sideblog for my fanfictions. 19y.
Last active 60 minutes ago
Don't wanna be here? Send us removal request.
Text
to anyone missing my writing please know i am also missing my writing
18K notes
·
View notes
Text
Tô escrevendo o especial de 50k de leituras do Quidditch Chronicles e MEU DEUS Theseus sofre mais que jesus e ouve Mitski o dia inteiro
#Theseus scamander#fantastic beasts#animais fantásticos e onde habitam#Harry Potter fic#Harry Potter imagine#wattpad#Oliver wood
1 note
·
View note
Text
COMPLETAMENTE INJUSTO!!!!! não ter fanfics de True Blood (tanto em português quanto em inglês) já é a segunda vez que to assistindo e cadê as fics????
#true blood#sookie stackhouse#southern vampire mysteries#eric northman#bill compton#sam merlotte#x reader#true blood imagines
6 notes
·
View notes
Text
Sonhei com o Antônio Carrara hoje q ódio pq não tenho esse homem pra mim
5 notes
·
View notes
Text
𝗗𝗘 𝗠𝗔𝗜𝗦 𝗡𝗜𝗡𝗚𝗨𝗘́𝗠 ⇢ 𝟬 𝟬 𝟱
𝟬 𝟬 𝟰 ⇠
Ao final da noite, Cíntia se juntou ao grupo para conversar com outros amigos de Joel. Não tinha muito contato com os calouros do primeiro colégio, então trocou apenas palavras superficiais, mesmo que estivesse se sentindo extremamente incluída no grupo. Fabrício parecia quase aliviado de finalmente ver os dois juntos, mas recebeu um sinal de Joel para que não fizesse qualquer brincadeira ou comentário sobre a situação. Estavam de mãos dadas, perante todo o colégio, mas ela ainda afirmaria que eram "só amigos".
Quando Anita pediu para que todos se juntassem para uma foto, Cíntia deu um passo para o lado. Deveria mesmo aparecer na foto? Aquilo podia ser algo pessoal, para guardar de lembrança. Não faria sentido uma garota aleatória aparecer na foto. Sem dizer nada, Joel envolveu um braço em sua cintura para impedir que ela se afastasse mais e novamente a puxou para perto.
– Sorri – sussurrou em seu ouvido e sentiu-a arrepiar.
Um sorriso genuíno apareceu no rosto de Cíntia e suas bochechas queimaram. Ele envolveu ambos os braços em sua cintura e ela nunca se sentiu tão bem. Seu interior estava explodindo de emoção. Olhou para Joel e esse olhou para ela, exatamente no momento em que o mímico apertou o botão. A captura do momento gravou exatamente como estavam: completamente apaixonados.
Anita passou a se despedir dos amigos e, quando Joel percebeu isso, se aproximou dela.
– A gente pode ficar só até domingo? Vai ter a eliminação do Brasil na Copa e eu… – virou seu tronco para ver Cíntia, que sorriu sem entender o que estavam falando – eu só preciso sair com ela de novo, pela última vez, ou pela primeira, – voltou a encarar a amiga – e independente de como estiver o futuro, acabaram as viagens no tempo.
– Fechado – balançou a cabeça positivamente, dando um sorriso amigável e um soquinho na mão de Joel.
Dois dias depois, estavam novamente reunidos na casa de Douglas para assistir ao jogo. Quartas de final, os ânimos estavam a mil. Joel gritou exatamente, ou talvez mais, do que havia gritado da primeira vez que viu o jogo; seus amigos acompanharam os gritos, principalmente suplicando para que o Brasil pelo menos empatasse com a França depois deles terem feito um gol aos 57 minutos de jogo.
Quando não se recuperaram, Joel sofreu igual. Não sabia porque estava esperando algo diferente. Os humores baixaram em uma esfera fria e triste, quase em uma nuvem carregada no meio da sala de estar de Douglas. Ajudaram a arrumar a casa e foram embora, cada um em direção a sua própria casa.
Joel e Cíntia andavam lado a lado, indo para a mesma direção.
– Como você sabia? – ela perguntou.
– Quem sabe eu não subornei os jogadores para perderem, só pra conseguir te levar pra sair? – Joel arqueou a sobrancelha de maneira sugestiva.
Cíntia cerrou os olhos e deu um soquinho em seu braço, arrancando um "ai" dramático, como se tivesse o atingido de maneira muito mais forte do que na realidade. Quando o garoto sorriu, passou a sorrir também. Joel tinha esse ar sarcástico e fazia piadinhas que confundia Cíntia, mas era exatamente isso que a atraia nele; na verdade, a esse ponto, não tinha mais olhos para nenhuma outra pessoa. Ele era lindo, engraçado e fazia-a sentir como a única mulher do mundo. Nunca chegou a gostar de alguém assim. Ele só precisava existir para conquistá-la, para completá-la.
Parou de caminhar por um momento e Joel parou ao seu lado.
– O que você acha de a gente se beijar sem ser amigo? – falou séria, apreensiva, como se não tivessem assistido o jogo inteiro com a mão no cabelo dele e a dele na coxa dela.
– Tá me pedindo em namoro?
Joel não deixou de exibir um sorriso de canto, quase malicioso. Cíntia pensou em fazer piada e disfarçar a situação, com medo de ser vítima de deboche ou ficar mal falada por levar um fora, mas o sentimento ao seu peito era tão forte que não conseguia mais se segurar.
– Tô – respondeu.
– Então, eu aceito – disse, após fingir que estava pensando.
Cíntia mostrou a língua e voltou a caminhar. Ouviu um "epa, epa, onde pensa que vai?" antes que Joel puxasse seu braço pelo pulso e seus pés se cruzassem à frente, de modo que quase caísse no colo de seu novo namorado. Seu corpo estava próximo do dele e os rostos mais ainda. Com as mãos dadas, iniciaram um beijo profundo e significativo. Não era obsceno ou regado por desejo, mas amoroso. Estavam namorando, finalmente.
Joel respirou fundo antes de entrar no restaurante. Era bonito, diferente de outros que haviam ido. Ficava ao segundo andar de um prédio histórico da cidade, de frente para uma praça linda, arredondada, um dos verdadeiros ícones arquitetônicos da capital. O verde parecia mais verde, principalmente por causa do céu azul e da incidência do sol nas plantas. Pegaram uma mesa do lado de fora, mas ainda na parte sombreada, justamente para observarem a vista. 2 lugares.
Cíntia já estava sentada, mas se levantou para cumprimentá-lo com um beijo na bochecha. Sentaram um de frente para o outro, antes de pedirem bebida e rapidamente olharem o cardápio. Quando a bebida chegou, já pediram o almoço. Trocaram conversa fiada sobre a semana, fizeram piada enquanto comiam e se comportaram como sempre, até que o riso de ambos cessou e se transformou em um silêncio desconfortável.
Se encararam por alguns segundos, sem desviar o olhar. Precisavam falar sobre aquilo, sobre o motivo do almoço. Cíntia abriu a boca, mas Joel foi mais rápido em sua fala.
– Desculpa por ter sido um babaca – disse.
Cíntia franziu as sobrancelhas sem acreditar no que estava ouvindo. Balançou a cabeça negativamente antes de levar sua mão para cima da mesa, posicionando-a em cima da dele.
– Você não foi. Acho que você só tentou lidar do seu jeito e eu tentei lidar do meu. Quando eu pedi um tempo, não foi porque estava arrependida do que a gente viveu ou porque não te amava mais. Eu amo, eu te amo muito. Eu só… você é meu melhor amigo, sempre vai ser, e eu só queria que nós dois pudéssemos ser…
– Felizes – ele completou e Cíntia afirmou com a cabeça.
Joel entendia. Não era por não terem sido felizes enquanto estavam juntos, mas pela possibilidade de serem felizes separados. Não podia tirar isso dela, não queria tirar isso dela.
Apertou um lábio contra o outro, ainda com o olhar contraído. Soltou o ar que segurava no pulmão e ficaram alguns segundos, que mais pareceram horas, se encarando; poderiam ficar ali por mais tempo ainda, simplesmente em silêncio. Em outra timeline, doeria demais continuar encarando-o ou ter uma simples conversa com Joel, não diria em voz alta que o amava, mas nessa tudo estava tão… bem.
Aos poucos, perceberem que o som do ambiente se moldou a uma música conhecida. O violão em seus acordes e a voz leve saindo do alto falante perto da mesa tocava "Eu sei que vou te amar" de Vinicius de Moraes, na voz de Maysa Matarazzo. Joel se levantou da cadeira e se colocou ao lado de Cíntia, esticando a mão de maneira convidativa.
– Levanta – pediu.
– Joel… – sussurrou, um pouco envergonhada com a situação.
Ele ergueu uma sobrancelha e Cíntia soltou um suspiro, sem acreditar que havia acabado de segurar sua mão e se levantar da cadeira. Não era possível que fosse fazer isso no meio do restaurante – mas era possível sim, já que Joel puxou seu corpo para perto, colocando uma mão em sua cintura e a outra na cabeça, posicionando-a em seu ombro. Se movimentaram lentamente, muito mais interessados no aconchego do que no ritmo da música.
– Você sabe que meu compositor favorito é o Vinicius de Moraes – sussurrou – desde o ensino médio.
Joel riu com o fundo da garganta, ela ainda se lembrava do poema… na verdade, jamais seria capaz de esquecê-lo. Naquele momento, se sentiam novamente com 17 anos, no início do relacionamento, e parecia que o tempo não havia passado de forma alguma. Quando Vinicius de Moraes passou a declamar o Soneta da Fidelidade, ao final da canção, disse:
"Que não seja imortal, posto que é chama,
Mas que seja infinito enquanto dure”
Joel sorriu levemente.
– Fomos infinitos enquanto duramos, não fomos? – disse, de maneira mais retórica do que interrogativa, à Cíntia, que começou a chorar. Tentou esconder as lágrimas no ombro do ex marido, molhando a manga da camiseta.
Se separaram alguns centímetros, para que conseguissem se olhar nos olhos.
– Eu quero que você viva, se encontre, que se veja tão maravilhosa quanto eu vejo e saiba que eu tô a um telefonema de distância – Joel disse, antes de dar um beijo em sua testa.
– Eu sempre vou te amar – respondeu, com os olhos fechados, sentindo o toque de sua pele.
Toda a situação era difícil de digerir, para ambos os lados, mas era necessário entender que a felicidade genuína é aproveitar cada momento junto como ele é, apenas viver os instantes no presente e entender que está tudo bem se as coisas acabarem, se foram boas enquanto viveram. O maior amor que Joel poderia oferecer naquele momento era respeitar as decisões de Cíntia, apoiar ela independente da situação. Terminar bem era melhor do que guardar ressentimento, entender que nenhum dos dois havia feito nada de errado, era apenas um processo da vida. Se Cíntia estivesse feliz, Joel se sentiria bem consigo mesmo; era sua única necessidade.
Não é um final de sessão da tarde, mas acaba sendo mais bonito que isso.
FIM.
3 notes
·
View notes
Text
𝗗𝗘 𝗠𝗔𝗜𝗦 𝗡𝗜𝗡𝗚𝗨𝗘́𝗠 ⇢ 𝟬 𝟬 𝟰
𝟬 𝟬 𝟯 ⇠ ⇢ 𝟬 𝟬 𝟱
Anita acordou com alguém batendo enfurecidamente em sua porta. Esteve no clube até altas horas da noite, porque estavam batendo na sua porta tão cedo? Mal conhecia as pessoas na Argentina, quem sabia onde ela estava morando? Era um cliente querendo as fotos? Quando abriu a porta, um rosto familiar apareceu e Anita o encarou, incrédula.
Seus lábios se partiram em choque, sem que conseguisse reagir. O que Joel estava fazendo na frente de sua porta? Não, com certeza aquela era uma bad trip da noite anterior. Antes de conseguir reagir e fechar a porta novamente, ele entrou furioso no apartamento. Estava igualmente nervoso com aquele encontro, mas vendo a situação da vida da amiga: apartamento bonito, trabalhando com o que gostava, ignorando todos os amigos, não pode deixar de sentir uma raiva genuína.
– Tá todo mundo fodido e você tá aqui? – vociferou, da maneira mais sincera possível. Suspirou. – A gente tem que voltar, Anita.
– Joel... – cerrou as sobrancelhas e balançou a cabeça negativamente.
– Você não sabe o inferno que eu passei até te encontrar.
Teve que realizar uma investigação intensiva até encontrar Anita. Ela não atendia telefone, não recebia os e-mails, não respondia cartas e a única maneira que ele sabia que não seria ignorado seria conversando pessoalmente. Teve que acompanhar sua agenda, seu nome no mundo da fotografia, quais dias estaria em Buenos Aires e exatamente onde morava. Trabalho árduo, mas ele faria isso quantas vezes fosse necessário, se isso significasse levá-la de volta à Imperatriz.
– Eu não aguento esse futuro – sua voz saiu quase como um sopro.
– Eu não mexo mais com viagem no tempo, Joel.
As olheiras em seus olhos haviam envelhecido-o por pelo menos 10 anos. Estava cansado, triste. Carregava esse peso nas costas de que jamais seria feliz novamente depois de tantos meses sem ver Anita, seu subconsciente já havia se conformado em viver naquela realidade tenebrosa. Todos estavam fodidos, mas Joel... sentia as consequências das viagens no tempo. Por que ninguém havia avisado sobre o funcionamento das timelines? Não era possível serem os únicos viajantes do Floguinho. Joel tinha medo de ter bagunçado tanto o tempo que jamais veria sua esposa novamente. Eles tinham estragado tudo.
– Nesse futuro, a Cíntia se matou – admitiu. – Foi há alguns anos, não tinha como eu ajudar. Quando eu acordei na kombi, ela já tinha...
Seu rosto se contorceu, tentando impedir que lágrimas se formassem nos olhos. Anita se aproximou do amigo e colocou uma mão em seu ombro, compadecida.
– Ela sempre teve depressão, mesmo na timeline original, tinha acompanhamento com psicóloga, tomava remédio mas alguns períodos eram piores que outros. A gente sempre se ajudou, eu sempre cuidei dela – respirou fundo e tampou parte do rosto com a mão, pensando no que falaria a seguir.
Era a primeira vez que contava detalhes sobre a separação para algum de seus amigos. Não falava sobre isso; não falava sobre como isso acabaria com qualquer casal, como segurar a mão da esposa na cama de hospital e levá-la para casa depois, sem trocar palavra alguma no carro, o pior sentimento que haviam passado.
– Ela tentou, você sabe – desviou o olhar e encolheu os ombros –, uma vez e depois disso ela nunca mais conseguiu me olhar nos olhos direito. Foi demais pra ela, demais pra mim. Ficava preocupado 24 horas por dia, tratei ela quase como uma criança mas... – suspirou – eu achei que íamos nos recuperar depois, sempre superamos tudo, mas ela foi embora e pediu o divórcio. E aqui eu não... eu não estava com ela, eu não pude ajudar.
Joel havia passado tanto tempo idealizando a vida perfeita, em que ainda estavam juntos e todos os problemas haviam sido superados que mal percebeu que o bom da vida simplesmente vivê-la. Queria que Cintia tivesse essa oportunidade. Não podia ser responsável por sua morte prematura, conseguiria viver assistindo sua vida de longe, através de stories de amigos, mas ela precisava estar ali, respirando o mesmo ar que ele.
– Eu amei ela mais que tudo, ainda amo, mas a dor é minha, de mais ninguém. Eu aceito isso. Não preciso que outros sofram por minha causa, porque eu não aguentei viver separado dela. Eu quero qualquer coisa, eu aceito morar na kombi e trabalhar como mascote pro resto da minha vida, desde que ela esteja viva.
– Joel, eu não posso.
– Não é só a minha vida que ta cagada, ou a da Cintia que não existe mais. Todos os seus amigos tão na merda – suspirou, quase se rendendo à possibilidade de que Anita se recusaria e teria que viver naquela timeline para sempre. – Se você não vai pra Imperatriz por mim ou pelos amigos que você tem lá, volta pra ver a sua casa. Sua mãe colocou a venda e com esse fundo imobiliário comprando tudo, vai saber o que vai acontecer.
Joel balançou a cabeça e respirou fundo. Não tinha mais o que falar e poderia fazer pouquíssimo, agora tudo estava nas mãos de Anita. Se virou para abrir a porta e ir embora, mas sentiu uma mão segurar seu pulso. Se encararam por um momento, os olhos dela atravessando a camada de lágrimas que havia se formado em seus olhos.
Estava decidido, voltariam para Imperatriz.
A viagem de cinco horas de avião, mais duas horas de ônibus se demonstrou de maior desgosto para Anita. Imperatriz se parecia mais com um grande lixão, com a fachada de grande parte da cidade anunciando "VENDE-SE", caçambas de lixo na frente das construções inacabadas e as pinturas completamente descascadas. Caminhões lotados de coisas, pessoas se mudando para fora de suas casas, o próprio IECET parecia vir de uma distopia, com um prédio totalmente abandonado e cheio de pichações.
