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A Enchente
Era em torno de 00h a 1h da madrugada, eu tenho dificuldades em lembrar a ordem dos acontecimentos devido ao estresse e ao sono mas vou tentar contar da melhor forma possível, a que mantenha todos os fatos e uma coesão narrativa.
Escuto batidas na grade do meu apartamento, moro em um JK no segundo piso, de frente para a rua, no corredor que se encontra minha porta eu havia colocado uma grade com portão para criar um tipo de área privada para mim, e foi nessa grade que escutei as batidas.
- Oh vizinho... Oh vizinho... oooh viziiinho...
Escuto ao longe essas palavras, mais parecidas com sussurros, seguida de continuas batidas na grade, o som da chuva ao fundo extremamente forte abafava qualquer tipo de som externo. Me levanto, pelado como de costume, e coloco meu roupão rosa o qual ganhei de presente de uma velha amiga para tocar em um show temático da Barbie Girl. Abro a porta e me deparo com meu novo vizinho, o qual nem tinha mobiliado o apartamento ainda, estava dormindo em um colchão e iria fazer a mudança no dia seguinte. Ele parecia assustado e constrangido, estava vestindo t��nis e bermuda, além de uma camisa e um casaco impermeável com capuz.
- Oh meu, olha só, a agua tá subindo ali na rua te liga!
Meio sonolento, assimilei aquelas palavras e virei o pescoço para trás, observando lá fora, eis que me deparo com um caralho de água invadindo o que antes era a rua, já havia uns 30cm de água dominando todo o espaço de uma forma nunca antes vista, se alastrava pelos bueiros, subia nas calçadas e invadia os pátios, fiquei extremamente assustado com aquela cena, a natureza subindo atrás de nós, se esgueirando por nosso espaço, parecia o começo de algo muito pior. Virei de volta pro meu vizinho e lembro de comentar algo tipo “ah, não vai subir, relaxa, de qualquer forma estamos no segundo andar.”
Abri o portão e o convidei pra entrar na minha área de forma que ele pudesse ver melhor a rua, até então ele só tinha acesso através da escada que dava no corredor e ao longe podia-se ver o portão de entrada e a rua, uma visão completamente limitada. Ficamos ali conversando sobre o ocorrido, já haviam notícias de enchentes pela região e nosso estado já estava vivendo um momento de Calamidade, isso era certo, mas ali em meu bairro nunca houve de acontecer coisa do tipo, vivíamos pelo menos uns 60 anos em paz, sem grandes catástrofes climáticas e esperávamos continuar assim.
Conversamos um pouco e chegamos à conclusão que o melhor a se fazer seria pegar duas cadeiras e coloca-las na área para ficar observando a rua de forma a controlar o nível da água e ficar um passo à frente da situação. Até então eu tinha tido poucos contatos com aquele cara, sabia que era fumante pois me pediu o isqueiro para acender o cigarro algumas vezes no dia anterior, além de vassoura e uma pazinha. Possuía uma esposa e um filho, iria se mudar dentro de alguns dias mas no momento que tudo ocorreu estava sozinho dormindo no apartamento, descobri mais tarde que estava em processo de divórcio fazia alguns dias e seu futuro em família estava incerto, mas apesar dos motivos que levaram a isso ele mantinha otimismo e vontade de reatar os laços, inclusive dizia que seu plano B caso tivesse que ir embora por conta da chuva, seria voltar para a casa da ex-sogra.
Ele tinha 19 anos.
Rapidamente fala:
- Precisamos ir na rua ver a extensão disso tudo!
Não pude negar esta afirmação, vesti uma cueca com bermuda, uma camiseta e um casaco impermeável, fomos em direção a escadaria, a água já havia tomado o primeiro degrau. Caminhamos pelo pátio alagado e fomos em direção ao portão, a chuva batia forte em nossas cabeças e saímos na rua, olhamos para os lados e era caótico, os carros em pontos mais baixos da rua a água já entrava pelas portas, algumas casas já estavam com agua dentro e víamos seu nível subir em direção a outras ruas da vila. Tudo escuro e silencioso, somente o som da água, lembrei de Titanic.
Voltamos e ficamos conversando e observando a rua, eu me ofereci para pegar dois copos de um vinho velho e avinagrado que tinha, servi, bolei um baseado o qual chamou muita atenção dele por sinal, sentei ao seu lado e ficamos olhando a água subir.
Parecia tudo acontecer muito rápido, o frio da madrugada e o silencio tornam tudo mais assustador, você olha para as ruas e só enxerga uma água preta e brilhosa que se alastra por quilômetros em direção a tudo que você conhece, o vento sopra e assovia e a chuva incessante parece castigar o que outrora foi chão, um cenário de horror puro. Discutíamos se a água estava subindo ou não, as vezes parecia que sim, as vezes parecia que não, íamos correndo na escadaria do apartamento e verificávamos quantos degraus já estavam submersos, até então era três. Calculei que já eram 4h da madrugada e ele havia me acordado por volta da 1h, portanto em 3 horas subiu dois degraus, em base disso e de uma fita durex que eu coloquei na escada para controlar visualmente seu nível, sabíamos que ela subiria mais se não parasse de encher as ruas.
Por volta das 5h da manhã, já havíamos fumados dois baseados e tomado quatro copos de vinho, conversamos bastante e viramos “amigos de guerra”, depois daquilo tudo faríamos um churrasco e daríamos risada, mas agora, meu vizinho estava ansioso para ir embora. Ele já havia dito para irmos embora algumas vezes durante a noite o que eu fervorosamente me opus, até sugeri que ele fosse devido a sua estatura ser metade da minha, a água demoraria mais para representar um risco a mim do que pra ele. Ele iria para casa de um amigo umas ruas acima e eu pra a casa dos meus pais virando uma quadra, lá era mais alto.
Meu plano era ficar até o nível em que a água batesse na minha cintura pois ainda assim conseguiria amarrar mochilas em meu tronco e sair dali, até me passava a ideia de ficar ilhado sobrevivendo alguns dias até tudo passar, havia feito compras na manhã anterior e comida não me faltaria. Meu vizinho se despediu de mim e juntou o pouco que tinha consigo em sacolas plásticas que ofereci e partiu. A água já batia em sua cintura, fui até as escadas e usei minha lanterna para iluminar o caminho, ele desceu na água e sumiu em direção ao portão. Corri para cima e fui na minha área observar rua, vi ele sair caminhando no meio da escuridão brilhosa e ondulante.
