Tumgik
#narrativascovid
pausasepousos · 4 years
Photo
Tumblr media
Maria
“Maria, Maria, é o som, é a cor e é o suor."
Maria, é mulher, é negra e é pobre.
Maria esteve 18 anos no Manicômio de Paracambi e está há 20 anos sendo internada no Manicômio do RJ. Sabemos que...
"A carne mais barata do mercado é a carne negra, que vai de graça para os Hospitais Psiquiátricos."
Maria pede socorro. O Manicômio dá eletrochoque. Maria pede para sair do Manicômio e voltar para casa. O Manicômio dá pátio proibido a Maria. Maria pede comida. O Manicômio dá contenção e medicação. Maria pede para viver. O Manicômio dá a violência e a morte.
Mais uma mulher negra sendo silenciada dentro do Manicômio. E nós, o que faremos?
Maria, presente!
Este é o primeiro de uma série de 3 textos que foram escritos por uma enfermeira de Saúde Mental do Rio de Janeiro.
Arte: Zina Leal
2 notes · View notes
pausasepousos · 4 years
Photo
Tumblr media
Carolina é a personagem que encerra a trilogia narrada pela enfermeira e escritora do Rio de Janeiro.
"Carolina. Mulher, preta e pobre, da Baixada. Cabelo crespo e a pele escura, a ferida amostra, à procura da cura. Taxada como louca e drogada. Consequência: internada. Sua voz no Manicômio ecoa, mas a psiquiatria quer silenciá-la. Sofre pela perda de seu filho, enquanto cuida de outra cria. Mas a dor é calada pela psiquiatria.
Seu corpo rebelde se move para fugir dessa prisão, mas a resposta que recebe é somente não!
Sua voz ecoa no tambor da macumba, mas para o Manicômio isso é apenas uma loucura. Essa mulher preta e louca, tem o eletrochoque como tratamento, mesmo não sendo ouvida e nem querendo.
O que fazer diante da violência do Manicômio sobre a vida de mais uma mulher preta?
Guerrear e não deixar essa voz se calar, mesmo que arrumemos treta! Carolina, presente!”
Arte: Zina Leal
Você também pode ler este e outros textos de profissionais de saúde no nosso instagram e no nosso facebook @pausaspousos
1 note · View note
pausasepousos · 4 years
Photo
Tumblr media
“Rafael,
Morador da Baixada Fluminense e de Vila Isabel. Quando não tem morada, fica em situação de rua, invisibilizado. Um sujeito sem lugar na vida, desumanizado.
Sua loucura? Provar que não é Maluco. Mas a psiquiatria tem diversos diagnósticos comprovando sua “loucura.”
O manicômio institucionalizou e violentou Rafael de diversas formas, contendo e silenciando seu corpo. Esse corpo “rebelde” aprende na dor a responder com violência.
A sociedade capitalista não permitiu acesso ao cuidado dessas dores e o racismo coloca Rafael como um homem negro perigoso.
Um homem negro, pobre e institucionalizado, não tem direito a nada no Estado Burguês. A naturalização das internações de Rafael expressa o lugar do manicômio como instituição de violência.
A vida de Rafael é inviabilizada, porque a política do extermínio e expropriação do povo negro, impôs uma vida precarizada para ele.
Rafael não aguenta mais, mas segue resistindo! Quem estará junto com ele nessa resistência?
Rafael, presente!”
Arte: Zina Leal
Texto de uma enfermeira de Saúde Mental do Rio de Janeiro
1 note · View note
pausasepousos · 4 years
Photo
Tumblr media
OFICINA POUSO CRIATIVO
Eis aqui uma amostra das criações produzidas na última oficina de criação, coordenada pela artista plástica Zina Leal. Os trabalhos foram produzidos pelos participantes a partir de um texto, redigido coletivamente, em torno do tema do trabalho em saúde durante a pandemia.
"Não sei mais onde estou. Sinto o meu coração apertado. Angústia O tempo me parece parado. Sem saber o futuro que nos espera, ou o futuro que faremos
Não sei mais onde estou. O imprevisto se coloca. Distante da minha realidade, me impulsiono para direções antes inimagináveis. Novos voos na relação tempo e espaço.
Não sei mais onde estou O fazer está em outras formas. Me ressignifico aos poucos, enquanto cuido de mim e do outro."
1 note · View note
pausasepousos · 4 years
Photo
Tumblr media
Ela não é uma paciente, e sim uma amiga que em meio a todas as dificuldades que a pandemia nos traz descobriu um caroço no seio. Sessenta anos, colocou o medo de se contaminar de lado e rapidamente buscou consulta médica e exames. Confirmado o diagnóstico, câncer de mama. Abre o chão embaixo dela, mas amparada pela família segue em frente. Este breve relato se dá após uma chamada de vídeo para saber como andavam as coisas.
