Hussein a esmagasse fisicamente ou não. Toda a gente – incluindo aqueles que criticavam as operações da PFLP – estava convencida de que a destruição da resistência era uma parte essencial do Plano Rogers. 
Concorda que Nasser e o regime egípcio apoiavam esta destruição? 
O regime egípcio estava um passo ao lado da participação direta nesta liquidação, já que não tinha contacto direto com os palestinianos; estava numa posição mais segura. A única forma de o regime egípcio poder ajudar Hussein era mantendo-se em silêncio: e foi o que fez, sob condição de conseguir resistir à pressão das massas árabes. Nos primeiros três dias de luta, em setembro, o governo egípcio, e todos os governos árabes, mantiveram-se em silêncio, porque pensavam que o movimento de resistência não sobreviria por mais de três dias. Mas depois foram forçados a mexer-se, porque as pessoas nas ruas do Egipto, Síria e Líbano estavam furiosas com o massacre; ainda assim, as primeiras cinco mil vítimas palestinianas tombaram em silêncio em Amman, e ninguém se queixou. 
O Plano Rogers pressupunha a liquidação do nosso movimento, uma coisa que se antecipava numa atmosfera de submissão palestiniana. Por isso, algo teria de se fazer; em primeiro lugar, dizer ao mundo que não nos poriam na prateleira uma segunda vez, e, em segundo, dizer que os dias em que os Estados Unidos e os árabes reacionários podiam mandar no nosso povo tinham chegado ao fim. Além disso, havia a questão da moral do nosso próprio povo, da capacidade de luta. Não podíamos deixar que as coisas permanecessem como estavam, com um massacre em curso, mesmo que nos tenhamos sentado calmamente nos degraus do palácio de Sua Majestade e beijado a sua mão. 
Portanto não aceita a ideia de que o próprio Hussein estivesse inseguro do que devia fazer, mas que o exército o pressionou a agir. 
Nem pensar. É uma parvoíce completa. É verdade que há ainda secções do movimento de resistência que acreditam ser possível “neutralizar” o regime jordaniano; mas não faz sentido. Quanto ao argumento de que os sequestros provocaram e aceleraram o ataque de Hussein, a resposta curta a isso é que o regime jordaniano tinha já parado ações das guerrilhas a sul do Mar Morto, bloqueado forças em direção a Eilat e evitado que as nossas unidades atacassem a barragem de Naharin, no norte da Cisjordânia. Ao mesmo tempo, o exército jordaniano colocou minas em grande parte dos pontos em que as guerrilhas atravessaram o Rio Jordão, forçando-as a ir por determinados corredores; estes corredores eram emboscadas. Enviavam-nos para a morte, seja como for. Tudo isto aconteceu antes do massacre de setembro; era outra forma de massacre. 
Por isso o verdadeiro confronto tinha lugar continuamente: proibiam-nos de exercer a nossa raison d´être. Evitavam que fizéssemos incursões contra Israel, e suprimiam as nossas atividades políticas nas cidades. Desta forma, as nossas próprias ações, incluindo os aviões, não eram provocações; eram o movimento de uma revolução procurando escapar a um círculo em que estava preso. 
Como é que a vossa ação levaria a isso? 
Todas as nossas atividades eram uma tentativa de sair da nossa situação. Por exemplo, organizámos manifestações em Amman e gritámos “abaixo Nasser” e “abaixo o Egipto”; talvez tenham sido um erro, mas eram uma de muitas formas de tentar derrubar o círculo. 
Era óbvio que Hussein iria atacar a resistência assim que aceitasse o plano Rogers. Nesse momento tiveram de fazer uma escolha: ou esperavam que ele vos atacasse, ou atacavam-no primeiro. Em qualquer dos casos, parece que nunca quiseram derrubar Hussein, e que nunca imaginaram que o poderiam fazer. O vosso objetivo não era essencialmente preservar a posição organizacional da resistência, e não era esta a ideia por detrás dos sequestros? 