Fiquei tenso. Estava sozinho no prédio, meus vizinhos de baixo haviam subidos os moveis uns dois dias antes prevendo o que aconteceria e ido embora e meu único vizinho que restou tinha saído recentemente em direção ao incerto, só restava eu. Arrumei três mochilas e deixei prontas com roupas e itens vitais de sobrevivência, dei uma organizada na casa, bolei um baseado e voltei a sentar na cadeira observando a rua. Olhava e olhava, corria as vezes para a escada e verificava o nível de agua através do durex que havia colocado, já haviam quatro degraus submersos, as casas na rua já estavam com água dentro e os pátios mais pareciam pequenos rios negros do que pátios em si.
Passou uns 40 minutos quando escuto um assovio extremamente sinistro! Pensei comigo, fodeu, saqueadores! Cedo demais mas uma hora viriam, precisava pensar em algo, o assovio continuava, tomei coragem e olhei pela rua, era meu vizinho retornando. Corri para as escadas com a lanterna e vi ele chegando completamente molhado, disse que havia alagado a casa do seu amigo e precisava recalcular seu plano e descansar. Sentamos novamente nas cadeiras com vista para a rua e ali ficamos até as sete da manhã, já havia iluminado o céu e a água seguia a subir, agora as ruas estavam completamente alagadas e o termo “enchente” já era cabível a situação. Barcos e canoas passavam pela minha rua oferecendo resgate aos ilhados, buscando animais e distribuindo alimentos, alguns gritavam para irmos embora enquanto ainda houvesse tempo. Claro, ignoramos todos.
Por fim meu vizinho abordou um sujeito vestido de bombeiro que distribuía cachorros quentes a pé pela região alagada com água até o peito e os cachorros quentes empilhados em sua cabeça com uma sacola.
Meu vizinho desceu novamente na água como já estava molhado e buscou dois para cada, não preciso nem dizer o carinho em nosso estomago que aquilo fez, fez tanto que após terminar a refeição estávamos caindo de sono. Combinamos de ir dormir um pouco e o primeiro que acordar, verificar o nível de água e acordar o outro, ele foi para o apartamento dele e eu para o meu, bolei novamente um baseado e fumei calmamente escutando o som da chuva, tentando relaxar o corpo e adormecer.
Acordei por volta das 10 horas, silencio absoluto nas ruas, algo estava errado. Olhei pela janela e a água estava absurdamente alta, corri para a área e dei uma boa olhada, tudo estava submerso, carros, muros, lixeiras, já havia mais de um metro de água pela rua. Fui até a casa do meu vizinho e chamei algumas vezes mas nada, olhei melhor por uma fresta na janela e percebi que ele havia ido embora, se me chamou? Não tinha como saber, eu precisava ir embora também o quanto antes. Vi que estava sem luz elétrica, me restava apenas água, sem luz as carnes apodreceriam, de nada adiantaria ficar ilhado, coloquei os moveis para cima, retirei da tomada todos os cabos, reorganizei minhas mochilas e peguei meu celular.
Haviam várias mensagens de pessoas dizendo que meu bairro alagou, que um dique havia estourado e muita água estava vindo, ligações perdidas, mensagens me mandando ir embora, caos absoluto e na rua um silencio...
Liguei para meus pais e eles estavam com a casa alagada, havia entrado em torno de 30cm de água dentro da residência, estragando todos os moveis, eles estavam indo para a casa de um vizinho que tinha dois pisos se refugiar, minha irmã me ligava enlouquecida dizendo pra eu me juntar a eles que ela viria nos buscar e levar para a casa dela no morro. Peguei minhas mochilas, amarrei em meu tronco, tranquei a casa e fui em direção as escadas. A essa altura já não conseguia mais medir quantos degraus estavam submersos, coloquei os pés na água em seguida da cintura e seu nível subiu até acima do meu umbigo, estava extremamente fria e pesada.
No corredor, água parada, negra e alta, o corredor agora parecia ter saído direto de um filme de terror, totalmente escuro, não arrisquei a usar o celular para obter a lanterna com medo dele cair na água. Caminhei em direção ao portão em passos pequenos, cuidando para não pisar em algo, o cadeado já estava aberto, sinal que meu vizinho saiu com pressa.
Dei uma boa olhada na rua e tudo estava completamente submerso, a água até a janela de algumas casas, os carros completamente tampados e as árvores pela metade, agradeci por ser alto nesse momento.
Caminhei lentamente pela calçada me apoiando nos muros, cuidando cada passo para não cair em algum buraco e fui em direção a parte mais alta da rua que ainda não tinha água, lá haviam várias pessoas, quando me viram começaram a gritar se eu queria ajuda, neguei e segui caminhando lentamente em suas direções. Ao chegar lá encontrei meu vizinho atordoado, disse que me chamou algumas vezes mas como demorei a responder ele saiu enquanto dava tempo mas deixou o portão aberto para facilitar minha fuga. Olhei de fora, minha rua completamente alagada, caminhei até a casa dos meus pais e a água começava a subir novamente naquela região, na rua deles ela batia em minha cintura, busquei a casa do tal vizinho que estariam e encontrei, vi de longe eles e eles me viram, acenaram e gritaram, estavam felizes por finalmente estarmos juntos e eu também.
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Praça dos Açores
Eu tinha tomado um LSD já fazia meia hora e decidi que precisava mijar.
Não lembro ao certo a idade que tinha na época, talvez dezoito. Eu estava saindo com uma garota já fazia algum tempo, tínhamos uma espécie de relacionamento estranho, baseado principalmente em madrugadas usando drogas na casa de seu tio. Mal Transavamos pois estávamos sempre chapados demais para isso, nos pegávamos um pouco e passávamos o resto do tempo cheirando, bebendo e fumando. Havia um certo carinho envolvido, muita amizade com certeza, já tínhamos passados por poucas e boas, então tínhamos sentimentos um pelo outro, algum zelo e admiração. Eu gostava bastante dela e certamente ela de mim, porem nossas vidas eram bagunçadas demais na época para conseguir fazer algo decente com isso, fica para outro momento, vou chama-la de Branca.
