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– 5 de novembro.
Ouviu atentamente, assentindo conforme Cassandra falava. Ficou curioso para ver o que ela pintava. Não entendeu, ou não quis entender, o que Cass quis dizer quando disse que pintava a verdade, mas assentiu da mesma forma. "Agora estou curioso, vai ter de me mostrar as fotografias. Não podemos esquecer." Sabia que Cassandra acreditava nas histórias sobre a mansão, e conseguia se lembrar do terror que sentia ao imaginar que ela ouvia vozes ali dentro. Não sentia medo de Cassandra em si, mas do que ela via ou ouvia. Tinha medo de acabar atraindo algo, de ouvir também. Ao mesmo tempo, sentia-se culpado por demonstrar esse medo. Não queria que outras pessoas se sentissem mal. "Talvez eu dê outra passada na sala de música... faz bastante tempo que não componho nada novo." Sorriu, pensando na canção que tocou sem conhecer. As notas novamente pareciam marcadas em sua memória, mas não se lembrava bem de onde era. A maioria das pessoas não perguntava à Vincent o que ele queria. Por isso, ele nunca saberia bem como responder aquela pergunta. Virou-se para o horizonte e respirou fundo. "Eu não sei." Deu de ombros, sendo sincero. "Mas acho que por enquanto tenho o privilégio de não precisar escolher." Tentou ser positivo, mas o privilégio de ter herdado tudo vinha com a constatação de que nem o pai e nem o avô estavam ali mais, então ele se adiantou em cortar o assunto para não precisar explicar. "Bem, o sol se foi. Acho melhor entrarmos antes que esfrie, não acha?"

flashback: 5 de novembro
"Eu diria que me encaixariam na categoria de artista surrealista", explicou em tom de voz distante. Ela mesma não gostava de se encaixar em categoria nenhuma. Era uma porta-voz, sempre seria, essa era a única caixa que estava disposta a entrar. "Embora às vezes também me arrisque no abstrato. De certa maneira, vejo o surrealismo apenas como outra forma de realidade. De uma forma ou de outra, ainda estou pintando a verdade." Isso era, no fim das contas, uma amalgamação de Cassandra; ela sempre dizia a verdade, mesmo que não acreditassem nela. Podiam chamá-la de louca, psicótica ou mentirosa, mas Cassandra apenas mentia para sobreviver, como fazia nos dias de hoje, ao fingir que não ouvia nem via mais nada. "De fato. Thornhill é um mundo à parte. Acho impossível para um artista estar aqui e não se inspirar de nenhuma maneira." Mesmo essa Thornhill de hoje, tão morta e esquecida em comparação à da sua infância, causava um comichão no fundo de seu espírito. Mesmo como um fantasma, ela ainda vivia. Tombou a cabeça enquanto observava Vincent; conhecia bem aquela hesitação, algo tão idêntico ao Vince da infância, e reconhecer aquilo nele lhe puxou de forma quase dolorosa para o passado, como se eles ainda fossem dois pequenos perdidos em meio à guerra. "Entendo", respondeu de forma simples. Era difícil ter medo de Vince quando ele era tão ele. "Imagino que não seja tão ruim. Mas é isso o que você quer?"
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– 5 de novembro.
Deu uma risadinha baixa com a reação de Victor, parte curioso para saber o que tinha no livro, e parte preferindo não saber. Chacoalhou os ombros, engolindo a cereja. "São os modos londrinos, I'm afraid." Deu um passo para dentro, fechando a porta com o calcanhar e caminhou até a cama, se sentando. Mostrou a latinha. "Cerejas. É uma latinha nova." Virou para a data de fabricação. "O que é surpreendente, não sabia que a senhora Banks ainda mantinha um estoque tão grande de comida na despensa. Você jantou?" Agia como se ambos tivessem se visto no dia anterior, pois para Vincent, o encontro meses atrás ainda era como recente. Se viam vez ou outra quando se cruzavam por conta da profissão, ainda que fosse esquivo e escorregadio quando tinha a oportunidade. "O que estava lendo, ein?"

* ⠀⠀⠀⠀⠀𝒇𝒍𝒂𝒔𝒉𝒃𝒂𝒄𝒌⠀. a voz o assusta e ele fecha o livro de maneira audível, parando de balançar na cadeira e deixando os pés caírem da peseira da cama. ‘ stop acting like a bloody wanker. ’ embora o xingamento tenha rolado da língua com naturalidade, o coração começa a retornar para os batimentos normais e ele, secretamente, está feliz por não ser uma sombra como as que assombram os sonhos. ‘ não ensinam modos na escócia? entre. ’ não faz a cordialidade de se levantar e receber o outro em seu quarto, a relação permite tal informalidade. a situação seria diferente caso qualquer outro tentasse entrar ali. ‘ o que está comendo? ’
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De certa forma, esperava qualquer tom que não fosse gentileza. Havia sido rude, e não era de sua natureza. Estava constantemente tentando agradar, tentando não gerar uma reação negativa, mas o encontrão repentino com Elizabeth na noite anterior fez diversas memórias surgirem, e ele foi incapaz de fazer qualquer coisa a não ser ignora-la e fechar a porta do quarto. Era vergonhoso que a tivesse tratado assim, mas não sabia como conversar com ela após tudo o que havia acontecido. Ainda tinha as cartas que trocavam, e também tinha a folha com o início da carta para ela que nunca enviou. Haviam sentimentos que tentou nunca encarar, e que sabia que permaneceriam ali se o contato persistisse e, exatamente por isso, ele o encerrou abruptamente. Agora, no entanto, teria de encarar as consequências desta decisão. Como de costume, Vincent nunca foi muito bom em encarar qualquer coisa.
Abriu a boca para responder a pergunta com a sinceridade que lhe surgia sempre que conversava com Betty, mas parou por alguns segundos. Deveria? Ficou tentado a se encolher um tanto com a proximidade, desacostumado com o contato, mas disfarçou, alcançando a chaleira e evitando olhar diretamente para ela. "Não muito. Desacostumei com o silêncio do interior." Inventou a primeira desculpa que surgiu na mente. "E você?" Serviu-se uma xícara de chá, limpando a garganta com a constatação de que, sim, não se falavam havia muito tempo. "Bem ocupado. Eu..." Qual seria a desculpa da vez? "Você sabe, pacientes tomam bastante do nosso tempo." Assentiu, satisfeito. "E você? Não imaginei que viria."

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤ─ ⋅ ⋅ ⋅ ──── ♡ ─── ⋅ ⋅ ⋅ ──
Elizabeth olhava sem ver os talheres espalhados pela mesa, os ombros rígidos, os olhos perdidos nos próprios pensamentos, as olheiras tão profundas que trazia um ar quase doente para ela, cadavérico. Não tinha dormido naquela noite, a Insônia vencendo enquanto ela revirava na cama, buscando um conforto que jamais viria, que nunca a tocaria. Diferente do jantar, Elizabeth tinha sido uma das primeiras a se juntar ao chá, sorrindo para a senhora Banks antes de se sentar e acabar por se perder em seus próprios pensamentos. Apenas ergueu os olhos quando ouviu os passos e sentiu alguém se sentando ao lado dela. Em primeiro momento, ela demonstrou surpresa genuína ao ver Vincent, se lembrando da forma rude como ele não a respondeu nos corredores, a deixando sozinha, com a sensação de que estava fugindo dela. Mas então a expressão de Elizabeth suavizou, tomando aquele ar tranquilo e calmante que sempre emanou dela — mais forte agora, que havia tomado uma profissão que exigia calma e paciência. "Bom dia, Vince." Ela o respondeu, se inclinando ligeiramente em sua direção, criando um certo recorte confortável, quase íntimo entre eles. "Dormiu bem?" Elizabeth continuou, a expressão demonstrando uma ligeira preocupação. Esticou uma mão, se servindo de um pouco de chá, acrescentando leite e mel para adoçar. "Como você tem estado? Faz tempo que não nos falamos." A enfermeira prosseguiu com o tom calmo, leve e lento. Claro que ela queria questionar o motivo de Vincent simplesmente ter lhe dado as costas quando se encontraram, mas Betty nunca havia confrontado diretamente alguém, ela preferiria que viessem até ela e contasse os problemas, pedindo por sua ajuda ou oferecendo desculpas. Enquanto isso, apenas deu um gole demorado no chá, esperando por uma resposta.
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"Claro, eu adoraria ver as fotografias que trouxe! Que tipo de arte você pinta? Não que eu entenda muito, minha especialidade no ramo das artes é a música. Jamais soube desenhar mais do que linhas bem tortas." Riu. Adoraria adentrar o mundo das artes com algo além da música; talvez se fosse pintor ou lidasse com algo mais tangível, pudesse deixar de lado a medicina. Mas ser músico na idade dele era algo mais complicado; ou se iniciava na infância com algo especial, ou não poderia ser considerado. "Acredito que Thornhill tenha boas paisagens para inspirar algumas pinturas. E bem, todas as histórias... é um local bom para a criatividade." Assentiu, e pensou que talvez pudesse tentar compor algo. A sala de música permanecia ali, afinal. Alguma ideia haveria de surgir. Mesmo que inconscientemente, Vincent percebia mudanças nas pessoas. Era um mecanismo de defesa, afinal. Precisava saber quando o pai ou Agnes seriam violentos com ele, e por isso desde criança podia perceber os mínimos detalhes. Assim, não foi difícil notar a mudança em Cassandra. Só não sabia, exatamente, o motivo, e se a culpa era dele. "Ah, ainda não." Encolheu um tanto os ombros. Não tinha um rumo dentro da própria profissão, e isso ainda gerava certa vergonha. Deveria ter escolhido sua especialização a esse ponto, como todos os outros, mas não sabia para onde ir. "Talvez continue como clínico geral, não é tão ruim assim, sabe..."

Abriu um sorriso sincero ao ouvir o pedido de Vincent, apesar de não ter certeza se ele seria capaz de apreciar o tipo de arte que ela fazia. Cassandra não tinha ilusões; sabia que seus quadros podiam ser considerados perturbadores e de conteúdo assustador, e o Vince que ela conheceu não se sentiria muito confortável com eles. Talvez ele tivesse mudado, porém, amadurecido; ela saberia quando ele visse as pinturas. "Posso te mostrar algumas fotos, eu trouxe comigo. E quem sabe eu também não pinte algo novo por aqui? Para o bem ou para o mal, Thornhill com certeza é capaz de causar inspiração a um artista." Se as vozes de fora sussurravam cores e formas em seus ouvidos, as de Thornhill certamente também teriam algo a dizer. Se sentiu tencionar ao ouvir sobre a profissão de Vincent, porém, mesmo contra a própria vontade. Tragou mais fumaça e a soltou devagar antes de responder. "Médico? Que interessante. Já tem alguma especialização em mente?" Se ele falasse psiquiatria, ela não sabia se seria capaz de disfarçar o próprio desconforto.
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– 5 de novembro.
Dez anos, ele pensou. Ele tinha doze. A sensação, no entanto, era a de que Lydia parecia mais nova, e de que suas idades não eram tão próximas assim. Ele não se lembrava de muita coisa com clareza, no entanto, algo que seu tutor em Edimburgo dizia ser culpa da guerra. Os americanos chamavam de gross stress reaction, e ele ainda tinha a cópia do DSM-I de 52 com os sintomas. É claro que ele não se encaixava neles de fato, considerando que seus sintomas duraram muito mais do que os seis meses estabelecidos. "De certa forma, acho que foi outra vida. A guerra, as evacuações... O país não é o mesmo desde a guerra." Nunca falava tanto sobre a guerra, não como o resto das pessoas pareciam falar, mas pareceu adequado que se lembrassem que nada foi o mesmo depois do fim da guerra. Queria acreditar que ver Thornhill como outro mundo era apenas isso: outra consequência da guerra.
Sorriu com a forma que Lydia via Londres, apesar de não pode compartilhar o sentimento. Sua cidade natal era para ele um sinônimo de tempos mais violentos, de uma sensação de não pertencimento. A sensação de insignificância que para ela parecia ser algo desejável, para ele vinha como uma ferida. "Edimburgo." Assentiu. "Não é tão badalada quanto Londres, é claro, mas a Escócia não é tão ruim. Elvis esteve em Prestwick em março, sabia?" Brincou. Gostava de Edimburgo, mas não saberia descrever a cidade de uma forma expressiva como ela havia descrito Londres.
"Esta casa é tão grande assim ou eles estão se escondendo dos hóspedes?" Brincou. "Não sei como eu reagiria se recebesse tantas crianças em casa. Acho que nunca consideramos como foi pra vocês naquela época." E nem deveriam, é claro, eram apenas crianças, mas se a chegada inesperada das irmãs foi estressante para Vincent quando era uma criança, não imaginava como seria ter crianças desconhecidas em sua própria casa de um dia para o outro. Crianças entediadas não lhe parecia uma desculpa muito convincente, mas insistir que havia algo de estranho poderia o fazer parecer como um medroso buscando problemas, então ele não disse nada. O sussurro de Lydia, no entanto, fez um calafrio subir por sua espinha, e ele franziu o cenho de leve. "Bem, se fosse realmente mal assombrada, todos nós teríamos presenciado algo, não acha?" Tentou racionalizar, sem saber se estava tentando convencer Lydia ou a si mesmo. "Passamos bons anos aqui, e você mais ainda. Teria, ao menos, uma história para contar."

lydia teve que engolir a provocação que estava na ponta de sua língua. tudo costumava te assustar. as palavras soavam verdadeiras em sua mente, mas a verdade é que ela não conseguia se lembrar de um momento específico para comprová-las, e muito menos tinha a intimidade com vincent que uma vez tivera somente pelo fato de serem duas crianças crescendo juntas. "eu tinha dez quando a guerra acabou. não acredito que isso já faz quinze anos... de vez em quando eu sinto que foi ontem, mas de vez em quando parece ser outra vida." seus tios em londres, oxford, frederick... coisas tão distantes da névoa de yorkshire e dos sussurros de thornhill.
"eu gosto de londres. é fácil se perder lá, com tantas pessoas, tantos prédios, tantas preocupações. faz eu me sentir como uma formiguinha insignificante." algumas pessoas talvez odiassem esse sentimento, mas para lydia ele vinha como um bálsamo para suas preocupações. suas dores não podiam ser tão diferentes das dores de todas as outras pessoas andando pelas ruas, visitando o cemitério. "onde você está morando?"
"sim, os dois estão aqui, em algum lugar. todos os thornhills restantes, reunidos novamente. eu acho que essa é a primeira vez que nós pisamos aqui desde... bem, desde que todos fomos embora." lydia deu de ombros. as cartas, sua caligrafia, a mensagem, tudo tinha feito o coração de lydia ser tomado de um medo inexplicável. mas ninguém precisava saber disso. "provavelmente só algumas crianças entediadas com tempo demais para procurarem listas telefônicas. essa casa sempre atraiu atenção. os moradores da vila acham que ela é mal assombrada." ela se inclinou levemente na direção de vincent, adicionando com um quase sussurro. "eu tendo a concordar com eles."
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Closed starter com Elizabeth. (@healersoul) Local: Jardim Horário: 11:30
A noite se passou exatamente como um sonho febril. Não demorou a pregar os olhos, mas o sono foi preenchido com uma sensação de ainda estar acordado, lutando para conseguir descansar. Ouvia o vento do lado de fora como um sussurro, e isso o fazia despertar, jurando que alguém havia chamado. Voltava a dormir com a mesma rapidez, mas o mesmo ciclo se iniciava. Desceu para o café da manhã com um ar de cansaço, mal conseguiu trocar uma palavra com os outros, e assim que ouviu que haveria um chá no jardim, ele finalizou o chá que bebia e voltou para o quarto. Com o conforto da luz do sol, ele finalmente conseguiu descansar.
Vincent acordou novamente com os passos dos colegas no corredor. Ainda estava exausto, como se não dormisse há meses. Se arrumou devagar e, quando percebeu o relógio, notou que estava atrasado. Terminou depressa, e desceu enquanto ainda ajeitava a gravata. A mesa estava posta e, como se rotineiro, ele começou a caminhar para o assento que tomava quando criança, mas a senhora Banks o segurou pelo braço e apontou para outro lugar vazio. Sem contestar, ele se sentou onde ela mandou. Já havia visto quem estava ao seu lado, e depois do sonho febril da noite passada, lembrou-se de como havia sido rude. Podia sentir o rosto queimar de vergonha, tanto por sua atitude naquela noite, quanto pelos anos passados. Respirou fundo, as mãos inquietas embaixo da mesa. "Bom dia, Elizabeth."

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– 5 de novembro.
A melodia do violino soava familiar e ao mesmo tempo irreconhecível, no entanto, seus dedos pareciam conhecer a sequência como se jamais tivesse tocado algo diferente. Não pegava no violino há muito tempo, e isso tornava aquilo ainda mais surpreendente. Enquanto tocava, no entanto, não pensava em nada mais. A única coisa capaz de lhe tirar do transe fora o gemido da madeira, repentinamente invadindo a sala e o fazendo despertar da música que tocava. Ele parou imediatamente, abaixando o instrumento empoeirado e se virando pra a porta. Nos segundos de silêncio, Vincent só ouvia o próprio coração batendo acelerado, esperando que quem quer que estivesse ali se revelasse antes de ele precisar ir até a porta. Enfim, quando a porta deu lugar à figura feminina, ele quase suspirou aliviado. "Obrigado. Admito que devo parte disso à memória muscular." Brincou, incapaz de apenas aceitar um elogio. Colocou o violino de volta onde encontrou, passando uma mão no rosto para limpar a poeira transferida da queixeira. "Espero que a senhora Banks não se incomode. Estava muito alto?"

virginia caminhava sem pressa pelos corredores da mansão, guiada mais pelo hábito do que por qualquer real vontade de estar ali. o destino era claro e óbvio: a biblioteca, mas o soar de uma melodia a alcançou primeiro e seus pés traçaram outro rumo. estacou no mesmo instante, os olhos perdidos no vazio, enquanto a melodia serpenteava pela mente. não era ávida pela arte ao ponto de reconhecer aquela melodia, mas isso pouco importava, pois mudou de rumo sem perceber e ao notar a porta da sala apenas encostada, observou pela fresta que separava ela e a pessoa que na sala de música, quando a madeira do chão gemeu sob seu peso, um som seco que denunciou sua presença antes mesmo que pudesse cogitar permanecer ali. virginia, então, ficou parada ali por um momento, os dedos ainda pousados na porta, antes de finalmente se decidir a entrar ❛ você toca bem. ❜
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– 5 de novembro.
A expressão inicial de Daphne ao olhá-lo o fez questionar se ela o reconheceria. Estava tão diferente assim, ou havia sido tão insignificante? É claro que também considerou que não se lembrava do rosto de Daphne de fato até vê-la, mas a pior hipótese sempre o afetava primeiro. Sabia, de alguma forma, que se esfor��ava para fazer Daphne gostar dele. A via com as outras crianças, e ansiava por uma figura feminina que o protegesse. Queria uma irmã mais velha, queria uma figura materna. Sabia que havia a irritado de alguma forma, mas agora mais velho, não conseguia se lembrar exatamente como aconteceu. Só sabia que talvez fosse abrasivo demais, insistente e chorão. Não a culpava, nem mesmo na infância, pois estava acostumado com o tratamento inferente dos mais velhos.
Colocou as mãos para trás, um ato inconsciente como se para garantir que não quebraria nada, então uma memória quase se refez, mas se perdeu com a menção de casamento. "Ah, me desculpe. Por uns segundos me esqueci que não somos mais crianças, e acabei não reparando o anel." Ofereceu suas desculpas, pensando se suas palavras fariam com que ela o respondesse de forma brusca. "Obrigado." Assentiu, com um sorriso. "Infelizmente não me lembro o nome, ou poderia lhe recomendar o compositor." E mal reparou que sentiu-se bem com a conversa amigável que se formava, o pequeno Vincent dentro de si reconhecendo a atenção positiva que finalmente recebia. "Não. Toco nas horas vagas, na verdade. Sou médico. E você? Não poderia tentar adivinhar o que faz hoje, se passaram tantos anos... Só tive notícias de alguns dos nossos amigos."

pensou que deveria ter se envergonhado pela necessidade de apertar os olhos até que a silhueta em sua frente começasse a fazer sentido. quando percebeu quem era, ergueu as sobrancelhas, de modo que sobressalto talvez tivesse sido vincado no vinco entre suas sobrancelhas, encarando a figura masculina crescida. era uma das mais velhas entre os antigos residentes de thornhill, e por isso estava estranhando, um pouco, quando dava de cara com um deles crescido. e aquele era vincent. vincent era tão pequeno, ela se lembrava; pequeno e quase sempre medroso, o que daphne não atribuiria a algo tão ruim, apesar de saber que eles nunca tinham se dado tão bem. talvez, ela percebia agora, já adulta, essa relação partira do ponto principal unilateral dela, que nunca havia se esforçado tanto para acolhê-lo quanto fazia com as outras crianças. ‘ vincent. há quanto tempo, realmente. ’ disse, ainda observando-o como quem demora a reconhecer uma verdade. havia mudado bastante, mas imaginava que ele achava a mesma coisa dela. ou talvez a achasse exatamente igual, a mesma garota de dezesseis anos que vira pela última vez, quando a guerra alcançou o declínio. daphne não sabia dizer qual das duas opções ela mais odiava. ‘ é senhora. eu me casei. ’ disse, girando nervosamente a aliança dourada entre os dedos, pensando que poderia ter deixado esse detalhe de lado estando em thornhill, onde assumia uma vida que não mais lhe cabia, a de uma jovem sonhadora com fome de conhecer a vida de uma maneira tão diferente. os olhos nervosos observaram o violino que ele havia deixado de lado. ‘ era uma música muito bonita, a que estava tocando. ’ nunca havia sido simpática com ele, e somente em circunstâncias como aquela parecia reconhecer aquilo um pouco mais. ‘ se tornou músico? ’
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– 5 de novembro.
Não podia negar que se lembrar da imagem que tinha para os outros lhe incomodava. E muito. Sabia que todos os seus amigos o conheceram como a criança chorona e medrosa, mas ouvir que não imaginavam que ele voltaria, trazia um gosto um tanto amargo. Em partes compreendia, mas mesmo assim, não gostava de ser reconhecido pela imagem de covarde. Era um homem adulto agora, e não um garotinho. No entanto, ainda que não percebesse, a mesma aversão à confronto tomava conta. Poderia ter dito para Edmund que não era mais o mesmo, mesmo que em tom de brincadeira, mas não o fez. Ainda tinha muito medo de confrontar alguém, ainda que não fosse de forma combativa.
A menção ao leão foi suficiente para dissipar o desconforto anterior, então ele assentiu com um pequeno sorriso. Foi como lembrar-se que Ed, apesar de grande e forte como os garotos que o provocavam, não era uma ameaça. Era um amigo. E um dos poucos que realmente tinha. "Em partes. Se soubesse que viria, teria trazido o trazido." Brincou. "Não para devolver, é claro." Avisou, ainda no mesmo tom de brincadeira. A pelúcia estava bem guardada em sua casa em Edimburgo, como um símbolo silencioso de sua nova adquira coragem. O leão o acompanhou por todos aqueles anos, e era a única posse que conseguir negar às irmãs. Era algo seu. "Fiquei um tanto curioso com a carta. Não foi você quem enviou, foi?" Podia contar nos dedos as pessoas que ainda tinham seu endereço, mas não acreditava realmente que Ed teria a enviado. "E você, o que te fez voltar?"

antes de retribuir o abraço, ele se pegou surpreso. vince sempre fora hesitante demais para qualquer demonstração tão espontânea. e, pelo jeito, ainda era, já que se afastou logo em seguida, visivelmente envergonhado, mas sem conseguir esconder a alegria no olhar. ainda assim, uma melhoria da sua versão mais jovem, com certeza.
observou o amigo por um instante antes de desviar o olhar pela sala de música. “— sim, fico feliz que tenha vindo para cá.” disse, oferecendo um sorriso discreto. “— achei que, de todos, você seria o menos inclinado a voltar.” não havia julgamento na afirmação, apenas uma observação honesta. thornhill guardava memórias demais, embora grande parte delas eram inacessíveis, e vincent nunca parecera alguém que gostava de confrontá-las.
“— foi o courage que te convenceu?” brincou, em tom leve. na sua última despedida com vincent, eddie havia lhe dado sua pelúcia, um gesto silencioso de conforto, como se quisesse garantir que ele não estaria completamente sozinho fora da mansão. agora, vê-lo de volta ali parecia quase simbólico, como se algumas coisas, por mais que mudassem, sempre encontrassem um jeito de retornar.
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Closed starter com Victor. (@maddctor) Local: Quarto de Victor Horário: por volta das 23:30
Voltava da cozinha a passos cuidadosos, ainda que o silêncio fosse quebrado pela madeira rangendo debaixo dos pés. Levava na mão uma latinha de cerejas enlatadas que havia encontrado na cozinha, mastigando e tentando fingir para si mesmo que não estava atento a qualquer movimento naquela casa. Caminhou pelo corredor até notar uma porta aberta, a luz lhe chamando atenção. Instintivamente soube que era o quarto de Victor, e foi até a porta, o observando por alguns segundos enquanto mastigava mais uma colherada de cerejas. "O que é que você tem aí?"

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Sempre ouvia sobre como Londres era a capital dos sonhos de muitos jovens. Libertadora, cheia de aventuras. Por isso não era uma surpresa que a maioria se direcionasse para lá, principalmente após a guerra. Para ele, no entanto, a cidade era um sinônimo de violência e de temor. Foi lá que teve de lidar com a presença de uma mãe que não o amava, e que mais tarde revelou não ser sua mãe. Em Thornhill havia medo, a figura do desconhecido constantemente sobre ele, mas ao menos era algo mais palpável, menos instável do que o pai e a madrasta. "Ora, é pintora?" Sorriu, admirado. Gostava das artes, apesar de ter seguido um rumo completamente diferente. "Gostaria de ver seu trabalho, se me permitir. Quem sabe comissiono uma pintura lá para casa." Lhe parecia o mais adequado, considerando que, apesar de não terem contato há tanto tempo, Cassandra ainda era uma parte de sua infância. "Médico. Clínico geral, por enquanto."

Em meio às poucas memórias claras que tinha de Thornhill, os olhos assustados de Vincent figuravam de forma mais clara que o seu próprio rosto; é claro que Cassandra sabia que ele tinha medo dela. Nunca havia colocado aquilo contra ele, porém; Cass sempre havia sido como um animal selvagem, algo desconhecido, ameaçador e intocável, mesmo que na realidade fosse inofensiva e assustada também. De qualquer forma, ali estavam os dois depois de tantos anos, e apesar de temeroso, Vince sempre havia sido gentil. Por causa disso, sorriu para ele. "Londres", concordou, assentindo. "No fim das contas, acabei ficando por lá mesmo. É uma cidade agitada, diversa, e com uma boa cena artística. Acabou se tornando o lugar ideal para mim, já que sou pintora hoje em dia. E você, com o que trabalha?"
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Estava faminto. Se revirava na cama sem conseguir dormir. A sensação era de familiaridade, e sendo familiar, também vinha com o receio de pregar os olhos e se encontrar em um novo pesadelo. Pensou e repensou várias vezes se deveria ir até a cozinha sozinho, considerando vez ou outra bater na porta de um dos amigos. A resposta, é claro, é que um homem adulto não pediria para alguém ir até a cozinha com ele. Era apenas uma casa. Nada mais. Então respirou fundo, jogou os cobertores para o lado e começou sua jornada por entre os corredores. Desceu as escadas ignorando o ranger da madeira, e sentiu um gelo no estômago quando viu a luz da cozinha acesa. Suas opções eram continuar ou voltar para o quarto, mas resolveu que dessa vez ele iria ignorar todas aquelas lendas bobas e seria um adulto de verdade. Caminhou depressa, fingindo que estava na cozinha de casa, e se sentiu aliviado quando ouviu a voz de quem estava ali sentado. "Não. Meu estômago está roncando." Explicou, caminhando até a mesa. "O que encontrou para comer?"

starter aberto horário: por volta das 23h local: cozinha
Estranho, muito estranho. Era o que se limitava a repetir na sua mente. Era muito estranho estar de volta àquela mansão e rever todos os amigos — assim considerava, na infância. A versão mais nova de si teria ficado em êxtase ao receber uma carta de convite, mas o Tobias adultos não estava gostando muito de reviver aquelas memórias ingênuas. "Não conseguiu dormir também?" Perguntou, ainda de costas, assim que ouviu passos adentrando a cozinha. Mastigava algumas bolachas, muito sem gosto, por sinal, já que não conseguia pregar os olhos no antigo dormitório.
caso prefira um starter fechado, responda com algum dos lugares da mansão.
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"Me assustava um pouco." Admitiu. Mas o que, afinal, não o assustava quando estava em Thornhill? Algumas vezes a voz do Senhor Banks cantando ecoava nos pesadelos de Vincent, e ele sonhava que se afogava. Esqueceu-se das imagens de terror, focando na lembrança feliz que acabara de trazer de volta. Olhou também para a sala e não conseguiu conter o pequeno sorriso que se formou. "Bem, você tinha..." Tentou se recordar da diferença de idade entre ele e Lydia, mas também lembrava-se dela como mais nova. Pequena e frágil. Mas Vincent ainda via todas as crianças daquela forma. "Quantos anos você tinha?"
"Ah, Londres. Estive em Londres algumas vezes também." Assentiu, ouvindo com atenção. Mal se lembrava do rosto de Dick, ou de Ginna. Para dizer a verdade, não se lembrava do rosto de Lydia também, mas talvez com a exceção de Ed, Toby e Victor, mal se lembrava de todos os outros. Se perguntava se os reconheceria se os visse na rua. "Seus irmãos também voltaram?" Perguntou. Será que haviam visitado? Ou também evitavam completamente a área, assim como ele? "Ah, não. Não senti falta daqui." Riu. "Só achei curioso. Quem escreveria uma carta pedindo para voltar?" Deu de ombros, pensando que a explicação fazia sentido. "Ou melhor: quem teria o meu endereço para enviar uma carta?"

“você tem razão, ele é com certeza pior. mas eu tenho que admitir que sempre gostei de quando ele começava a cantar aquelas canções. deus sabe onde ele aprendeu elas.” lydia sorriu. ela olhou para a sala como se pudesse ver aquela memória, as crianças dançando enquanto a senhora banks observava com um expressão rígida mas um pequeno sorriso nos lábios. a própria lydia no canto da sala, observando com a curiosidade que ela sempre tinha naquela idade. “lembro. eu achava todo mundo tão mais velho, mais vívido do que eu quando eu era criança. é estranho pensar que todos nós temos praticamente a mesma idade.” talvez isso fosse uma experiência normal ao ser a mais nova da família, ou talvez viesse da superproteção que todos pareciam ter com lydia naquela idade. era bom não se sentir mais daquele jeito.
"nós fomos para londres depois da guerra. viver com nossos tios. bem, eu e a ginna fomos, o dick já estava praticamente entrando na faculdade. mas eu acho que foi para o melhor. eu não sei se eu teria saído daqui se não fosse por aquilo." um calafrio subiu por seus braços ao pensar no que sua vida poderia ter sido, presa em thornhill pelo resto de seus dias. aquela era sua casa, claro, mas de vez em quando ela também parecia uma gaiola. "não me diga que você sentiu saudades dessa casa velha e empoeirada." ela brincou, embora soube-se que a provocação estava cheia de hipocrisia. lydia sentia saudades da casa velha e empoeirada. pelo menos de vez em quando.
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Pensou em como não ouvia a risada de Milo havia muito tempo. Tentou comparar com o riso que se lembrava da infância, mas as memórias pareciam tão escassas e ao mesmo tempo tão presentes. Era engraçado a forma que se lembrava das crianças de Thornhill com pouca frequência, como se fossem um sonho distante, mas quando se lembrava, sentia que nunca havia abandonado aquela mansão e seus habitantes.
"Cada um com suas especialidades. Jamais fui capaz de compreender suas plantas. Lembra-se da suculenta que matei em uma semana?" Riu baixo. "Ninguém diria que minha especialidade hoje é cuidar de seres vivos." Brincou, e então fez que não. Duvidava que Milo não tivesse percebido o breve nervosismo antes de vê-lo, mas negou mesmo assim. "Não, só demorei um pouco para te reconhecer." Não sabia como deveria levar aquela observação, mas ouvir alguém dizer que estava orgulhoso por algo que ele fez não era algo tão frequente, então ele sorriu, assentindo. "Fiquei curioso, não imaginava receber uma carta daqui. Você recebeu uma igual?"

Milo soltou uma risada baixa enquanto adentrava a sala, seus passos lentos ecoando suavemente no ambiente. Ele deslizou a mão pelos móveis, admirando os instrumentos espalhados, como se explorasse um território quase esquecido. Sempre soubera da existência daquela sala, mas as vezes que a frequentara eram tão poucas que podia contar nos dedos.
— Estava, por incrível que pareça. — respondeu, com um tom descontraído, embora carregado de certa ironia. — O problema é que não entendo nada de música. Mesmo se fosse a pior apresentação do mundo, ainda acharia incrível.
Ele deu de ombros, e um breve sorriso de canto surgiu em seus lábios, apenas para ser rapidamente substituído por sua costumeira expressão neutra.
— Não muito. Te assustei?
O tailandês se aproximou, acomodando-se próximo a Vincent, os olhos observando-o com uma atenção meticulosa, quase curiosa.
— Não imaginei que você fosse voltar, Vince. — disse, sua voz firme, mas com um toque de genuína admiração. — Estou, ao mesmo tempo, surpreso... e orgulhoso.
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“𝙼𝚎𝚖𝚘𝚛𝚢 𝚒𝚜 𝚝𝚑𝚎 𝚍𝚒𝚊𝚛𝚢 𝚝𝚑𝚊𝚝 𝚠𝚎 𝚊𝚕𝚕 𝚌𝚊𝚛𝚛𝚢 𝚊𝚋𝚘𝚞𝚝 𝚠𝚒𝚝𝚑 𝚞𝚜.” | (task #001)
tw: violência doméstica.
Aos sussurros, Agnes disse à Vincent que ele seria enviado para longe por ser um bastardo. Arthur amava apenas Phaedra, e por isso estava garantindo que o pirralho birrento e chorão estaria longe o suficiente para não perturbar a pequenina. