Tumgik
#contosdefinados
erikahespanhol · 2 years
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CONTOS DE FINADOS
Prólogo
Finado: algo que finou, findou, acabou ou morreu.
Todo dia 2 do mesmo mês, meus primos e eu íamos com nossos familiares para o cemitério visitar o túmulo daqueles que já se foram para acender uma vela. No final do dia, as crianças voltavam para a casa e os adultos continuavam por lá até o dia seguinte. Todas as crianças do bairro tinham curiosidade a respeito do que acontecia toda noite do dia 2 daquele mês. Um ano, eu deixei uma das velas da capela da minha nona apagada, com a desculpa de voltar à noite para acende-la. Chegando ao portão do cemitério, antes mesmo de entrar, pude ver, nitidamente, nona Cecília seguindo uma multidão de almas, perdida, pois a vela que segurava em sua mão estava apagada.
CONTOS DE FINADOS:
Olhos Curiosos
Cemitério Particular
Sementeiro
A visita
O Beijo da Morte
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erikahespanhol · 2 years
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Olhos Curiosos
“Dona Chica admirou-se do berro que o gato deu”
“A curiosidade matou o gato” é um ditado popular usado para alertar uma pessoa de que um mal pode ocorrer se ela for muito curiosa. A forma original do ditado, hoje pouco usada, era “a preocupação matou o gato”. No caso, a “preocupação” era usada com o sentido de ficar preocupado/aflito mesmo. Sempre levei esse ditado a sério e vivi uma vida buscando não procurar nada que não me conviesse, até o dia em que fui colocar meu filho para dormir e encontrei uma coisa apavorante.
Meu filho tinha cinco anos de idade, na época. Toda noite, antes de dormir, eu ia até o quarto do pequeno Henry para cobri-lo, dar boa noite e apagar a luz. Era o mesmo ritual, todas as noites. É importante dizer que Henry sempre foi um menino muito imaginativo e, vez ou outra, me pedia que conferisse se não tinha nada escondido no roupeiro, atrás das cortinas, no canto entre a cômoda e a parede... Eu sempre chequei, para lhe dar a certeza de que aquele era um lugar seguro e que eu sempre iria protegê-lo.
No entanto, em uma noite qualquer, de um dia qualquer, entrei no quarto do ainda pequeno Henry para dar um beijo em sua testa e cobrir seu corpinho com seu cobertor preferido. Acabei por encontrá-lo embaixo da cama, aflito, me dizendo: “pai, tem um monstro dentro do roupeiro”. Crianças podem ser muito medrosas nessa idade. Assistem a algum filme, leem histórias, conversam coisas assustadoras com os colegas na escola... e isso acaba gerando medos irracionais em suas mentes. Como sempre, para provar que não havia nada dentro do roupeiro, me virei e fui em direção à uma de suas portas para conferir e confortá-lo.
Assim, dei uma olhada afetuosa para meu filho, coloquei o indicador sobre os lábios para sinalizar um pedido de silêncio, estiquei a mão para abrir a porta do roupeiro e, quando me virei para o móvel, agora aberto, vi meu pequeno Henry lá dentro, todo encolhido, me lançando um olhar assustado da mesma forma que eu, provavelmente, o lancei. Foi então quando ele me disse aos sussurros: “pai, tem um monstro embaixo da minha cama”.
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erikahespanhol · 2 years
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Cemitério Particular
“Sentir medo da noite não fará com que o dia escureça mais devagar”
Na cidade em que eu morava, havia uma família muito rica e influente chamada Dal Farra. Eles tinham algumas particularidades, que faziam o pessoal da cidade os chamarem de família Adams, como a licença de um cemitério familiar no quintal. No entanto, o terreno era grande o suficiente para terem esse tipo de espaço e, se algumas famílias podiam ter uma quadra de tênis, por que outras não poderiam ter um cemitério? Desde que estivesse dentro da legalidade ambiental...