- Estou bem melhor sabe? Fui na Clínica da Família e tive uma consulta muito boa. Levei todos os exames para o médico de família, que é um amor, ele ficou um tempão conversando comigo. Foi só começar a falar que desabei a chorar. E aí perguntei para ele “O meu câncer é grave?” Ele respondeu assim “Todo câncer é grave. O que vai fazer diferença é a forma como você vai lidar com ele...”. E aí ele falou tanta coisa importante pra mim... sabe, saí de lá confiante, entendi que também sou responsável por me cuidar, que preciso encarar isso de frente!
Sou profissional de atenção psicossocial e ao escutá-la comecei a sorrir, tudo fazia sentido. No relato de uma consulta médica todo um paradigma reafirmado. Me senti preenchida pelo afeto que as palavras têm o poder de criar... acesso, escuta acolhedora, subjetividade, vínculo, produção de cuidado...
Júnia Prosdocimi é terapeuta ocupacional de um NASF em Búzios - RJ
Arte: Zina Leal
2 notes · View notes
pausasepousos · 4 years
Photo
Tumblr media
Contradições em Coisa Linda
Foi em 2011. A chegada no Rio de Janeiro causou um misto de sentimentos, um susto. O Rio escancara: potências, fragilidades, contradições... Tudo ganha força, intensifica, fica vivo no Rio! Mas também morre...
Naquele tempo, logo no começo, uma cena me irritava: o metrô sempre lotado, impraticável! Na Central do Brasil - onde muitas pessoas entram - era frequente que as pessoas chegassem se empurrando (pra não perder o trem) e rindo, fazendo brincadeira com a situação. “Mas que alegria é essa?!” Pensava eu. “Não tem do que rir, não!” Mas eu também muitas vezes ri...
Não que seja exclusividade do Rio, mas esta terra tem um talento pra produzir gente alegre! Gente que levanta de manhã e faz, gente que se diverte fazendo, gente que ri um riso fácil, que fala alto, gente que continua! Quantas vezes eu só continuei por causa dessa gente! Quanta alegria eu emprestei! Mas também se chora...
“Coisa Linda!” era seu bordão. Acabou sendo o apelido carinhosamente atribuído à equipe do serviço de saúde onde ele trabalhava. “Coisa Linda!” se ouvia todos os dias que estava de plantão. Carioca raiz, da cerveja e churrasco no final de semana, dos muitos amigos, da conversa fácil, que flui. Greve; falta de salário; demissões; mudança de contrato; atraso de salário novamente; demissão da equipe toda; não, não haverá demissão da equipe toda; sim, serão todos demitidos daqui um ano; Coronavírus. E a gente continua! A gente sempre continua! A gente sempre continua… A gente sempre continua? Coisa Linda não, foi levado pela Covid-19. Ele não continua. Até quando a gente continua?
Rir pra não chorar (Cartola entendeu faz tanto tempo!), eu demorei a entender. Rir pra não parar, rir porque é preciso levantar pra trabalhar, rir porque as coisas precisam acontecer, rir porque precisa, rir porque sim. O riso contém o choro, contém a dor, contém a morte. Quanta coisa cabe num sorriso! O riso que contém e que escancara esse Rio (ou seria mar?) de contradições.
Bruna Romano, terapeuta ocupacional
arte de Zina Leal
2 notes · View notes
pausasepousos · 4 years
Photo
Tumblr media
A pandemia do seu Silva
Lá estava eu na abertura do abril pandêmico. 
No finalzinho do expediente, meio atordoado na Unidade Básica de Saúde (UBS), sem saber se vou ou se fico, até que a enfermeira da Estratégia de Saúde da Família no corredor diz:
- O seu Silva está mal! Fui lá na casa dele hoje, emagreceu muito!  Muita tosse e falta de ar, ele esteve aqui no posto há sete dias com sintomas suspeitos. Pedi que fosse na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) imediatamente.  
- Mas você acha que é? – Indaguei assustado.
-Está muito característico - Disse-me com face desanimadora - Medi a saturação!  Olha a foto!
- 89!  ih... e agora? Vai fechar daqui a pouco o posto!
               Segui atordoado e decido seguir o fluxo senão o busão vai e só depois da pandemia passa outro. Escurecia na favela e ir para lá sozinho sem Agente Comunitário de Saúde era aventura demais.
Relembro o caso no busão: Seu Silva mora sozinho, vizinhança nova há 2 meses mas já era cria da favela. Estava em tratamento em psiquiatria há muitos anos na UBS. Há relatos antigos no prontuário de quando vinha com o pai. Era frequente a queixa: ‘’Silva não aprendia na escola’’. Hoje Seu Silva tem 50 e poucos, mora sozinho, recebe Benefício de Prestação Continuada, é tutelado patrimonialmente pelo poder público, ocupa-se da andança pelo Centro e Zona Sul o dia inteiro. Não usa celular e tem dificuldade com as letras e números. Sujeito alto de cor da pele morena escura e cabelo crespo raspado.