Os habitantes estavam igualmente fodidos. Carol iria perder o emprego de professora de educação física após o fechamento da escola e tinha seu casamento indo de mal a pior, sequer conseguindo beijá-lo na boca ou se sentir intimista com ele nos últimos tempos. Joel teve que desviar o olhar quando percebeu isso, sentiu sua mão tremer e a única coisa que conseguia pensar naquele momento era o quanto queria que Cíntia estivesse ali para segurá-la.
Henrique estava trabalhando para o fundo imobiliário e tinha sua alma sugada todo dia pelo sistema, tendo abandonado completamente todos os seus sonhos e desejos para conseguir sobreviver. Fabrício e Luiza estavam casados, mas com o relacionamento tão falido que já nem se esforçaram em atuar como um casal feliz; odiavam um ao outro e faziam questão de demonstrar como se sentiam descontentes. Camila era uma ghostwriter, tendo que abrir mão de sua própria identidade para conseguir qualquer dinheiro ainda fazendo o que gostava.
Aquela era a pior realidade que Anita havia visto até o momento. Ao final da noite, foram parar na delegacia após vandalizarem propriedade privada, que acabaram descobrindo ser de Eduardo. O caderno roubado de Joel durante os jogos foi instrumento essencial para esse futuro desprazeroso: havia escrito todos os acontecimentos de 2006 a 2021, fazendo com que o inimigo pudesse fazer apostas e investir em áreas que não pensaria anteriormente. Agora, ele estava acabando com a cidade e com a vida de todos eles.
Quando Joel deu um soco no rosto de Eduardo, fazendo-o cair no chão com o forte impacto. Com essa pequena abertura, Anita saiu correndo em direção a sua casa, na procura de um computador para que conseguisse logar no floguinho.
Anita teria que lidar com a morte do pai novamente. Joel sabia disso e preferiu não se intrometer; estaria ali para o que a amiga precisasse, mas sabia que era algo que ela precisaria enfrentar sozinha. Mesmo durante o primeiro jogo da Copa Mundial de 2006, Anita não estava presente. Os amigos haviam chamado-a para ver se conseguia animar os ânimos, mas ela preferiu ficar em casa com sua mãe e sua irmã, assistindo o jogo em família.
Joel, Fabrício, Fernanda, Cíntia, Raquel e mais alguns colegas do terceiro ano se reuniram na casa de Douglas para assistir o primeiro jogo. A casa era enorme! Fizeram um churrasco e não havia quem não estivesse com uma garrafinha de bebida na mão – os pais do anfitrião fizeram vista grossa para isso já que todos os presentes já bebiam anteriormente e tinham pelo menos 17 anos.
Ficaram horas conversando ao redor da churrasqueira, tendo começado o encontro logo de manhã, considerando que as aulas do dia haviam sido canceladas em toda a cidade. O ar de dia de Copa, principalmente em 2006, era completamente diferente do futuro que Joel havia experienciado e a única coisa que passava por sua mente era agradecer por ter esses pequenos momentos.
Joel se ausentou do grupo para ir ao banheiro, na casinha perto da piscina. Quando a porta se abriu, deu de cara com Cintia, que estava utilizando-o antes do garoto aparecer. Se encararam por alguns segundos, reconhecendo pela primeira vez desde que havia encontrado-o no banheiro de que eles viviam em uma bolha de constante tensão. Ela levou a mão direita em direção ao cabelo de Joel, na tentativa de flertar o mais descaradamente possível. Estava na hora de tomar uma atitude!
– Eu achei que seu cabelo ficou bonito assim, quando parou de pentear pro lado – ela disse, passando a mão pela curvatura dos fios.
Joel foi pego de surpresa e não conseguiu impedir que sua boca se abrisse levemente, como se estivesse de queixo caído. Cíntia deu um sorriso sutil. Ele não precisava dizer nada, estavam conversando apenas por olhares – e nessa timeline, era a primeira vez que faziam isso. Por causa do seu encontro na rachadura do espaço-tempo, estava muito mais tranquilo com o andamento do relacionamento; queria apreciar cada momento, viver como se fosse o último e fazê-la feliz, apenas isso.
Quando Joel finalmente conseguiu pensar no que dizer, murmurinhos começaram ao fundo e se expandiram a um grito de Fabrício, indicando que o jogo iria começar. Tornaram seus troncos para encará-lo e perceberam que os gritos eram especificamente para os dois, mais longe dos outros integrantes do grupo.
– Eu preciso ir no banheiro – Joel disse, finalmente.
Cíntia sabia que aquele não era um fora, ou uma maneira rápida de sair da situação. Não se preocupou. Balançou a cabeça e deu um passo para o lado, permitindo que o garoto entrasse no banheiro. Em seguida, se juntou ao grupo já dentro da sala de estar.
– Só cuidado pra não derrubarem cerveja no sofá – Douglas avisou e os colegas riram, se mobilizando para dentro da casa.
Alguns se sentaram no chão e outros se espremeram em cima do sofá, que mesmo grande ainda não era capaz de acomodar aquele número de adolescentes. Cíntia se sentou mais ao meio, ao lado de Fabrício, mas esse se levantou quando viu Joel voltar do banheiro e recebeu um cutucão de Raquel, fazendo com que sentassem lado a lado. Fabrício e Raquel estudavam na mesma sala desde o ensino fundamental, mas foi apenas por causa de Cíntia e Joel que tiveram sua primeira verdadeira interação, em um esquema de "Operação Cupido".
Cíntia e Joel estavam tão perto; as pernas coladas uma na outra por causa do espaço do sofá, conseguaim até sentir o pelo dos braços um do outro. Às vezes se olhavam de canto de olho, mas não ousavam se afastar.
O time era incrível! Ronaldinho, Ronaldo Fenômeno, Cafu, Roberto Carlos e Kaká, com seu incrível gol contra a Croácia no primeiro jogo. Todos gritaram, vibraram e até levantaram de seus lugares para darem pulos de alegria. Ainda estavam assistindo a fase de grupos, mas não deixava de ser igualmente emocionante.
– Tá vendo? O Brasil vai ganhar – Cíntia falou, convencida.
– É, acho que vou acabar perdendo a aposta – Joel disse, suspirando com um balançar de cabeça. Tentou reprimir o sorriso que formava em seus lábios.
Também se reuniram na casa de Douglas para verem os outros jogos; sempre com bebida, comida e muito ânimo torcendo pelo time. E com o desempenho excepcional da seleção na fase de grupos e nas oitavas de final, até mesmo Joel começou a considerar que ganhariam o hexa naquele ano. Afinal, quem poderia afirmar que todas aquelas viagens no tempo não haviam causado um efeito borboleta extremo que levaria a França errar o gol? Esse era exatamente o princípio da teoria do caos.
Na quermesse, feita ao final do mês de junho, Cíntia estava com um vestido de caipirinha típico das festas juninas de Imperatriz. Havia dividido o cabelo em uma maria chiquinha e feito aquelas maquiagens com pontinhos na bochecha. Raquel estava sentada ao seu lado, vestida de noivinha, esperando Douglas aparecer para dançarem como um par na quadrilha, como escolhidos pelos outros alunos do terceirão.
– Que foi? – perguntou, percebendo o desânimo de Cíntia.
– Você acha que o Joel e a Anita tão saindo? Tô achando eles tão grudados... – desviou o olhar da amiga para os dois
– Ela sempre usa a mesma roupa, não parece? – Raquel comentou para tirar uma risada da amiga e deu certo. De fato, parecia que Anita só usava aquela camiseta de flanela vermelha e uma blusa cinza por baixo, com símbolo de qualquer banda.
Porém, o sorriso de Cíntia não durou muito e ela voltou a ter o semblante triste de antes. Tinha medo que o tempo de ação tivesse passado e ele já estivesse em outra. Justo agora que ela estava começando a entender seus próprios sentimentos? Mordeu a parte interna da bochecha e equilibrou o pé em cima do salto da bota, tentando se distrair em sua própria ansiedade.
Raquel não havia ouvido nada novo de Fabrício e, se Joel tivesse ficando com outra garota, seria uma das primeiras pessoas a saber.
– Por que você não toma uma atitude hoje? – Cíntia virou seu rosto assustada. Por que a amiga estava sugerindo isso?
– E se eu passar vergonha? Ele falar não...
– Você só vai saber se tentar.
Cíntia afirmou com a cabeça. Se levantou da mesa e rodou a festa algumas vezes, tentando criar coragem para chegar em Joel. Mas o que diria? "E aí, vamos beijar?", "Tô afim de você, o que vamos fazer quanto a isso?" ou simplesmente ficaria parada na sua frente sem conseguir responder? Quando respirou fundo e criou coragem, o seguiu até mais ou menos de trás do palco, antes de ouvir a Professora Beth gritar com ele sobre estar tentando trapacear o sorteio.
Joel não faria isso, com certeza não. Mas então o que estava fazendo? Cíntia apenas chegou a vê-lo novamente quando o sorteio do computador aconteceu – e o que Eduardo estava fazendo na escola? Não conseguia entender qual era a ligação com aquele caderno e porque ele, Anita e Joel saíram correndo pelas ruas, fora da festa, e seus amigos entraram em uma quase luta corporal contra os amigos de Eduardo.
Tudo aquilo era muito estranho. Não pude deixar de trocar um olhar arregalado com Raquel, rindo à distância. Se ela achava que sabia alguma coisa de Joel, com certeza não achava mais – mas sabia que Fabrício tinha a feição igualmente confusa, então aquilo era definitivamente uma novidade.
Em algum momento posterior, Joel havia voltado e jogado o caderno na fogueira. Estava conversando com Anita, mas não pareciam próximos de maneira romântica, apenas amigos... ou, pelo menos, Cintia esperava que fosse isso. Novamente respirou fundo e se encheu de toda a confiança que havia em seu corpo para abordá-los naquela situação. Deu uma acenada de cabeça para Anita e um sorriso, cumprimentando-a, então virou seu rosto na direção de Joel. Agora ou nunca, pensou.
– Eu tô cheia de curiosidade pra saber o que aconteceu, mas primeiro eu queria saber se você quer dançar quadrilha comigo – falou, decidida.
Mal piscava, esperando uma resposta. Ouviu Anita sussurrar um "vai lá!"antes de bater no ombro do amigo e empurrá-lo para fora da arquibancada. Joel sorriu e segurou na mão de Cíntia, arrastando-a para a pista de dança. Ambos exibiam um sorriso radiante no rosto.
Raquel e Douglas eram os primeiros da fila, puxando a quadrilha como os noivos. Alguns outros casais reconhecidos eram formados e outros um pouco inusitados também, mas todos se divertiam muito na dança e nas brincadeiras. Cíntia e Joel não conseguiam tirar os olhos um do outro, completamente entregues ao momento, aproveitando os braços dados e os sorrisos envergonhados que davam.
Depois do chilique dado pela Professora Beth e o depoimento motivacional apresentado pela irmã de Fabrício, a banda de Bruna, Henrique e Fagulha subiu ao palco para se apresentarem. Cíntia puxou Joel pelo braço para trás do prédio principal, antes de parar bruscamente numa área menos iluminada e colocá-lo de costas para a parede.
Para alguém que mal sabia se conseguiria chamar o garoto que gostava para dançar naquela noite, Cíntia estava se sentindo extremamente confiante naquele momento.
– Tá tudo bem se eu te beijar? – perguntou, olhando-o de baixo para cima com aquele olhar pidão que dava sempre que queria alguma coisa.
– Mais que bem – Joel respondeu, igualmente entusiasmado.
Joel, que por todos esses dias revivendo sua adolescência, teve pressa ao tentar adiantar seu relacionamento com Cíntia, sentiu que tudo se movia em câmera lenta naquele momento. A ansiedade de saber se o beijo vai ser bom, a sensação do toque na pele, o encontro dos lábios de quem ama e a eletricidade que se forma na movimentação dos corpos. Naquele momento, tinham todo o tempo do mundo. Todas as horas que Joel tinha eram dela, sempre foram; e, mesmo que não dessem certo no futuro, preferia percorrer aquele caminho apenas pela alegria de ser, de aproveitar aquele momento ao seu lado.
Se separaram com um sorriso no rosto. Cíntia mordeu o lábio inferior e passou o nariz pela bochecha de Joel, na mesma linguagem corporal que exibiria anos depois ao seu lado. Um riso fraco apareceu na garganta dele.
– Mas a gente é só amigo, viu? – Cíntia disse.
Ele envolveu sua mão por trás da nuca dela, fazendo com que ela jogasse a cabeça para trás. Não estava triste ou enraivecido pela ação de desconfiança, ela era jovem e tinha a maturidade de uma, de quem tem ressalvas quanto a relacionamentos e desconfia que a outra pessoa possa gostar verdadeiramente dela.
– Eu aceito ser "só seu amigo" – fez aspas com uma das mãos – se for desse jeito.
Cíntia sorriu e o beijou novamente. Estava feliz.
0 notes
Text
comecei a escrever o último capítulo e eu ainda não decidi :)
Pensando demais se eu vou fazer o final ser triste avassalador ou feliz…
2 notes
·
View notes
Text
𝗗𝗘 𝗠𝗔𝗜𝗦 𝗡𝗜𝗡𝗚𝗨𝗘́𝗠 ⇢ 𝟬 𝟬 𝟯
𝟬 𝟬 𝟮 ⇠ ⇢ 𝟬 𝟬 𝟰
O evento durou 3 dias, de quinta a domingo. Cíntia jogou vôlei, futsal, basquete e até conseguiu duas medalhas de prata na natação, nado livre e costas. Afinal, sem preparação alguma, quem conseguiria vencer no nado borboleta uma escola treinada com 12 anos de vitória consecutiva? Cíntia tinha certeza que a treinadora apenas havia inscrito-a para que não perdessem por desistência.
Queria que aquilo não tivesse afetado tanto sua auto estima. Sabia que era ótima em outros esportes e tinha conseguido prata contra outros oponentes que haviam treinado muito antes de sequer pensarem na competição. Um dos colégios tinha até um olheiro que escolhia alunos pro estadual! Não era um sistema tão meritocrático, Cíntia reconheceu isso, mas mesmo assim ficava cabisbaixa enquanto tomava banho e desembaraçar seu cabelo.
Nossa, seu cabelo! Deveria tê-lo trançado antes de ir para os jogos. Estava acostumada a seguir seu próprio cronograma capilar, levando horas entre o shampoo, máscara, condicionador, creme, gelatina e fitagem com a escova, mas se esqueceu que durante os jogos eram dezenas de alunos querendo utilizar o mesmo banheiro. Odiava deixar o cabelo preso, mas era o jeito. Fez tranças boxeadoras e esperou que aquilo fosse o suficiente até domingo à tarde, quando finalmente voltaria para casa.
Mal podia esperar os jogos de domingo. Estavam na final do handebol, a qual estava presente como reserva. Não fazia parte da equipe principal, mas havia sido chamada para aumentar o número de participantes, mesmo que ficasse apenas observando na maioria dos jogos.
O jogo contra o Betim Comid havia sido um dos mais fáceis da equipe. Contra o Santa Dorotéia, houveram alguns posicionamentos errados e desestabilidades emocionais causadas pela torcida da outra escola, o que fez Carol errar vários arremessos e ter que ser substituída por Cíntia. A equipe ganhou da mesma maneira, por 8 a 7. Um pouco de sorte, habilidade e principalmente aquele empurrãozinho final que foi Joel cantar com a torcida. Todos estavam precisando disso.
No período da noite, Cíntia e Raquel estavam conversando sentadas nas arquibancadas do pátio, perto daquele mini campo de futebol em que outras três pessoas estavam deitadas olhando as estrelas – se é que havia alguma no céu. De longe, conseguiram ouvir aquela risada específica e, ao virarem o rosto, encararam seu dono: Eduardo.
– Sentiram saudade, meninas? – perguntou, abrindo um sorriso.
Raquel revirou os olhos e se levantou, dando uma batidinha na calça para tirar o pouco de sujeira que havia grudado. Cíntia fez o mesmo e ambas desceram da arquibancada.
– Eu vou entrar – Raquel disse.
– Vou depois – respondeu, sem tirar os olhos do garoto.
Ao descer o último degrau da arquibancada, Eduardo lhe estendeu a mão para auxiliá-la. Cíntia aceitou e desceu, ficando definitivamente mais baixa que o ex colega de sala. Deu dois passos para o lado, indo mais para trás da arquibancada e ele a seguiu.
– Jogou bem hoje, depois que a Carol deu aquele piti – ela revirou os olhos.
– Você calado é um poeta.
– Você sabe como me calar – arqueou as sobrancelhas sugestivamente e deu um sorriso malicioso.
Cíntia se manteve parada, de braços cruzados, ao vê-lo se aproximar, deixando-a com as costas colada no ferro da arquibancada.
– Eu te acho insuportável.
– Eu nem estudo mais aqui, você não vai ter mais que me ver depois dos jogos – ele respondeu, porque sabia o que falavam dele na escola.
Se ela quisesse ceder ao momento, beijar um cara gatinho, ele estava dando todas as argumentações corretas; não o veria mais depois do próximo jogo e ninguém ia ficar sabendo que haviam beijado ali atrás. Cíntia tombou a cabeça, fazendo um charme e mordendo o lábio inferior, antes de dar um sinal afirmativo com a cabeça, para que ele se abaixasse.
Antes que conseguissem se aproximar mais, uma luz forte bateu em seus rostos e os gritos estridentes da Professora Beth foram ouvidos, fazendo ambos espremerem os olhos antes de se dispersarem, cada um para um lado. Joel estava esperando não muito longe dali, sendo ele o responsável por avisar Professora Beth de que dois alunos estavam ficando atrás das arquibancadas – apenas esperava ter chegado a tempo de impedir os acontecimentos.
Quando viu Cíntia passar ao seu lado, engatou seu braço no dela, acompanhando seu andar.
– Você não ficou com ele, né? – perguntou.
– Com quem?
– Ora essa, "com quem"? – repetiu de maneira sarcástica e a encarou frente a frente. – Você não pode ficar com o Eduardo.
– Por que não? – franziu a sobrancelha. – Pera, como você sabe disso? Você tava me espionando? – desentrelaçou os braços e deu um passo para o lado. Seus olhos se arregalaram levemente, como se tivesse tido um insight, e depois os comprimiu novamente. – Foi você que falou pra Beth interromper a gente?
– Eu estou tentando cuidar de você, do seu futuro. Me escuta, ficar com ele ia ser um erro terrível e você ia se arrepender disso quando olhasse pra trás.
– Eu não preciso que você cuide de mim, Joel! Para de falar como se fosse meu pai – ordenou com a voz levemente agressiva.
Quem Joel pensava que era para determinar o que ela podia ou não fazer? O que era aquilo? Ciúmes? Eram amigos, só isso. Não podia tratá-la como uma concha vazia que não detêm vontades e desejos próprios.
– Boa noite – respondeu, séria, antes de caminhar para dentro do prédio.
Deixou-o sozinho, pensando naquele "boa noite". Estava com um tom tão monótono quanto da última vez que conversaram ao telefone tarde da noite, quando ele pediu para que ela contasse sobre seu dia. Pelo menos, dessa vez, havia se despedido, mesmo que com um olhar de desgosto no rosto.
Já no quarto, depois de colocar seu pijama, se enfiou no meio de suas cobertas no colchão ao lado de Raquel, que abaixou o livro que estava lendo apenas para ouvir o drama da amiga. Contou sobre os acontecimentos desde que Raquel havia saído da arquibancada e esta ouviu tudo calada, pois sabia que sua opinião seria certeira.
– Eu nem queria tanto ficar com o Eduardo, mas o Joel... sei lá. Por que ele – Cíntia enfiou o rosto no travesseiro e apenas alguns grunhidos saíram.
– Você gosta dele, sabe que ele gosta de você e não se decide – a fala de Raquel fez com que a outra virasse seu rosto para encará-la, apoiada no travesseiro.– A única pessoa que tá empacando algo é você.
– Eu não sei disso – respondeu de maneira manhosa, desviando o olhar.
– Você guardou todos os poemas que ele te escreveu – Cíntia não respondeu, se sentia um pouco envergonhada de ter essas informações sendo jogadas na sua cara. – E aceitou sair com ele caso o Brasil perdesse na Copa.
– Não vamos perder – respondeu, na defensiva.
– Mas você pensou sobre como seria sair com ele e não achou negativo, você aceitou sem pensar muito – ficou em silencio por um momento, ponderando se continuaria seu argumento. – Você sabe que o Eduardo não presta e mata ele todas as vezes que brincamos de "casa, beija ou mata". Não acha que pensou em ficar com ele porque não quer admitir que pode estar gostando de verdade de outra pessoa?
– Acho melhor a gente dormir, tem jogo amanhã – Cíntia disse, antes de virar para o lado contrário da amiga e se cobrir com o lençol até a cabeça.
– Você adora se autossabotar e odeia quando eu tô certa – Raquel disse, por fim, convencida.
Ela estava certa, quase sempre estava. Por que era tão difícil para Cíntia admitir que realmente gostava dele? Que não estava entendendo a situação de maneira equivocada? Preferia não pensar muito, empurrava para baixo do tapete, tratava pessoas boas de forma negativa para que saíssem de sua vida e pudesse culpar só a si mesma e continuar num eterno sofrimento. Era jovem e, como jovem, tinha tantos problemas de identidade e autoestima que as vezes se cegava inconscientemente, sem acreditar que merecia coisas boas – como um relacionamento com o garoto que adorava. Cíntia tinha seus problemas, todos mundo tem.
Precisava descansar, tinha um jogo no dia seguinte.
E que jogaço! Carol demonstrou sua pontaria deslumbrante ao arremessar uma bola na cara de Eduardo, que estava zuando-na por ter levado uma camisinha para os jogos. Porém, em seguida, foi expulsa da quadra e imediatamente substituída pela estudante estrangeira que ninguém sabia dizer o nome direito. Cíntia estava sentada no banco de reservas rindo quando viu Eduardo sair da torcida com seus dois duendes seguidores – não sabia seus nomes e não queria saber. Cruzaram olhares e as feições do garoto mudaram de raiva para uma completa humilhação, o que fez com que ela parasse de rir e voltasse a encarar o jogo.
Eduardo seguiu para o banheiro, queria que seus amigos parassem de falar para que pudesse sofrer um pouco em paz. Ele se odiava e queria que outros se odiassem também; sabia que não era boa pessoa, mas ainda tinha sentimentos.
– Já falei que nem doeu, mano – respondeu para os garotos insistentes, que perguntavam várias vezes se ele estava bem.
Quando viu Joel no reflexo do espelho, sabia quem seria o próximo alvo de sua ira. Estava com a roupa de mascote na metade e uma língua afiadíssima, seria melhor se tivesse ficado quieto.
– Ih o valentão apanhou? Será que agora cê aprende? – riu.
A face sarcástica de Joel se converteu em apreensão quando sentiu a mão de Eduardo engatar em sua nuca, aproximando o rosto dos dois. Sempre havia olhado para cima quando precisava falar com Eduardo, mas agora a situação era muito mais desesperante, com a mão do outro puxando-o para baixo e mais perto, ao mesmo tempo. Uma tentativa juvenil de mostrar dominância, mas ainda extremamente eficaz.
– Eu não aprendo – sussurrou com a mandíbula fechada e socou o garoto no estômago.
Joel caiu no chão em posição fetal pela dor, se contorcendo no chão na tentativa de se proteger fisicamente e impedir que os amigos de Eduardo tirassem sua roupa. Pediu para que "Edu", apelido que não usava a meses, parasse de olhar seu caderno e deixasse tudo dentro de sua mochila – o que, na verdade, ele sabia que eram pedidos em vão. Eduardo se aproximou do corpo esticado de Joel no chão, agora com a mochila que continha seus cadernos e roupas na mão.
Eduardo pensou que Joel merecia. Sim, merecia. Sempre que ele curtia de alguém, Joel estragava tudo; havia ouvido sua conversa com Cíntia na noite anterior, sabia que era ele que havia empacado a ficada entre os dois. Quando estava saindo com Fernanda, foi ele que contou sobre o caso com Carol e o plano de Fabrício e Anita. Ele também merecia alguém – mesmo que fosse um merda, merecia alguém. Além disso, havia abandonado-o. Fabricio e Joel haviam deixado-o sozinho depois que foi expulso. Ninguém o ajudou.
– Quem ri por último, ri melhor. Otário – falou, antes de desferir um chute no estômago de Joel.
Novamente voltou para a posição fetal, sendo deixado no chão do banheiro totalmente humilhado. Sentiu o gelado do piso e respirou fundo, pensando que pelo menos havia ido de samba canção ao invés de usar uma cueca apertada. O que faria em seguida? Não podia sair pela escola praticamente pelado, esse com certeza seria o novo pior dia da sua vida.
Quando o jogo terminou, todos comemoraram juntos, pulando na quadra, mas um pensamento não deixou de passar pela cabeça de Cíntia: onde estava Joel? Correu os olhos pela fanfarra, pelos grupos na arquibancada e em nenhum lugar encontrava o mascote felpudo que até o momento desconhecia o animal. Pensou um pouco e não se recordou de tê-lo visto durante o jogo.
A última vez que havia falado com Joel, ele estava indo ao banheiro se trocar. Cíntia pensou que isso já fazia muito tempo para que estivesse no mesmo lugar, mas não sabia outro lugar para começar a procurar – e por sorte começou por lá, já que encontrou Joel apenas de samba canção andando de um lado para o outro.
– Joel?
– Meu deus, que bom que você apareceu! – em um impulso rápido, abraçou a amiga. Cíntia ficou parada, um tanto surpresa com a situação.
– O que aconteceu? – deu um passo para trás, tentando ter um panorama maior para compreender a situação.
– Eles levaram minha bolsa e minhas roupas.
– Quem?
– Eduardo e os amigos dele.
Cíntia tentou manter-se séria para não encarar o corpo semi-nu de Joel, mas não pôde deixar de reparar a vermelhidão na sua barriga que provavelmente se desenvolveria em um grande hematoma na manhã seguinte. Joel percebeu o que ela estava encarando e tentou se esconder com a mão.
– Foi ele que fez isso?
– Eu disse que ele era má pessoa...
Cíntia piscou algumas vezes antes de afirmar com a cabeça, em movimentos curtos. Ainda estava em um estado de choque com o acontecimento; sabia que Eduardo não era flor que se cheirasse, mas não imaginava que desceria ao nível de agressão. Se aproximou de Joel e o abraçou novamente, por um segundo, deixando que acariciasse seu pescoço.
– Eu vou pegar uma roupa pra você – sussurrou.
Aos poucos, Joel parou de sentir seu toque. Tentou movimentar seu corpo em busca de sua mão; estava vulnerável e queria carinho, ela estava dando carinho… até não estar mais. A luminosidade ressonante do ambiente fez com que Joel tivesse dificuldade para continuar de olhos fechados. Onde estava? Parecia estar com um flash em seu rosto ou lanternas super potentes apontadas para si. Abriu os olhos lentamente ao seu acostumar com a luz local, observando primeiramente o vazio que o cercava.
Estava deitado em uma cama, conseguia senti-la fofa embaixado de seu corpo. Olhando para frente, também percebeu uma televisão em cima do móvel de madeira planejado. O chão era de taco claro e não tinha marcas de arranhões; no canto, uma caminha de cachorro com brinquedos espalhados e uma coberta totalmente mordida e babada. Estava no seu quarto, na cobertura? Não era real, parecendo que estava cercado por uma ilha de luz em um enorme vazio, mas era uma imitação perfeita de sua casa.
Se sentou na borda da cama e suspirou. Que lugar era aquele? Por que estava ali? Quando sentiu o outro lado da cama desnivelar com a mudança de peso, se virou para encarar quem tivesse aparecido ali.
Era ela. Cíntia. Havia passado tanto tempo interagindo com ela adolescente e estava sem vê-la desde o divórcio que sentiu-se encarando um fantasma. Era uma alucinação? Levou sua mão até a bochecha da amada, passou a outra pelos seus cabelos enquanto tomava cuidado para não desmanchar o penteado. Conseguia tocá-la, sentia sua pele na dele – e a quanto tempo não fazia isso!
– É você de verdade? – ela deu de ombros, sorrindo. – Como eu interpreto isso?
– Como você quiser.
– É a minha última vez viajando no tempo?
– Não sei. Vai ser?
– Por que você não me responde com "sim", "não"? Sabe, coisas mais objetivas.
– Tem realmente algo objetivo em tudo isso?
Joel se levantou da cama. Deu uma volta em volta da cama, antes de parar na frente da cômoda da televisão. Abriu uma das gavetas, vendo exatamente todos os itens de vestimenta que costumava guardar ali. Haviam dividido: o guarda roupa era dela, a cômoda dele. Tudo estava perfeito, exatamente como era antes.
– Isso é um buraco de minhoca? Ou eu morri? A Anita nunca disse que eu corria risco de vida viajando no tempo – sua expressão era de estranheza, as sobrancelhas juntas de confusão.
Cíntia se levantou da cama e foi até Joel. Envolveu os braços ao redor de sua cintura e levou seu corpo para perto do dele, apoiando a cabeça em suas costas.
– Você é tão lindo – sussurrou e Joel teve que respirar fundo com o ato , era exatamente o que costumavam ficar. – Eu nunca quis que fossemos infelizes para sempre.
O comentário o pegou desprevenido. Soltou um suspiro de dor e seu rosto se contorceu junto, o retirando do abraço para que pudesse encará-la frente a frente. Cíntia permanecia calma, com o olhar aberto e brilhante, completamente ao contrário de seu ex marido, que suplicava por qualquer piedade.
– O que eu tenho que fazer pra gente ficar junto? – perguntou, passando a palma das mãos pelo braço da amada, em um gesto de carinho.
– Você sabe que essa não é a pergunta.
– E qual a pergunta? – franziu o cenho, se abaixando para ficarem na mesma altura.
Cíntia tombou a cabeça para o lado direito e foi sua vez de passar a mão pela bochecha de Joel. Acompanhou com os dedos a extensão de sua barba, o desenho de sua orelha, passou a unha pela carótida e o sentiu arrepiar pela ação. Joel fechou os olhos, aproveitando o toque recebido. Poderia ficar ali para sempre.
– O fato de não ficarmos juntos em outras timelines significa que aquelas em que ficamos são mais especiais ainda – respondeu ainda de olhos fechados. Essa não era a pergunta ou a resposta referenciada pela amada, mas precisava dizer isso a ela.. – Eu não vou desistir dessas timelines especiais.
Cíntia deu um sorriso triste.
– Se você me despir de quem eu sou, ainda continua sendo eu? – tombou a cabeça para o lado contrário. – Talvez nem tudo seja sobre você.
Não havia parado para pensar sobre como havia tirado todas as memórias favoritas que ela tinha sobre o casal. Só porque não haviam dado certo, a história que tiveram não tinha sido importante? Ficaram juntos por tanto tempo e grande parte da linguagem do casal havia sido moldada por isso. Acabar com suas felicidades compartilhadas, criadas de maneira genuína, era uma justificativa plena para permanecerem juntos?
Cíntia se aproximou de Joel e selou seus lábios nos dele. Foi leve, macio e tinha gosto daquele gloss de morango que ela usava para hidratar a boca. Percebeu o piscar de luminosidade à sua volta e, quando abriu os olhos, percebeu que estava novamente dentro daquela kombi toda cagada. Soltou um grito de raiva e bateu no volante, ativando a buzina e fazendo todos os pombos da rua voarem assustados.
Anita havia resolvido voltar justo naquela hora? E sem avisar Joel? Ainda estava morando naquela kombi horrível e, ao olhar para o lado, percebeu a fantasia de mascote que esperava para ser usada. Sacou o celular do bolso, como havia feito da última vez e procurou por "Amor", sem resultados; buscar "Cíntia" nos contatos e no whatsapp também não surtiu o efeito desejado. Precisava saber o que havia acontecido com ele nos últimos anos, com Cíntia, Anita e todos os seus amigos.
2 notes
·
View notes
Text
𝗗𝗘 𝗠𝗔𝗜𝗦 𝗡𝗜𝗡𝗚𝗨𝗘́𝗠 ⇢ 𝟬 𝟬 𝟮
𝟬 𝟬 𝟭 ⇠ ⇢ 𝟬 𝟬 𝟯
Joel e Anita combinaram de postar uma foto no Floguinho naquela mesma tarde, fazendo com que ambos aparecessem em 2021 instantes depois.
– QUE MERDA! – Joel gritou, dentro de uma kombi.
Que porra era aquela? Aquele era seu carro? Olhou pelo retrovisor interno da kombi e percebeu o quão lotada estava; desfez o cinto e virou o tronco para trás, encarando as mais diferentes roupas jogadas e peças de casa que poderiam caber dentro do local. Estava morando dentro daquela kombi? NÃO. Onde estava a cobertura? Sua IPA? Bono? Prendeu a respiração e procurou nos bolsos pelo celular.
Pesquisou por "Amor" no aplicativo de chamadas, mas nenhum nome apareceu. Tentou mudar a pesquisa para "Cíntia" e, novamente, nada. Bateu o pé algumas vezes no piso do carro, sussurrando "pensa, pensa" para si mesmo. O que não estava vendo? Abriu o Whatsapp e procurou pelo nome, percebendo que tinha uma conversa com a garota, mas sem o contato salvo.
Em que realidade catastrófica eles estavam tão mal que ao menos tinham o contato um do outro? Por que o DDD era 31? Ela morava em Belo Horizonte? Que merda era aquela, sempre moraram juntos em São Paulo.
+55 (31) 99*******: Joel, a gente pode conversar?
+55 (31) 99*******: Por favor
Joel: você é casada
Joel: a gente não deveria ter transado
Joel: esquece disso e não me manda mais mensagem
+55 (31) 99*******: Foi você que veio atrás de mim
+55 (31) 99*******: Quer saber, vai se fuder
Os olhos de Joel se arregalaram. A conversa inteira tinha 7 mensagens e datava de um ano antes; nenhuma outra contribuição havia sido feita ou, se tinha, havia sido excluída. Ele pediu para que ela não mandasse mais mensagem e ela respeitou seu pedido. Mas que porra era aquela? Seu estômago embrulhou, ela estava casada com outra pessoa. Ele era amante? Não, nem mesmo tinha aceitado aquela posição. Foi só uma vez.
Essa realidade era pior que a outra. Passou a mão no rosto e dirigiu em direção a sua antiga cobertura. Morava no mesmo prédio de Anita. Ela ainda estaria lá? Precisavam voltar ao passado e resolver tudo aquilo. Quando estacionou, a amiga estava descendo as escadas.
– Pode me explicar o que tá acontecendo? – pediu pelo vidro aberto.
Anita não perdeu tempo antes de abrir a porta do passageiro e entrar na kombi, mandando ele sair dirigindo. Colocou o cinto de segurança enquanto Joel ligava o carro. Aquilo tudo parecia um pesadelo.
– Que merda é essa, Anita? Eu acordei dentro dessa kombi toda cagada e a Cíntia tá casada com outra pessoa – tentou dar de ombros, mas sem tirar as mãos do volante.
– Acontece que você mudou o presente – bufou antes de mostrar que seu dedo anelar ostentava um anel maravilhoso – e eu vou casar com o Fabrício. Bem vindo à nova realidade!
– Eu que mando poema e você que casa? – comentou sarcástico antes de rir de nervoso.
O rosto de Joel se contorceu em dor, mais psicológica mas igualmente física. Tinha um cansaço inato que carregava desde o divórcio e saber que sua mulher estava casada com outra pessoa na realidade que ele havia alterado para conquistá-la, talvez fosse demais para ele.
Para piorar, agora ele morava em uma kombi.
– Você falou que ia arrumar tudo – reclamou.
– Eu achei que ia… – Anita tentou se defender e tirou o celular do bolso.
Começou a passar as imagens do Instagram, procurando qualquer novidade sobre seus amigos. Henrique estava em uma banda de rock, iria fazer show em Taubaté e agora estava casado com Carol. Luiza havia bloqueado a irmã mais nova e Cíntia…
– A Cíntia casou com o Eduardo? – Anita perguntou mais para si mesma do que para Joel, surpresa com a informação. Porém, ele foi igualmente surpreendido.
– O QUE? – freiou a kombi com tudo.
Ambos foram levemente lançados para frente e Joel pegou o celular da mão de Anita. Não, não, não. Não iria aceitar aquilo. Na foto, Eduardo e Cíntia estavam na praia, segurando drinks caprichados, com a localização em algum resort que Joel nunca havia ouvido falar. Estavam comemorando bodas de madeira! A legenda era longa, o que fez Joel apenas passar os olhos por cima para adquirir as principais informações: estavam juntos a 5 anos, se faziam mais felizes a cada dia, blá blá blá, não acreditavam que uma simples ficada nos jogos interescolares de Imperatriz daria nisso.
Deu um soco no painel do carro, o que fez Anita se retrair de susto.
– QUE MERDA – passou a mão no rosto. – Eu achei que tinha deixado tudo certo com os poemas e as indiretas… pra no final ela ficar com o Eduardo? Aliás, como isso foi acontecer?
– Precisamos voltar – Anita disse e Joel confirmou com a cabeça.
– Acho que vi um notebook velho ali atrás.
A vida de ambos estava um pesadelo atrás do outro, de todos os seus amigos também. Aquela realidade era um verdadeiro pesadelo! Joel queria acordar e ainda estar envolto nos braços da esposa, com o ar condicionado ligado e os dois de conchinha no meio das cobertas, para que pudessem se esquentar ainda mais. Suspirou. Nessa realidade ela estaria assim com Eduardo… ou com algum outro amante que não fosse Joel.
Seriam infelizes em todas as realidades?
– Você acha que isso liga? – Anita perguntou, olhando o notebook velho e pesado.
– Vai ligar.
Sua voz saiu com um misto de assertividade e raiva. O notebook iria ligar, nem se tivessem que conectar a bateria do carro para trazê-lo de volta à vida. Aproveitou que já estava com o carro parado e foram até o bar na frente, um tanto esquisito mas com energia o suficiente para que colocassem o computador conectado a uma tomada. Era tudo o que precisavam antes de acessar o Floguinho.
Em segundos, estavam novamente na casa de Anita, no exato tempo e lugar de antes de partirem. Anita não entendia porque os dois estavam viajando juntos, totalmente conectados, mas Joel parecia mais confuso ainda do porquê era tão difícil fazer com que Cintia ficasse com ele. Foi tão fácil da primeira vez… conseguia lembrar dos toques da sua pele subindo pela barriga de Joel, sua risada contagiante sempre que Joel fazia uma piada meia boca, sabia até o número do batom que ela gostava de usar.
Foi fácil até não ser mais.
– E agora? Como a gente se livra daquele futuro? – Joel questionou, tentando não se ater muito às memórias do que havia acontecido naqueles poucos momentos.
– Consertando as coisas por aqui – Anita respondeu e ele afirmou com a cabeça.
Sem pensar muito, Anita pegou um quadro que usava para prender as fotos de seus amigos e tirou todas, deixando algumas no canto para que fossem usadas na elaboração do projeto. Era uma artista, preferia que os planos fossem mais óticos e didáticos. Joel passou a anotar as questões debatidas em seu caderno, para que pudesse estudar depois o plano.
Henrique precisava sair da banda e encontrar Anita em Paris. Carol deveria ficar com Douglas. Camila não podia desistir de escrever. Luiza precisava voltar para casa e ficar com o Fabrício – por mais que Anita não tivesse muita certeza da última parte, ainda um pouco mexida com o beijo e os toques recebidos em seu noivado de momentos. Cíntia precisava ficar com Joel.
– Você lembra quando começou a ficar com ela? – Anita perguntou, na tentativa de estabelecer um fluxo temporal parecido ou, pelo menos, tentar reverter o que haviam feito de errado até agora.
– Na timeline original, a gente ficou algumas vezes depois que terminamos o ensino médio, quando voltávamos pra Imperatriz: aniversário do Fabrício, Ano Novo, essas coisas, mas foi só quando deu um problema na minha empresa e ela foi me ajudar que eu chamei ela pra sair… ela tinha acabado de se formar em direito.
Anita franziu a sobrancelha. Tudo aquilo aconteceria mais para o futuro, e ela não sabia muito bem como poderia ajustar o presente para que continuassem casados. Porém, pior ainda, foi o sentimento estranho e insistente que apareceu ao fundo do seu cérebro: independente do que fizessem, tudo entre os dois estava acabado. Aquela não era a "timeline original", na verdade, na timeline original, Joel estava sozinho no casamento – seja por já terem se divorciado ou por nunca terem ficado juntos, Anita não se importou em perguntar na época.
As feições de confusão e tristeza deixaram Joel um pouco ansioso. Por que Anita não falava nada? O que estava pensando?
– Eu já ferrei tudo por aqui, né? – perguntou.
– Não, não – balançou a cabeça. – Vamos por partes… a gente pode interromper a ficada da Cíntia e do Eduardo nos jogos.
– Isso! – escreveu em seu caderno – E eu preciso ganhar o meu computador na quermesse, porque vai ser assim que eu vou aprender computação, conseguir meu primeiro emprego e voltar a ter minha cobertura.
– Ta mesmo pensando na sua cobertura, Joel? – Anita riu.
– Não era você que tava morando em uma kombi – mostrou a língua.
Em seu caderno, escreveu o número "42 = apostar na quermesse para ganhar o computador". No fundo, aquele era o jeito de Joel manter a casa que moraram durante 7 anos – tinha tantas memórias nela! Todos os filmes que assistiram sentados no sofá, os lugares que transaram, as refeições que faziam juntos, as reuniões de amigos na casa, a mudança ocasional de móveis que Cíntia adorava fazer e o cantinho de Bono.
A residência era mais do que um simples domicílio; era um sinalizador que Cíntia poderia voltar a hora que quisesse, ele estaria ali.
– Tá escrevendo o que aí? – uma voz perguntou.
Joel olhou para cima e fechou um dos olhos, protegendo-se da incidência da luz direta do sol em seu olhar. Sabia que era Cíntia pela voz, mas apenas conseguiu observá-la quando esta se abaixou para se sentar ao seu lado.
– Nada – respondeu, fechando o caderno rapidamente.
– O que é? É segredo? – riu. – Vai, me conta! A gente é amigo.
A sua risada era tão contagiante que fez com que Joel também abrisse um sorriso no rosto. Cíntia havia fisgado-o. Usou de sua fraqueza momentânea para pegar o caderno de sua mão e abrir na página que achava estar aberta assim que chegou. Joel suspirou. O olhar da garota foi de animação a um estranhamento incomum, com as sobrancelhas juntas de confusão. Definitivamente não acreditava no que estava lendo.
– Você não acha que o Brasil vai ganhar a Copa? – perguntou.
– Não – balançou a cabeça em negativo.
Não leu mais do que poucas linhas antes de fechar o caderno, sem ligar para outras anotações. Aquilo já era absurdo o suficiente para ela, não acreditava que o amigo pudesse ser tão pouco patriótico. Devolveu o caderno em sua mão.
– A gente ganhou a última. Por que não ganharíamos essa? – seu tom era uma mistura de indignação com ânimo, uma certeza absoluta do time que teriam. Joel abriu a boca para falar algo, mas foi interrompido. – A gente é pentacampeão, pô!
Joel riu. Tinha saudades da efervescência que era a Copa, principalmente em anos tão bons para o desenvolvimento do Brasil, como no começo dos anos 2000. Era adolescente e não pensava em política, desmatamento, quebra da bolsa… apenas em trocar figurinha e assistir aos jogos.
– Quer apostar comigo? – disse, antes de tombar a cabeça para o lado de maneira provocativa.
Cíntia apertou os olhos, pensando na possibilidade. Ergueu a mão.
– Se eu ganhar, você vai fazer meu próximo trabalho de física – Joel sorriu. Pensou que teve sorte por não ter pedido algo tão difícil, mesmo que ele já soubesse o resultado da aposta. Riu consigo mesmo pelo pensamento e ela não entendeu, pensou que estava desafiando-a ainda mais.
– Se eu ganhar – fingiu pensar por alguns segundos – você vai sair comigo, nós dois.
Ergueu a mão, indo de encontro com a dela.
– Fechado.
Cíntia apertou a mão de Joel, firmando o acordo. Logo mais teriam o resultado da aposta – o que era muito claro para o viajante no tempo, mesmo que a outra não soubesse disso ainda. Na verdade, ele e Anita eram relativamente discretos quanto às viagens e a manipulação dos eventos, até então não tendo feito qualquer alteração significativa ou dado informações importantes do futuro. Nem sempre funcionava do jeito que eles queriam, mas jamais eram descobertos.
Não que Cíntia tivesse tempo para suspeitar que o amigo e a irmãzinha de Luiza tivessem qualquer envolvimento com algo tão fictício quanto a viagem no tempo. Para ela, isso era coisa filme – De Volta pro Futuro, Feitiço do Tempo e Efeito Borboleta – e estava totalmente focada em coisas reais, como os jogos interescolares. Mesmo antes sendo apenas uma jogadora de vôlei, quando o número mínimo de atletas para as equipes femininas não chegou ao seu número mínimo, Treinadora Lúcia passou a encaixar atleta de todos os esportes nas modalidades faltantes.
Logo quando chegou na entrada do IECET, avistou Joel vestido com uma roupa felpuda, segurando a cabeça da fantasia que parecia um… animal. Não conseguiu entender que animal era aquele, ou o que deveria representar.
– Por que tá vestido assim? – perguntou, tombando a cabeça para o lado e colocando as duas mãos na cintura.
– A treinadora Lúcia vai me dar 10 em educação física sem que eu precise ir às aulas – ele riu e ela retribuiu com outro riso. O cabelo de Joel estava levemente molhado, mostrando que a roupa era definitivamente quente e que não estava sendo um trabalho fácil ficar ali na frente recepcionando os recém chegados.
– Em compensação, ela me botou pra jogar em todos os esportes possíveis – suspirou. As semanas estavam sendo uma loucura, com treinos ininterruptos, sem qualquer diminuição de trabalho e prova.
Joel colocou a mão felpuda no ombro de Cíntia, de modo a
– Vou estar de fantasia, torcendo pra você – sorriu.
Ela não quis admitir, mas sentiu um leve nervosismo subir de seu estômago até o pé da garganta. Era Joel olhando em seus olhos? Aquele sorrisinho que ele dava? Não, com certeza era apenas ansiedade dos jogos.
2 notes
·
View notes
Text
𝗗𝗘 𝗠𝗔𝗜𝗦 𝗡𝗜𝗡𝗚𝗨𝗘́𝗠 ⇢ 𝟬 𝟬 𝟭
PRÓLOGO ⇠ ⇢ 𝟬 𝟬 𝟮
Ao recitar "Trem-Bala", ganhou vários aplausos de colegas admirados com seu talento com poemas. Seus olhos estavam na plateia, encarando Cíntia, que o olhava de volta. Estava deslumbrada com suas palavras e, com certeza, nunca tinha pensado que seu colega de sala tinha um lado artístico.
Se aquilo era um sonho, Joel não queria acordar nunca! Quer dizer, sabia que aquele era o pior dia de sua adolescência, mas ver Cíntia tão jovem a sua frente o faria enfrentar qualquer ridicularização que poderia sofrer depois.
Quando desceu do palco, caminhou em direção da jovem, que agora já havia se virado para conversar com suas amigas. Precisava falar com ela, pelo menos mais uma vez. Não sabia o que estava acontecendo e quanto tempo aquilo duraria, não sabia sequer como podia ter viajado no tempo, mas precisava falar com ela. Entretanto, antes de chegar ao banco da garota, sentiu uma mão puxá-lo para o lado.
Anita tinha um semblante irritado e estava segurando seu braço forte demais. Foram alguns sussurros raivosos até que entendessem porque ambos sabiam a letra de "Trem-Bala" e que eram viajantes do tempo, presos nos seus corpos de adolescentes.
– Por que invadiu minha conta? – Anita continuou com os sussurros irritados, se segurando para não falar muito alto e deixar com que outras pessoas descobrissem os seus segredos. – Joel, qualquer coisinha que a gente fizer aqui vira uma bola de neve lá na frente.
– Minha ex me bloqueou – desviou o olhar.
Falar aquilo em voz alta soava patético e apenas reafirmava o quão no fundo do poço ele estava. Do topo da escada, conseguiam ver todos os alunos correndo e conversando, sem que tivessem ideia do futuro que os aguardava. Jovens cheios de vida rondavam os corredores e tudo que Joel conseguia fazer era fechar os olhos e suspirar, se apoiando no corrimão.
– No floguinho? – ele afirmou com a cabeça e o rosto da amiga se contorceu em compadecimento – Puxado.
– Eu queria ver nossas fotos da adolescência, lembrei que vocês eram amigas e… – continuou encarando os estudantes da escada. Quer dizer, ainda não eram amigas, virariam amigas depois do ensino médio.
Anita balançou a cabeça em negativo.
– A gente tem que voltar.
– Por que? – Joel virou o rosto bruscamente. – Eu vi você em Paris com o Henrique. Você está vivendo sua vida super feliz, com o que sempre sonhou e eu tenho que continuar sofrendo com o meu divorcio? – balançou a cabeça freneticamente, em negativo. Não iria aceitar isso. Aproximou seu rosto da amiga e encarou profundamente seus olhos. – Quantas vezes você viajou no tempo até ter o futuro que quis? Eu só tô pedindo pra consertar as coisas com a Cíntia, consertar meu futuro.
Anita ficou em silêncio. Tinha 30 anos e era a primeira vez que havia visto alguém tão apaixonado ao ponto de mudar o passado para que continuasse com a pessoa no futuro – não que muitos tivessem essa chance, claro, mas era verdadeiro. Poderia argumentar que ela mesma estava fazendo viagens no tempo para ficar com Henrique, mas não era a mesma situação; fazia isso pela sua carreira, para manter suas amizades e consertar a vida de sua prima Carol. Quando participou do casamento de Luiza, ficou ao redor de tantos casais sem sentido que era inspirador ver alguém verdadeiramente apaixonado.
– Tá, eu… preciso arrumar algumas coisas com a Luiza – se lembrou do porque tinha aberto o floguinho primeiramente, antes de ter dado um bug. – A gente fica, mas só um pouco – fez sinal de pouco com o dedo e ele abriu um sorriso.
– Fechado – apertaram as mãos.
O olhar de Anita oscilou para Henrique, dentro da sala de aula, e de repente se lembrou que havia deixado o celular dele carregando dentro do armarinho, precisava ligar para sua irmã. Fez um sinal com a cabeça para Joel e o deixou ali. O garoto não perdeu tempo antes de descer as escadas atrás da ex mulher.
Pensou, por um momento, se chamá-la de "ex mulher" era o ideal para a situação. Estavam tão jovens, ambos com 17 anos, e com uma relação inexistente durante o ensino médio. Sabiam o nome um do outro e conversavam sobre a matéria, vez ou outra sobre alguma fofoca, mas nunca se envolveram verdadeiramente naquela fase da vida.
"Qualquer coisinha que a gente fizer aqui vira uma bola de neve lá na frente" foi o que Anita havia dito. Talvez não devesse mexer tanto no passado… não. Quando viu Cíntia escrevendo em seu caderno, sentada sozinha na biblioteca, sabia que faria qualquer coisa para ficar perto dela, aqui e agora. Ele mudaria o passado e mostraria para ela que sempre havia sido apaixonado; isso poderia impedir que se divorciassem no futuro.