Particularmente, sempre tive interesse na propriedade dos Dal Farra. A casa não era muito grande, mas sua arquitetura era absurdamente diferente de tudo na cidade, quase um ponto turístico. Era uma casa de pedras escuras, tinha dois pisos. Sua frente possuía uma pequena escada que dava para a área, levemente arredondada, sustentada por alguns pilares cheios de formas. No segundo piso, havia uma miniárea também, de um lado, provavelmente à porta de um quarto que dava para a rua da frente e, ao seu lado, uma sacada sem cobertura. Era um cenário meio Romeu e Julieta, mas sem as flores. As pedras mesclavam entre um tom de chumbo e um vermelho desbotado. Tinha um ar bem antigo, mas elegante e muito sério. Era a minha casa dos sonhos.
Eu devia ter por volta dos trinta anos quando o Sr. e Sra. Dal Farra faleceram juntos em um acidente de carro. Os filhos, que tinham mais ou menos minha idade, e nunca se casaram ou saíram da casa dos pais, decidiram voltar para a cidade natal deles, em que viviam os tios e primos. Ninguém sabia muito sobre os Dal Farra, mas muita gente comentava que eles eram fechados a ponto de casarem-se apenas com membros da própria família. Havia um boato, inclusive, de que o Sr. e Sra. Dal Farra eram primos de segundo grau criados praticamente juntos.
Foi nessa época, inclusive, que comprei a residência dos Dal Farra. Com a mudança dos irmãos, a casa foi posta a venda e eu, que sempre vivi de olhos nela, não perdi a oportunidade. Assim que a papelada ficou pronta, já resolvi minha mudança imediata. Felizmente, não precisei carregar muitos móveis, pois a casa havia ficado com todos. No entanto, achava um pouco estranho utilizar aqueles mesmos móveis que a família metade falecida havia usado por anos, mas preferi o conforto e calmaria da não necessidade de transformação dentro dos cômodos, afinal, o jeito que era por dentro, combinava com a parte de fora.
Lembro-me bem da primeira noite naquele lugar. A escuridão da paleta de cores da decoração da casa piora quando o sol se vai. Toda seriedade e elegância dão lugar a um ambiente assombroso. As coisas pioraram ainda mais quando rapidamente lembrei que havia um cemitério no quintal. Assim como muitas pessoas no mundo atual, eu sou bem cética. No entanto, também acredito naquilo que vejo. Eu nunca vi uma assombração fantasmagórica, por isso não acredito, mas… e se um dia eu ver? Talvez seja por isso que, nos momentos de pânico, cobrimos nossos olhos.
Passei três dias tentando entender que não havia nada de mais em ter corpos enterrados no quintal e que isso não assombraria minha nova casa, que tudo que andava sentindo nos últimos dias era fruto de um medo imaginativo. É claro que não manteria o tal cemitério comigo. Não só por questões culturais (não eram meus parentes) como por questões ambientais. Eu pretendia transformar o quintal em um ambiente de lazer com piscina e precisaria utilizar partes mais profundas daquele espaço do terreno. Pensando nisso, tentei entrar em contato com um primo meu, que é policial, para comunicar aos responsáveis sobre a situação. Não tive muito sucesso, mas nem foi preciso, no dia seguinte eles apareceram no terreno justamente para resolver essa questão.
Ninguém conseguiu contato com os Dal Farra, para saber o que pretendiam fazer com os corpos. Era como se eles tivessem deixado de existir. O que não foi tão surpreendente, já que tinham hábitos estranhos e eram absolutamente reservados. O fato de terem vendido a residência, também, sem informar nada a respeito do cemitério familiar, nos fez chegar à conclusão de que não se importavam. De qualquer modo, meu primo deixou um espaço legista encaminhado para os corpos, caso alguém aparecesse para procurar informações.