Ela tinha um amigo que me odiava, ele era apaixonado por ela e era metido a vagabundo, e de certa forma, ele realmente era. Mas eu estava cagando e não me sentia intimidado, também já tinha passado por muita merda então não iria baixar a cabeça para qualquer um, além de que, seus motivos para não gostar de mim era puramente idiotas, portanto eu não conseguia o levar a sério. Seu nome não importa, apenas que ele estava no dia, além de mim, Branca e ele, também estava meu amigo Carrinho.
Carinho adorava carros, engenharia e artes manuais, ele vivia inventando coisas, em sua casa haviam armários automáticos, portas que se abriam sozinhas e gavetas que com um comando, saltavam para fora, era um ambiente realmente interessante. Além de que mesmo muito novo, sendo até mesmo de menor na época, já tinha um carro e sabia como personaliza-lo todinho, trocava as peças, colocava luzes, pintava e até mesmo o tinha rebaixado.
Eu, Carrinho, Branca e seu amigo, fomos em uma festa de rua que acontecia em uma praça. no centro da cidade, durante a madrugada. Nós costumávamos frequentar muito este tipo de festa, eu particularmente, as considerava até terapêuticas. As RAVES para quem não sabe, eram festivais que geralmente aconteciam em algum campo aberto, com uma tenda encima e um palco a frente, aonde em resumo tocava música eletrônica. Claro que não se tratava apenas disso, tinha toda uma cultura, algo meio hippie, um WoodStock moderno em outras palavras. Eram festivais sobre dança, amor e conexão, aonde você dificilmente veria malicia, pegação ou brigas, as pessoas usavam drogas como LSD, Ecstasy e Cogumelos, também outros tipos de estimulante como MD e Key, além de claro muita Maconha, Álcool e Cocaína, tudo visando a libertação mental e expansão de consciência, dessa forma se conectando inteiramente a música e ao ambiente. Muitas vezes dançando de pés descalços na grama, todos entravam em um lindo transe psicodélico, de movimento rítmico e em conjunto, como um cardume de peixes, alguns de olhos fechados, outros de mãos para cimas, mas todos unidos na música, chapados e dividindo aquele momento único em comum.
Haviam os festivais grandes, que custavam caro e possuíam DJ’s melhores e estruturas melhores, e os festivais pequenos, que ocorriam de forma independente, sem apoio de grandes produtoras, e geralmente eram em locais de mais difícil acesso, porem compensavam por possuírem uma cultura mais libertadora. Também tinha as Preview, eram festas menores, prévias das grandes, ocorriam no mesmo local dias antes, porém em escala menor, visando chamar público para o real evento. Geralmente eram mais baratas e possuíam um público mais ralé, portanto eram festinhas legais de ir.
Voltando a história, a Rave no centro em que fui, não eram nenhuma das que citei acima, era diferente, possuía um certo clima de hostilidade muitas vezes. O centro de Porto Alegre pode ser um local sinistro a noite, vazio, com prédios altos e ruas escuras, existem certas energias e frequências ruins de se absorver por lá, e fazer um evento deste nível energético próximo dali, acaba por atrair figuras muitas vezes estranhas e maliciosas. Era no Monumento dos Açorianos o evento, um campo aberto, com um viaduto atrás que dava direção centro, próximo ao viaduto já era escuro e sinistro, e embaixo dele, mendigos a ladrões espreitavam. Nós dançávamos próximos a cabine do DJ, era uma tenda improvisada, o espaço era grande, havia alguns metros entre o DJ e o monumento dos Açores, neste espaço, o pessoal dançava e se movia, além de haver pequenas muretas de tijolos, aonde nos apoiávamos e nos sentávamos quando cansados.
Já estava a algumas horas na festa e tinha fumado maconha, bebido e usado um pouco de Key, o normal em um evento desse tamanho, porem estava faltando algo, eu queria ficar doidão, estava com saudades de tomar LSD portanto havia combinado com a Branca de tomarmos um hoje, iriamos dividir em dois. Carrinho e o amigo dela também tomariam um, dividindo assim como nós. Um LSD inteiro acaba com você, até um cidadão acostumado sente as diferenças e perde certos conceitos de convívio social, eu já havia experimentado até mais de um inteiro ao mesmo tempo e tive viagens terríveis, portanto hoje iria apenas usar meio, 2/4 como chamávamos, decidi que seria o melhor para uma viagem com mais auto controle.
Já Fazia algum tempo que eu tinha tomado e nada, vagava pela local observando as pessoas dançarem, vez em quando alguma garota vinha em minha direção e balançava os braços como se manipulasse energias invisíveis e as jogava para mim com as mãos, eu naturalmente repetia o movimento, demonstrando empatia e receptividade. Trocávamos bolas de energias invisíveis por um tempo, dançávamos em conjunto e um de nós partia, isso acontecia muito comigo e com todos. Em certo momento chamei Carrinho para mijar, estava desesperado, já tinha segurado por muito tempo e não dava mais, nos afastamos da multidão e fomos direção ao viaduto próximo ao centro, um grande erro, porem era um dos poucos locais que a galera podia ter paz para mijar, e disso precisávamos, o LSD começava a surtir efeito.
Ao chegar no viaduto, Carrinho parou ao meu lado, estávamos ambos de mochila nas costas, nem me prestei a abrir o zíper, forcei a parte frontal da calça para baixo e tirei o pau pra fora, tentei mijar. Olhava para meu pau, e para a parede do viaduto, e novamente para meu pau, o LSD estava finalmente começando a trabalhar e eu estava tendo dificuldades em direcionar uma tarefa ao meu cérebro, ele estava ocupado demais recebendo fortes pancadas da droga, eu alucinava, luzes e vertigem, o começo é sempre uma confusão. Enquanto tentava me concentrar na simples tarefa de mijar, percebia que Carrinho assim como eu, também estava tendo dificuldades, parado com o pau na mão e olhar fixo para baixo, enfrentávamos os mesmo dilemas.