Mas voltando à primeira quinzena de abril: dormimos com a preocupação. Na manhã seguinte, ouvi dizer logo que cheguei pela manhã na UBS que fora visto em casa pela vizinhança, segundo alguém que o viu que não sabia me dizer quem. 
Decido ligar para a UPA. Na quinta tentativa depois de discar para o 5ª número fixo da UPA, alguém atendeu! Atendente parece que já me conhecia, só que não... Respondeu -me:
- Abriu a ficha às 18h27 com sintomas de tosse, febre... e foi encaminhado para o Raio X logo depois...
- Ele está aí? – Não aguentei e interrompi.  
- Pera aí. Vou perguntar e ver aqui no sistema...
- Não está e não teve alta   – Respondeu-me sem certeza.
Logo, pensei comigo: Seu Silva não espera mesmo!
Saímos da UBS e fomos até a casa dele. Quinze minutos andando em marcha média. Chegamos em 10 minutos! (Cortamos caminho pelos estreitamentos e vielas). A sensação de sufocamento da máscara misturava com a sensação de que estava tudo meio diferente. 
A favela estava quieta, parada e fria. Precisei girar o tronco ao cruzar com um transeunte na viela e, logo percebi que tossir ali não tinha muita escapatória, se é que me entendem.  
Chegamos lá. A vizinha da frente sacudia o tapete de porta e só ela era capaz de matar minha ansiedade com a resposta da pergunta:
- Bom dia! A Sra. viu o seu Silva hoje?
- Sim, vi ele aí lavando roupa! - Sentou e ali fez observações sobre o diagnóstico territorial - Aqui na favela esse vírus não chegou ainda, ele anda o dia todo lá pra Zona Sul!
Visualizei a roupa estendida na entrada do casebre do seu Silva. Pareciam úmidas. E lá estava ele chegando ao portão após a ACS chamá-lo! Estava pálido e sério. Olhei para a colega com alívio, pois ele conseguia atender a porta e até lavar a roupa.
- Seu Silva pega a cadeira e coloca aqui na calçada. - Brilhava com essa ideia a ACS. Meu pessimismo imaginava o exame físico dentro da casa em estado semiconsciente num cômodo minúsculo cheio de partículas do vírus em suspensão...
E lá estava o seu Silva sentado falando conosco, havia lavado a roupa pouco antes de chegarmos. Ué! pensei: está bem apesar dos sintomas. Falava conosco do cansaço e da febre dos últimos dias. Sua voz estava mais aguda do que já era. Cansava quando falava e não repetia as últimas palavras das frases com tanta ansiedade como antes. Peguei o esteto e decidi examinar o pulmão. O cansaço era evidente e a ausculta estranha. A luva eu esqueci de levar, mas lembrei do oxímetro. 
Pior ainda foi esquecer a máscara do seu Silva! Inclinei-me na sua frente para colocar o oxímetro e a tosse dele veio sorrateira ao mesmo tempo que eu o alertava: ‘’tosse para lá!!! ‘’ O bip bip encerrou e a luz do sol dificultava a leitura... até ver que o 8 estava antes do 9 e o pulso cento e pouco. 
Olhei para a colega ACS e ela me diz desanimada:
- Está baixo né?!
Ali ficamos inclinados sobre a dúvida do que fazer. Pegar o celular para me acalmar me desanimava, pois já me imaginava todo contaminado. Pensei em perguntar sobre o porquê não fez o Raio X na UPA. Desisti também... para quê saber isso agora?!
- UPA é uns 10 minutos ou 5 minutos a mais do que a UBS? - Perguntei à ACS.
- É mais longe - Respondeu-me a colega.
- Então vamos para o posto Seu Silva! - Disse sem muita certeza.
- Peraí! Vou não!  Pra que?
- Está cansado demais e fraco
            - To não Doutor – Falava com a voz bem aguda.  
            - Pega uma camiseta e suas coisas, seu Silva! Estamos te esperando sem pressa!
Assim fomos ... 
Virando a esquina, seu Silva para de andar e diz:
- Peraí! Peraí!... Cadê meu passe livre?
Paramos e começou a procurar os compartimentos da bolsa. E procurava... Havia muitos compartimentos! A tosse seca frequente o atrapalhava. A minha máscara me sufocava tanto que acabei desistindo de perguntar ao seu Silva se tinha uma máscara. Imaginava o quão difícil era usar máscara para quem já está tão cansado.
- Achei! Achei ... ta aqui!