Não se deve isolar os sequestros do contexto político total. Por exemplo, a al-Fatah enviou lança-mísseis para Ghor-Safi, abaixo do Mar Morto, e explodiu as fábricas de potássio. Estávamos todos a tentar escapar, para dar mais esperança às massas palestinianas e para afirmar que a batalha estava em curso. Queríamos colocar pressão sobre o governo jordaniano para que adiasse o ataque que nos dirigiria. A nossa relação com o governo jordaniano não se baseava em convicções comuns, apenas na pressão; não havia qualquer consenso com eles. Era uma questão de equilíbrio de poder. Todas as nossas ações, desde o grande erro da integração na Liga Árabe até aos próprios sequestros (que foram o exercício de pressão mais elevado), eram formas de pressão. Algumas foram mal calculadas pela negativa, outras pela positiva. Por outro lado, havia certamente indivíduos e organizações dentro da resistência que acreditavam na possibilidade de se derrubar o rei. Estavam errados. 
E nem aí acreditaram que podiam derrubar o rei esperando que ele vos atacasse? Pensava-se que as pessoas se manteriam unidas pela adoção inicial de uma posição defensiva. 
Era o nosso dilema, e estávamos em crise. A resistência, e todos os governos militares árabes, estavam numa crise que era o preço a pagar pelo plano Rogers. Se tivéssemos decidido lutar contra Hussein, poderíamos escolher o momento e o local. Mas se Hussein nos atacasse, não teríamos outra opção que não lutar no momento e no local que escolhesse 
Assim, os sequestros eram parte de uma cerâmica extramente perigosa que compunha o mapa árabe e palestiniano desde julho de 1970 até à atualidade. Nós estávamos numa encruzilhada, e tínhamos duas formas de escapar. Ou nos defendíamos até à vitória, contra Hussein, ou “perderíamos a batalha ganhando-a”, se o atacássemos. O desfecho não foi decidido apenas por nós, mas também pelo outro lado; eles tinham mais planos do que nós. Devemos lembrar-nos de que Hussein tinha de provar aos americanos que eles não precisavam de criar um estado palestiniano. Os americanos estavam a ponderar se, através de um golpe em Amman, traziam um general tipo-Suharto para substituir o Rei Hussein, o que precipitaria a criação de um estado palestiniano. Os Israelitas também discutiam esta possibilidade. Hussein queria recuperar o seu prestígio, e foi isso que fez; Nixon mudou de ideias, e os americanos acreditam novamente que Hussein é capaz de lidar com a situação. 
Quanto aos sequestros, neste ponto da revolução, a sua importância era muito mais psicológica do que militar. Agora, se estivéssemos na última fase da revolução, ou mesmo em primórdios das fases avançadas, e tivéssemos sequestrado aviões, eu seria o primeiro a denunciar este ato. Mas na fase preparatória da revolução, as operações militares têm a sua importância psicológica.
Portanto, ainda acha que estavam corretos quanto decidiram levar a cabo os sequestros? 
Acho que, de uma forma geral, estas operações foram corretas. Talvez tenhamos cometido alguns erros táticos. Talvez pudéssemos ter deixado que toda a resistência palestiniana tivesse mais responsabilidade sobre eles, e depois, caso nos pedissem para libertar os aviões duas horas mais tarde, aceder. Talvez não devêssemos ter sido tão intransigentes. Não pode imaginar o que tudo isto representou para o povo na altura. Levantou a questão sobre se os sequestros tinham criado no seio das massas palestinianas uma atmosfera que o movimento de resistência foi incapaz de absorver e organizar. Talvez tenha sido assim. Mas mesmo que isso seja verdade, lutámos durante doze dias em setembro, e, por tudo o que fizemos, obrigámos o exército jordaniano a combater a mais longa guerra da sua história. 
Em setembro, muitos comentadores acreditavam que a resistência palestiniana só poderia ganhar caso o exército jordaniano se dividisse e uma secção se juntasse à resistência, ou se um regime árabe externo – a Síria ou o Iraque – interviessem e ajudassem. Esperava que alguma destas eventualidades ocorresse?