Quando percebi, me foi colocado algo contra minhas costas, um pouco abaixo da mochila, alguém me segurou e pressionou algo contra mim, anunciando um assalto. Outro chegou no Carrinho fazendo o mesmo, só deu tempo de colocar o pau pra dentro, não sei se Carrinho conseguiu. Foi algo rápido, de segundos, quando percebi que colocaram a arma contra minhas costas, recolhi o pau e levei as mãos até minhas costas, apalpando a mão armada de meu inimigo, pude sentir então, que ele não estava com uma arma de verdade, não identifiquei o que era, mas não era uma arma, talvez um pedaço de madeira, independente do que fosse, eu não seria assaltado por menos que uma arma. Naquela altura de minha vida já tinha sofrido muitos assaltos e acabei adquirindo o habito de reagir sempre que via a oportunidade, principalmente se o assaltante não estava aramado, que felizmente era o caso nesse dia.
Rapidamente ao perceber que não era uma arma, me virei para ele e lhe dei uma cabeçada, nisso ele foi para trás, espantado com minha reação, desferi mais alguns socos em sua direção e também recebi alguns, quando do nada ele agarra minha mochila e tenta puxa-la para si. Ficamos num cabo de guerra, ele puxava com as duas mãos, assim como eu, a mochila no meio sofria para não rasgar, pensei então que seria mais fácil soltar uma das mãos e o atacar, assim pelo menos eu teria uma chance de machuca-lo e faze-lo soltar.
Soltei a mão direita e lhe golpeei a cabeça, como esperado ele cedeu e rapidamente eu puxei a mochila para mim e corri em direção a multidão. Corri desesperado, tropecei e cai no chão, me ergui sem pensar e segui correndo, um velho mendigo sentado numa arvore observando tudo. Quando me dei conta, aonde estava Carrinho?! O que havia acontecido com ele? Olhei para trás, estava de quatro, no chão, com um dos sujeitos puxando a mochila de suas costas enquanto o outro segurava seus braços. Jamais me perdoaria se não voltasse, temia pelos meus pertences mas Carrinho era um amigo fiel, a loucura pairava em minha mente, o coração a mil e adrenalina movendo meu corpo, juntei a mochila firmemente em minhas costas e corri novamente em direção a luta. “SOLTA ELE”. gritei, ataquei o que segurava Carrinho pelas mãos, soquei sua cabeça diversas vezes e ele se obrigou a soltar para se defender, era o mesmo que havia tentado me assaltar.
Com as mãos livres, Carrinho se ergueu e se sacudiu como um peixe para se soltar do cara que segurava sua mochila, sacudia e sacudia o corpo, eu o segurei e puxei pra longe, com o movimento conjunto, conseguiu soltar-se quase que instantemente e corremos em direção a multidão. Chegando ao local informamos afobados Branca e seu amigo do ocorrido, ninguém deu muita bola, o LSD buscava trabalhar insistentemente para nos manter em um certo nível de loucura aceitável, fomos dançar.
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A Batalha dos Emos
Eu estava apaixonado, e isso me envolveu no que ficou conhecido como A Batalha dos emos.
Tinha entre meus treze anos e namorava para valer pela primeira vez, vou chamá-la de Morango. Não me recordo se já havíamos transados a essa altura, porém a primeira vez foi com ela, e a dela comigo, éramos realmente um amor no início. Como namorados, naturalmente nosso círculo de amigos começou a se misturar, o qual já era bastante parecido, visto que morávamos perto um do outro e estudávamos em escolas vizinhas. Ela tinha um grupo de amigos legais, nerds excluídos, mas gente boa, viravam noites jogando videogame e RPG de mesa. Gostava deles, começamos a andar cada vez mais juntos e virei próximo especificamente de um deles, vou chamá-lo de Bergamota, também havia seu primo, será chamado de Banana. Bergamota tinha uma namorada que na época eu recusava em assumir, mas hoje aceito, que me dava mole. Éramos eu e Morango, Bergamota e Banana, que também tinha uma namorada que no passado eu havia tido um romance, mas ficou para trás, ela nem fazia parte de nosso grupo, mas entrará na história em determinado momento.
Para entender o que foi a Batalha dos emos, você precisa entender que em meados de 2012, época em que isso ocorreu, havia um gênero musical conhecido popularmente como Screamo, consistia em visualmente falando, usar roupas pretas e coladas, rasgadas e com muita maquiagem preta, visuais góticos e afeminados. Musicalmente falando, eram guitarras retas e distorcidas, com breakdowns e solos frenéticos, além de vocais urrados acompanhados muitas vezes de uma segunda voz melódica. Eu particularmente não gostava, porém acompanhava a cena musical local com prazer e entusiasmo, afinal, eu mesmo possuía uma banda na época.
Duas bandas na área em que eu morava se destacavam, uma em particular atingiu certo sucesso, até abrindo shows para bandas como Fresno, seu nome será Bandadeucerto. Era composta de ótimos músicos, realmente uma galera dedicada, performática e muito profissionais, apesar de eu não gostar do gênero, reconhecia seu sucesso e os respeitava. A outra banda será a Bandadois, uma galera mais nova que surfava na onda da Bandadeucerto, mas fazia um som mais grosseiro e lhes faltava certo requinte harmônico, não havia beleza em suas músicas, apenas barulho, seus shows eram agitados e entregavam muita energia, porém sua música e suas atitudes internas a impediam de avançar adiante. Meu amigo Bergamota detestava a Bandadois, por algum motivo os tomou como rivais, e vez em quando os atacava em redes sociais. Eles eram de fato uns babacas, haviam histórias deles xingando pessoas e tratando mal garotas, porém nesta situação específica, bergamota foi quem começou a briga.
Eu estava em casa, era próximo ao meio dia e eu só estudava à tarde, estava prestes a almoçar quando Morango me envia um SMS pedindo por ajuda, que a Bandadois viria na saída da escola e iriam bater no Bergamota. De início fiquei sem entender nada mas preferi não arriscar, peguei o anel de meu avô, fiel companheiro de batalhas, era um anel forte de aço, antigamente uma aliança, possuía um relevo que acertado em cheio no inimigo, causaria grande estrago. Vesti uma calça rasgada, já que talvez brigasse, não queria estragar nenhuma roupa. Estava muito apaixonado por Morango, ao saber que seus amigos corriam perigo, agora meus amigos também, não pensei duas vezes, falei para meus pais que iria buscá-la na saída e parti rumo a batalha.