Por ser prima do policial, eu estava presente no dia em que foram desenterrar os corpos. Alguns estavam em caixões, mas encontramos outros enrolados apenas em tecidos sem o menor cuidado. No entanto, o que mais nos chamou a atenção foi um corpo que parecia ter sido enterrado recentemente. No primeiro momento, imaginamos que pudesse ser um dos corpos do casal, mas estranhou-nos que estivesse sozinho. Ao abrir para conferir quem estava enrolado naquele tecido, meu primo e a equipe legista ficou petrificada. Tentei questioná-los sobre o que estava acontecendo, mas ninguém me deu atenção. Após alguns segundos, consegui me aproximar do corpo para sanar minha curiosidade em saber a quem pertencia, pois para meu primo parecer tão assustado, poderia ser que eu conhecesse também.
Um imenso assombro, maior do que o que passei nos últimos dias na casa, tomou conta de mim. Ao olhar para o corpo descoberto e sujo deitado no chão, vi a mesma imagem que via todos os dias no espelho. Já não sabia mais se estava de pé vendo meu corpo, sujo de terra, no chão, ou se estava no chão, suja de terra, olhando meu corpo de pé em minha frente. Uma confusão tomou conta de minha mente e quando ouvi meu primo citar meu nome para o corpo, o choque foi ainda maior. Na tentativa de me afastar visualmente do que tinha em minha frente, fechei os olhos. E nunca mais os consegui abrir.
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erikahespanhol · 2 years
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Sementeiro
Toda pessoa é plantada para brotar saudade e florescer memórias.
Com uma dentada, uma semente fora arrancada de dentro do fruto.  Foi limpa de todo o suco de sua laranja mãe e arremessada na terra. Um nada, inútil, sem significância, o incômodo entre a laranja mãe e a boca de quem a come.
Jogada na terra, banhada ao sol, a semente secou. Com o vento, foi coberta de terra. Chuva, frio, sol, sereno, calor, todos os golpes possíveis dados pelo clima ela levou. Seca, feia, sofrendo com ranhuras. A semente se sentia inferior. Até que, de dentro de sua ranhura, um brotinho verde e hidratado deu lugar à casca seca e morta da semente.
Com o passar dos meses, todo sol, chuva, sereno, calor, frio, que maltratava a semente, auxiliava o broto a crescer forte e saudável. Alguns anos depois, já sendo uma grande árvore cheia de folhas verdes, flores, pássaros, cresce o primeiro fruto. Uma imensa e suculenta laranja. Amarelinha, casca grossa, açucarada. Estando madura, pronta para fazer o desligamento da árvore mãe, a laranja é apanhada, descascada, cortada ao meio...
... e com uma dentada, uma semente fora arrancada de dentro do fruto.
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erikahespanhol · 2 years
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A Visita
"Como um fantasma que se refugia Na solidão da natureza morta, Por trás dos ermos túmulos, um dia, Eu fui refugiar-me à tua porta!"
A cidade em que moro costuma ter um período muito forte de chuvas entre fevereiro e março. Ainda é verão nessa época aqui, e minha cidade tem o formato de uma bacia: a cidade fica em um buraco e os morros ficam em volta dela, o que torna o clima mais quente, fortalecendo a chuva tempestuosa. Às vezes chove tanto que dá até para usar casaco em pleno verão.
Minha avó sempre foi aquele tipo de pessoa que gosta de tomar chá caseiro. Ela tinha as próprias ervas no quintal. Nesses períodos em que chovia, ela aproveitava para fazer um chazinho quente antes de dormir. Lembro-me bem dos momentos em que passava com ela. A casa de madeira, o fogão a lenha sempre usado no inverno, o chazinho para tomar enrolada na coberta enquanto assistia à novela...
Em um desses períodos chuvosos do ano, a tempestade que caía do lado de fora da casa estava forte e cada trovão estremecia todas as madeiras da casa. Minha vó já estava acostumada, e sua casa também. Não tinha o que temer quanto a isso. Assim, ela pegou as ervas que tinha colhido mais cedo para preparar o famoso chazinho da noite. Sentou-se no sofá para assistir à novela enquanto a água não fervia. Não tinha esquentado lugar ainda quando bateram à sua porta.