Não acredito que nenhuma delas desse a vitória à resistência. Numa guerrilha, as condições de guerra são diferentes, e o que é importante é o objetivo de uma ação particular. O objetivo do regime jordaniano era acabar completamente com a resistência. Mas o objetivo da resistência palestiniana não era derrubar o regime jordaniano, antes colocá-lo simplesmente sob pressão. Nenhum destes dois objetivos se concretizou, por isso ninguém ganhou. Claro que, até certo ponto, tivemos de abrir mão de alguns pontos e de passar para a clandestinidade. Mas a batalha prossegue; a retirada para a atividade clandestina ou para as montanhas é apenas uma dimensão tática da regularização do equilíbrio de forças. 
Não nega que tanto a possibilidade de operações contra Israel desde a Jordânia como o espaço político-militar para manobrar a resistência dentro da Jordânia foram drasticamente reduzidos pelos eventos de setembro? Não continua a monarquia Hashemita a tentar desarmar as milícias em Amman e ganhar controlo direto dos vossos campos de refugiados e outras posições fortes? 
Eu sei. Não nego que o regime jordaniano ganhou algum terreno, e que nos forçou à retirada. Mas gostaria de destacar duas coisas, para inserir os eventos de setembro no seu contexto. Antes de setembro, o regime jordaniano conseguiu evitar quase por completo que colocássemos em marcha qualquer ataque contra Israel; isto não era uma consequência de setembro, mas um dos motivos que o precipitaram. Tínhamos de dizer às nossas pessoas que estávamos a fazer alguma coisa; não nos podíamos sentar em Amman e não fazer nada. Agora estamos nas montanhas, numa fase preparatória, e a revolução tomou uma forma mais real do que aquela que assumira quando as pessoas achavam que estava numa fase muito avançada. Sou contra dizer-se que fomos derrotados, porque, no passado, a nossa força real foi sobrestimada e agora temos uma dimensão proporcional à nossa força. Nunca tivemos espaço de manobra diante do nosso povo ou da opinião pública mundial, e alguns líderes nunca tiveram esse espaço diante dos seus próprios militantes. Levará muito tempo para restaurar o anterior equilíbrio de poder com o governo jordaniano, e continuaremos a recuar até ter uma perceção correta da nossa própria força. Há inúmeros exemplos na história de povos com espingardas a viver nas montanhas, fazendo emboscadas a camiões e a disparar sobre soldados estranhos, sem alcançar mais nada. Este é o nosso problema, e há um debate em curso dentro da resistência; de facto, a FPLP está a ser acusada de não querer render as armas das suas milícias. Na realidade, não acredito que um combatente da al-Fatah rendesse as suas armas. 
Até que ponto a Frente Popular mudou a sua estratégia desde setembro? George Habbash terá declarado em janeiro que era tempo de derrubar a monarquia Hashemita. É verdade? 
A Frente Popular insistiu sempre que temos quatro inimigos equiparáveis: Israel, o Sionismo mundial, o imperialismo mundial levado a cabo pelos EUA, e o reacionarismo árabe. Derrubar estes regimes árabes reacionários é parte da nossa estratégia, parte da libertação da Palestina. Derrubar o regime jordaniano deve ser uma parte do programa para uma FLP palestiniana. Temos de o fazer, mas não necessariamente amanhã. Insistimos sempre nesta necessidade, mas terá de fazer parte de uma linha estratégica geral. 
Passaram agora cinco meses desde os eventos de setembro. Na sua opinião, quais é que foram os seus efeitos no povo palestiniano? 
Para alguns é normal ir embora em períodos de luta árdua. As fases avançadas da luta são atrativas para as pessoas, que se juntam porque não há qualquer preço a pagar por isso. Ficam em casa, continuam a ir aos seus empregos; se alguém está a estudar na Universidade de Damasco, por exemplo, pode tirar um ano sabático e trabalhar com a resistência. Por outro lado, choques como o de setembro cristalizam a força da revolução, porque a forçaram para as montanhas. Neste momento há comandos a viver nas florestas de Ajloun, no norte da Jordânia; estão a viver em grutas, com água e comida limitadas, e munição reduzida. Nesta situação, não podemos esperar que os milhares que circundaram Amman em khaki carregando as suas Kalashnikovs vivam este tipo de vida. Nas cidades, a organização e o recrutamento são diferentes. Costumávamos ter um determinado escritório, e podíamos recrutar e treinar pessoas nos campos. Agora temos uma relação diferente com as massas: não vestimos khaki enquanto descemos a rua, não fazemos discursos nos campos. Temos de operar de forma diferente, e é exatamente aqui que um partido é necessário. Ainda que nas montanhas seja difícil, a situação é ainda mais difícil nas cidades. Muitas pessoas tinham um sentimento de pressa burguês, mas neste momento estamos numa fase de retirada. Militar e politicamente, isto não é um erro, e não é perigoso. Mas coloca problemas psicológicos, pela necessidade de manter o povo connosco. Alguns elementos da Cisjordânia reclamam neste momento um estado palestiniano. Sabemos que discutiam este plano em privado, entre si, de há três anos para cá, depois da guerra de junho, e que estavam em contacto com os israelitas, com os reacionários árabes e com os imperialistas. Só desde que o movimento de resistência foi forçado a recuar é que se atreveram a desvelar abertamente este projeto. Ao mesmo tempo, os eventos de setembro mostraram às massas na Cisjordânia o que é que significaria o regresso de Hussein, e a reação que daí resulta de um povo sob ocupação e sem uma organização devida é dizer: “Qualquer coisa, menos o Hussein outra vez”. Para a Cisjordânia, um estado palestiniano seria melhor do que ter o regime do Rei Hussein de volta. Esta é uma reação muito temporária, que resulta de um choque psicológico. 
Gaza é outra história. A resistência estava na defensiva na Cisjordânia e na Transjordânia, mas escalou de repente em Gaza de uma forma impressionante. A Frente Popular é a mais influente em Gaza, por isso agimos. Deixe-me mencionar um caso específico, o de Youssef el-Khatib Abu Dhumman. Ele era o líder das operações militares da Frente Popular em Gaza, e foi morte no início de dezembro. Durante seis dias, houve greves contínuas e manifestações em Gaza; por isso toda a gente sabia que os homens ainda estavam a lutar. Isto subiu o nível de ação em Gaza, ainda que tenha aumentado mais do que nunca as nossas baixas. 
O que é que criou a maior militância em Gaza? 
A população em Gaza é de 360,000 pessoas; a maioria são refugiados palestinianos. Em Gaza as pessoas estão familiarizadas com armas. Foram treinadas pela PLA sob administração egípcia, ao contrário da Cisjordânia. Outro fator é que o Movimento Nacionalista Árabe foi suprimido em Gaza pelos egípcios, mas nunca ao ponto do que aconteceu na Cisjordânia. Quando Gaza foi ocupada, A ANM tinha as suas fações lá; enquanto Hussein entregara a Cisjordânia “limpa” aos israelitas, como o próprio referiu – lá não havia nenhuma fação da ANM. Por isso havia uma base mínima com que começar em Gaza. Há ainda um fator psicológico: Gaza está cercada a oeste pelo mar, a sul pelo Sinai, a este pelo Neguev e a norte pelo estado israelita. Lá, os palestinianos estão psicologicamente sitiados, e habituados a dificuldades. Na Cisjordânia os contactos eram muito mais fáceis nos primeiros meses de ocupação; era mais simples enviar dinheiro, homens e armas para a área. O povo na Cisjordânia habituou-se a métodos mais simples, e não foi capaz de resistir às contramedidas isrealitas. Em Gaza eram mais duros e profissionais. Outro fator era que o regime jordaniano em Amman continuava a pagar salários a professores, detetives, trabalhadores do estado, etc; é a única forma de um regime reacionário manter a lealdade destas pessoas. Os israelitas também lhes pagavam salários. Não era verdade que a maior parte era contra a resistência, mas certamente não tinham pressa; na Faixa de Gaza o povo estava sob grande pressão. 