Morango até gostava da Bandadois, ela havia ficado com seu guitarrista solo um tempo atrás, isso definitivamente não me incomodava, o que era bom, pois dessa forma eu não teria envolvimento pessoal na briga, além disso, o vocalista, estava do nosso lado. Era um cara passivo, de boa com todos, não queria confusão, namorava uma amiga de Morango, que vez ou outra, se juntava ao nosso grupo, portanto, ele não queria se juntar à própria banda para bater nos amigos de sua namorada. Chegando lá, o sino recém tinha tocado e geral já tinha saído, as ruas estavam lotadas de adolescentes. Em meio à multidão, avistei meus amigos, caminhei até eles e me contaram o que houve, Bergamota havia dito em rede social “Minha merda caindo no vaso é mais pesado que o som da Bandadois”, uma ofensa que obviamente chegou até eles, que por sua vez decidiram confrontar Bergamota pessoalmente. As garotas estavam preocupadas, não queriam seus homens machucados ou brigando, eu estava ao lado dos rapazes para fazer o necessário, sai de casa pronto, o que fosse acontecer, eu estava preparado. O boato de briga começou a tomar forma, fecharam a rua com cones, foi algo grandioso, a banda do bairro vindo na saída da escola atacar um garoto, todos queriam assistir, eu estava meio nervoso.
A banda tinha cinco integrantes, menos um com o vocalista, eram quatro, ainda assim, do nosso lado estava apenas Bergamota Banana e eu, e eu não contava muito com o Banana. De repente, ao longe se vê, quatro figuras de preto, magras e compridas, usando Spikes em seus pulsos, All stars e unhas pintadas, todos de franja, vindo em direção ao fim da rua, onde os cones se localizavam, e nós também.
Começou. Eu estava de pé ao lado de Banana quando Bergamota foi peitar o guitarrista solo da banda, começaram a discutir, um círculo de pessoas à nossa volta se formava, de repente, o guitarrista solo atinge um soco em Bergamota e começam a desferir golpes um contra o outro. Por algum motivo desconhecido, tomado pela adrenalina da briga, parti para cima do outro Guitarrista que estava assistindo a luta junto a multidão. Eu já havia escutado histórias bem ruins sobre ele e estava certo de minha decisão, parti para cima dele, que rapidamente desviou e me golpeou de volta em cheio, tomei algumas boas pancadas dele até conseguir me concentrar e lutar de igual para igual. Acertei um forte soco seu em rosto, o marcando com o anel de meu avô, depois mais alguns, até que fui atingido por trás, pelo baixista da banda. O baixista da banda era ex-namorado da atual do Banana, que, ao começar a luta, supostamente caiu no chão e machucou o pé. Quando fui atingido pelo baixista, perdi totalmente os sentidos, tontura total, socos vindo de todos os lados, os dois me atacando, desordem, não estava esperando um golpe tão covarde, enquanto Bergamota lutava com um, me havia sobrado dois e eu estava, claramente perdendo. Tomei socos em cima da cabeça e socos no estômago, acertei alguns em ambos e tive pequenos momentos de sabedoria onde realizei movimentos velozes e certeiros, porém a desvantagem matemática estava obviamente prevalecendo, foi quando, do nada, a namorada de Banana correu em direção ao baixista que me atacava, o segurou e atingiu suas bolas com seu joelho, dúzias de vezes. “NÃO BATA EM MEU AMIGO” era o que ela gritava, eu estava extasiado, fomos apaixonados no passado, pelo menos eu fui, e agora ela me defendia. Aproveitei para atacar o baixista junto a ela, acertei alguns socos e chutes em seu saco e outros em seu rosto, como ele estava sendo atacado por uma garota e sendo assistido por várias pessoas, tudo que podia fazer era se defender, sem poder contra atacar de volta. Direcionei minha energia novamente para o guitarrista que sobrou, agora era enfim um mano a mano, Bergamota ainda estava em sua luta, não prestei atenção mas fiquei sabendo depois que ele tomou alguns bons socos na boca mas revidou com um grandioso golpe no rosto de seu rival, que fazia aniversário no dia seguinte, portanto, estava orgulhoso de ter “pelo menos estragado as fotos”.
De repente, escutamos “POLICIA!” “POLICIA!”. Alguém havia os chamado, provavelmente algum morador ou professor, quem fosse, impediu que aquilo se prolongasse mais. Rapidamente os cones foram retirados e como se num passe de mágica, a multidão sumiu. A bandadois foi embora, levando consigo seu vocalista, provavelmente pediria alguma explicação por ele ter ficado do nosso lado, e nós ficamos ali em frente ao colégio, assimilando a situação toda, eu ainda tinha aula de tarde, chegaria atrasado, me despedi do pessoal, dei um beijo em Morango e parti rumo a minha casa.
No caminho de volta comecei a sentir as dores da luta, dormência em meu corpo, ardência em algumas partes, sangue seco e sangue úmido por tudo, o topo de minha cabeça estava molhado, deixando meus cabelos em uma pasta nojenta de fios e sangue, eu estava um total lixo.
No caminho avistei a bandadois parada em uma esquina, pensei, “pronto, é agora, vou apanhar de todos” e de fato, os guitarristas vieram para cima de mim mas o vocalista, novamente apartou a situação os segurando e dizendo que não valia a pena, e estava certo, eu já estava fodido e eles também, o melhor para todos era irmos para casa. Continuei meu trajeto, porém espiado, cuidando de cada esquina até chegar em casa. Fui recebido com pavor pela minha mãe, chocada com os ferimentos, deixou com que eu faltasse a aula naquele dia, mas me deu um grande sermão sobre não me meter em brigas alheias, e no fim, ela estava certa, a briga nem era minha e eu fui o que mais saiu apanhei.