Uma moça, encharcada da chuva, implorava ajuda. Prontamente, minha avó pediu que ela entrasse. A estranha explicou que seu carro havia estragado. Sem ter como parar embaixo da chuva para concertá-lo, decidiu correr até a casa mais próxima para pedir ajuda, chegando até a cada de minha avó. Ela pediu, então, para usar o telefone, a fim de pedir ajuda. Infelizmente, minha vó precisou explicar que o telefone estava “fora” naquele momento, o que era muito comum em dias como aquele, por ser uma região pequena também. No entanto, se quisesse, ela poderia pousar ali. Minha avó pediu que a moça entrasse no banho, levou toalha e roupas quentinhas. Enquanto isso, o chá ferveu. Preparou duas canecas. Beberam o chá juntas, assistiram à novela, conversaram e tiveram, ali, um momento estranhamente confortável, como se fossem velhas amigas, apesar da aparente diferença de idade.
Mais tarde, minha avó preparou o quarto de visitas e acomodou sua querida hóspede. Deitaram-se e dormiram tranquilamente. Nem perceberam que o gás do fogão, utilizado quando o fogão a lenha fica parado, havia ficado ligado, assim como a boca do fogão que acomodava o chá que beberam mais cedo. No meio da noite, enquanto a tempestade ainda corria livre no céu, um raio fugiu de sua rota comum, descendo até a cozinha de minha avó. A combinação entre o raio e o gás foi uma perfeita ligação química para o caos. Do ponto de vista da natureza, um verdadeiro espetáculo musical e visual. Do ponto de vista humano, uma tragédia.
A casa pegou fogo instantaneamente. Por conta do horário e do distanciamento das casas da região, o socorro demorou a aparecer. Quando os bombeiros chegaram, havia mais fogo do que casa. Tudo havia sido destruído. Como os quartos ficavam no segundo piso, conseguiram recuperar, ainda que sem vida, o corpo de minha avó. A respeito de sua querida visita, não havia nem corpo, nem caneca, nem roupas extras e muito menos qualquer carro nas proximidades.
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erikahespanhol · 2 years
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O Beijo da Morte
"A gota da seiva do céu ninguém faz melhor que você e eu"
Eram 18h de uma quinta-feira quando ela entrou devagar e silenciosa pela porta do bar. As palavras simplesmente sumiram de minha boca, minha garganta não era mais capaz de emitir qualquer som. Tudo que eu mais desejava era que ela me pegasse pela mão e me levasse desse lugar. Uma gana quase suicida tomava conta de mim. Ela era a própria morte: divina.
Virou o rosto lentamente em direção ao meu e me entreolhou por trás das mechas do cabelo cacheado que lhe caía sobre a face. Vi tudo em câmera lenta: seus passos, o piscar dos olhos, a gota de suor que corria por seu pescoço… Nada parecia ter relação com a força gravitacional da terra. Me estendeu a mão, como se fizesse um convite, e eu fui.
Os acontecimentos a partir disso se fragmentaram. Não sei dizer como ou em que momento saímos do bar, mas, aparentemente, fazia um bom tempo que não estávamos mais lá. Não importava. Nada importava. Quem eu fui, quem sou, quem um dia eu poderia ser, nada disso fazia mais sentido. Me sentia como nunca antes, minha pele era o lugar mais confortável do mundo para habitar.
E então, finalmente, o beijo. O gosto da vida nunca havia sido tão doce em minha boca, mel do paraíso. Esperei minha vida inteira por isso, me preparei para isso, orei por isso. Era tudo o que eu queria, nada mais, nem um detalhe além. E, assim, ela me envolveu em seus braços e eu me senti flutuar para longe do meu corpo. Ela era como sol, o meu sol. Ainda mais agora que ele havia se posto. Eterno descanso.
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