memor-isa
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“a memória é a trilha de volta”
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memor-isa · 3 years ago
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a cama de casa
quando eu era pequena, costumava ir ao quarto dos meus pais sempre que tinha pesadelo. foram anos e anos correndo pelo corredor de madrugada. nunca achei uma explicação lógica, mas, quando eu deitava na cama deles, todo o universo assustador que eu estava inserida desaparecia.
quando meu pai foi embora de casa, cada cômodo parecia nos engolir assim como o silêncio que me ensurdecia. minha mente fazia tanto barulho que eu não conseguia verbalizar. talvez esse seja o motivo pelo qual eu paraliso em situações que me sinto impotente: o que fazer quando não se pode fazer? então, eu deitava na cama com a minha mãe e, naquele instante ou naquela noite, todos os problemas pareciam adormecer.
quando estava no processo de voltar a me relacionar com meu pai, a gente dividia a mesma cama. existia outra, mas, de alguma maneira, eu queria que aquele vazio que sobrava na cama de casal disfarçasse o meu vazio de falta de casa. descobri que vazio que tenta cobrir vazio é desafeto.
compartilhar a mesma cama exige intimidade. não há intimidade sem relacionamento. não há relacionamento sem vulnerabilidade. e, quando se tem vergonha de deitar na cama, cê não sente que está em casa.
(quando foi que deixei de compartilhar a mesma cama com eles? por que eu quis ser independente? bem que me avisaram que independência é morte…)
na cama de casa, tenho boas lembranças: assistir filme até cair no sono, ouvir histórias de terror, ouvir conselhos sobre a vida, chorar com coração partido, jogar água no caio dormindo etc. a cama de casa é sobre afeto e, se sobrar espaço, fica frio.
hoje eu vim dormir na cama da minha mãe e não é porquê eu tô triste ou porquê tá frio. é que no meio do turbilhão de coisas que tem acontecido, eu precisava lembrar que estava em casa.
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memor-isa · 3 years ago
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2019 e nada mudou?
eu, indecisão.
te entendo, também desistiria da indecisão que sou: gosto de casquinha mista, mas não comerei se os sabores forem separados. amo ir a praia, mas detesto ficar no sol. namoro a noite, mas flerto com dia. café me cai bem, mas não o faço quando acordo. ando cansada das minhas justificativas, no entanto ainda vou tentar te mostrar que entro em crise ao ter que rotular algo como favorito, que a cidade me engole e o campo me entedia, que eu não vou, mas, se insistir, eu vou e, se insistir mais um pouco, travo. eu indecisão. não sei mudar e, se você tentar, fugirei. fujo de tudo que assusta e digo, a mim mesma, que está tudo bem. talvez um dia encontre a minha casa e decido, com toda incerteza, reformá-la. percebi que tenho medo do novo ao mesmo tempo que tenho coração peregrino. até eu já me confundi nas palavras e tudo bem, novamente, você nem vai ler e, quem dirá, me ler.
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memor-isa · 3 years ago
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o paradoxo do tempo
em agosto de 2021 estive em porto velho, na base da Jocum, com uma equipe para filmarmos um curta metragem com uma comunidade ribeirinha. ficamos em um local sem sinal e sem internet, onde toda tarde colocávamos umas cadeiras do lado de fora e conversávamos como se não tivesse amanhã. criamos laços que nunca seriam feitos se dividíssemos esse tempo com o mundo virtual.
acontece que nesse mundo pós pandemia fui atropelada por um anseio de viver como se todos os dias fossem o último. fui tomada por um medo de estar perdendo tempo. o precioso tempo. e, na ânsia de querer ter mais tempo, eu o perdi. perdi para o imediatismo doentio, para a correria do dia a dia e para a divisão de quem eu sou. perdi quando disse para mim mesma que conseguiria fazer duas ou mais coisas ao mesmo tempo. perdi quando não conseguia mais assistir vídeo sem aumentar a velocidade e não me sentia mais suficiente ao não executar várias tarefas durante o dia.
quem foi que disse que desfrutar do tempo é sinônimo de perdê-lo? quem foi que disse que a vida acontece por meio de uma agenda cheia e uma rotina pesada?
estive pensando no porquê sinto tanta falta da viagem de porto velho e cheguei a conclusão que foi nela que tive o encontro sobre o que era desfrutar do tempo. foi nela que tive o prazer de me relacionar com as pessoas para além da superficialidade, de observar o pôr do sol sem pressa e ficar horas apenas sendo sem culpa. foi nela que aprendi, ou reaprendi, a viver.
durante esse tempo, passei diversas vezes por locais bem escuros devido o fato de estar dentro da floresta. a minha ação, quase que inconsciente, era de ligar a lanterna para iluminar o caminho. até que um dia, a amanda me disse que se eu não ligasse a lanterna, meu olhos se acostumariam com o escuro e eu conseguiria vê o caminho tranquilamente. e, assim, nunca mais liguei. a beleza de andar sobre a luz do luar e enxergar perfeitamente me ensinou, novamente, a apenas desfrutar da caminhada, sem tentar acelerar ou dar o meu próprio jeito.
algumas coisas foram criadas apenas para serem desfrutadas. e, no anseio de não querer perder tempo, eu o perdi. que bom que percebi isso! a minha oração, desde então, tem sido que eu nunca mais seja tentada a substituir a luz da luar pela lanterna de um celular qualquer.
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