Seu Silva tossia muito e ficava cada vez mais cansado, depois de uns 3 minutos de caminhada. Sentou-se na escadinha de uma venda de ferro velho na Beira Rio. Ali ficou descansando. Havia duas crianças brincando na rua.
- Seu Silva, procura a sua máscara – Disse a ACS.
- Eu tenho, eu tenho ...
Ali procurava a máscara nos muitos compartimentos da bolsa.
               - Sem pressa seu Silva! Vamos ficar cinco minutos parados - Averiguei o relógio.
               - Achei, achei ... – Dizia em voz bem aguda.
               - Ótimo! Vamos andar mais cinco minutos, seu Silva! – Disse em tom confiante.
               Colocou a máscara e lá fomos. Estava na metade do caminho. Andamos pela Beira Rio e a tosse seca era a companhia inseparável. Pelo menos agora a máscara estava lá no seu Silva, apesar do seu cansaço e do meu sufocamento.
               Paramos novamente e seu Silva estava muito mais cansado. Peguei meu telefone e, por acaso, uma chamada chegava. Era a enfermeira! Incrível!
                  Avisei a ela que estávamos bem perto, mas antes de falar do cansaço veio a solução.
               - Vou mandar uma cadeira de rodas aí! 
               - Ótimo! – Respirei meio sufocado ainda.
               Seu Silva recuperou um pouco, apoiou-se no parapeito da ponte até a cadeira de rodas chegar. Sentou-se e fomos por mais uns cinco minutos, mirando pelos caminhos estreitos e longos de um cadeirante. Na UBS entrou direto para o covidário. A equipe de resposta rápida já o estava esperando.
             Já eu, esbaforido, atordoado e um bocado aliviado.
Vaga zero saiu rápido, mas calma que a história da pandemia do seu Silva ainda não acabou. Até breve... Na segunda parte!  
Pseudônimo: Havicena - Psiquiatria Comunitária. Rio de Janeiro – RJ.
Arte de Zina Leal
1 note · View note
pausasepousos · 4 years
Photo
Tumblr media
Aprendi, nessa internação de 14 dias por COVID-19, a pedir ajuda, a ter confiança em quem está cuidando de mim. Sempre tive vergonha, receio de não ser auto-suficiente. Internada, vi profissionais sinceros, empáticos querendo e podendo ajudar!
Exemplos, tenho vários: a copeira trazendo chazinhos a mais, pois viu que eu só tomava chá... a técnica de enfermagem oferecendo uma conversa fiada e todo dia querendo saber notícias sobre meus 9 cachorros... a fisioterapeuta ensinando exercícios e querendo entender meus sintomas, os médicos dizendo “sinto muito mas para ganhar essa luta tem que ser assim, confie em nós.” E, finalmente, uma técnica de enfermagem que, no dia que estive mais grave, ficou comigo, me posicionou para respirar de bruços, e pediu: “calma, não entre em pânico. Essa saturação de oxigênio vai subir se fizermos tudo direito” e deu certo. Evitou minha ida para a terapia intensiva.
Sempre aprendo com as pessoas. É essa minha esperança: se eu mudei acho que pessoas que pensam diferente da ciência também podem mudar. É puro medo, vergonha, receio.
Josiane Motta e Motta é médica e autora do livro: Sobrevida, a História de um Médico que Não Sabia Nada de Medicina
arte de Zina Leal
2 notes · View notes
pausasepousos · 4 years
Photo
Tumblr media
Sou enfermeira no Rio de Janeiro, na UTI do hospital de campanha. O processo seletivo eu fiz virtualmente. Quase no automático… Já tinha outro emprego e estava isolada de todos. Então, por que não me inscrever em um emprego temporário? E foi assim que fiz!
No mesmo dia em que a carteira foi assinada, fiquei doente. Testei positivo para o vírus (COVID 19) e passei duas semanas com sintomas. No último dia de recuperação, chegou a notícia que o hospital iria abrir. Eu estava pronta... Estava? Não sei! Pronta para que? Para o desconhecido com desconhecidos?
Trabalhei oito anos em UTI. Mas lá não teria minha equipe preferida. Não era a minha casa. Por que eu estava lá? Nem eu sabia ainda!
Em meu primeiro plantão no hospital de campanha, parecia que eu estava andando pela rua e começou um bombardeio. Foi como me senti. Saí de lá destruída, pronta para pedir demissão. Passei quatro dias em casa. Respirei, pensei, tracei estratégias. Agora que conhecia o território poderia me organizar.