– Ei, Joel! – Cíntia chamou, ao vê-lo parado no canto da porta.
Ele arregalou os olhos, sem entender. Ela sabia o que ele estava pensando? Por que havia reagido tão bem ao momento? Sempre haviam tido uma conexão esquisitíssima. Joel se aproximou da mesa que ela estava sentada e ela se levantou, guardando os marca textos dentro do estojo.
– Já fez o trabalho do Rodrigão? – perguntou e ele balançou a cabeça negativamente. – Não tô entendendo nada e ele esqueceu total que hoje era dia de apresentação, não deixou nem um dia a mais pra gente entregar.
Seu tom era mais de desabafo do que de explicação, como se Joel estivesse totalmente a par da situação e compartilhasse de seu pensamento. O Joel de 17 anos provavelmente já havia até mesmo feito o trabalho, com uma afinidade impressionante com a matéria, mas o de 32 não tinha ideia do que estava acontecendo. Mesmo assim, não perdeu a chance de se inserir na
– Quer que eu te ajude? – sugeriu.
– Nossa, por favor! – sorriu e continuou guardando as coisas dentro da bolsa. – Eu posso te chamar no MSN mais tarde?
Cíntia era dessas garotas que quando sorria, todo o lugar se iluminava; seu olhar era perfurante no coração e agora Joel percebia que isso era uma característica própria sua, desde a adolescência. Como demorou tanto tempo para descobrir que o amor de sua vida estava bem ao seu lado? Como demorou tanto tempo para perceber que os toques haviam diminuído e que ela já não mais conseguia conversar encarando-o nos olhos? Que preferia dormir antes que ele chegasse em casa para evitar que conversassem?
– Posso? – repetiu, percebendo que o garoto a sua frente estava perdido em seus próprios pensamentos.
– Claro! Claro… – repetiu duas vezes e forçou um sorriso, com as sobrancelhas arqueadas de surpresa. – Eu mesmo já tava indo embora, então a gente se fala daqui a pouco?
– Eu tenho treino de vôlei agora, pode ser mais tarde? – olhou para o relógio de pulso (que saudade de quando todos usavam isso, Joel pensou). – Umas 6 horas?
Afirmou com a cabeça e viu-a colocar a bolsa atravessada pelo ombro. Cíntia ergueu a mão, como modo de cumprimentar um "tchau" simples para o colega de turma. Joel fez o mesmo, com um sorriso bobo.
As 6 horas em ponto, já estava na frente do computador esperando por uma mensagem. Onde ela estava? Alguns minutos passaram antes que o nick de Cíntia aparecesse ao canto da tela, indicando que havia acabado de ficar online.
➹¯`·.¸¸.·´¯`·.¸¸.- Cíntia -.¸¸.·´¯`·.¸¸.·´¯❥: O volei atrasou, malz
_Joel: de boa
➹¯`·.¸¸.·´¯`·.¸¸.- Cíntia -.¸¸.·´¯`·.¸¸.·´¯❥: quer tc ou video?
_Joel: video eh mais facil
Em segundos, a chamada de vídeo havia começado, uma completa evolução na maneira de conversar que apenas havia sido conquistada pelo MSN, pelo menos na época. Cíntia ainda estava com os cabelos presos num rabo de cavalo após o vôlei – sabia muito bem que deveria lavar o cabelo na manhã seguinte, já que não daria tempo do cabelo secar se lavasse de noite. Joel também sabia disso, na verdade, sabia de todo o cronograma capilar que Cíntia desenvolveria nos próximos anos.
No fundo, Joel estava feliz por ter sido ela a sugerir que realizassem a tarefa por vídeo. Ficou alguns segundos apenas encarando a imagem da garota; ela tirou o caderno da bolsa e seu material junto. Aquilo tudo era irreal demais, quase ficava hipnotizado por atitudes comuns da garota.
– Vamos começar? – perguntou, fazendo com que ele saísse de seus próprios pensamentos.
Tudo já estava feito no caderno de Joel e, à medida que conseguia entender as contas que havia feito e a base teórica utilizada, ia explicando e orientando Cíntia, que tinha os exercícios dispostos com números diferentes e em ordens diferentes. Tinham que se comunicar bastante para que não falassem cada um de um exercício, ou compartilhassem contas erradas. À medida que a conversa evoluiu e o trabalho acabou, também começaram a falar de fofocas cotidianas da escola e de suas vidas pessoais.
Cíntia nunca achou que Joel pudesse ser tão gente boa. Ela sorria para a câmera, agora já tendo deixado os cadernos de lado para focar na conversa. Piscava os olhos e os pixels, mesmo que em baixa qualidade, mostravam seus cílios. Como podia ser tão linda em um momento tão comum?
– Achei muito bonito o poema que você apresentou – elogiou. – Não sabia que você gostava de escrever.
– Eu vou te amar por toda a minha vida – Joel disse, sem perceber que as palavras haviam saído de sua boca.
Eram pensamentos tão intensos que haviam arranjado uma maneira de sair por seus lábios. Joel sentiu sua respiração parar por um segundo e Cíntia comprimiu os lábios, ambos claramente chocados com a declaração. Um silêncio ensurdecedor se instaurou no ar, por quase 10 segundos antes que qualquer um deles dissesse algo.
– A minha mãe tá me chamando aqui, depois eu volto – Cíntia disse, antes de desligar a chamada.
Em um pisque, o perfil da garota ficou vermelho, indicando que estava ocupada. Que merda Joel havia feito? Eles mal conversavam naquela época e estavam apenas fazendo um trabalho de física, sem nenhum indicativo que gostavam um do outro. Isso com certeza se enquadraria no que Anita disse sobre mudanças.
E se ele voltasse ao presente/futuro, não sabia como chamar, e tudo tivesse mudado? E se nunca tivessem ficado juntos? Ela poderia tê-lo achado precipitado, beirando a maluquice. Havia se ausentado tão rápido que ele duvidava que ela fosse capaz de encará-lo no dia seguinte, mas precisava arranjar de reparar a situação. Rolou muito na cama, pensando no que iria dizer quando finalmente visse-a, qual explicação daria para aquela frase. Era verdade, de fato, mas teria que inventar qualquer coisinha besta para passar despercebido.
Então, quando a avistou na manhã seguinte, se aproximou de sua carteira logo antes da aula começar e dos alunos chegarem; teve sorte das amigas de Cíntia estarem atrasadas e ela estar totalmente sozinha. Joel se sentou na carteira a sua frente e virou para trás, ficando cara a cara com a garota.
Como esperado, ela desviou o olhar.
– Desculpa se eu te deixei desconfortável ontem. Você falou que gostou do poema e eu ia te mostrar outro que eu escrevi – ela cerrou o cenho mas voltou a encará-lo. Era isso então? – É uma releitura de "Eu sei que vou te amar" do Vinicius de Moraes.
Arqueou as sobrancelhas, um pouco sem acreditar no que ele havia dito, mas igualmente curiosa para ouvir. No fundo, era um pouco cética ao fato de jovens da sua sala escreverem poesia, não conseguia acreditar que um garoto hormonal de 17 anos que só pensava em sexo seria capaz de interpretar tao bem esse tipo de poema.
– Já tá terminado?
– Já
– Posso ouvir?
Joel afirmou com a cabeça. Havia planejado tudo na noite anterior. Sacou um papel dobrado do bolso, uma folha comum com pautas, e declarou para a garota o texto escrito em grafite:
"Eu sei que vou te amar
A cada batida do meu peito, eu sei disso Por toda a minha vida, eu vou te amar Em cada despedida, eu vou te amar Desesperadamente
Porque nenhuma distancia é capaz de reduzir a dor
O tempo que passa, não passa
Me fixei naqueles minutos antes da partida Eu sei que vou te amar
Porque demorei mais que o necessário pra lavar os lençóis
Comprei astromélias novas pra casa, porque sabia que gostava
E cada verso meu será Pra te dizer Que eu sei que vou te amar Por toda a minha vida
Eu sei que vou chorar A cada ausência tua, eu vou chorar
E mudo o passado, presente e futuro
Pra apagar o que esta tua ausência me causou
Eu sei que vou sofrer A eterna desventura de viver À espera de viver ao lado teu Por toda a minha vida"
Alternava o olhar entre as palavras e os olhos da garota, que a cada verso aprecia aceitar mais a história que havia lhe sido contada. Em determinado momento, estava até mesmo balançando a cabeça, totalmente imersa no poema. Quando terminou, dobrou novamente a página e guardou no bolso, olhando para Cíntia por alguma aprovação. Foi agraciado com um sorriso meio bobo, de quem não controla muito bem como se sente em relação ao que acabou de ouvir.
– Legal, é bem profundo – coçou o braço, um pouco envergonhada. – Foi mal ter sumido ontem, eu só achei…
– Tá de boa, até já esqueci – brincou e ela afirmou com a cabeça.
Joel voltou ao seu lugar com um sorriso no rosto. Situação controlada. Amizade preservada. De longe, quando Cíntia virou para encará-lo, até mesmo deu um sorriso amigável para ele; talvez Joel fosse diferente dos outros garotos. Quando Raquel se sentou ao seu lado, tombou a cabeça e olhou para a amiga.
– O Joel namora alguém? Ou já namorou alguém? – desviou o olhar para Joel no outro lado da sala, pelo canto do olho.
– Não que eu saiba.
– Você não acha que ele deu uma mudada? – desviou o olhar para Joel no outro lado da sala, pelo canto do olho. – Ele parece mais maduro, vivido.
– Não viaja – Raquel respondeu, balançando a cabeça negativamente, com as sobrancelhas franzidas.
Cíntia deu de ombros e se voltou para frente, olhando o professor entrar e se preparar para a aula. Do outro lado da sala, Fabricio apertava os ombros de Joel. Costumava se sentar atrás deste para que conversassem durante a aula inteira – com Joel pedindo várias vezes para o amigo calar a boca durante a explicação do professor.
– Agora você faz poema pras meninas? Vai ser difícil competir com você – riu e Joel retribuiu sarcasticamente com um "ha ha ha".
Porém, quase comicamente, uma ideia genial havia brotado em seu cérebro e, se estivessem em um desenho animado, poderia ver uma lâmpada se acender acima de sua cabeça. Aquele comentário seria a chave para o sucesso do seu casamento. Durante a semana, passou a deixar pequenos papéis nas coisas de Cíntia, com frases fofas de poemas e citações de músicas que ainda não haviam sido lançadas em 2006.
Da primeira vez que viu o papel em seu estojo, se perguntou o que aquilo estava fazendo ali já que não se lembrava de ter escrito (e a caligrafia era bem diferente da sua). Ao encarar o conteúdo, cerrou o cenho, muito confusa.
"Dói sem tanto te lembrar
Dando voltas e fazendo meu mundo bambo girar
Mal tu sabe que meu peito
Tem só falta do teu fogo
E nosso jeito torto de seguir"
Era inesperado, mas com uma lírica belíssima. Era destinado a outra pessoa ou poderia guardar para si? Olhou para os lados, ninguém parecia estar procurando por isso. Dobrou o papel e colocou de volta no estojo. Cíntia se questionou o porquê daquilo. Era para ser uma declaração de amor? Virou sua cabeça para o outro lado da sala, e percebeu que Joel já estava encarando-a.
Ele rapidamente desviou o olhar. Cíntia não sabia como se sentir.
No dia seguinte, encontrou outro bilhete em seu estojo.
"Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante"
Durante uma semana, após todos os intervalos, ela procurava dentro de seu estojo ou na capa do caderno qualquer bilhete diferente dos anteriores. Não era exatamente um admirador secreto, já que sabia exatamente quem estava deixando as mensagens. Porém, quando ficou um dia sem qualquer bilhete, parecia que toda a esperança gerada havia acabado. Não, tinha que saber o que havia acontecido.
No segundo intervalo, se aproximou do grupo de amigos sentado na videoteca. Joel estava conversando com a irmã mais nova de Luiza, o irmão mais novo de Fabrício e alguns outros amigos do primeiro colégio. Não os conhecia muito bem, mas decidiu abordá-los.
– Joel, posso falar com você? – perguntou.
Anita deu um empurrão no amigo para que ele se aproximasse da garota. Precisavam ajustar aquilo rapidamente para poderem voltar ao presente/futuro. O restante do grupo estava confuso, sem entender muito aquela interação, e cochichando um com os outros sobre o motivo de Joel estar tão nervoso ao conversar com Cíntia.
– Foi você? – perguntou, mostrando um dos papéis que havia recebido nos dias anteriores.
– Se tiver sido?
– Por que tá fazendo isso?
– Você disse que gostava dos meus poemas, tô só te mostrando outros – deu de ombros. – Por que?
Joel era um ótimo ator, conseguindo reverter a situação totalmente para beneficiá-lo. Cintia desviou o olhar e mordeu o lábio inferior, definitivamente sem graça com aquela interação. Ela havia interpretado tudo errado? Ele podia nem ao menos ser um admirador, eram apenas amigos. Soltou um "ah" quase inaudível e balançou a cabeça.
A verdade era que ambos estavam apenas conversando por mal entendidos e não sabiam o que cada um pensava realmente. Achavam que a situação estava totalmente sob controle, mas não poderia estar mais longe disso.
1 note
·
View note
Text
Pensando demais se eu vou fazer o final ser triste avassalador ou feliz…
2 notes
·
View notes
Text
𝗣𝗥𝗢́𝗟𝗢𝗚𝗢 ↬ 𝐽𝜎𝜀𝑙 𝑠𝜀𝑟𝜄𝜀𝑠
MENU ⇠ ⇢ 𝟬 𝟬 𝟭
Joel terminou de lavar a louça do jantar, colocando os tupperwares no escorredor de pratos para secarem até o dia seguinte. Estava comendo os restos de comida da geladeira que havia trago da casa da minha mãe por pelo menos dois dias. Podia pedir um delivery, mas nenhuma lanchonete, japonês ou pizzaria entregaria o que eu realmente queria comer – ficava horas observando o aplicativo e sempre fechava, às vezes até optando por não jantar. Comer comida congelada era muito mais fácil, já que não gostava de deixá-la vencer.
Pra que valia uma cobertura quando não se tinha mais ela andando de pijama no apartamento? Não sabia. Quando respirava fundo, ainda conseguia sentir seu perfume flutuando no ar e se lembrar do lençol no fundo do guarda roupa que havia deixado de usar por causa da mancha de batom vermelho. Ligava a televisão e ficava observando o jogo de quarta, mas não consigo torcer como antes; não gritava, mal se mexia, apenas levava a cerveja à boca e pensava. Pensava. Pensava muito.
Pensava porque doía. Era a única coisa que conseguia sentir, mesmo depois de um ano e meio. A dor se entrelaçou ao seu senso de identidade: sem ela, era triste. Sem ela, não conseguia sentir nada além desse aperto no peito… e ela não estava em lugar nenhum. A dor era a única coisa que havia restado de seu relacionamento – e se libertar dessa dor seria esquecê-la para sempre.
Não havia mais quem fizesse as mesmas piadas ou que o atentasse com cosquinhas no meio de uma conversa civilizada. Conseguiam se comunicar apenas entre olhares de canto e toques no braço, ele sabia quando ela choraria pela mudança em sua respiração, mas jamais conseguiu prever que ela pediria um divórcio de maneira tão abrupta.
Ela estava ali um dia e, no seguinte, pediu para que as amigas pegassem suas coisas na portaria. Se encontraram em um local neutro, para colocarem um ponto final em tudo que haviam sofrido. O casamento não tinha sido perfeito, na verdade, haviam passado por tantas tristezas que era quase impossível continuar com aquela relação… não, Joel ainda achava que tristeza no relacionamento ainda era meia tristeza. Ela não compartilhava da mesma opinião; não conseguia encará-lo.
Tudo aquilo era uma merda.
Joel observou o relógio. 03:27. Não conseguia dormir. A parte gelada do travesseiro havia ficado quente e, por mais que trocasse de lado ou de posição, nada parecia confortável o suficiente. Tentou fazer um chá calmante, mesmo odiando o gosto, e até tomou uma pílula do remédio para dormir, mas continuava com o olhar pregado no teto. O prédio estava tão silencioso que conseguia ouvir os carros passarem na rua, buzinando pelo trânsito da cidade de São Paulo.
Ligou a televisão, na tentativa de colocar qualquer barulho ambiente que o fizesse dormir – mas não gostava da selva, da chuva, do barulho de ventilador ou qualquer outro desses que se procura no youtube para pegar no sono mais rápido. Mudou de novamente o lado da cama e lia a bula do remédio, procurando alguma instrução do que fazer caso a primeira dose não funcionasse e precisasse tomar uma segunda. Não podia. Pegou o celular e encontrou o contato; não estava mais marcado como “Amor”, mas ainda havia um coração ao lado do nome. Ligou.
A ligação tocou uma, duas, três vezes e foi atendida, bem antes do que ele imaginava que ela deixaria tocar. Já estava acordada? Também não conseguia dormir? Estava na mesma situação de desespero que ele? No fundo, procuraria qualquer sinal de que ainda estavam conectados.
