Tumgik
#flávia peret
liel-sumeragi · 4 years
Text
Diários, relatos, limbo e quarentena.
Tumblr media
Desde que tudo isso começou só saio de casa para levar minha cachorra para passear. Damos a volta no quarteirão. São quatro ruas apenas. Ela é cega e só sabe andar por essas quatro ruas então nem se eu quisesse poderia variar o caminho. Saimos duas vezes por dia. De manhã e a tarde.
O passeio da tarde costumava ter uma parada pra brincar com as crianças de uma das ruas. Ela ficava lá parada enquanto as crianças passavam a mão elogiando o pêlo macio. Ela passa bem rápido por essa rua agora que não tem mais criança. Não sei se sente falta.
Tumblr media
Tenho lido muitos relatos sobre a quarentena. Como está sendo pra cada um. Leio em blogs pessoais, no Instagram, em sites das editoras e em revistas (online). Leio direto no meu e-mail também. Nas newsletters que recebo. As fontes são muitas o conteúdo mais ou menos o mesmo. A sensação é parecida com a de quando tentei ler “A guerra não tem rosto de mulher”. Já comecei o livro da Svetlana Aleksiévitch umas três vezes e nunca terminei... não que eu não ache bom... mas me dá a sensação de que a cada novo relato estou lendo a mesma coisa num looping interminável. Um dos sites que estou acompanhando, o “Diários da Pandemia” em que a organizadora Julia Dantas posta a cada dia o texto de uma pessoa diferente me dá a exata mesma sensação do livro da Svetlana. Cada relato é bem diferente do outro mas é igual.
Estamos todos no mesmo limbo.
Tumblr media
imagem @daniel.bueno.180
Numa oficina de escrita que estou participando com a Flávia Peret ela nos pediu que escrevêssemos sobre >> exemplos de práticas de solidariedade entre vizinhos durante a pandemia.
Pessoas cantam juntas nas janelas, jovens oferecem fazer compras para pessoas mais velhas que não podem fazê-lo, e pessoas sob quarentena batem palmas para médicos que estão cuidando da população infectada.
Aqui na minha rua não vi nada do tipo. Mas como disse tenho lido muito na internet... agora tenho visto cada vez menos, mas as pessoas estavam otimistas no começo. A Flávia disse que podíamos inventar então... o que acabei escrevendo foi isso:
Oficina “Nenhuma casa é uma ilha”
Exercício 1.
Logo na primeira semana de quarentena surgiu no elevador aqui do prédio um bilhetinho (escrito a mão mesmo) anunciando que “Eu, Diego, morador do 603, me disponibilizo a fazer as compras dos moradores mais idosos que queiram se resguardar de ir ao mercado na atual situação. Basta interfonar. Fiquem bem.”
Achei fofo. Eu moro no 602 e mesmo assim não sabia o nome do rapaz do 603. Já nos falamos bom dia sorrindo uma vez ou outra no elevador. As vezes ele recebe alguma encomenda minha se não estou em casa. Eu agradeço, mas nunca perguntei o nome dele.
Depois do bilhete fiquei pensando o que eu poderia fazer pra ajudar também. Me veio a idéia de fazer uns biscoitos. Pouco útil, pouco prático... mas amo cozinhar... principalmente doces... é algo que me acalma e que achei que poderia acalmar mais alguém. Um pequeno agrado nesses dias de incerteza que não sabemos o quanto vão durar.
Fiz duas fornadas, dividi em vários saquinhos e levei uma cestinha que deixei junto com um vidro de álcool em gel na mesinha da portaria. Na cestinha meu bilhete dizia: “biscoitinhos da quarentena. Limpe as mãos e pegue um.” Meio brega eu sei. Mas foi tudo que consegui pensar diante do sentimento de impotência crescendo dentro de mim a cada noticiário da manhã. Os números de morte que só aumentam.
Só voltei a ir na portaria três dias depois. Precisei ir no mercado. Minha cestinha estava vazia de biscoitos e cheia de bilhetinhos de obrigada. Um desenho de criança com um monstro sendo derrotado por um arco-íris que cuspia corações. Vou fazer mais biscoitos.
Tumblr media
1 note · View note
diversosdispersos · 4 years
Text
Notas sobre dislexia 24/07/2017 – 01:21
1
Acontece quase todos os dias.
2
Aos 24 anos, eu tive um isqueiro transparente enfeitado com florzinhas amarelas. Dislexia não tem nada a ver com esquecer ou lembrar.