Dei outra chance. Encontrei uma nova equipe, de recém formados. Famintos por aprender, pela experiência na carteira, fascinados pelo novo mundo. Eles estavam conhecendo a profissão deles no meio da guerra! E eu comecei a dividir o que eu sabia.  Descobri que em meio ao bombardeio a gente consegue se desvencilhar. Juntos! Ensinando. Aprendendo. Compartilhando… E de quebra, cuidando de nós e salvando vidas! Foi uma descoberta incrível.
 texto de Ana Carolina de Mello Valente – Enfermeira
arte de Zina Leal
2 notes · View notes
pausasepousos · 4 years
Photo
Tumblr media
Sobre cuidar…
Termino o meu texto de formatura com um agradecimento: aos pacientes e professores. A essas fontes de inspiração ao mostrar também angústias e receios, àqueles por se mostrarem mais saudáveis, muitas vezes, do que quem os conduzia. É a complexidade das relações que me move. E quase no gol de me tornar médico vivi isso intensamente.
Ao se alastrar a pandemia causada pelo coronavírus comecei a ter muito medo de como seria a resposta da humanidade a tudo isso, e principalmente, a resposta brasileira. Com o passar do tempo foi também adoecedor ler as notícias sobre as estratégias do governo brasileiro. E então, veio o fato: um mês atrás descobri que estava com Covid-19 (sintomas leves, e já estou bem).
Foram dias muito difíceis. O adoecer é difícil para todos, profissionais da saúde ou não. Quando o seu corpo parece não estar bem não tem protocolo que cuide da sua dor. A dor do medo, da falta de esperança, me ver doente ali e o Brasil junto foi muito forte para mim. Foi ficando difícil dormir, como se houvesse uma dissociação corpo e mente e eu precisasse ficar em vigília pelo meu corpo, tomando conta, atento, para que nada ocorresse a ele.
Foi quando decidi ficar em outra casa, à qual eu tinha acesso para ficar mais tranquilo. Ainda tinha medo em mim. A mente começa a não conseguir repouso. Fica ali suspensa como fumaça de um fogo que nunca existiu, tentando encontrar extintores que não vão ter incêndio algum para apagar. A mente é você. A fumaça é você. O cuidador é você. Ou melhor, nem sempre. Angustiado com tudo que a minha mente produzia não ligava a televisão e aos poucos fui ouvindo uma vizinha de meia idade que falava alto naquele miolo do prédio e que reverberava na minha janela.
Não foram precisas muitas palavras para que eu reconhecesse aquela voz: Tina, minha querida e inspiradora paciente. Negra, histórico de uma vida cheia de restrições, sofrimento por um relacionamento abusivo e um diagnóstico de esquizofrenia. Foi uma surpresa saber que ela estava ali embaixo e foi sobre ela que fui avisado pelo meu amigo, dono da casa, uma “vizinha barulhenta” que ficava horas no celular e dava para ouvir tudo. No entanto, nunca senti nada parecido, eu ali sozinho, ouvir aquela voz, falando ao telefone que tomou cuidado ao ir à feira, que sabia o horário de menor circulação de pessoas para comprar mantimentos e discutindo com a amiga no telefone sobre qual máscara era melhor, foi catártico para mim.
Comecei a acompanhar, da cama e de ouvidos atentos, toda aquela vida alheia que me nutria. Fui me sentindo forte. Ela sabe se cuidar! Eu sei me cuidar! No outro dia, após o almoço, que continuava insosso por na época não ter paladar algum, ainda na mesa escuto ela dizer: “Filha, vou ter que desligar, vai começar o Zoom lá do hospital”.
Comecei a chorar, agora não mais de tristeza, mas de extrema emoção e felicidade. O SUS, a faculdade e a Tina estavam fazendo uma reunião no Zoom. Melhorei tanto depois desse dia! Me senti cuidado! O ato de conduzir cuidado é sempre via de mão dupla. Ressignifique abraços, o tempo clama por isso!
André Salgado Monteiro Ventura Estudante de Medicina - UFRJ
imagem digitalmente modificada sobre arte de Zina Leal
3 notes · View notes
pausasepousos · 4 years
Photo
Tumblr media
V(IDA)-Morte-Vida-Vi(VER)!
As linhas que se seguem são um pequeno recorte e uma tentativa de certa costura sobre as minhas inquiet(AÇÕES) desde que se iniciou a pandemia, principalmente por trabalhar em uma enfermaria psiquiátrica e perceber que a morte estava ali colocada e que eu fazia parte desse lugar. 
Hoje me dou conta que todo meu esforço e questionamentos sobre fluxos, EPIs, protocolos, reuniões online etc, talvez fossem uma tentativa insana de controlar o que é inevitável. Uma tragédia que aos meus olhos seria passível de contermos com esses fluxos organizados, EPIs adequados, protocolos bem elaborados, etc, (sem querer aqui banalizar a real necessidade de proteção para postergar a contaminação que está colocada para todos, mas não todos iguais).
Fui tomada por um desgaste e hoje, nesse quarto, isolada após ser contaminada, percebo que enquanto tentamos garantir o que não está sob nosso controle, a morte, perdemos o foco, que é garantir que se VIVA! Garantir a vida, hoje, para mim, é a ação primordial enquanto indivíduo e isso permeia o campo do trabalho. 
