Tumgik
musicaparacamaleoes · 4 years
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Uma pessoa vem aqui almoçar e come muito bem e bebe muito bem e tem muito bem a Aguda enfiada nas dioptrias, mas depois ou é do vento ou da nortada ou do caraulhe e tem u sutauque da Fauz a marrar contras as linhas do livro e em vez de ler distrai-se. Destrói-se
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musicaparacamaleoes · 5 years
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Situações adiadas
Vendaram-me os olhos. Disseram-me para continuar a aguardar dentro da casa de banho. Disseram-me também para não ter medo, que demoraria pouco tempo. E deixaram-me sozinho, às escuras, incapaz até de, num primeiro momento, reconstruir com as memórias mais recentes a dimensão da casa de banho, não consegui encontrar as paredes, os meus braços amedontraram-se. Os meus braços encostaram-se a mim. Não podes retirar a venda, disseram-me, não podes sair daqui, não podes espreitar ou tentar espreitar. Por fim deixaram-me sozinho. Mas só quando tiveram a certeza absoluta de que eu não conseguia ver absolutamente nada. Voltei a procurar, sem sucesso, uma parede. Encontrei, por sorte, o móvel que sei que é branco com a perna direita e encostei-me a ele. O medo com o contacto diminuiu. Com o tempo voltou a aumentar. A voz que me transmitiu as ordens regressou. Duas mãos pegaram nas minhas e conduziram-me para parte incerta. Segui as suas recomendações, mas o desconforto acompanhou-me a cada passo, podia bater com o nariz em qualquer sítio, podia cair, o mal podia estar em qualquer sítio, para já não falar do azar, esse parece que não pode ver ninguém sossegado. Sosseguei-me. Iam entretanto dizendo que estava quase, que já faltava pouco. É curioso, mas quando finalmente me disseram que podia retirar a venda, em vez do fazer imediatamente, não. O que quer que estivesse para acontecer, ia acontecer de qualquer forma. Aguardei alguns segundos antes de seguir à letra a última ordem. Cumpri. Diante de mim estava uma bicicleta verde militar, linda. Amarrado ao volante, um balão Happy Birthday. Não consigo traduzir a felicidade que senti naquele momento.
Combinei um passeio de bicicleta com o Philip Roth. Seria no sábado seguinte. A meteorologia dava-nos sol, céu limpo, vento moderado de norte, enfim tudo o que é preciso. Só que o futuro vinha aí a caminho com outros planos. Isolamento (quase) absoluto. Contacto pessoal mínimo ou nulo. A bicicleta tem sobre a roda da frente um suporte para transportar livros, com dois muito úteis e adoráveis elásticos pretos. Do aniversário chegou igualmente o livro Teatro de Sabbath, do Roth, e o livro Zama (António Di Benedetto). O podcast da Paris Review, parceiro de caminhadas e introspecções, vai começar a andar de bicicleta. Desta vez trouxe, para além de um episódio antigo, com perto de duzentos e noventa dias, este discurso.
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musicaparacamaleoes · 5 years
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Vários cachos de pessoas, e umas quantas uvas solitárias, entre as quais eu, percorreram a marginal e/ou o areal da praia de Matosinhos, num dia limpo, aferindo o aspecto saudável do céu, ameno e ensolarado, havendo, somando as devidas parcelas, e a seu propósito, como sua consequência, sempre alguém sentado e/ou deitado na areia fina, alguém munido de prancha ondulando o corpo na água do mar, mas a maior parte das pessoas enchaminavam no seu tempo livre para o calçadão e outras estavam ainda para vir, a julgar pelo comboio de automóveis nas ruas adjacentes, cuja dificuldade de locomoção traduzia na plenitude a imagem global dos seus motores em fogo lento à procura de brechas no estacionamento, a dançarem ao jogo das cadeiras, mas com desistências, adesões e sobretudo lentidão
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musicaparacamaleoes · 5 years
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Hoje a música provém, a primeira música ouvida com o intenção de ouvir, de uma sugestão do Y, mais concretamente Angélica Salvi, que é tema de conversa no artigo dos melhores do ano pela redação cultural do Público, e acompanha o arranque destas anotações diárias, porém descontínuas. Mas prosseguindo: cai directamente do YouTube para o este blogue, igualmente descontínuo, e que funciona sem motor, e não produz secreções nocivas, não aflige o meio ambiente, não faz dói-dói a sociedade vaselina fechada em pensamentos de velcro, mas ainda bem que a música desaperta tudo sozinha, como é bom pensar com batimentos cardíacos acertados pela locomotiva de beira-rio desta All My Hapinness Is Gone, cuja letra marina na crise de meia idade, água, vinagre, sal e outras metáforas derretidas tipo manteiga, sobre, se possível, lombo tombado de macho, All My Happiness Is Gone, de Purple Mountains e do seu disco homónimo, e da sua capa de cor homónima, cantado e tocado, na corrente dos nossos dias, através do Spotify. Desfrutem. É um bom primeiro disco. PS: o disco começa a tocar no vídeo, ao fim de dois minutos.