3
Não é porque eu gosto de escrever sobre minhas pequenas doenças, que eu só escreva sobre minhas pequenas doenças. Um dia, vou escrever um livro inteiro sobre minha grande doença.
4
Dislexia não é doença. Dislexia não é nem mais um problema. Dislexia é apenas uma ocorrência.
5
Reunir/selecionar textos sobre dislexia + pesquisar pessoas famosas que tiveram dislexia +
Criar relações entre dislexia/fala, fala/vergonha, vergonha/erro.
6
Eu não sei o alfabeto de cor. Eu sempre acho que isso tem alguma coisa a ver com a dislexia.
7
Quando afetada por substâncias psicotrópicas, a dislexia:
(a) Desaparece
(b) Intensifica-se
(c) Estabiliza-se
(d) nda
8
A dislexia é tipo meu sistema nervoso central dizendo: despacito.
9
A dislexia é uma repetição. A dislexia é uma repetição. A dislexia é uma repetição. A dislexia é uma repetição. A dislexia é uma repetição. A dislexia é uma repetição. A dislexia é uma repetição.
10
Quantas mulheres não conseguem abrir mão da encenação da voz infantil, escreveu Elena Ferrante. Eu nunca gostei da minha voz justamente porque a considerava irritantemente infantil e apenas quando consegui escutar minha voz e perceber como ela ressoa no ouvido das pessoas que não vivem dentro da minha cabeça é que descobri que não tenho voz de criança. Eu tenho voz de mulher. Uma mulher rouca. O que demonstra que de fato escrevo muito sobre doenças, mas escrevo, principalmente, sobre cura.
11
Outro dia, tive que fazer um exame médico. Antes de entrar no consultório, me pediram para responder o seguinte questionário:
a) Tem o hábito de imitar a voz de outras pessoas e/ou animais?
b) Quando conversa, costuma falar ao mesmo tempo que outras pessoas?
c) Costuma falar cochichando?
d) Não gosta de ouvir sua voz gravada?
e) As pessoas têm dificuldade para ouvi-la em algumas situações?
f) Você gostaria de mudar o tom da sua voz?
12
Muitas pessoas acreditam que a dislexia é uma forma aguda ou explícita de distração ou de esquecimento. Esse pensamento é um grande equívoco. Um disléxico quando, no lugar de uma palavra fala ou escreve outra palavra, ele não erra porque esqueceu como se diz a palavra certa. Para a pessoa disléxica, ela está associando o nome à coisa de forma correta, mas por uma curva ou seria um buraco do pensamento, a associação é feita com as palavras trocadas. Eu acho isso genial, mesmo com todos os constrangimentos.
13
Nas minhas pesquisas no Google, a maior parte dos artigos científicos define a dislexia como dificuldade de aprendizagem. Esse diagnóstico é cruel e faz com que muitas pessoas como eu se sintam burras, principalmente na infância. Chamar uma criança de burra é um dos insultos mais graves que se pode fazer a uma criança.
14
A dislexia é também chamada de disortografia ou perturbação da escrita e da leitura e é considerada um problema de linguagem.
15
O filósofo alemão Ludwig Wittgenstein em seu livro Tratados- Lógico Filosófico escreveu a seguinte frase: Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo.
16
Há alguns anos, pensei em fazer uma tatuagem com essa frase. Depois, desisti. A linguagem por mais fascinante que possa ser é sempre menor que o mundo.
17
Quando me tornei professora meu maior medo era escrever no quadro. Muitas vezes, para esconder o erro iminente – a dúvida se museu se escreve com s ou z – eu decidia não escrever.
18
Certa vez, fui fazer um trabalho de faculdade na casa de uma amiga. Era completamente intolerável que uma estudante de jornalismo cometesse os erros ortográficos que eu cometo ainda hoje. Uma hora, o pai da minha colega entrou no quarto e leu no computador o que eu estava escrevendo. Ele me perguntou estarrecido: você não sabe escrever a palavra homem?
19
homen, humém, homem,hómen
20
No século 19, a dislexia era popularmente chamada de cegueira verbal.
21
Fui albabetizada aos seis anos de idade, no pré-primário, utilizando como referência um livro chamado O Barquinho Amarelo.
22
Depois eu mudei de escola. Eu tinha devoção pela minha nova professora. Ela dizia para mim que menina mais linda, que menina mais inteligente. Um dia, ela me xingou em público. Disse que minha letra era feia e torta e que eu não sabia escrever em linha reta. Fiquei de castigo para aprender a escrever em linha reta. Depois desse episódio uma coisa estranha aconteceu: comecei a odiar a professora.
