Aos pecados, trago redenção.
Heresia, depravação e bruxaria! Negas esses crimes contra o nosso senhor e nossa santa comunidade? - Indagou o reverendo a Catarina, que amarrada, se contorcia e chorava em desespero.
Nego! Nunca fiz mal a ninguém. - Respondeu a acusada de bruxaria, sentada a na frente de todos.
A população em peso se reunia no centro da vila para julgar a mulher, baseando-se em boatos de que o tempo ruim que destruirá a plantação era obra de bruxaria, assim como o sumiço de duas garotas nunca mais vista pelos parentes.
O reverendo tomou novamente a palavra após uma onda de gritos contra a bruxa. - Todos viram! Estava tu na floresta, deitada nua em um circulo de galhos negros! Como tens coragem de negar se todos a viram nessa situação?
MATEM A BRUXA! - Um coro ecoou da multidão enebriada pelo medo e ódio.
Catarina se repuxava com uma força abissal das cordas que a prendiam. Seu rosto estava rubro, e os olhos escondidos pelo inchaço de tanto chorar.
Vox Populi, Vox Dei! - Ao terminar a frase, o reverendo não conseguiu segurar um leve sorriso iniciado pelo clamor da população em acordo com a sentença.
A bruxa se deixou levar pela certeza da morte, e com um grito que não cabia a aquele corpo, desmaiou.
No dia da execução, um palanque foi montado no mesmo lugar onde Catarina foi julgada. Um poste reforçado ostentava uma corda grossa com um laço na ponta. A bruxa foi trazida com as mãos amarradas, e um capuz na cabeça. As vestes que um dia foram brancas estavam amareladas pelos cinco dias de uso continuo na prisão.
Todos que se reuniam para ver o espetáculo da execução, portavam cruzes e gritavam para que o ato se apressasse.
Povo de Deus! - Se iniciou o reverendo - Estamos todos aqui para mostrar ao demônio o poder de nosso senhor!
Todos disseram amém.
Essa depravada mulher, se vendeu as promessas falsas de Satanás, e hoje pagará por seus pecados.
Amém.
Mas antes da vontade de nosso senhor ser cumprida, peço que esta conte seus rituais. - Se interrompeu o reverendo.
ASSIM SABEREMOS COMO NÓS PREVIVIR! - Um grito se destacou na multidão.
Exatamente isso. - Disse o reverendo se virando para Catarina - Vá maldita, diga o que aconteceu na floresta naquela noite...
Um mês antes de ser acusada, julgada e condenada à morte, Catarina, assim como todas as mulheres da vila era uma devota. Nunca faltará a uma missa, sempre foi extremamente fiel a seu marido e ao clero. Um dia descobriu que seu cônjuge a traia com uma mulher de uma vila vizinha. O marido, o mair leiteiro da vila, um homem devoto e extremamente fiel a igreja, negou as acusações e nunca foi sequer contestado. Depois do caso, Catarina se afastou da comunidade que a acusava de falso testemunho.
Dia 30 de setembro. Catarina tinha certeza de que seu marido mais uma vez tinha ido para a casa de sua amante. Envergonhada e sozinha, teve a certeza de fugir e se dirigiu a floresta, para de lá seguir para onde fosse. Desorientada, saiu de casa com a roupa do corpo, cabelos soltos e pés descalços. Se dirigiu a floresta que ficava ao sul de sua casa. Atravessou o pasto, a mangueira e as cercas de sua propriedade. Seguiu caminho por entre as árvores. Os galhos secos e pedras cortava os pés descalços, mas Catarina não se importava. Ela continuou a andar até o Sol não mais iluminar o chão por entre os galhos. Perdeu a noção do tempo. Quando deu por si novamente estava em um clareira, que era iluminada pela lua crescente.
Olá - Uma voz jovial e grave vinha de uma parte escura da floresta atrás de Catarina.
Quem está ai? - Indagou a moça, virando-se repentinamente de susto.
Te acalmas Catarina. Eu sou aquele que estende os braços aos aflitos. - Um homem belo, com cabelos até os ombros, pretos como a noite, vestindo roupas brancas como neve, saiu das arvores com um passo calmo e um sorriso cativante no rosto.
A moça sem entender, ficou enebriada pela beleza do homem. - Como sabes o meu nome?
Sei o nome de todos. Todos me tem dentro de si. Tem medo de me deixar sair, mas quando precisam me pedem ajuda aos prantos.
Catarina se afastava pouco a pouco do homem, quando percebeu que este começava a avançar em sua direção.
Quem é você de fato! - Indagou ela, com um tom mais alto que o de antes por um medo que crescia em seu peito.
HAHAHA - Uma risada debochada saiu dos lábios do homem. - Oh garota bela. Eu sou aquele que no inicio era conhecido como estrela. Dentre os criados eu sou o mais belo. Fui chamado de caído e traidor. Eu sou aquele desejo de algo que você não tem. A sensação de falta mesmo quando se tem tudo. Eu sou quem pode te dar o que quer. Eu sou a tentação. O único que resistiu a mim, morreu na cruz. Eu sou as entranhas dos famintos. O vento gelado que sopra no seu pescoço. Sou quem está no escuro quando você está sozinha. O bode que dança nas trevas. Quem te mostra os caminhos mais fáceis. Sou a humanidade sem regras. A liberdade que todos querem. Sou o prazer vivo. Pode me chamar de demônio se quiser, mas prefiro meu nome verdadeiro, Lúcifer.
Ao terminar sua apresentação, o anjo caído estava a menos de um palmo da mulher, que estava completamente imóvel pelo pavor das palavras.
Então ovelhinha? Não quer se sentir livre e feliz? - Lúcifer, sorrindo, estendeu uma metade de uma romã para Catarina.
A mulher não se mexia. Sentia um medo que nunca se quer pensou que existia.
O homem comeu a outra metade da romã, ainda estendendo a outra metade a Catrina.
Catarina, ainda catatônica, só pensou em um nome. Miguel. Em um momento de iluminação, ela implorou ao Arcanjo que lhe desse proteção.
Por um segundo, a forma de Lúcifer de um homem bonito se foi. Pés de bode, cauda, chifres e um cheiro de podridão tomaram a forma daquele ser.
A mulher gritou e desequilibrou em galhos atrás de si. Caiu pesadamente, enquanto o anjo caído se aproximava e tocava sua nuca.
Após isso, ela só se lembra de estar nua, em uma carroça com vários moradores da vila a observando e cochichando algo enquanto a apontavam...
ELA SE DEITOU COM O DIABO! - A multidão gritava - MATEM-NA! AGORA!
O reverendo se aproximou de Catarina que chorava e implorava por clemencia, negando ter cometido tal ato.
Que Deus tenha piedade dessa alma. - Ele colocou a corda em volta do pescoço da bruxa.
Catarina gritava pedindo à Deus piedade.
Todos, obedecendo ao reverendo rezaram antes de executar a mulher.
O reverendo se aproximou de Catarina. Ela o olhava pedindo por clemencia. Ele fez o sinal da cruz na testa da bruxa, e sussurrou ao ouvido dela - Adeus ovelhinha. Obrigado pela noite na floresta.
Quando os olhos da mulher se esbulharam o chão se abriu sob seus pés seu pescoço se quebrou imediatamente, silenciando a agonia da bruxa, e livrando a cidade de seus pecados.
5 notes
·
View notes