Setembro Amarelo
-- Eu sei que você me ama. Acho mesmo que acredita realmente no que diz. Mas você já tentou olhar além dos meus olhos x, cabelo y, pele z? Já experimentou ver além desta camada de carne, de carbono, de gelo ou de silício? Existir dói. Nem sempre quero esse corpo, esse rosto, essa vida. Nem sempre quero estar consciente do que está à minha volta, porque dói. Você acha que eu não quero um interruptor que me desligue do mundo? Mesmo se eu achasse, ele não desligaria. Ainda haveriam tantas as inseguranças. Ainda haveria minha saúde cada vez pior. Ainda haveria minha mente quase dissossiando e pondo em risco a integridade física do meu corpo.
A partir daí tudo silenciou. A voz petrificou e não pôde mais voar. Um trovão revelou o abismo claro. Ele tentou suportar aquela aflição entre suas mãos, na região onde as palavras não tinham mais significado.
Os sinos soaram a hora última e os dois se deram as mãos, subindo lentamente as escadas até o ponto mais alto da torre. A cidade se reduzia a miniaturas sob seus pés. Todos os dias corriqueiros e vulgares agora se tornavam pequenos, frágeis e distantes.
Eles tiraram seus sapatos e deram um único salto. Suas asas cobriram a noite antiga.
As estrelas puderam nascer.
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Viajantes
Sensação de perda, um espaço vazio...
O meu presente menos brando
que os que deixei ausentes
viajando satisfeitos entre a feliz realidade
e os sonhos presentes.
Razão de anseios inconsequentes,
inconscientes,
incoerentes.
Sorriso gritante que beira o surdo instante de cor
até se deixar cegar de pânico.
Não temo a morte,
só não desejo sentir dor.
Já ouvi o sussurro do medo
e me senti ferir sozinha...
Como quem acorda, olha para a noite
e se deixa partir,
e se permite esquecer.
Clarice Shaw
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olá, sejam todos bem-vindos! este é o projeto #espalhepoesias. um projeto criado e administrado por três escritores aqui do tumblr, tendo como intuito principal, ajudar na divulgação/disseminação de textos, poemas e poesias de novos talentos desta arte.
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carinhosamente, a equipe do espalhe poesias.
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A Menina do Espelho
Ela me guarda no segredo de seus olhos e eu entro em pânico. Cai no precipício das minhas horas vazias. Dispersa-se. Escuridão. Eu sou o abismo de sua cor, e ela é cinza.
Relampeja e em seu estrondo de amplidão implodo. Pedaços cortados por todos os lados renascendo em erros antigos, imperdoáveis.
Fantasmas de sombra e escuridão.
Ela me guarda em seus olhos de precipício. Ela é o segredo do meu terror. Ela é tudo o que restou inteiro e se preserva no infinito de minhas trevas.
Eu te sinto morrer e morro junto.
A parte que ficou em você e se perdeu pra sempre.
Quem disse que quero sobreviver?
Quem disse que tenho que ser forte?
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Recorrência
Não sei de onde venho,
que idade tenho
só sei da carne morta
a torturar minha sombra
e dos três dedos que me tratam
e sorriem
e não desejam minha partida.
Devoro eras antigas
com as mãos ainda cruas
(as estrelas se desfizeram
na febre manca).
Os pés de plástico afundam na areia clara,
na areia-tempo
e ampulheta
a escoar a superfície inconsistente.
Quem é só deste mundo não pode ver
do quanto sou
enquanto estou
aqui.
Clarice Shaw.
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Ele tem a profundidade de uma poça de lama
e eu perco para sempre minhas pérolas.
Sou o próprio abismo que se olha de volta
sobre a poça não-reflexiva,
envolta em sujeira sem cor
na indefinição de quem não se conhece de cor.
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Caos
Inimigo azul
de mar bravio
composto de tempestades desarmadas
escorre pelo meu corpo indolor.