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musicaparacamaleoes · 5 years
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Leio dois livros a duas velocidades. Um faz cem anos no próximo ano, o outro fez agora trinta e cinco, leio muito mais devagar, e seguramente com muito mais atenção, o primeiro e um pouco mais a correr o segundo, porque o primeiro há-de continuar por cá a acolchoar não só próximas leituras, como também o meu estudo vagabundo do ofício, mas não é tudo: o primeiro tem o tempo inteiro lá escrito.  O segundo é muito bom seguramente, e um belo narrador do seu tempo com certeza, e de leitura sem escavações, mas o outro, que terá cada vez menos leitores à medida que os séculos se apresentem ao serviço, é uma inesgotável fonte de conhecimento na relação entre o homem e a palavra  
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musicaparacamaleoes · 5 years
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Leio. Por cima do jornal, uma música, Merry Christam Mr. Lawrence (Ryuichi Sakamato). E no papel estende-se José Cutileiro, estilo único, desta vez morreu Rafi Eitan, uma figura, diz -nos, lendária, da espionagem e contra-espionagem israelita.
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musicaparacamaleoes · 6 years
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O senhor Palomar veio cá a casa pela primeira vez em formato de papel, vulgo livro, depois de por cá já ter passado duas ou três vezes, fugazes, em pdf, todo digital, mas nervoso miudinho como sempre e atentíssimo a Pormenores & Pormaiores, como se detalhe e generalidade fossem uma só empresa.
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musicaparacamaleoes · 6 years
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Olho outra vez a cidade.Nem uma bola vai ao poste.
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musicaparacamaleoes · 6 years
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Meti um livro do Lobo Antunes no gira-discos. Comi uma pêra rocha. Abri o The Guardian num artigo da escritora Sophie Mackintosh sobre os Joy Division, ela está no planeta Wikipédia à vossa espera. Calcei uma poltrona. Cada coisa no seu lugar. Cada frase bem arrumada, como se estivesse fazer a cama, ou a refazer o tempo. Li o artigo da Sophie Mackintosh. Estive por instantes em Gales, o que não foi mau, mas o melhor mesmo foi ter podido regressar a 1979. Os Joy Division lançavam Unkown Pleasures. E o Lobo Antunes, Memória de Elefante. Estou a tocar o livro.
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musicaparacamaleoes · 6 years
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Por causa de uma guitarra azul, o escritor irlandês John Banville concedeu uma entrevista à New Yorker. O resultado da conversa foi publicado a 18 de setembro de 2015. Faz parte das afinações editoriais e do mundo dos negócios. Gosto de caçar ideias sem desperdiçar uma bala, como foi o caso desta leitura oblíqua pelas duas horas da manhã, deitado de costas no planeta, como faço sempre antes de dormir. Aí a minha vida dá uma volta de 180 graus. Bem, mas Banville, natural de Wexford, 72 anos, diz a propósito do protagonista do livro que o acalmou em jeito de gentileza para com o palato do leitor. Diz também que a idade não traz sabedoria, mas confusão. Foi aqui que guardei a bala no bolso, mestrado em confusão como sou. E pronto, foi isto. E um bocadinho de fisioterapia à minha prosa, que foi operada ao pé esquerdo e não tem saído muito de casa.
I’ll be around. Yo la Tengo
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musicaparacamaleoes · 6 years
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Pensava na importância da estrada para a literatura, a tarde corria pela circunvalação acima, o volante só tem uma mão na curva, a outra foi fumar um cigarro. Vem aí o hospital Magalhães Lemos e um semáforo vermelho demasiado teimoso. Aquela árvore está um homenzinho, cresceu com um pé no acelerador.  Dois anos vieram de Paris num instante. O futebol estava lá tão bem. E agora o dia 10 de julho só volta a casa para o ano.       