23
Talvez a dislexia seja um corte, uma pequena ferida que não cicatriza.
24
Existem poucos artigos científicos que tratam da dislexia do tipo oral/falada e é por isso que estou escrevendo este texto para tentar entender e dar um nome aos acontecimentos que me atravessam como lâminas.
25
Recordar, repetir, elaborar.
26
Quando, muitos anos depois, comecei a escrever poesia, uma palavra insistentemente aparecia nos meus poemas: inapta. Alguns poemas falavam que eu era inapta para o amor outros diziam que eu era inapta para a vida, mas todos os poemas escondiam que eu me sentia inapta para a escrita. Como ousava, eu, a menina que desde sempre errou as letras e as palavras, escrever poemas?
27
Adília Lopes, poeta portuguesa, escreve coisinhas assim: caspas/aspas ou tsunami/tiramisu.
28
Eu queria escrever coisinhas assim: homem/hímem.
29
O essencial é impor a si mesma uma medida, por exemplo, nunca responder às próprias perguntas. Elena Ferrante.
30
A dislexia também incide sobre onomatopéias. No fim da festa, fui despedir da minha amiga cabritinha e sussurrei em seu ouvido múuuuu.
- - Flávia Péret
https://ruidomanifesto.org/um-texto-de-flavia-peret/
0 notes
inovaniteroi · 5 years
Text
Pesquisa do IBGE quer traçar perfil do turismo doméstico
Facebook Twitter WhatsApp Email
A primeira divulgação sobre hábitos de turismo está prevista para meados de 2020. Foto: Eduardo Peret/Agência IBGE
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) iniciou nesta semana idas à campo para investigar os hábitos de turismo da população pela primeira vez. Durante os próximos três meses, dois mil agentes de coleta do IBGE visitarão 210 mil lares para levantar informações sobre o destino de viagens, tempo de estada, tipo de hospedagem e gastos realizados pelas famílias.
A pesquisa foi desenvolvida em parceria com o Ministério do Turismo e seguiu as recomendações da Organização Mundial do Turismo. A primeira divulgação está prevista para meados de 2020, e vai considerar as informações coletadas em apenas um trimestre, como explica a analista da PNAD Contínua, Flávia Vinhaes.
“Nesta primeira coleta no terceiro trimestre de 2019, vamos avaliar o que pode ser melhorado. Faremos as alterações necessárias para a pesquisa entrar em campo novamente no início de 2020 e coletar dados ao longo do ano inteiro”, diz.
As viagens internacionais são pesquisadas pelo ministério desde 1983, mas o turismo doméstico passou a ser considerado somente em 1998, sem periodicidade definida. Para o coordenador-geral de Estudos e Pesquisas do Ministério do Turismo, Daniel Vieira, a participação do IBGE vai aumentar a qualidade dos dados para o setor doméstico.
“Estimamos pelo menos 200 milhões de viagens por ano, e o mercado doméstico representa, no mínimo, 95% do consumo. Vamos ter uma dimensão muito mais apropriada a partir do trabalho que está sendo feito pela PNAD Contínua”, diz Vieira, complementando que os últimos dados do ministério sobre demanda doméstica são de 2012.
Rede hoteleira
Outra parceria entre o IBGE e o Ministério do Turismo foi a Pesquisa de Serviços de Hospedagem (PSH), que identificou 31,3 mil estabelecimentos na rede hoteleira e 2,4 milhões de leitos do país em 2016. A partir dessas informações, Vieira ressalta que a PNAD Contínua vai ajudar a responder quem sustenta esse mercado.
“O Brasil é o quinto parque hoteleiro do mundo em quantidade de estabelecimentos e sexto em quartos. É uma atividade econômica muito grande. Quem sustenta isso? A gente olha para a demanda internacional, são 6,6 milhões de turistas internacionais por ano, e, embora sejam importantes, não são eles que estão sustentando a economia do turismo”, diz Vieira.
Além de conhecer com mais detalhes o comportamento da população em viagens nacionais e internacionais, a inclusão da temática na pesquisa vai contribuir para a construção da conta satélite de turismo, uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
(Agência IBGE)
from Plantão Enfoco https://ift.tt/2SbkFSm
from WordPress https://ift.tt/2O2ZYtk
0 notes