Percebi que meu maior sofrimento não está em ir trabalhar na linha de frente em tempos de Covid-19, e sim que talvez o meu maior desafio seria garantir a vida (a minha, da minha família, da equipe, de cada paciente internado, e assim o coletivo). Que meu maior alívio era, após 24h, passar o plantão com todos vivos! Como se vivêssemos mais um dia e um dia de cada vez. Que talvez eu tivesse que entender que não daria mais para ofertar um cardápio aberto de cuidados e escuta - artesanal, no sentido da criação - para cada situação e encontro, como antes. Que nesse momento precisaria manter a vida!
Parece simples e pequeno, mas é o ato mais complexo que se pode nesse contexto. Vida e morte são duas potências que andam juntas no meu entendimento, mas nesse momento era preciso garantir a VIDA!! E como se garante a VIDA?
Leiliana Maria Rodrigues dos Santos Enfermeira e Professora da UFRJ
arte de Zina Leal
2 notes · View notes
pausasepousos · 4 years
Photo
Tumblr media
INTERCORRÊNCIA NO FLUXO DE TRABALHO - UNIDADE HOSPITALAR
O plantão acabou, mas alguma coisa borbulhou dentro do peito. Não sei se foram os periquitos e as maritacas brincantes que voavam em direção ao abacateiro, ou o observar dos frutos carcomidos por morcegos na escada dos funcionários. Eles se divertem mostrando que existe vida ali/aqui fora e nos lembram de cuidar da vida ali/aqui dentro. 
Engraçado como percepções assim passam voando pela nossa cabeça, vão passando feito nuvem num fundo muito azul. Tudo aquilo que parecia denso, num instante perde a densidade. Em momentos assim, eu me lembro da Dra. V. que entre um atendimento e outro me parava para admirar as fotografias de flores tão vivas. Era assim que um sorriso saltava de seu rosto.  Diferente da Li que gosta de abraçar e abraça tão bem, foi feita para abraçar e amar cachorros. Ela sempre sorria. Ainda bem que existe gente assim. 
Parece até que eu penso nos colegas do trabalho o tempo todo, mas não é bem verdade…
A verdade é que a família entende tudo. A família acalenta, acolhe… Acolhimento… Que palavra linda! 
Mas eu fiquei pensando: o trabalho, quando é prazeroso, se torna uma extensão do que você é. Eu acho isso. Será que também não é família? As figuras que lá aparecem, fazem falta na nossa alma. Elas entendem tão bem esse momento… Os profissionais da saúde se entendem… Às vezes só com um olhar. Muito doido isso. 
Eu costumava entender tudo o que a Jé pensava, a gente completava a fala uma da outra e nossos “podcasts” de laboratório foram riquíssimos. Quando tudo passar, vamos montar um podcast real.
Outra coisa muito boa também era olhar o bolso da Linguão, da Laine, ou da mãe, sempre cheio de paçoca ou de quando ela corrigia meu cabelo bagunçado… Minha presidenta! Eu adorava. E o jeito que a outra Li gritava na sala de vacina? Não tem em nenhum outro lugar no mundo. Não tem.
Eu gostava de ver o sol bater naquela mesa velha do “postinho”, porque quando o sol batia eu sabia que podia me transportar para o canteiro e pensar que a luz iluminava e alimentava nossa horta tão modesta, tão simplinha…
Sinto falta do Well com toda a sua barba. Eu o achava tão enorme, parece que a alma dele saia do corpo. Não sei explicar direito. Lembrei também que o Dr. M. cantava músicas antigas para a Si, que completava as músicas, lá da recepção. A Jan, um acervo de rock ambulante com um coração grande de bonito. A Pri, cheia das cores e decorações. Lembro também da enfermeira que era mais doce que seus próprios brigadeiros. A Lu aquecia todo o campo com um sorriso tão largo que parecia que cabia a galera toda no sorriso dela.
Eu sei lá, precisaria de 20 anos para escrever todas as lembranças que eu vou recordar, bem viva e presente, quando essa guerra passar. Dona Dina, hambúrguer do primo, Center Pão, Favoreto, Barba… Eu não sei aonde vamos nos encontrar, mas nós vamos. Ah, se vamos! 
Autoria desconhecida. Procura-se.  
Tawanna D'Agnes Moreira dos Santos - Analista de Laboratório em um Hospital de São Paulo
3 notes · View notes
pausasepousos · 4 years
Photo
Tumblr media
Estar no front como profissional de Saúde Mental implica em manter o cuidado dos pacientes em sofrimento psíquico e dar suporte às equipes de saúde. Em Rodas de Conversa semanais sobre Saúde Mental e Pandemia, trabalhamos as angústias, medos e perspectivas dos profissionais que atuam nas equipes de Saúde da Família.