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musicaparacamaleoes · 6 years
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Cheguei tarde a casa. Encontrei o Proust na cama com um tinteiro. No sofá o Houellebecq metia dois dedos nos calções de uma rapariga de 22 anos, uns calções de ganga muito curtos, os dedos vinham a pé do umbigo e estavam quase a chegar a casa. Estavam pior do que eu. 
O Proust não sabia onde tinha deixado a última frase, era uma frase de época sobre mulheres exemplares, mas uma delas perdera-se, ou então fugira-lhe do pensamento. O Houllebecq devolveu-a mais velha. O Proust não a quis de volta, mas transformou-a em seiscentas páginas porque não sabia fazer outra coisa. O Houellebecq acendeu um cigarro. Eu acendi um cigarro. O barulho da tinta veio ter connosco à varanda. O Proust não. A noite sim. O Houellebecq voltou para dentro do livro. O Proust também. 
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musicaparacamaleoes · 6 years
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Pergunto pelo comando do televisor à toalha de mesa, aos cantos do sofá, pergunto, a descarregar impaciência por mim abaixo como se eu fosse um autoclismo, pelo comando ao tampo da sanita e nada.
E lá me bate a memória com um pau na cabeça. Uma traulitada à antiga, tenho o comando na mão. 
Mas primeiro o vinho. Ontem a garrafa sobreviveu ao jantar, está ligada à máquina há vinte e quatro horas, abro o frigorífico, o frigorífico fica em dezembro, na ponta cozinha mais afastada da porta. Eu por mim mandava vir os copos, mas eles, sóbrios todos os dias, e tacanhos são como as mulheres casadas, uma função e mais nada, são copos e não têm de satisfazer os meus caprichos só porque não me apetece voltar à cozinha, fazer uma operação de peito aberto ao armário.    
Vim para casa num carro bêbado. Não o devia ter feito. A lei é muito clara sobre carros embriagados, parece água.
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musicaparacamaleoes · 7 years
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Chovia, naquela tarde. Ninguém trouxera uma cara conhecida. Talvez estivessem todos a ir embora. A multidão descia para o metro como se fosse um rio de estranhos; nas horas de ponta não há grande margem de manobra. Costumava haver aqui na entrada uma tenda branca com um vendedor de fruta. Mas isso foi num inverno mais velho. É uma pena. Trouxe cinquenta cêntimos de propósito para comprar um maça vermelha.
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musicaparacamaleoes · 7 years
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As torradas sem manteiga, o doce de amoras, o chá. O ambiente tranquilo por toda a casa. Como se a casa tivesse tomado um prolongando banho de espuma e bebido uma bebida quente. O tempo guarda as melhores fatias, gosto de comer a memória em casa, sossegado. Eu, o mobiliário e o espaço.  
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musicaparacamaleoes · 7 years
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E então depois das seis da tarde, numa casa vazia, com uma mão na sétima função da linguagem e outra numa receita de canja de galinha com miúdos, enquanto o derby não chega à sala, a receita entrou depressa na memória e na água abundante do maior tacho, passa um filme idiota num canal idiota para os lados do sofá, e este vapor da fervura cada vez mais parecido com as saunas de Paris em 1981, fígado, moelas, pés, asas, até que qualquer coisa acontece na Rua de Bizerte, entre La Fourche e a Praça de Clichy, mais tarde virá a massa, com um tempo de cozedura entre os dez e os doze minutos, e lá vai o Simon Herzog atrelado ao comissário da polícia, e à sua investigação, Binet cozinha muitíssimo bem a história sem livro de instruções, o cozinheiro em apuros passa pelo diário e anota, a dieta obriga.
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musicaparacamaleoes · 7 years
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Em determinado sítio, encostada ao muro de uma oficina de bicicletas, a fumar um cigarro, a Joan Didion dizia que a gramática era um piano que ela tocava de ouvido, à sua frente o Johnny Cash dizia que às vezes era duas pessoas, e para além deles os três o Bob Dylan não dizia nada, porque o Jorge Luis Borges lhe estava a dizer não fales a não que consigas melhorar o silêncio. Nunca confundas o tamanho do teu ordenado com o tamanho do teu talento, acrescentou o Marlon Brando, sim, concordou a Joan Didion, pára de te queixar, trabalha mais, sê mais solitário.  Um Johnny Cash lutou pelo título de solitário mais solitário de todos com o outro Johnny Cash e o Picasso, contratado para desenhar aquela noite limitou-se a um vulgar tudo é um milagre, é um milagre que uma pessoa não se dissolva no banho como um pedaço de açúcar. Isto aconteceu depois de uma ida a Serzedo. Por outro lado, as férias contam três de intervalo.
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