Tumgik
#PrivadosDeLiberdade
diversoshorizontes · 1 year
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Greg
Inconsequente. Era assim que Greg era normalmente definido. Na verdade, pais e professores não compreendiam sua inteligência caótica. Hiperativo, jogado à sua própria sorte e já rotulado como “aquele que não ia dar certo na vida”, assumiu o posto. Aproveitava qualquer oportunidade para ganhar dinheiro fácil. Com 18 anos, após uma escalada de pequenos delitos, ele foi finalmente penalizado, condenado por assassinato. Assassinato. Esse era um fardo pesado demais. Precisaria prestar conta não apenas para a sociedade, mas para si mesmo.
Na prisão, seu carisma e interlocução renderam aceitação de todos, dos mais antigos presidiários ao guarda mais carrancudo. Apesar de não ter terminado os estudos, Greg era ávido leitor e, consequentemente, escritor. Numa época em que não existiam e-mails e o analfabetismo reinava entre a população negra e pobre, ele se tornou o escritor de cartas que levavam pedidos de perdão, compromissos e juras de amor para além dos muros.
Certa vez, recebeu um pedido inusitado de Carlão, um senhor de idade que o procurou. Ele precisava enviar uma carta para um juiz. Seu tempo de prisão aguardando o julgamento já havia excedido o tempo da pena prevista para o crime que cometera. Se conseguisse a atenção da Justiça, seria solto. Alguns meses após a carta ser enviada, Carlão chegou com duas sacolas de plástico, com seus poucos pertences, e um grande sorriso banguelo.
_ Cantou, Greg, cantou!
_ Cantou o quê, homem de Deus?
_ A minha liberdade. Graças à sua carta, estou livre, disse ele, dando um abraço sem pedir permissão.
O que Carlão não imaginava – e nem mesmo Greg – é que aquela carta fazia nascer um futuro advogado. Em uma saga que não cabe nestas linhas, Greg terminou os estudos ainda privado de liberdade, passou no vestibular e cursou Direito no semiaberto. Conquistou seu registro na OAB e, desde então, continua a escrever, não mais cartas, mas textos jurídicos. E há quem não acredite em finais felizes. Eu diria que estão certos, porque não há final nenhum, apenas mais alguém tentando, dia após dia, fazer o seu melhor, deixando para trás os rótulos impostos a ele.
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O Diversos Horizontes é projeto realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte (Modalidade Fundo).
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