Esta semana, em mais uma Roda de Conversa com Agentes Comunitários de Saúde, realizamos discussões potentes sobre o momento político e sanitário, falamos de impactos emocionais e trabalhistas e surgiram reflexões sobre as várias formas de se lidar com o horror e o medo de morrer...
Há algum tempo, uma colega de trabalho que fez formação em Terapia Comunitária com o psiquiatra cearense Adalberto Barreto, contou que este, numa das rodas comunitárias feitas logo após uma grande tragédia causada por uma enchente na comunidade, diante dos participantes enlutados, lhes perguntou: “O que essa enxurrada não tirou de vocês?”
Na referida Roda de Conversa, contei essa história e pedi que pensassem o que essa pandemia não havia tirado de cada um dos participantes.
Humanidade, fé, esperança, união familiar, crença no valor da coletividade foram algumas das respostas. Deixo aqui a reflexão:
E de vocês, o que essa pandemia não tirou?
Patricia Cavalcanti é Médica Psiquiatra
arte de Zina Leal
2 notes · View notes
pausasepousos · 4 years
Photo
Tumblr media
As palavras que melhoram o ‘Bip’
No CTI este que vos escreve, foi avaliar Dona Heloisa, uma paciente com COVID estável, em uso das medicações e com padrão 'vidro fosco' em seu exame de imagem.
Dona Heloísa estava ofegante e extremamente aflita. O monitor mostrava uma pressão arterial de 210 x 110, incomum para as normais "checagens" de CTI. Perguntei: "Que é que a senhora tá sentindo Dona Heloísa, o que te aflige?"
“Oh Dr., eu já perguntei a todo mundo aqui e ninguém me respondeu. Meu marido José Antônio da Silva, ele também tá internado aqui, veio hoje comigo, mas não tenho notícia dele. Meu coração tá pra sair pela boca".
Suas lágrimas eram de uma mulher apaixonada, não essas paixões de verão de adolescência a lá ‘Dirty Dancing’, que duram um verão, meio verão ou uma saída à noite, mas aquelas paixões (amor mesmo, sabe?) à la Cocoon, que só os experientes sabem.
Respondi: "Mas isso é fácil demais de resolver, Dona Heloísa. Deixa eu só te examinar que eu  procuro Sr. José Antônio". Examinei uma estertoração exuberante bibasal e fui ao posto de enfermagem. Prescrevi um anti-hipertensivo pra Dona Heloísa e procurei o nome de Sr. José Antônio. Mas que surpresa! Enquanto Dona Heloísa ocupava o leito 15, Sr. José ocupava o leito 18 - cabeça com cabeça!
Mesmo em CTI, dividindo o sono conturbado dos ‘bips’ eternos juntos. Em conexão. Fui lá dar-lhe a resposta de que Sr. José estava bem e que estava atrás dela, dormindo cabeça com cabeça. Sua felicidade foi estoteante e uma lágrima de valor peroláceo correu de sua face. "Obrigada, doutor. Melhor notícia que recebi”.
Eu sou romântico sem vergonha de assumir. Aqueles piegas a Lorde Byron. Mas esse é o amor que quero. O amor do sono feliz com os ‘bips’ eternos. Álvaro - Residente da Patologia UFRJ
2 notes · View notes
pausasepousos · 4 years
Photo
Tumblr media
Ontem tivemos o nosso Grupo de Ouvidores de Vozes, que tem acontecido de modo remoto, online. Entre os participantes estavam: os facilitadores; usuários da rede de atenção psicossocial; pessoas que são atendidas em consultórios particulares; convidados que estão aprendendo a ouvir vozes , ou melhor, que estão, na verdade, descobrindo que ouvem vozes; e os pacientes com Paralisia Cerebral.
Estes últimos têm um grupo específico só para eles na quinta, mas pedem para  fazer parte do Ouvidores na sexta.
Hoje ouvimos dores
Contudo, em meio a vozes abafadas, doloridas, confusas, TRISTES, ouvimos uma poesia: ouvimos uma poesia: "Você é  uma esponja de sentimentos", escrita e declamada por um dos participantes. Entre gritos e desabafos, encontros entre olhares, o toque pela tela... E mais uma vez um Grupo que faz a gente perguntar: o que está acontecendo aqui? Como se os outros não fossem assim...
E no meio das Vozes, uma cena de quem batalha, mesmo na quarentena: Ana P., participação atuante de uma sensibilidade "frenética". Ser Facilitadora do Grupo Ouvir Dores é estar na escuta acolhedora de sentimentos nobres.
Gratidão a todos os envolvidos!
Texto de Ariadne Mara Costa de Oliveira, psicóloga clínica
Arte de Zina Leal
2 notes · View notes
pausasepousos · 4 years
Photo
Tumblr media
Oi gente, tô aqui reflexiva e vou partilhar uma história com vocês.
Ahualo Kalapalo, mais conhecido como César, indígena, 41 anos, sem outras doenças, trabalhador da cidade de Canarana. Há 1 mês voltou para sua aldeia para se proteger do coronavirus que começava na cidade. Sua família mora no Kuluene, aldeia no Alto Xingu.
No dia 24/06 a equipe de saúde entrou na aldeia kuluene para avaliar os diversos casos de gripe que estavam surgindo. Há 3 semanas havia sido relatado o primeiro caso de coronavirus dentro do Xingu.
César estava gripado, com tosse, febre, cansaço e fraqueza, mas dizia que "o pior havia passado". Estava andando, conversando, lúcido. Sua pressão estava 120x80, frequência respiratória 20irpm, saturação de O2 55%, pulmões limpos. Seu teste para coronavirus deu positivo.
Eu desesperada, ele tranquilo. Peço que vá para o hospital, mas César diz que não. "Na cidade os médicos estão matando a gente, não quero ir pro hospital morrer. Vou ficar na aldeia."
Peço então que César vá até a escola para fazermos oxigênio nasal, mas é perigoso sair de casa quando se está doente. "Quando o corpo está fraco pode pegar feitiço, não é bom sair de casa"
Combinamos de trazer o oxigênio para casa do César. Fazemos oxigênio por cateter nasal a 4l/min e em 3 horas sua saturação atingiu 98%. Durante essas 3 horas começamos a conversar:
-César, estou preocupada. Esse coronavirus pode ficar muito grave em algumas pessoas. Com oxigênio baixo assim seus órgãos podem parar de funcionar e você pode até morrer.
- mas eu sei porque eu fiquei doente assim doutora
- por quê, César?
- eu cortei a árvore e ela não gostou, eu senti.
 Eu paro, penso.
- acho que é por isso que estamos todos doentes, César.
Deixo César dormir e combino de retornar pela manhã.
Na manhã do dia seguinte, após uma noite inteira sem suplementação com oxigênio, César volta a saturar 60%. Em sua casa estão todos os familiares da aldeia. César diz que é difícil convence-los  de que é perigoso estar por perto agora, todos querem ir visitá-los para saber como está sua doença. Alguns estão vindo até de outras aldeias para fazer visita.
O isolamento domiciliar é uma grande dificuldade. Os indígenas moram em casas sem quartos, sem divisões. Em cada casa chegam a morar até 15 pessoas, compartilhando redes, cuias, copos, talheres. Normalmente em uma aldeia todos são familiares, e quando um fica doente todos vem para apoiar.
Hoje o pajé vai chegar para ajudar a curar a doença espiritual de César. Só depois a equipe de saúde pode fazer oxigênio.
Durante a tarde fazemos mais 2 horas de oxigênio, atingindo 90% de saturação. César diz que cansou do oxigênio e hoje não vai mais usar.
No dia seguinte a saturação se mantém em torno de 60%. César sente-se melhor, o pajé conseguiu recuperar seu espírito na árvore que foi cortada. Está com fome.
Na hora do almoço retorno e ele não está bem, não consegue respirar. Está com febre de 38.5, saturando 55%, crepitações em dois terços do pulmão direito e metade inferior do pulmão esquerdo. Ofereço retirada para hospital, César se nega prontamente. O oxigênio eu consigo convencê-lo. Conectamos o concentrador de oxigênio e deixo com fluxo de 3l/min.
Retorno após 2hrs e César retirou o cateter, não consegue mais usar aquilo. Sente que o aparelho está enfeitiçado e que os vírus circulam pelo cateter, "eu consigo ouvir doutora". Converso com César novamente sobre os riscos do oxigênio baixo.
- eu entendi doutora, mas agora vou deixar a natureza me curar.
É difícil, me preocupo, converso sobre a gravidade com os familiares. Todos entendem, mas a decisão é do César. Ele não quer.
Esse momento e sempre difícil, mas compreendo e combino que retornarei 2x ao dia.
Na manhã seguinte, para minha surpresa, César está sentado, comendo beiju, saturando 70%. Seu filho conta que na noite anterior chegou a 80% de saturação.
Fico feliz, ofereço oxigênio novamente
- eu nao quero doutora, vou ter que desenhar os motivos?
- não César, vamos aguardar a natureza
À noite retorno e César está melhor, saturando 80%.
Na manhã do quinto dia de acompanhamento César está saturando a 92%, se alimentando e não sente mais cansaço. Sua taquipneia melhorou e os estertores ainda se mantém, mas só em bases.
Daphne Lourenço, médica de família e comunidade atuando no DSEI Xingu.
Arte de Zina Leal
1 note · View note