Inimigo água
de desaguar intenso
de intolerância vil
na transbordante margem,
me sangre noite
até o romper do dia,
me quebre em passos
até o nunca mais.
Clarice Shaw
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Mar Remoto
Atrás da linha submersa da noite
- onde o infinito velado no mar
abraça o infinito inexaurível do céu -
abriga-se algo restrito
em sonho ou pensamento disperso
nas lembranças que se mantém esquecidas.
Superfície além de qualquer toque,
imensidão que não se contém.
Talvez algo em mim vague
em meio a estas sombras incautas,
num tempo e espaço guardados
longe de tudo que pretendo agora ser.
Algo que se deixa preencher
silente em seu próprio vazio,
que se cobre no som da eternidade
imerso nas sincopadas vagas
e se desprende
na profundidade efêmera da espuma.
Clarice Shaw
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Sobrevida
Conheço o som dos teus passos
que passam por ruas sombrias,
por casas vazias
por onde não ando.
Conheço a sonolência muda da noite
que se guarda em ti.
Conheço a esperança dessas frases
que se escondem no silêncio,
se principiam e metamorfoses
e morrem na própria incoerência.
Conheço-me
quando te vejo partir.
Eis diante do tempo a minha dor
imensa,
imutável.
Eis a minha dormência, inelutável.
Conheço a tua chegada
quando não tenho mais nada
diante de mim
(e assim recomeço do fim).
Dou-te meus sonhos
profanos, ocultos.
Dou-te as pegadas
deste reconhecido vulto.
Dou-te o sangue
de quem um dia foi forte.
Dou-te as lágrimas
de quem sobreviveu às tuas mortes.
Clarice Shaw.
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Não espere de mim a palavra última.
Não espere que eu role por vontade própria até o abismo.
Meus dedos não foram feitos para apagar a luz,
nem meus pés para conhecerem o chão,
nem meus pulsos para serem cortados.
Posso lhe mostrar milhões de rostos que não serão meus
e eu me perderei em cada um deles sem saber
e não poderei me reconhecer, e nem te ver através da névoa da minha confusão
porque a dor agride minha alma de milhares de modos
porque os fragmentos todos se perderam num único medo de prosseguir.
E quando eu não tinha rastros,
e quando eu não tinha forma,
e quando eu não tinha palavras... era só seu desejo,
era só um sonho suspenso, errando em cumprir-se,
era só um destino inebriado de estrelas,
pronto para a expansão.
Não leve de mim seus passos até o poente
não carregue teus olhos abrigo antes que possamos nos salvar.
Antes que a carne se profane a qualquer preço,
não leve de mim teu abraço de paraíso...
Porque teu corpo todo é feito de sol,
porque sem ti não há nada para germinar,
porque etérea é a brisa que exala de teus sentidos
porque as trevas retornam quando o mundo está distante de ti.
Feche a porta e comungue com o infinito
e seja uma incerteza a realizar-se em um beijo,
a realidade a despertar após o pesadelo.
Aprenderemos a voar depois da queda?
Ou procurarás por si sua própria nuvem evanescente
antes que o tempo e o espaço retornem à vida?
Clarice Shaw
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Supernova
Pulso desfigurante de estrela decadente
desgastada atrás dos sete céus.
Estrela partida e agonizante
que quebra todas as asas que queriam voar.
Estrela atemporal
do descompasso descompassando no descompassado.
Se anunciasses primavera
e não o pós-crepúsculo em que se lanças.
Se te sobrevivessem os caminhos
ou eles próprios se soubessem sem se enganar.
Se da tua velocidade desesperada
não escapasse Júpiter
e não te levasse para longe das outras esferas cantantes.
Dance tua queda com outras músicas
relampejantes,
desprenda-se das vias
lácteas...
Caia dos teus mundos,
estrela suicida,
reinventa nova chuva de ferro e gelo,
outra forma, diferente do carbono,
gerada do teu próprio cerne
para, do outro lado de ti,
poder ressurgir do teu próprio pó.