Tomei um banho, limpei os ferimentos e fui almoçar, na TV passava desenho, eu tinha apenas treze anos e todo um ano letivo pela frente.
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Último dia de Aula
Chamavam ele de punheta.
Estudava com ele já fazia alguns anos e estava para me formar, não podia estar mais feliz e ansioso para terminar o ensino fundamental, sofri por anos ali, simplesmente não me encaixava, apanhei, abusos físicos e mentais, inimigos de todos os tipos, definitivamente, uma experiência dolorosa.
Punheta tinha algum problema mental, isto era fato, ninguém discutia, porém não sabíamos o nome ou o grau, pois ele conseguia conviver normalmente e havia até certo nível de malícia e esperteza em suas ações. Eu e ele não interagimos, não éramos amigos, eu sequer me importava ou percebia sua presença, e acredito, que o sentimento era mútuo. Vivia recluso nos fundos da sala, de capuz, moletom branco e calça jeans, este era seu uniforme. Não era amigo de ninguém em particular e vivia seus dias sozinho, ou conversando com os poucos que lhe consideravam algo próximo de um amigo. Tinha o cabelo raspado estilo militar e não possuía pêlos faciais, altura média para um homem porém vivia encurvado tornando difícil saber seu real tamanho, seu grande nariz era o que mais marcava seu rosto, era enorme e impossível de não notar, obviamente ele era alvo de piadas por conta disso. Eu sentia certa pena dele, algo parecido com empatia pois também sofria das mesmas frustrações, mas estava ocupado lidando com babacas para ajudá-lo, além de que, vez ou outra ele se juntava aos garotos que me incomodavam e zombava com eles de mim, apenas para ter seus minutos de fama, portanto eu definitivamente não me importava com a sua vida.
Punheta teria passado despercebido pelo ensino fundamental se não fosse por uma característica muito peculiar de sua pessoa, aquilo que lhe rendeu sua alcunha, algo que nenhum de nós garotos havia tido coragem de fazer, porém certamente já havíamos imaginado. Rolavam boatos que quando ele estudava em outra turma, foi pego se masturbando embaixo da mesa, simplesmente tirou o pau pra fora e começou a bater uma ali mesmo, a mesa começou a tremer e balançar devido ao movimento de seu braço, fazendo com que todos notassem o que estava acontecendo. Mas ele não parou, seguiu golpeando fortemente seu pau até gozar, e como se não bastasse, isso já havia ocorrido outras vezes. Eu pessoalmente não havia presenciado, mas ele claramente se aproveitava de sua reputação por pior que fosse, e vez em quando sacudia a mesa e sorria de forma doente para todos, fingindo estar batendo uma.
Fora isso, nossos caminhos nunca haviam se cruzado, até o último dia de aula. Era um dia ridículo de se estar na escola, não fazia sentido, não havia mais nada a aprender, tudo estava vazio e aqueles que eram considerados os queridinhos da turma, os inteligentes, haviam ido para casa semanas antes pois não precisaram ficar para fazer recuperação. Havia sido feito um espelho de classe a algum tempo, de forma com que punheta ficasse sentado atrás de mim. Eu não me importava com isso porque ele não me incomodava, e de certa forma, até conversávamos vez ou outra. Eu sentava com meus dois únicos amigos, sobreviventes assim como eu, e punheta agora, sentava em nossos arredores, nos rondando e tentando pertencer a nosso grupo. Última semana de aula, punheta estava incontrolável por algum motivo, balançava sua mesa como nunca, sacudia e a erguia no ar com os braços, isso sempre foi engraçado, só que dessa vez eu sentava a sua frente, e toda vez que ele fazia seus shows, batia em mim. Último dia de aula eu já não aguentava mais essa merda e havíamos discutido a semana toda por conta destes ocorridos, havia um certo clima de conflito no ar. Punheta sacudia e sacudia a mesa sem parar, empurrava-a para frente, batendo em minha cadeira, ria e chacoalhava os braços, eu estava puto com aquilo tudo. Ameacei-o algumas vezes, eu já não sofria abusos fazia um ano pois tinha me revoltado e atacado um de meus rivais, ganhando assim o respeito dos demais, portanto, me sentia de certa forma, poderoso o bastante para o ameaçar, porém ele não cedia. Conforme a manhã foi passando, ele foi pegando mais e mais no meu pé, até que em uma de nossas discussões calorosas, aonde ambos estávamos exaltados, ele simplesmente pegou uma caneta, e cravou em meu braço.
Foi algo chocante, para mim, e para todos da turma. A caneta ficou ali, de pé, imóvel em meu braço, próxima a meu cotovelo. A professora não estava na sala, e não houve reação alguma, ninguém esperava aquilo, nem mesmo punheta. Retirei a caneta, não havia ido tão fundo, fui lavar o braço no banheiro e limpei com papel higiênico, estanquei o que pude do sangue e voltei pra sala, havia silêncio, todos esperavam pelo meu movimento.
Apenas olhei para punheta e falei que ia quebrar a cara dele na saída, sem conversa, sem discussões, apenas estava prometido, jurado, ali, diante de todos. Meus colegas que anteriormente me batiam agora vibravam e gritavam por mim, sedentos como animais, vibravam em tons de guerra por minha luta, me abraçavam e me ensinavam golpes, nesse momento, esqueci de todos os anos apanhando e sofrendo em suas mãos, estava feliz pela admiração que estava recebendo.
Enquanto eu estava ali, sendo louvado e incentivado pelos meus antigos rivais, recebendo apoio moral de garotos e garotas, punheta estava sozinho e nervoso em sua classe, sabia que havia feito merda e anteriormente tinha tentado um pedido de desculpas que lhe foi recusado. Não havia perdão, era meu último dia, eu havia sido atacado, sofri por anos, estava finalmente em minha glória total, não tinha mais volta, iria acontecer.
Enquanto todos esperavam uma luta grandiosa, eu em minha misericórdia, queria apenas dar-lhe um golpe que o machucasse tanto quanto o que ele me deu. Planejava como fazer, se seria na rua, no pátio, nas escadas, ou na sala. Ele tentava se desculpar frequentemente, percebia meu ódio e a sede da plateia, sabia que estava encurralado. Minha sala era no segundo piso, quase de frente para a escada e nela havia três fileiras de duplas de mesas, uma fileira na parede das janelas, uma fileira no meio, e por fim, uma fileira na parede aonde ficava a porta, eu sentava nessa última, bem em frente a porta aliás, punheta atrás de mim, o sino tocou, fim do ano letivo, era agora.
