com o tempo, murcharam as palavras que guardava para te dizer… as afiadas sílabas já não rompem os papeis alicerces do coração. desce este silêncio sobre a casa, onde outro silêncio mais antigo já se instalara.
com o tempo desfolham as ilusões, não voltarás aqui. mas se por acaso regressares de mim nada encontrarás.
Colecção VÁRIA, #2
AL BERTO : “o que vejo já não se pode cantar”
(Abril, 2019)
Organização: Golgona Anghel
Textos: Alexandre Melo, Fernando Cabral Martins, Fernando J. B. Martinho, Golgona Anghel, João Dionísio, Osvaldo Silvestre, Patrícia Soares Martins, Paula Cristina Costa
Apoio à edição: Casa Fernando Pessoa
https://livrosnaoedicoes.tumblr.com/post/186160603736/colecção-vária-2-al-berto-o-que-vejo-já-não
Na imagem @ Livraria da Travessa Lisboa
Durante anos eu mantive a newsletter poesia de domingo... resgatada a partir de hoje, com um poema de Al Berto...
para te manteres vivo — todas as manhãsarrumas a casa sacodes tapetes limpas o pó eo mesmo fazes com a alma — puxas-lhe brilhoregas o coração e o grande feto verde-granulado
deixas o verão deslizar de mansinhopara o cobre luminoso do outono eàs primeiras chuvadas recomeças a escrevercomo se em ti fertilizasses uma terra generosacansada de pousio — uma terranecessitada de águas de sons de afectos…
"Hoje, sem ti, já não consigo pressentir a sombra magnífica da noite sobre o rio. Nada se acende em mim ao escrever-te esta carta. Só a foz do rio parece guardar a memória duma fotografia há muito rasgada. (…) Mas ninguém possui verdadeiramente alguma coisa. As coisas do mundo pertencem a todos e, sobretudo, a quem apredeu a nomeá-las. E eu já não consigo nomear nada. Não me lembro sequer de um nome que resuma o movimento desastroso dos dias.”
O que resta de uma viajem in Anjo Mudo, Al berto (2001:27)
preemptively starting josé's emmy campaign for eric. idk what his role will ultimately end up being, or how the writing will be. im just telling you all he should win an emmy for it.
deus tem que ser substituído rapidamente por poemas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis, vivos e limpos.
a dor de todas as ruas vazias.
sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste silêncio. e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abismo.
sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de acabar comigo mesmo.
a dor de todas as ruas vazias.
mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do
deserto, e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e dos encontros inesperados.
pernoito quase sempre no lado sagrado do meu coração, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.
a dor de todas as ruas vazias.
pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a lisboa na fragata do alfeite. basta pôr uma lua nervosa no cimo do mastro, e mandar arrear o velame.
é isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem
cadastro.
a dor de todas as ruas vazias.
sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. o filme acabou. não nos conheceremos nunca.
a dor de todas as ruas vazias.
os poemas adormeceram no desassossego da idade.
fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas... e nada escrevo.
o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.
Berto Romero se asoma al género de terror con 'El Otro Lado', una serie original Movistar Plus+ en colaboración con EL TERRAT (The Mediapro Studio) y dirigida por Javier Ruiz Caldera y Alberto de Toro.