– Aconteceu alguma coisa? – sua voz não estava sonolenta, ao contrário, parecia atenta. Se tivesse acordado naquele momento, isso mostraria que ainda se importava com ele, não?
– Não. Eu só queria ouvir a sua voz – admitiu e soltou um suspiro audível pelo celular. Sentiu uma pontada de culpa quando percebeu que havia acordado-a para nada de importante.
– A gente não tem o que conversar.
– A gente era casado, morava junto. Como não tem o que conversar? – sua voz se exaltou. Como ela podia dizer aquilo? Como não sentia saudade de acordar com o cheiro do marido ao lado? De jantar junto, dividindo uma cerveja artesanal enquanto contavam sobre seu dia? Ou de caminharem no parque com o cachorro? Não sentia saudade de dividirem o armário? Dos bilhetes fofos que deixavam em post-its?
– Era, Joel. Passado.
Não soube o que falar e o silêncio se instaurou no ambiente. Ela não sentia aquilo? Por que? Joel apenas queria poder voltar pro lugar onde pararam antes de se perderem no caminho. Olhou novamente a tela do celular, a chamada continuava rodando.
– Ainda tá aí? – perguntou.
– Eu vou desligar.
– Não desliga. Espera – disse, em um suplício de pena. Ela não soube o porquê, mas esperou. Joel sentiu que, em algum lugar do seu subconsciente, ela queria continuar na ligação, queria falar com ele. – Me conta sobre seu dia, por favor.
Um silêncio se instaurou novamente na ligação e eu olhei para ter certeza de que ainda estávamos conectados ou se ela havia desligado. Estava pensando em falar algo ou continuaria em silêncio? Na verdade, Joel não se importaria de apenas ficar em silêncio durante toda ligação, desde que conseguisse ouvir um pouco de sua respiração para ter certeza que ainda estava ali.
Ela suspirou.
– A gente não pode continuar se enganando assim, Joel – era a segunda vez que o chamava pelo nome e não por um apelido carinhoso, como costumava fazer. – Vai dormir.
Sem ao menos se despedir, desligou a ligação.
Como podia dizer aquilo? Eles haviam feito planos para 2021, 2022, 2023 e os anos subsequentes. Haviam prometido que seriam o futuro um do outro, se beijado na frente dos amigos e das testemunhas do cartório. Ela não sentia como a vida era fria sem o outro? Queria receber seus carinhos, seus afetos e até mesmo sua cara de brava que o fazia querer apertar suas bochechas.
Tinham a alma interligada. Ela mesmo havia dito isso quando noivaram, alguma coisa coisa um fio vermelho que nos interligava espiritualmente. Não acreditava nessas coisas antes, era um homem da ciência, mas não havia explicação lógica para o sofrimento que estava passando sem sua amada.
Puxou o notebook da mesinha de cabeceira e tentou entrar nas redes sociais dela, sem sucesso. Estava bloqueado em todas, até mesmo no floguinho. Gostaria de poder ver as fotos que haviam tirado na adolescência, quando se conheceram e começaram a sair quando tudo ainda era tão fácil. As fotos estavam em seu perfil, restrito apenas para poucos amigos… como Anita.
Saiu de sua conta e colocou o username da amiga, tentando uma senha qualquer, que deu erro. Pensou mais um pouco e tentou outra senha, abrindo a página oficial do floguinho. Porém, antes que conseguisse procurar o perfil de sua ex-mulher, algo mudou.
3 notes
·
View notes
Text
𝗗𝗘 𝗠𝗔𝗜𝗦 𝗡𝗜𝗡𝗚𝗨𝗘́𝗠 ↬ 𝐷𝜀 𝑉𝜎𝑙𝜏𝛼 𝛼𝜎𝑠 𝟷𝟻
┈┄┉┅✧ Joel tenta consertar as coisas com sua ex-esposa, ou melhor, o amor de sua vida. Joel x oc!Cíntia
Wᴀᴛᴛᴘᴀᴅ
𝗣𝗥𝗢́𝗟𝗢𝗚𝗢
𝟬 𝟬 𝟭
𝟬 𝟬 𝟮
𝟬 𝟬 𝟯
𝟬 𝟬 𝟰
𝟬 𝟬 𝟱
𝗣𝗟𝗔𝗬𝗟𝗜𝗦𝗧
𝟭. DE MAIS NINGUÉM, marisa monte; 𝟮. VOCÊ NÃO ME ENSINOU A TE ESQUECER, caetano veloso; 𝟯. A NOITE, tiê; 𝟰. DEPOIS, marisa monte; 𝟱. AMADO, vanessa da mata; 𝟲. ELA UNE TODAS AS COISAS, jorge vercillo; 𝟳. CASO INDEFINIDO, cristiano araujo; 𝟴. UM AMOR PURO, djavan; 𝟵. MEU SANGUE FERVE POR VOCÊ, sidney magal; 𝟭𝟬. CORAÇÃO SELVAGEM, belchior;
4 notes
·
View notes
Text
Dois capítulos FEITOS da história!!! Vou escrever mais um antes de postar.
Aliás, o título vai ser de uma música da Marisa Monte. Chutes? KKKKKK
4 notes
·
View notes
Text
Por um lado, não tenho tempo. Por outro, tive uma ideia muito boa pra uma fic de 5 a 10 capítulos com o Joel.
4 notes
·
View notes
Text
❀°• Proibida pra Mimᴶᴼᴱᴸ •°❀
AVISO: esse capítulo é um pouco diferente dos outros. Ele é uma mini fic compactada e conta com 7k de palavras, superior a minha média por capítulos - e também o porque demorei tanto pra postar. A personagem dispõe de personalidade, conhecimentos específicos e backstory (mesmo que não muito longa), o que pode ser difícil de encaixa-la inteiramente como uma S/N.
“Por que não faz uma fic especifica pro Joel?” Resposta rápida: não tenho tempo. Minhas aulas da faculdade voltam segunda feira e será impossível de conciliar os dois. A minha criação de imagines provavelmente decairá também.
Sᴜᴍᴍᴀʀʏ: Jᴏᴇʟ ᴛᴇᴍ ᴜᴍ ᴄʀᴜsʜ ɴᴀ ɢᴀʀᴏᴛᴀ ᴍᴀɪs ɪᴍᴘʀᴏᴠᴀ́ᴠᴇʟ ᴅᴏ ᴄᴏʟᴇ́ɢɪᴏ.
"Sᴇ ɴᴀ̃ᴏ ᴇᴜ, ϙᴜᴇᴍ ᴠᴀɪ ғᴀᴢᴇʀ ᴠᴏᴄᴇ̂ ғᴇʟɪᴢ?"
Tᴀɢs: ғʟᴜғғ, sʟᴏᴡʙᴜʀɴ ᴅᴀ ᴍᴀɴᴇɪʀᴀ ᴍᴀɪs ʀᴀᴘɪᴅᴀ ᴘᴏssɪᴠᴇʟ KKKKKK, sᴛʀᴀɴɢᴇʀs ᴛᴏ ғʀɪᴇɴᴅs ᴛᴏ ʟᴏᴠᴇʀs, ᴛᴇ ᴀᴍᴏ ᴘɪʀɪɢᴜᴇᴛᴇs ɢʟᴏʙᴏ 2010, ᴀssᴇ́ᴅɪᴏ, ᴀɢʀᴇssᴀ̃ᴏ, ᴀ́ʟᴄᴏᴏʟ, ᴏ ɪᴍᴀɢɪɴᴇ ᴅᴏ ᴛᴀᴍᴀɴʜᴏ ᴅᴇ ᴜᴍᴀ ғᴀɴғɪᴄ ᴍᴇ́ᴅɪᴀ, ᴜsᴏ ᴅᴇ S/N ɴᴏ ɴɪᴄᴋ ᴅᴏ ᴍsɴ, ᴅᴇʙᴀᴛᴇs sᴏʙʀᴇ ɢᴇ̂ɴᴇʀᴏ ᴇ sᴇxᴜᴀʟɪᴅᴀᴅᴇ, ᴅᴇʙᴀᴛᴇ sᴏʙʀᴇ ɪᴅᴇᴏʟᴏɢɪᴀ, ᴀᴘᴇʟɪᴅᴏ ᴅᴇᴘʀᴇᴄɪᴀᴛɪᴠᴏ ᴜsᴀᴅᴏ ᴄᴏɴᴛʀᴀ ᴀ ᴘᴇʀsᴏɴᴀɢᴇᴍ, ᴘɪᴀᴅᴀs sᴇxɪsᴛᴀs, ʙᴇɪᴊᴏ
Wᴏʀᴅ Cᴏᴜɴᴛ: 7ᴋ
(ᴅɪᴠɪᴅᴇʀ ʙʏ ᴀɴɪᴛᴀʟᴇɴɪᴀ)
Nunca conheci os pais de Lucão, mesmo tendo estudado com ele desde o sexto ano. Tinha duas teorias sobre eles: poderiam ser as pessoas mais legais do mundo com o filho, ou não eram capazes de colocar limites na relação. Quase todo mês tinha uma festa em sua casa, com o quintal cheio de alunos dos mais diferentes colégios de Imperatriz. Poderia indagar como ele conhecia tanta gente mas, de certa maneira, eu também conhecia.
Estávamos sempre nas mesmas festas, ou melhor, em todas as festas da cidade. Ele jogava sinuca e conversava com os meninos, enquanto eu ficava na pista de dança. Jogava o cabelo, mordia o dedo e rebolava até o chão, no ritmo do Bonde do Tigrão. A música dizia "Vai descendo com o dedinho na boquinha. Agora sobe com a mão na cinturinha. Levante o pé de uma rodadinha" e eu segui tudo à risca, com um sorriso no rosto.
Meu Orkut estaria cheio de depoimentos na manhã seguinte, falando sobre como me viram dançando na festa e como gostariam de me adicionar no MSN – a qual era extremamente privado. Não gosto de ficar aceitando "qualquer um" já que as chances de ser um homem bizarro de 40 anos são grandes, tenho medo da internet.
Duelo 2 começou a tocar e eu segurei na mão de uma amiga, dando alguns pulinhos. Interpretei o papel da Mc Katia (fiel) e ela, da Mc Nem (amante); cantávamos nossas partes e atuamos como nossas personagens, dando gargalhadas dessas mesmas. A felicidade durou pouco, quando percebi que um garoto parecia estar tirando foto debaixo da minha mini saia.
Segurei seu pulso com a minha mão e, talvez por estar convencido de que eu não faria nada demais, ficaria sem graça com o acontecimento ou até mesmo poderia estar em choque por ter sido pego, apenas ficou parado. Usei sua atitude e a mão agarrada em seu pulso para mantê-lo no lugar, principalmente quando girei meu corpo e aceitei minha mão inteira com tudo em seu rosto.
Ele caiu alguns passos para trás e deixou com que o celular atingisse a grama do chão. Peguei o celular do chão e apaguei as últimas fotos – na época, ninguém sabia que dava para recuperar essas fotos. Joguei o celular em cima dele.
– Você se veste fácil assim porque quer – ele disse, como uma cuspida de veneno. Dei um passo para frente, ficando cara a cara com ele. Percebi em sua linguagem corporal um certo afastamento, o soco havia doído e mesmo tentando manter a pose de machão, estava nervoso.
– Fácil é eu te dar outro soco – fingi que ia armar a defesa para atacá-lo novamente e ele deu um passo para trás.
Os garotos à volta fecharam a boca de surpresa e desviaram o olhar, sempre muito orgulhosos para traírem alguém do próprio gênero, mesmo que isso significasse continuar uma agressão incessante as mulheres. Na verdade, até algumas garotas poderiam dizer que ela estava "pedindo" ou que se não quisesse poderia usar roupas maiores e dançar menos. Um comentário mais pútrido que o outro.
– MINHA ROUPA NÃO É UM CONVITE. NÃO É O JEITO QUE EU ME VISTO QUE DETERMINA MEU VALOR OU QUE EU NÃO MEREÇO RESPEITO. – gritei, rodando lentamente para encarar todos os presentes. Até quem estava jogando sinuca parou para ver o que estava acontecendo. – ISSO SERVE DE AVISO PRA QUALQUER OUTRO CARA QUE TENTE MEXER COMIGO OU COM QUALQUER OUTRA MENINA NA FESTA.
Era um comentário feminista basico, ams algumas pessoas em 2006 ainda precisavam ouvi-lo. Balancei a cabeça e fui para a área de bebida, procurar alguma coisa forte para acabar comigo.
Joel.
Ela estava lá, como em todas as festas, mas foi no momento que ela deu um soco no rapaz que tudo mudou para mim. Nunca tinha prestado muita atenção nela, mesmo que estudássemos no mesmo colégio, mas agora não conseguia desviar meu olhar.
– Uma puta de uma barraqueira, né? – Eduardo comentou.
Revirei os olhos. Por que Fabrício não havia aparecido na festa? Havia saído com Luiza novamente? Poderia ter avisado, pelo menos. Quando nós três saímos juntos é mais fácil de aguentar os comentários de Eduardo diluídos com os pensamentos de Fabrício, fazendo com que eu normalmente fique no canto sem precisar falar muito. Era uma merda estar com ele, sozinho.
– Ainda tá puto que ela não quis ficar com você? – comentei.
– Cala a boca – ele disse, virando o copo na boca.
Um sorriso sarcástico apareceu no canto da minha boca, era isso mesmo. Assim, em menos de 30 segundos depois de sua fala, quando virei para encará-lo, ele estava beijando uma outra garota aleatória. Fazia parte de sua identidade de "macho-man" não gostar quando demonstravam uma fraqueza sua, como a incapacidade de ficar com qualquer mulher que queria. Por isso, precisava se mostrar machão logo em seguida.
Ele participava de um ciclo machista sem fim a qual sempre tive pena, mas não iria ficar ao seu lado enquanto devorava o rosto de alguém que eu nem conhecia. Me aproximei da área de bebidas e ela estava lá, misturando limão, cachaça, água e açúcar para fazer uma caipirinha da pior qualidade – mas festa jovem era assim mesmo. Fiquei frente a frente com ela, do outro lado da mesa.
– Meio merda o que ele tentou fazer – comentei, ainda incerto do que estava fazendo.
– Não é novidade, são todos uns moleques – ela disse e eu não tive muito o que acrescentar. Ela pareceu não se importar com o silêncio e me esticou o copo – aceita?
Não ia beber – quase nunca bebia – mas aceitei. Não sei porque aceitei. Já tinha 17 anos e todos meus amigos bebiam, alguma hora iria começar também… mas talvez porque tinha sido ela a me oferecer. Bebi um pouco do canudo e percebi o quão forte estava, me esforçando o máximo para não fazer nenhuma careta na sua frente. Ela sorriu um pouco.
Quando abri a boca para falar algo, sua amiga apareceu e a puxou para longe, perto da mesa de sinuca para que pudessem jogar como par contra Lucão e outro cara que eu desconhecia. Voltei em passos miúdos para perto de Eduardo, não querendo ficar sozinho mas sabendo que odiaria estar perto dele. Estava abraçado com a menina e dançavam no ritmo da música.
– Você foi dar em cima dela? – perguntou, com aquela risada asquerosa. Não respondi. Ele me zoaria de qualquer maneira. – Até parece que você iria conseguir ficar com ela – abaixou um pouco a cabeça para sussurrar pra mim: – acho que ela curte uns caras mais experientes, não um virjão.
Revirei os olhos novamente. Como se ele soubesse onde ficava um clitóris – ele nem sabia pronunciar a palavra direito, na verdade.
A festa aconteceu pouco antes da volta às aulas. Desde o primeiro dia, apareci com o uniforme um número menor, de modo que a blusa ficasse entre o umbigo e a linha da calça de cintura baixa, como uma baby tee. Professora Beth quase espumava quando me via passar perto dela, mas eu seguia com um sorriso no rosto.
No intervalo entre aulas, fui à videoteca procurar por Joel. Ele estava sentado em uma das cadeiras mais ao fundo, mexendo em um dos computadores. Ele não me parecia muito estranho. Já tínhamos conversado antes? Ele estava no 3A, sim, mas… sei lá, tinha algo a mais.
– Joel – chamei.
Ele pausou rapidamente o que estava assistindo, como se eu o tivesse pego no meio de um crime. Quando olhei para tela, era apenas um vídeo qualquer do Youtube. Voltei a encará-lo e ele já estava me encarando.
– O Douglas disse que você sabe baixar música no celular. Será que você pode fazer isso pra mim? – perguntei, enrolando os fones no celular e estendendo para ele.
Ele segurou o celular e balançou a cabeça em afirmativo. Devolvi com um sorriso. Queria ter músicas no celular, mas mal sabia como lidar com os arquivos. Se me perguntassem o que era 4shared, eu jamais iria saber que era um site para troca de arquivos e muito menos como conseguiria passar os arquivos pro celular.
– Você tem uma lista de músicas pra eu baixar? – respondi com um "sim!" empolgante e procurei nos dois bolsos, retirando um papel com algumas músicas. Estendi para ele e ele abriu as dobraduras. – Não posso prometer que consigo baixar todas, mas eu vou tentar.