Gostaria agora de tecer alguns comentários mais gerais. Em todas as revoluções há uma onda inicial de entusiasmo que esmorece passado algum tempo, porque não está enraizada profundamente. Creio que a nossa primeira onda atingiu o seu pico em Karamé, em março de 1968. Depois disso, começámos a decair, porque estávamos a regressar às nossas proporções reais. Nestes períodos de retrocesso, há sempre divisões, romantizações exageradas, tendências para o individualismo e para tornar a revolução um mito, e por aí em diante. Estas são as doenças do mundo subdesenvolvido, e expressam-se num período em que ninguém está envolvido num trabalho revolucionário real, mas em que olham para nós, seja como for, como se estivéssemos a fazer uma revolução. Se a revolução não sai disto, se não realiza algo como a longa marcha de Mao, ou se não adquire mais força de fora através da libertação de um estado árabe, então as derrotas terão um efeito perigoso na moral das massas. O período de declínio não começou em setembro, começou depois de Karamé. 
Podemos agora chegar propriamente à questão de Israel? Acha que há tal coisa como uma nação israelita? O grupo Matzpen e outros dentro de Israel têm argumentado que originalmente poderá não haver uma nação judaica, mas que os imigrantes judeus que chegaram à Palestina estabeleceram lá uma nova comunidade, a que podemos chamar nação israelita. 
Essa é a solução de Maxime Rodinson. É um compromisso intelectual fantástico; significa que um grupo de colonos que ocupa uma área e que por lá fica um bocado pode justificar a sus existência dizendo que se está a tornar numa nação. 
Então não acha que os Israelitas são uma nação?
Não, não acho. É uma situação colonial. O que temos é um grupo de pessoas, trazido por várias razões, justificadas ou não justificadas, para uma área particular do mundo. Juntos, participam todos numa situação colonial, enquanto entre si há também relações de exploração. Concordo que os trabalhadores israelitas são explorados. Mas não é a primeiro vez que isto acontece. Os árabes em Espanha estavam na mesma posição. Havia classes entre os árabes em Espanha, mas a principal divisão dava-se entre os árabes em Espanha, como um todo, e o povo espanhol. 
Então vê contradições dentro da população israelita que a podem dividir no futuro, garantindo à resistência palestiniana aliados dentro da sociedade israelita? 
Claro. Mas isto não acontecerá facilmente. Antes de tudo, temos de escalar a revolução para uma fase em que esta se lhes apresente como uma alternativa, porque até agora isso não aconteceu. Não faz sentido começar a falar de uma “Palestina Democrática” a este ponto; teoricamente falando, isto estabelece uma boa base para futuros debates, mas este debate pode apenas ocorrer quando a resistência palestiniana for uma alternativa realista. 
Quer dizer que tem de ser capaz de garantir uma alternativa prática ao proletariado israelita? 
Sim. Mas neste momento é muito difícil fazer com que a classe operária israelita ouça a voz da resistência palestiniana, e há vários obstáculos. Este incluem as classes dirigentes israelitas e árabes. As classes dirigentes árabes não oferecem nem aos israelitas nem aos árabes uma perspetiva democrática. Podemos perguntar: onde é que há democracia no mundo árabe? A classe dirigente israelita é obviamente outro obstáculo. Mas há um terceiro, que é o real, ainda que pequeno, benefício que o proletariado israelita retira do seu estatuto colonial dentro de Israel. Não só é a situação dos trabalhadores israelitas colonial, como também beneficiam do facto de Israel como um todo ter sido recrutada para desempenhar um papel específico em aliança com o imperialismo. Dois tipos de movimento são necessários para quebrar estas barreiras, de forma a haver um contacto futuro entre o proletariado israelita anti-sionista e o movimento de resistência árabe. Estes seriam, por um lado, o movimento de resistência, e, por outro, um movimento de oposição dentro de Israel; mas não há ainda nenhum sinal real desta convergência, já que, ainda que exista o Matzpen, era necessário um movimento proletário em massa. 
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maiomaio-blog2 · 4 years
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