Tumgik
#tw: agressão e tentativa de homicídio
luvdeathrobots · 11 months
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POV: Monstro.
*tw: agressão, tentativa de homicídio. Clique aqui para ler a versão no Google Docs.
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   Era a última apresentação da noite de eventos das Indústrias Yamamoto. Hana Yamamoto, atual industrial, subia ao palco em meio ao eco de palmas, ao brilho das luzes e ao incentivo dos milhares de sorrisos comprados vindos do palco. Esbanjava em suas expressões nada mais nem menos que o orgulho sólido. 
— Obrigada, obrigada! — Apesar da calmaria na voz, seu sorriso era sádico, era esperto. Não havia vitória maior nos olhos de Hana que não fosse a atenção de seu público. — E é com extremo prazer que nós, das Indústrias Yamamoto, apresentamos a vocês a nossa mais nova invenção: ABR-005! É maior! É melhor! É o soldado perfeito! — Quão mais intensos eram seus adjetivos, mais alta era a voz que a líder trazia. — Conheçam, então, o futuro de titânio! 
   Havia silêncio até Hana sair do palco, as cortinas se abrirem e Ren Yamamoto ser revelado pelas luzes amarelas, vermelhas e azuis. Depois, muito pouco se podia ouvir das vozes presentes na plateia quando ABR-005 surgiu no centro de tudo. A máquina era grande, robusta, de quase dois metros e forma humanóide. Em seu corpo, era destacável a armadura de titânio e detalhes feitos a ouro, assim como o Cinábrio que brilhava em seu centro. Estava preparada para a guerra, aquilo era óbvio; o vermelho misturado ao preto em sua pintura não denunciava outra coisa senão a obsessão pela violência. 
   De início, Ren sabia muito bem com o que lidaria. Conhecia aquele dispositivo desde os esboços duplicados, rasgados e rabiscados de anos atrás. Era, finalmente, o dia que veria o esforço de alguns dos muitos funcionários tomando vida — e futuramente, sabia ele, tomando a vida. Ren não tinha o que temer. Conhecia cada movimento, cada surpresa que aquela máquina tinha a oferecer. Sabia seus limites. Era somente uma brincadeira planejada que futuramente traria a toda sua família não só o nome no topo como a pilha de dinheiro que ele sabia que sua mãe, Hana, gostava. Pelo menos ele achava que era só isso.
   Sua apresentação começou como qualquer outra: um resumo quase inútil sobre ABR-005 e para o que servia. Logo, a luta. Ren era ágil, era preciso. Suas mãos se alternavam em tiros disparados por uma pistola e então pelo arranhão de uma espada, tudo certeiro e totalmente calculado no titânio. Certamente, nada daquilo era suficiente para parar ou ao menos impedir avanços do robô; era apenas uma forma de demonstrar a resistência daquela besta. Do mesmo jeito que aquilo sabia se defender, sabia atacar, e assim foi: golpes precisos, eficientes para apagar qualquer um, mas totalmente ensaiados pelo garoto de magia artificial que simulava uma luta no momento. De maneira bruta e ligeira, ABR-005 apresentava a conversão de uma mão mecânica para uma lâmina totalmente afiada, extensa e de forma similar a uma foice; afinal, não havia nada que simulasse a morte tão bem quanto uma foice. Era esse seu diferencial de todas as máquinas criadas anteriormente: não teria piedade. Aquela força, aquele peso, aquela resistência e aquele gume, tudo era feito para ser preenchido pelo sangue. 
   Ren e ABR-005 ficaram em zigue-zague por certo tempo, tempo o suficiente para o apresentador imaginar que estava no fim. Não estava. O artífice podia jurar já ter visto tudo ensaiado nos dias anteriores, desviado ou acertado, mas havia algo de errado com ABR-005. A máquina brilhava mais. Brilhava o roxo do Cinábrio, brilhava o vermelho de seu corpo. Diferentemente dos padrões ensaiados, a besta começava a tomar tom mais agressivo e desregulado. A lâmina de sua foice outra vez foi vista e nada resumia mais Ren que o susto escancarado em seus olhos. Não conhecia aquilo. Não era aquilo que havia combinado com sua mãe. 
   ABR-005 impacientemente abandonava suas configurações iniciais. Em passos frenéticos, passava a derrubar seu rival com uma rasteira. A foice era cravada em seu rosto e todas as luzes do ambiente se apagavam. Era o preto, o vermelho da máquina e o reflexo das cores em Ren. Se alguém olhasse única e exclusivamente para aquele rapaz, seja a olhos nus ou pela câmera de seus celulares, sentiria nele o desespero de uma enrascada. Estava imobilizado. Não havia disparo de arma, acerto de lâmina ou golpe algum que invertesse sua situação. Então, de repente sentiu a força dos punhos de aço em sua barriga. Nunca em sua vida um golpe o doera tanto quanto aquele; afinal, era misturada a dor física da dor da humilhação pública. 
   Ren só foi capaz de ver outra vez a plateia quando seu corpo foi erguido e carregado pela máquina. Seus amigos, seus irmãos, sua namorada e diversas outras pessoas que ele talvez nunca fosse saber seus nomes gravavam aquele momento tanto em suas memórias quanto em seus celulares. Ele fechou seus olhos em esperança que aquilo acabasse, mas era só o início de seu pesadelo. A voz de sua mãe e industrial Hana roubou dele míseros segundos de atenção — e raiva.
— E é com extremo prazer que nós, das Indústrias Yamamoto — Era sufocante, era duradouro, era mortal. A besta mecânica refletia nos olhos de Ren o desespero eterno de sua alma, assim como sua mãe o fazia pela nada empática voz. —, apresentamos a vocês ABR–005! 
   O barulho dos aplausos invadiram os ouvidos do artífice como um incômodo ruído. Preso ao frio das mãos robóticas de ABR-005, ele não sentia nada mais que a angústia da morte — ou pelo menos do gosto azedo dela. A besta mecânica sorria. De algum jeito, aquele monte de peças sorria dentro do vidro preto e as luzes brancas. Era cruel, era persistente, era programado para aquilo. Os simulados dígitos gélidos apertavam sua garganta de maneira lenta, torturante e psicótica. Aquilo sabia a hora exata de largar seu ponto vital, deixar o corpo cair e então se curvar em total sucesso de sua criação. 
   Nas memórias de Ren Yamamoto, os Eventos de Lançamento sempre foram bons — no passado, no exato passado; agora, jogado ao chão como um nada, eram meras ilusões de respeito, de progresso e de orgulho. Sua visão diminuía aos poucos como a cortina do palco se fechava. Era primeiro o amarelo das luzes, o azulado da besta em seu caminho e o cinza de sua mãe. O ar era rarefeito. Um borrão, um sussurro e um riso; era tudo que conseguia identificar nos curtos segundos consciente, mesmo que não estivesse morto.
 E então tudo era breu.
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