– Obrigada! – Abri um sorriso de orelha a orelha. Aquilo era demais! – Cê cobra quanto?
Ele balançou a cabeça em negativo e disse: – Não precisa, isso é fácil de fazer.
– Douglas disse que você cobrou dele – tombei a cabeça, sabendo que ele não estava sendo justo.
Se havia cobrado de outra pessoa, por que não de mim? Ele queria algo? Franzi o cenho. Porém, a recompensa maliciosa a qual eu estava esperando surgir na conversa não apareceu. Ao invés disso, ele abriu um sorriso simpático e disse:
– Douglas é rico.
Soltei uma risada, ele era rico mesmo e não faria falta alguma um pouco de dinheiro no seu bolso, principalmente depois de Joel gastar tempo e habilidade. Porém, para mim, ele apenas ficou parado com um sorriso no rosto. Ele até que era um nerd bonitinho, não? Poderia arrumar ele pra alguma amiga minha.
Peguei uma caneta e uma folha sulfite de cima da bancada. Escrevi meu user e rasguei aquela parte do papel. Entreguei em sua mão e o vi encarar o escrito por alguns segundos.
– Me adiciona no MSN, ai você vai me falando – sorri. – Obrigada.
Não sei porque dei meu MSN para ele. Acho que isso significava que éramos amigos. Quer dizer, com certeza éramos amigos agora. Ele estava baixando musica no meu celular, isso era a mais pura prova de amizade.
Joel.
No segundo intervalo do dia, estávamos no pátio, sentados na arquibancada. Eu e Fabricio ficamos como dupla no truco, enquanto Eduardo e Douglas eram nossos rivais. Nos sentamos de acordo e eu distribuí as cartas. Era um jogo rápido antes de voltarmos pra sala, jogando conversa fora.
– Vai sair com a menina da festa de novo? – Douglas perguntou para Eduardo, no momento em que jogou sua carta.
– Menina da Festa? – Fabricio indagou.
– Ele tava se pegando com uma menina na festa – respondi. – Qual era o nome dela mesmo?
Encaramos Eduardo, esperando por uma resposta. Ele deu de ombro e desviou o olhar, um "não pergunte para mim" em gestos. Cerrei o cenho. Como aquilo era possível?
– Você nem sabe o nome dela? – perguntei, mesmo que já soubesse a resposta.
– Fiz – Eduardo respondeu e recolheu as cartas para si.
Botei a primeira carta no monte e comecei a rodada.
– Não acredito – Fabricio riu.
– Eu gosto de variedade – deu de ombros novamente e eu revirei os olhos. O problema não era ele beijar várias, mas tratá-las como sub-humanos que nem mereciam o direito de terem nome no seu imaginário.
– Não perguntar o nome é falta de educação – Douglas disse e eu arquei a sobrancelha. Alguém entende.
– Você só beija uma pessoa, não sabe mais das etiquetas – respondeu em referência a ter recentemente assumido o namoro com Luiza.
Fabrício desviou o olhar.
– E ela nem beijava tão bem, não preciso do nome.
– Fiz – respondi e puxei as cartas para perto de mim.
– Joel que tava tentando flertar com a boca de pelo – Eduardo disse, envolvendo um assunto que eu não queria trazer para a conversa.
– Não chama ela assim – respondi, o tom da voz já um pouco mais agressivo que o normal.
– Por que? Ta apaixonado? – riu com aquela risada pútrida.
– Bem que eu vi vocês conversando mais cedo, né – Fabricio disse.
– Ela só pediu pra eu baixar umas músicas pra ela – balancei a cabeça. Não era nada demais e queria que eles esquecessem esse assunto.
– E você não pediu uma sentada em troca? – Eduardo me deu um tapão nas costas, que me fez arquear as costas.
– Ai Joel, não para Joel – Douglas fingiu um gemido, imitando como ela faria, apenas para me irritar.
– Mano, cê é bv demais, papo reto – Fabricio riu. – Truco.
– Seis – respondi.
Douglas fez a rodada e nós ganhamos.
Quando finalmente abri o computador, a solicitação de amizade dele estava lá. Aceitei. Seu ícone demonstrava disponível – o que significava que queria conversar, com quem quer que fosse, caso contrário colocaria ocupado ou ausente, como eram as normas sociais do aplicativo. Mandei aquele wink do cara gordo para tremer a tela dele e chamar atenção para o meu perfil. Sempre ria quando ele aparecia na tela.
»»-(¯`·.·´¯)-> ک/N <-(¯`·.·´¯)-««: Oi. Tá livre pra tc?
_Joel: To
_Joel: Terminei de baixar as musicas no seu cel
_Joel: Tem mais alguma que vc queira?
»»-(¯`·.·´¯)-> ک/N <-(¯`·.·´¯)-««: O que vc costuma ouvir?
_Joel: N sei se vc vai curtir
»»-(¯`·.·´¯)-> ک/N <-(¯`·.·´¯)-««: Tenta
_Joel: Olha meu subnick
Procurei com os olhos o seu subnick e joguei no google a frase. Estava em inglês e eu não fazia ideia do que significava. "I Still Haven't Found What I'm Looking For" era uma música do U2. Coloquei no youtube e a música começou a sair nas caixas de som de trás do computador.
»»-(¯`·.·´¯)-> ک/N <-(¯`·.·´¯)-««: Curti
»»-(¯`·.·´¯)-> ک/N <-(¯`·.·´¯)-««: Normalmente gosto mais de músicas animadas
»»-(¯`·.·´¯)-> ک/N <-(¯`·.·´¯)-««: Tipo pagode
_Joel: Pagode?
_Joel: Acho que n tava esperando por isso
_Joel: N conheço quase nenhuma
»»-(¯`·.·´¯)-> ک/N <-(¯`·.·´¯)-««: Vou te mostrar uns pagodes
»»-(¯`·.·´¯)-> ک/N <-(¯`·.·´¯)-««: Vc me mostra outros que vc gosta
_Joel: Fechado
No dia seguinte, nos encontramos na casa de Joel com uma pilha de CDs para colocar no mini system de sua sala. Seus pais não estavam em casa e pudemos ficar horas apenas ouvindo as músicas, conversando sobre coisas aleatórias do dia a dia, quando um forró apareceu, não exitei em levantar rapidamente do sofá. Estendi a mão pra ele.
– Não – ele disse.
– Ai Joel, para de graça.
– Não sei dançar – ele balançou a cabeça mas segurou minha mão e levantou a cabeça
– Eu te ensino – sorri e ele sorriu de volta. – Tá, segura na minha mão aqui – demos as mãos – e coloca a mão na minha cintura – guiei sua mão até a minha cintura e depois coloquei a minha em seu ombro.
Eu não sabia dançar só funk, gostava de todos os tipos de dança. Ensinei passos básicos, "dois pra lá, dois pra cá", "pra frente e pra trás", "abertura" e algumas demonstrações de giro, mesmo que Joel acabasse confundindo esquerda e direita, às vezes.
– Você não é tão ruim – eu disse, rindo.
– Eu fui ótimo – respondeu sarcástico, como se minha fala fosse quase insultante.
Eu ri. Nos sentamos novamente no sofá e continuamos escutando as músicas. Ele tinha vários CDs do U2, The Strokes, The Smiths e alguns rocks mais clássicos, como Led Zeppelin, Van Halen e The Clash.
As conversas sobre o significado das músicas se estenderam para um debate sobre significado de amor, morte, vida e linguagem, sobre como os componentes musicais podiam indicar coisas específicas; pausas mais demoradas no meio da música, saxofones estridentes e mudanças de oitavos. A história de certos tipos musicais eram incríveis e explicavam muito sobre a sonoridade escolhida em cada música, conversamos o que sabíamos e aprendiamos o que o outro queria ensinar.
Eu tinha colocado "Siririca (Vai Danada)" da Gaiola das Popozudas quando Joel perguntou:
– Você não acha que esses funks são meio baixos…? – ele parecia um pouco sensibilizado pela letra, mas eu não estava nenhum pouco retraído com a letra. A pergunta parece normal, mas aponta uma estrutura de pensamento composta por uma classe dominante.
– E qual o problema? – perguntei, com as sobrancelhas juntas. Ele tentou balançar a cabeça como um pedido de "desculpa", como se tivesse dito algo errado. – É que esse discurso tem sido feito desde sempre, por exemplo, quando Madame Bovary lançou, o autor foi rechaçado de crítica pelos "distúrbios morais" – fiz aspas com a mão –
– Madame Bovary… do romantismo? – perguntou, meio confuso. Havíamos visto rapidamente a obra citada nas aulas de literatura, mas eu havia lido o livro no primeiro colégio.
– É, o livro chegou a ser proibido pela Igreja Católica simplesmente por demonstrar que a mulher pode também seguir atrás de prazer sexual, coisa que até então era uma atividade "exclusiva" dos homens nessa sociedade europeia que passa suas ideias colonizadas pro ocidente. Foi a primeira obra a tratar a visão da mulher sobre o ato de maneira "obscena" pra burguesia que consumia, igual esses funks "baixos" em que a mulher diz que sente prazer no que está fazendo.
Ele tombou a cabeça e me encarou por alguns segundos e eu levei seu olhar como um incentivo para continuar falando.
– Eu gosto de ver a cultura, seja por música ou por livro, como uma forma de entender a ideologia que está tentando ser passada. Se reprovam, por que reprovam? Quem tem medo de falar sobre sexualidade? Quem se beneficia com a repressão sexual das mulheres? Com o padrão de expressao de sexo e genero?
– Os homens? – ele respondeu, meio sem confiança da própria resposta.
– Sim, mas um pouco mais que isso porque mulheres também são capazes de reproduzir esses pensamentos machistas, mesmo que acabem sendo vítimas da mesma violência – desviei o olhar, me lembrando de comentarios pertinentes de amigos meus. – É toda a sociedade colonial patriarcalista que cria um conjunto de discursos, técnicas e percepções que constroem e nomeiam, nomear na qualidade de "criar sentido" – fiz aspas – pro que é sexo e sexualidade. E se há necessidade de disciplinar a maneira que esses corpos devem agir, então não é algo natural, faz parte do mecanismo de dominação. O que você acha que é "ser mulher?"
– Eu não tenho nem ideia agora – ele riu. Foi sincero, estava levando a sério o que eu estava falando. – Quero saber o que você acha que seria.
Não pensei muito em seu interesse na hora, mas dormiria pensando no que havia falado. Ele estava se importando, queria saber o que eu falava, porque falava.
– Eu ainda não terminei de ler o livro – admiti, com um sorriso invertido de "foi mal" –, mas a Simone de Beauvoir fala que não se nasce mulher, se torna. Por que? Vagina e pau não constrói gênero, porque gênero não é natural. Gênero é um processo de socialização que se cria baseado no que a sociedade manda se desempenhar. Tipo, o que seria ser homem na época da Maria Antonieta? Eles tinham cabelo grande, andavam de salto e passavam maquiagem. Isso seria visto como "masculinidade" hoje? “A Porra da Buceta é Minha”, outra musica da Gaiola das Popozudas, começa logo falando que um cara ta difamando ela depois de ela ter rejeitado ficar com ele. Quando a mulher não serve simplesmente para ser objeto de satisfação e afastar de si os seus desejos próprios para ser esposa e cuidar dos filhos, ela é vista como mulher plena na sociedade? Além disso, quando se começa a pensar no controle de prazer de uma nação, você na verdade interfere no domínio da mulher poder falar que gosta de transar e obtém essa "sagracidade" no sexo como apenas para concepcao de individuos… mas eu ainda preciso estudar mais antes de falar sobre.
Dei de ombros. Poderia falar dos estudos de sexo e temperamento de Margaret Mead, sobre como mulheres samoanas adolescentes tinham uma vida sexual ampla antes de decidirem ficar com um mesmo parceiro pelo resto da vida, ainda nos anos 20, mas decidi interromper a linha de raciocinio.
– Eu gosto bastante desse assunto – completei. Não pediria desculpas por falar de algo que gostava, mesmo que tivesse falado muito.
– Você me passa os livros que você leu? Eu acho que preciso estudar muito antes de conversar de igual pra você – ele riu e eu balancei a cabeça em afirmativo freneticamente.
– Acho que você é a primeira pessoa além dos meus pais que não me xinga por esse discurso – revelei. Não sei porque o fiz, as palavras apenas saíram da minha boca.
– Seus pais concordam, então? – perguntou, mais por curiosidade do que por julgamento. Qualquer outra pessoa diria que eles eram "desnaturados" e por isso teriam criado uma filha tão "puta", como modo de colocar pessoas que não pensam igual ao sistema à margem da sociedade.
– Algumas partes sim, outras não – tombei o rosto, tentando lembrar das nossas conversas. – Eles gostam que eu pense, esse lance de se desprender do que precisa ser pensado e passar a pensar por mim mesma.
Ele arqueou os olhos, parecia ser algo novo para ele que país pudessem pensar assim.
– Só encontro meus pais no horário da janta e eles perguntam como foi a escola – admitiu.
– Mas você pode falar com seus amigos também.
– Eles são uns babacas, sei lá – deu de ombros. – Acho que sempre tô fazendo coisas pra tentar agradar eles, aguentando umas merdas que eles falam pra continuar sendo amigo de gente que nem liga pro que eu penso ou pra como eu me sinto.
Senti que era a primeira vez que ele falava isso em voz alta, que admitia para si mesmo que não gostava deles. Esse tipo de percepção doía quando feita verdadeiramente.
– E você quer continuar assim? – perguntei. – Você é um cara legal, um dos poucos na cidade. Sei lá, eu acho que você merece ficar perto de pessoas que te tratem bem.
Ele me encarou por algum tempo, antes de mudar de assunto.
Joel.
Quase não consegui dormir depois daquela conversa. Era recorrentemente zoado por acreditar que o governo estava nos espionando, na existência de uma ideologia estadunidense disfarçada na cultura que consumimos e os garotos distorciam minhas palavras quando eu falava sobre ETs. Ela entendia, ou pelo menos falava coisas parecidas. Era incrível.
Pensei muito sobre o que havia dito sobre minha amizade com os meninos, passei quase a evitá-los. Parei de ir no half, preferia ficar com ela na minha casa ouvindo música, ou assistindo um filme, ou fazendo qualquer coisa separada desde que estivéssemos juntos. Não sabia que ela lia tanto – não parecia e, talvez tudo seja obra realmente dessa percepção criada para que, se o adjetivo "inteligente" é bom, pessoas mal faladas nunca tenham a possibilidade de acessá-las. Ela sempre seria vista como "fácil", "puta" e "vazia", mesmo que eu não tenha visto ela sair com nenhum menino desde que ficamos amigos.
Ela jantou algumas vezes na minha casa, conheceu a minha família e acho que meus pais gostaram dela. Também fui jantar com sua família e nunca imaginei que teria um debate tão legal quanto o cinema como meio e produto da indústria cultural – consegui ver debates que jamais haviam sido discutidos na escola, na minha casa ou no meu grupo de amigos. Sair da minha zona de conforto estava sendo uma experiência como nenhuma outra.
Porém, em algum momento, eu precisei ver os meninos novamente.
– Cê sumiu, ein Joel – Fabrício comentou, andando com o skate a minha volta.
– Ele só anda com a piranha. Eai, já comeu ela? – Eduardo se sentou ao meu lado.
Revirei os olhos. Tive que respirar fundo para não desferir um soco em sua face.
– Ainda não? Véi, nem sei porque você tá insistindo tanto, é só comer e meter o pé – ele continuou falando.
Me levantei do lugar em que estávamos sentados.
– Você é a pessoa mais asquerosa que eu já conheci – admiti e ele cerrou o cenho, sem acreditar que aquelas palavras estavam saindo da minha boca, sempre havia sido tão compassivo… – Você é inseguro e usa essa pose de machão pegador para se colocar numa posição de superioridade quando na verdade é só um filhinho de mamãe desesperado por aprovação que vai ver que é um merda quando tiver 30 anos e perceber que não teve um relacionamento saudável e duradouro na vida porque ninguém te atura.
Respirei fundo. Poderia xingar sua risada, mas não era algo que ele poderia mudar – já a personalidade, era necessário que mudasse. Saí da pista de skate e deixei os dois se encarando quase boquiabertos.
No período da noite, chamei Joel para uma festa organizada por um colega meu de outra escola – era a poucas quadras da minha casa e fomos andando juntos. Quando comecei a ouvir a música, mesmo de longe, já comecei a mexer o corpo e ele riu.
– Hoje eu vou te ver dançando? – perguntei.
– Eu? Nossa, só se eu estiver louco de bebida – ele riu e eu arquei a sobrancelha. – Não!
– Eu nem falei nada – respondi com um sorriso, desviando o olhar.
– Mas pensou!
Eu sorri. Claro que eu não o embebedaria de propósito, mas seria realmente muito legal vê-lo na pista de dança imitando os passinhos dos outros garotos. Tinham tantos garotos que gostavam de dançar, talvez ele descobrisse um dom que não sabia que tinha!
Ao adentrarmos a festa, comecei a comprimentar meus conhecidos com beijinhos no rosto e conversar com as meninas que havia combinado de encontrar na festa.