Punheta sentiu o perigo, levantou e saiu correndo direção porta, por sorte, eu sentava na frente dela. Não pude pensar, teria que ser ali mesmo ou ele escaparia. Eu tinha um colar em que pendurei um anel feito a mão pelo já falecido ex-marido e grande amor de minha avó, o anel, era a aliança deles. Havia um certo relevo no anel, uma espécie de ponta, porém era achatada ao invés de pontuda, era forte e maciço, enrolei o colar na mão e coloquei o anel no dedo, de forma com que a ponta ficasse para fora, assim me fornecendo mais poder de ataque. Quando punheta passou correndo por mim, o agarrei pelo braço e desferi um poderoso soco em sua cabeça. Ajustei as pernas, ergui o braço para trás e girei o tronco, o soco perfeito, acertou em cheio, o anel causou mais estrago, pude sentir o aço esmagando contra sua carne, bem em sua testa.
Não deu tempo dele expressar reação, o soltei e ele saiu correndo escada abaixo, prometendo que voltaria para me pegar na saída. Pronto, eu era um herói, fui abraçado e aclamado como um deus por todos, gritavam meu nome e me falavam elogios, diziam que sempre souberam de meu real potencial e que estavam orgulhosos. Não me compravam com aquele papo, eu sabia que eram uns filhos da puta, haviam me cagado a pau por anos, não tem como esquecer, mas talvez justamente por isso, adquiri certo sangue frio e decidi que o melhor era aproveitar aquele calor humano, companheirismo e admiração, independente de onde viesse, pois era algo corriqueiro em minha vida. Estava realmente feliz, não ligava se eram uns otários e tinham transformado meu ensino primário em um real inferno, tudo iria acabar amanhã, nada mais importava.
Como punheta jurou me pegar na saída, e isso nos meus tempos escolares, era uma ameaça levada a sério, fiquei preocupado que ele viesse com reforços, dessa forma, pedi que meus antigos rivais me acompanhassem até a avenida principal para eu tomar liberdade em terreno aberto e seguir rumo a minha casa. Rapidamente aceitaram e orgulhosos me acompanharam rua afora. A avenida ficava descendo uma lomba, literalmente a uns três minutos da escola, porém muito poderia ocorrer caso você estivesse sozinho. Como esperado, punheta surgiu com dois amigos, um de cada lado, mas ao avistar eu e toda uma gangue de valentões ao meu redor, gritando e xingando como primatas, percebeu que o melhor era desistir, aceitar que foi tudo a balança do destino equilibrando nossos golpes, e seguiu rumo a sua casa, abatido e machucado. Eu enfim estava livre, me despedi de todos com um adeus caloroso, sem ressentimentos, ainda os odiava e não tinha perdão, mas naquele momento, era o fim de toda uma fase, portanto, apenas fui embora.
Reencontrei Punheta alguns anos mais tarde enquanto andava pela rua, continuava de capuz, passou por mim e baixou a cabeça, havia uma cicatriz em sua testa.
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A Banda da Escola
Comecei tocando um pequeno surdo.
Na escola primaria, eu ansiava por tocar algum instrumento, invejava as escolas vizinhas por possuírem uma banda completa, com instrumentos majestosos e extravagantes. Desde sopros a baterias, teclados e contrabaixos, enquanto a minha possuía apenas alguns surdos velhos, chocalhos e um reco-reco. Quando comecei a participar da banda, fiquei maravilhado. Era um universo totalmente criativo aonde eu não precisava seguir regras já pré-estabelecidas, eu as criaria. Eu moldaria e daria vida as mais bizarras e incríveis fantasias que tinha em minha mente e não teria que ficar preso a cálculos matemáticos e textos que não me eram interessantes, eu enfim poderia, ser eu. Lembro que me foi atribuído um surdo, pensei comigo, bom, grandes artistas começam de algum lugar, e eu estava, definitivamente em minha jornada. Como haviam poucos surdos e bastante alunos, tomei a liberdade de sugerir uma solução a minha professora.
Meu pai possuía uma microempresa de acabamentos gráficos em um dos cômodos de nossa casa e portanto tinha muito material de papelão, papeis e caixas de todos os tipos e tamanhos, além de enormes toneis feitos de papelão grosso, de aproximadamente meio metro de altura, os quais carregavam grandes quantidades de cola branca. Usávamos estes toneis como surdos, bumbos e caixas para batermos e emitirmos sons. Eles eram compridos e cilíndricos, com o fundo tampado e um enorme buraco na parte frontal, aonde estaria a tampa. Pintavamos e enrolávamos papeis coloridos na volta destes toneis para os enfeitar, feito isso, virávamos de cabeça para baixo, de forma que a parte aberta ficasse no chão, nos sentávamos e os apoiávamos entre nossas pernas, batendo em sua traseira, fazendo com que o som saísse em sua parte inferior.
Não fazíamos grandes coisas na banda, não haviam eventos em nosso colégio para tocarmos e nossa escola dificilmente participava de campeonatos com outras, além de que, caso participasse, as bandas das outras escolas eram encarregadas pelo som, visto que eram maiores e melhores equipadas. Nós nos contentávamos em apenas batucar em conjunto e praticar sessões rítmicas maestradas pela nossa professora. Me recordo de uma das poucas vezes em que nos apresentamos, foi até gravado em CD, talvez eu ainda o tenha. Foi em um evento da cidade, no cais do porto. O cais era um local que antigamente os navios ancoravam para descarregar todo tipo de mercadoria, e possuía enormes galpões aonde as guardavam. Mesmo na época em que toquei lá, o cais já não era mais usado, minha cidade já não dependia mais do porto a anos e agora era aberto somente para eventos, e seus muitos galpões, usados para atrações se apresentarem, nós fomos uma destas atrações.
Não me recordo com detalhes mas havia muita gente, muita expectativa e muita confusão. Eu naturalmente aéreo a todo o contexto, me perguntava se possuía algum problema. Sabia de meu TDHA mas não o levava a sério, apenas existia no contexto geral da vida, flutuando como uma sacola. Me desconectava rapidamente dos grupos e das situações em que vivia, portanto, muitas das vezes, estava sozinho. Não me recordo de ter amigos na banda, talvez colegas, mas não amigos.
Era um palco gigantesco, com uma arquibancada em nossa frente, ao lado da enorme porta do galpão, portanto havia muita luz entrando em nossa direção, nos cegando completamente. Mas eu estava lá, provavelmente minha primeira apresentação, estava excitado e ansioso, lembro das luzes, das palmas, do calor e das batidas, algo tribal e selvagem tomou conta de mim. Me sentia uma besta peluda, batucando tambores infernais com a luz do próprio satã em minha cara, e os gritos de milhares de vítimas aplaudindo e clamando em prazer ou dor. Obviamente eu não passava de uma criança de no máximo 11 anos.
Rapidamente meu pai se tornou uma figura importante na banda escolar, ajudando com equipamentos e transporte sempre que necessário, além de sempre surgir com formas criativas de como improvisar instrumentos com sucata e até mesmo, ossos. Me recordo que tivemos um projeto de “musica rupestre” no qual tocaríamos com instrumentos feitos direto da natureza. Meu avô materno possuía uma chácara enorme em cachoeirinha e lá haviam taquaras, nós pegávamos algumas, cortávamos e fazíamos reco-recos e flautas. Meu pai e minha professora tiveram a ideia de também fazer sons com ossos.
A chácara de meu avô era um terreno abissal para uma criança, até mesmo, para um adulto. Costumava ser um lago, mas meu avô, um caminhoneiro em busca de aposentadoria e sossego, comprou o lago e o mandou aterrar, construindo assim, sua casa encima. Não entrarei em detalhes sobre como é o local, o que importa agora, é que havia um terreno vizinho separado do dele apenas por uma cerca de arame farpado. Era o terreno de um fazendeiro, e ele basicamente deixava o local abandonado para a natureza cuidar como bem entender, vez ou outra ele soltava seus bois pelos campos, o que era um risco se você estivesse andando desprevenido por lá, o que certa vez me aconteceu.
Era emocionante estar do outro lado da cerca, no começo era muito mato, mato denso e escuro, quase como uma floresta, para uma criança, uma selva. Passando as folhagens densas, você adentrava um campo aberto que mais a frente havia um lago com sanguessugas aonde pescávamos vez ou outra e nadávamos. Porem nosso trajeto era um pouco mais para trás, voltando ao interior da mata. Em uma das poucas trilhas que lá havia, uma delas em especifica levava em uma pequena área em que você adentrava através uma porteira. Era um cemitério de animais, bois principalmente, iam lá para morrer. Dizem que os animais sentem a morte chegando, e alguns, por receio de incomodar seus donos com as lamurias do fim, optam por se afastar e morrerem sozinhos. Então lá estávamos nós, no meio desse monte vaca morta, cavalo e cachorro. Fedor de morte, bosta e vermes pairava no ar, podridão pura. Alguns dos corpos estavam totalmente definhados, restando apenas ossos, estes nos interessavam, outros ainda recheados de tripas vísceras e órgãos, completamente infestados de vermes e moscões enormes, e por fim, alguns infelizes que ainda estavam vivos, se rastejando e aguardando seu fim.
A ideia por trás disso tudo, era reunir pequenos pedaços de ossos específicos que meu pai conhecia e usar na banda da escola para reproduzir sons com eles, os batendo uns contra os outros. Além de que, meu pai por ter sido criado no interior, tinha certo apreço por fazer “brinquedos de ossos” os quais ele dizia ser normal na região em que morava. Consistia em nomear cada pequeno pedaço de osso como um animal, sendo estes, vaca boi e cachorro, e as vezes, uma carroça.
Ali no cemitério de animais, era um local interessante de se estar, ver todos aqueles corpos abertos, seu interior para fora, de certa forma, me fazia aceitar a vida como ela era e ser grato pelo que tinha. Pegávamos os corpos menos apodrecidos, aqueles em que restavam apenas ossos e peles, e os desmembrávamos. Feito isso, voltávamos para a chácara de meu avô e limpávamos eles, depois os colocávamos para secar ao sol.
De volta à escola, estes ossos eram usados para bater nos bumbos, bater em si mesmo, e os esfregar em algo que emitisse som da forma que fosse, por fim, tentando fazer música com tudo isso. Lembro vagamente de me apresentar na escola com este projeto, mas a memória é curta e nublada demais para descrever, provavelmente pouco marcante já que obviamente não me recordo. Fiquei na banda escolar até o seu fim, antes de concluir o primário, a professora que nos dava aula foi desligada da escola, ou escolheu sair, o ponto é que acabei perdendo meu local de diversão e criatividade, meu laboratório e meus colegas de experimento. Já não tinha mais uma banda ou um grupo a pertencer, e novamente estava perdido, alheio e distraído a massa de pessoas que me rodilhavam.
Aquela professora não foi importante apenas por conta da banda, foi a melhor professora de artes que a escola e eu tivemos o prazer de ter, ou uma das mais dedicas a isso pelo menos. Ela realmente lutava para a escola possuir projetos artísticos que incentivassem os alunos a criar, como teatro, dança, música e artes plásticas. Era uma mulher alta e magra, loira e branca, com o cabelo descolorido acredito, sempre suspeitei pois era um loiro esbranquiçado. Uma ótima pessoa, nunca mais a reencontrei. Com ela fizemos mascaras de papel molhado em balões, mascaras de terror e mascaras de palhaço. Fizemos textos e peças teatrais, além de danças e dinâmicas aonde brincávamos e interagíamos uns com os outros. A banda em especial foi um momento maravilhoso que me apresentou o universo da música de forma aonde eu participasse, não apenas a ouvisse, algo que para mim, até então era novo, porem eu era muito distraído para manter o foco nisso e fazer algo com este talento recém desabrochado, logo tomei outros rumos e esqueci a música por muitos anos.
No fim nunca aprendi a tocar surdo.
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