Clarice Shaw
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Os dois caminhos
O céu e o abismo se olham intimamente
dos dois lados de um mesmo caminho.
O céu e o abismo se olham para meus lados opostos.
Meu pulsar atômico corre através de distâncias astronômicas,
minha efêmera proximidade vilipendia o infinito.
Nada está aqui.
O Nada está aqui.
O céu e o abismo se enxergam
e eu colapso meus estados dentro deles.
Eles me levam para todos os lados...
na velocidade uniforme da luz,
na presença disforme da escuridão.
E caio diante deles
e deixo minhas forças fugirem para um lugar maior.
Clarice Shaw
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Do Lado de Fora
Do lado de fora
tudo é infinito sem estrelas
e sem morada
porque tudo é um só
e não há mais para onde fugir
e não há mais porque fugir
e não há mais o que se possa ser
ou o que se possa ter.
E eu não tenho nada.
Mentira, eu tenho medo.
Do lado de fora
tudo é vazio e sem estrelas
porque não há mais nada
e as constelações se dissolveram
enquanto você se expandia.
Porque não posso mais partir
nem tocar na face
que me olha do espelho.
Porque não posso mais partir
sem me espelhar
no que está lá fora.
Porque não consigo escapar.
Por que não consigo escapar?
Para que o infinito
se as estrelas se foram?
A morte agoniza
e me beija seus caminhos.
Do lado de fora
é tudo infinito
e tudo é um só
e tudo está sozinho.
Clarice Shaw
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Nau Frágil
Você mergulha
abaixo dos limites
da minha superfície
nos meus abismos cerrados
onde não posso te tocar.
Você mergulha
condensando-me em memória,
condenando-me.
Você mergulha
nas profundidades
de dentro e de fora de mim.
E eu, na armadilha do teu oceano
sem querer emergir.
Clarice Shaw
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Favos de Mel
Olhinhos doces
de menino triste
como se fosse
o pesar que assiste
da minha alma
que ainda insiste
em ter a calma
que a lembrança inventa
em dar a palma
ao que não se sustenta.
Quis ter a posse
do que em ti me tenta
menino doce
de olhinhos tristes!
Clarice Shaw
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Diáfana
Pousei meu sonho
sobre meus planos
e a realidade sobre o presente.
Fui nuvem
e desbotei os tons nascentes.
Guardei um pedaço
do teu espaço
e a ausência que me trouxestes.
Fui nuvem
e efemerizei a monotonia celeste.
Cantei ao fim
(abismo em mim),
enfrentei o sangue do poente.
Fui nuvem
e chorei umidades recentes.
Confundi, nas extensões aéreas,
visão e pensamento...
Guiei o vento...
Discernimento!
Acenei a minha partida
com mãos que não pudestes tocar...
Transpus o mar...
Não sei voltar!
Não restituí a minha forma
perdida nesta amplidão...
Passará, passarinho,
passarão...
Fui nuvem:
dissipei-me em minha própria solidão!
Clarice Shaw
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Quanticamente
Retoca o brilho da função
que se expande até o infinito
em azul transcendentalmente translúcido
que se normaliza num verde inconstante em teus olhos.
Generalize tua fala de mentira
em ilusões contínuas e indiscretas
como uma partícula livre,
nas condições de contorno da tua boca.
Calo o desejo em um valor
apenas esperado
confinado numa região classicamente proibida
sob a ação do potencial atrativo
de tua voz bem-comportada.
E, no espaço dos momenta,
enquanto disperso em coordenadas,
tua hermética pele hermitiana
reintegra a face imaginária que não te define
por não teres conjugado.
Degeneradas são as formas dos meus estados,
incomutáveis são os nossos operadores.
Estacionariamente fico submetida
a uma descontinuidade derivada da incerteza.
Permaneço no fundo de um poço potencial,
com resultados específicos para energia,
e me disfarço em barreira
sem possibilidades de tunelamento.
Porque tudo em você explode na expectativa,
porque onde nos tocarmos
não haverá mais solução.
Clarice Shaw
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