Segui Joel com o olhar, mesmo longe. Fabrício e Eduardo passaram ao seu lado, mas nenhum deles se cumprimentou. Estranho. O que havia acontecido? Ele não havia me dito nada. Poderiam ter brigado, mas não me envolveria nisso. Ele poderia me contar sobre quando se sentisse à vontade.
Ele conseguiu conversar com Leonardo, mas por pouco tempo, antes que esse se juntasse aos amigos da nova escola. Me senti mal. Joel parecia um pouco deslocado, não conhecia metade daquelas pessoas. Era pra estar sendo uma festa legal pra ele…
Puxei uma amiga minha para o lado
– Lembra do menino gatinho que eu tinha falado que era super legal e que daria super certo com você? – perguntei.
– Sei.
– O que você acha? – apontei com a cabeça para Joel pegando um pouco de bebida.
– Bonitinho.
– Vocês podiam conversar… – eu disse e dei um sorriso.
Ela sorriu, indicando que era uma possibilidade positiva.
Me aproximei de Joel, trazendo-a com os braços dados. Dei dois toques em seu ombro, para chamar sua atenção, e ele se virou em nossa direção. A apresentei com nome e interesses em comum, aquele velho "conhece minha amiga?" que nunca falhava nas festas e os deixei conversando. Formariam um casal bonito.
Voltei para a pista de dança, a qual passei a noite inteira requebrando ao som de Mr. Catra. Quando passei perto de Eduardo, percebi que ele não tirava os olhos de Joel, mesmo a distância, e decidi ouvir a conversa que ele estava tendo.
– Até que ele tá se dando bem sendo amigo daquela vagabundinha, né? Ela até arranjou umas minas pra ele pegar – ele disse, bebendo um gole da bebida, sem tirar o olhar de Joel. Estava tão
– Quem você chamou de vagabundinha? – eu disse.
– Não foi isso, gata – ele tentou reverter sua fala.
Não era ele que vivia tentando me mandar depoimento no orkut pra ficar comigo? Joguei o resto da bebida barata que estava em minha mão e joguei em seu rosto. Foi um ato sem barulho e poucas pessoas chegaram a presencia-lo. Puxei sua blusa para que abaixasse um pouco a postura, ficando mais perto de mim, encarei-lhe nos olhos.
– Eu vou fazer com que você nunca mais fique com uma garota em Imperatriz, seu merda – sussurrei. Empurrei-o com força bruta, fazendo com que desse um passo para trás.
Joel chegou poucos segundos depois, tendo deixado seu posto da festa no segundo em que percebeu que eu estava falando com Eduardo.
– O que 'tá acontecendo aqui? – perguntou.
– Eu e Eduardo estávamos conversando, não estávamos? – encarei o mais alto, como se desse permissão para que falasse algo.
Eduardo afirmou com a cabeça, os cachos caiam molhados na sua testa e seu olhar era de profundo ressentimento. Me virei para Joel, agora fingindo que Eduardo nem ao menos estava presente. Ele era um rato pestilento do esgoto e não merecia muito de minha atenção; já havia lidado com homens piores.
– Vou falar tchau pro pessoal e a gente já vai – disse, com um sorriso.
Não sabia se deveria deixar Joel ali, mas ele já era um homem grandinho que sabia se defender. Rodei a festa falando tchau pros meus amigos e pros conhecidos que estavam junto desses, inclusive a amiga que eu havia introduzido a Joel. Será que eles chegaram a ficar naquela noite? Se bem que Joel não parecia ser do tipo que simplesmente beijava as pessoas que havia acabado de conhecer.
Ele estava me esperando perto da porta.
Estava tarde, mas voltamos andando pelas quadras, do mesmo jeito que fomos para a festa.
– O que achou dela? – perguntei, em relação a amiga que havia lhe apresentado.
– Legal – cerrou o cenho, meio sem entender a pergunta.
– Poxa, so "legal"? Eu tava tentando arranjar ela pra você – admiti.
– Como assim "arranjar"?
– Vocês dois são legais, bonitos… eu achei que poderiam se dar bem – dei de ombros.
– Não viaja – ele riu.
Continuamos andando, mas sem falar muito mais coisa. Estávamos um pouco afetados ainda com aquela última conversa com Eduardo. Não sabia o que ele poderia ter dito para Joel depois que eu saí, assim como Joel podia não saber o que havia acontecido antes de eu jogar bebida em Eduardo. Acho que não estávamos com coragem de perguntar sobre isso, mas em algum momento tínhamos que falar algo.
– Você brigou com os meninos porque eles tavam me xingando? – perguntei.
– Briguei com eles porque são uns imbecis –
– Eu não preciso que qualquer homem me defenda
– Eu não fiz isso pensando em te defender, eu fiz isso porque eles são imbecis… – reforçou seu comentário anterior – mas eu te defenderia, se quisesse. Somos amigos, não somos?
Afirmei com a cabeça. Éramos amigos e isso era algo que os amigos faziam. Andamos mais um pouco, até que eu chegasse em casa – a dele não era muito longe da minha. Abracei-o, firme.
– Boa noite, Joel – eu disse, num tom muito mais de "obrigada" do de que despedida.
Obrigada por que? Por ter me levado em casa? Por ser meu amigo? Por ter me defendido? Por estar comigo, independente de qualquer coisa? Não sabia dizer, mas ele entendeu o que eu havia dito. Deu um sorriso leve e eu o retribui.
Entrei em casa e tomei um banho. Entrei no Floguinho para ver se haviam postado alguma foto minha na festa e comentei em todas. Entrei no MSN e, instantaneamente, minha amiga me mandou mensagem.
*®*´¯`*.¸¸.*´¯`*AMIGA*´¯`*.¸¸.*´¯`*: Tem certeza que ele tava querendo ficar cmg na festa?
»»-(¯`·.·´¯)-> ک/N <-(¯`·.·´¯)-««: Joel é desse jeito msm
»»-(¯`·.·´¯)-> ک/N <-(¯`·.·´¯)-««: Ele é meio na dele, quietão assim mas eu acho que vcs iam combinar super
*®*´¯`*.¸¸.*´¯`*AMIGA*´¯`*.¸¸.*´¯`*: N amg
*®*´¯`*.¸¸.*´¯`*AMIGA*´¯`*.¸¸.*´¯`*: To falando que ele ficou te observando a festa inteira
*®*´¯`*.¸¸.*´¯`*AMIGA*´¯`*.¸¸.*´¯`*: Acho q era com vc q ele queria estar ficando
»»-(¯`·.·´¯)-> ک/N <-(¯`·.·´¯)-««: Claro q n
Mas, no fundo, acho que estava agradecendo por eles não terem se dado tão bem quanto eu imaginava que dariam.
Na semana seguinte, estávamos entrando no ônibus em direção a um evento de livros em São Paulo. A excursão destinada ao ensino médio do IECET fez com que dezenas de alunos se mobilizassem para a Bienal, mesmo que não tivessem o mínimo de interesse no motivo real da viagem. Gostavam dessas viagens escolares apenas pelo prazer de perderem um dia de aula enquanto passavam o tempo inteiro com seus amigos.
Eu me sentei do lado de uma colega, enquanto Joel estava mais ao fundo, sentado ao lado de Douglas. Me perguntei porque esse não estava sentado com a namorada, mas isso não era realmente um problema meu. Luiza não passava de uma conhecida que estava na mesma sala que eu, jamais perguntaria diretamente sobre sua vida privada; não tínhamos uma inimizade, mas ela de certo me olhava como uma meretriz pelas roupas que usava ou pela minha postura em festas.
Não ligava. Ela era a "princesinha de imperatriz", sabia que não havia pensado realmente o quanto de lavagem cerebral o apelido era capaz de fazer em seu cérebro. Ela detinha o título ou o título detinha ela?
Quando descemos do ônibus, fui procurar algumas editoras específicas. Enquanto alguns deles foram para as editoras mais famosas, com as histórias fictícias do momento, segui o caminho reverso. Joel chegou ao meu lado e me viu segurando um pedaço de papel.
– Você fez uma lista? – perguntou.
– Você não? – rebati.
– Tava pensando em decidir o que queria por aqui mesmo.
Ele sorriu e gesticulou para mostrar o "em volta". Quando abaixou o braço, sua mão roçou levemente na minha. Meu coração disparou por um momento e eu o encarei, assim como ele fez. Não era nada demais, encostar nas pessoas não era nada demais. Já tínhamos até dançando juntos. Não era nada demais. Desviei o olhar e continuei andando.
Ele me seguiu por toda a feira, enquanto me via comprar alguns livros de autores já consagrados e outros de autoras brasileiras ascendentes, a qual consegui um ou dois autógrafos. Fabrício nos encontrou em algum momento; eu sabia que ele não era tão má pessoa assim, mas andava tanto com Eduardo que não sabia que falas eram suas e quais eram copiadas da mentalidade que ele e o amigo construíram para encher o saco de Joel.
– Joel tá até convencendo você a ler agora? – ele disse, tentando começar uma conversa amigável mas falhando imediatamente.
– Cala a boca, Fabrício – Joel revirou os olhos.
– Eu nem sabia que você era alfabetizado pra estar aqui – comentei.
No meio desses comentários inoportunos, Joel pegou um livro de astrofísica e pagou no caixa, para que pudéssemos sair dali rápido. Não sabia que ele tinha interesse nisso. Na verdade, acho que nem ele sabia que tinha, apenas queria sair logo do lugar.
Quando voltamos ao ônibus, Douglas e Luiza se sentaram juntos, – talvez tivessem feito as pazes do que quer que tenha acontecido entre os dois. Minha amiga foi se sentar ao lado de Fernanda, que acompanhava Luiza na ida, e Joel veio se sentar ao meu lado. Já era noite e estavam todos cansados, o que resultou em todos dormindo ou com fones de ouvido em seus MP3 para não incomodarem os outros.
Tinha conseguido pegar no sono, mas quando Joel se mexeu, acabei acordando. Ele também estava com os olhos meio abertos, indicando que também havia acabado de acordar; nos encaramos pelo que pareceu alguns minutos, mas podiam ter sido segundos ou horas.
– Eu não consigo parar de pensar em você – ele sussurrou.
Não sei se disse isso por causa do sono, se achou que estava sonhando ou qualquer outra coisa. Na verdade, eu nem pensei direito – poderia estar sonhando também. Meus movimentos foram quase involuntários, sem questionamentos ínfimos das minhas partes cerebrais com mais ansiedade. Me coloquei um pouco ao lado, ainda apoiando minha cabeça na poltrona, e o beijei suavemente.
Foi um selinho. Um pouco demorado demais para caracterizar apenas como um encontro de lábios, mas estávamos muito sonolentos para pensar em aumentar o beijo – e aquele com certeza não era o ambiente ideal.
Demos um sorriso leve e eu encostei minha cabeça em seu ombro, voltamos a dormir.
Depois da viagem, não nos falamos mais. Trocávamos alguns olhares no corredor e, quando percebia que ele estava vindo conversar comigo, eu fazia questão de começar a conversar com outra pessoa, ou sair do ambiente. A memória passava em minha mente quando tentava dormir, quando acordava, quando estava estudando e parecia um sonho. Não sabia o que dizer, eu tinha estragado a nossa amizade.
Então, quando saí da escola depois da educação física, ele estava na porta da minha casa, me esperando. Não achei que ele quisesse tanto conversar comigo ao ponto de me procurar mesmo quando eu demonstrava claramente que precisava ficar longe dele. Seria demais para nós dois.
– Conversa comigo – ele pediu e se desencostou do muro
Joel carregava um semblante de tristeza, com as sobrancelhas baixas e, por mais que eu não quisesse ter entendido sua postura, tudo indicava que dizia "o que eu fiz?", como se o problema fosse ele. Acho que, quanto mais você convive com alguém, mais vocês criam essa linguagem que apenas os dois conseguem entender.
– Desculpa, Joel – disse, mesmo que não soubesse o porquê.
– Desculpa? – franziu o cenho. – Eu falei sério, eu só consigo pensar em você. Eu quero ficar com você.
Balancei a cabeça negativamente, tão fraco que quase não conseguia sentir meus movimentos. Joel deu um passo para frente, se aproximando, e eu prendi a respiração.
– Eu não quero estragar você – eu disse.
– Como assim "me estragar"?
– Você sabe como eles falam de mim, o que eles vão falar de você…
Franziu o cenho por um minuto. Era isso que eu estava tentando evitar?
– Eu não ligo. Quem são eles? É você que eu quero! – falou, num tom maior, quase bravo. Dei um passo para trás.
– Você não gosta de mim, você gosta da liberdade que eu te ensinei a ter – não sei se realmente acreditava nisso ou se apenas o tinha falado para ele se afastar.
– Por que você não consegue aceitar que eu realmente gosto de você? – deu um passo para frente, um pouco maior do que o passo que eu tinha dado para trás. – Primeiro você tentou me colocar com a sua amiga e agora tá falando que eu não gosto de você. Eu te amo – ele admitiu, mas não parou – e você me ama, porque seu primeiro pensamento foi tentar me proteger das pessoas insuportáveis, ao invés de falar que não sente o mesmo
– Joel… – minha voz saiu num sussurro, não sabia o que dizer.
Ele deu mais um passo para frente e eu dei outro para trás, ficando contra o muro da entrada da minha casa. Ele estava perto e minhas sobrancelhas se uniram ao centro, com um olhar apiedado.
– Você é um sol que queima forte e brilhante, com tanta vontade e paixão que dá pra se ver a quilômetros de distância; que eu preciso pra viver e que talvez tente se destruir à medida que queima, como nas fusões nucleares que mantêm o sol energizado.
Havia aprendido isso lendo o livro de astrofísica? Mas era verdade. Ele me conhecia, nas melhores e nas piores partes. Sabia o que os outros falavam de mim, que eu não tinha o humor mais estável do mundo e que minhas opiniões eram tão fortes que jamais venceria uma discussão. Mesmo assim, me amava – e eu não queria acreditar nisso.
– Joel… – sussurrei novamente e ele balançou a cabeça em negativo.
Não aceitaria uma argumentação da minha parte. Não podíamos argumentar sentimentos. Seus olhos estavam nos meus e sua mão estava à altura do meu cabelo, para colocar uma mecha atrás da orelha. Senti o calor emanando de sua mão quase contra minha pele e quis que ele tocasse minha bochecha, um suspiro deixou os meus lábios.
– Pensa nisso, tá? – ele disse, baixo.
Deu um passo para trás e voltou a andar em direção ao caminho da sua casa. Não. Joguei a mochila no chão e andei com passos rápidos atrás dele. Passei a mão no rosto, como se não acreditasse que iria fazer isso. Mas, afinal, qual era o problema? Eu acreditava que mulheres deveriam seguir o seu próprio prazer, buscar a sua própria felicidade. Achava isso só na teoria? Não. Eu agia conforme queria.
Acho que, no meu subconsciente, ainda estava corroída com a ideologia de que eu precisava apresentar um papel de feminilidade definida pelo patriarcado para conseguir ter um relacionamento heterossexual sério. Esse tipo de ideologia é tão estruturada e internalizada que nos faz acreditar que, se vamos na contramão de seu movimento ou se somos marginalizadas nessa cultura, não teremos relacionamentos duradouros – tudo muito estruturado para sempre obrigar todos a participarem de seu sistema.
Eu quero é que eles se fodam.
– Eu fiquei aliviada por você não ter ficado com a minha amiga – disse e ele parou de andar.
Dei alguns outros passos para ficar mais perto dele. Joel estava me encarando. Ainda não se sentia confortável para me dar um sorriso, um pouco desacreditado da situação. Me aproximei mais e passei a mão levemente pelo seu antebraço, subindo até a linha de seu ombro e pelo seu pescoço. Meu olhar foi para sua boca e eu sabia que o dele também estava na minha. Passei meu dedão por sua bochecha e por cima dos seus lábios, pareciam macios.
– Eu também gosto de você – admiti.
Me aproximei de forma lenta, aproveitando o momento, e novamente selei o beijo. Dessa vez, havia muito mais vontade e força em nossos movimentos, querendo explorar todas as oportunidades que não havíamos feito antes. Sua língua na minha e suas mãos na minha cintura, não conseguia fazer mais nada além de bagunçar todo o seu cabelo. Não sabia que precisava tanto daquele beijo, agora se tratava de uma necessidade. Eu precisava devolvê-lo e ele, a mim.
Separamos o beijo mas mantivemos nosso corpo colado, com o rosto separado apenas o suficiente para que conseguíssemos trocar algumas palavras.
– Acho que não deveríamos estar beijando assim no meio da rua.
– Eu não ligo – respondi e voltei a beijá-lo.
Aᴏ3
Wᴀᴛᴛᴘᴀᴅ
𝙲𝚄𝚁𝙸𝙾𝚂𝙸𝙳𝙰𝙳𝙴𝚂
Essa festa do Lucão é referenciada pelo Douglas na primeira temporada, quando ele tá falando com a Luiza. Tô usando até personagem que não aparece aqui, vai vendo.
O nick do Joel canonicamente é _Joel e o subnick é a música do U2. Eu estou em todos os detalhes KKKKKKKK
Meu desejo de menina era poder voltar a usar o msn
5 notes
·
View notes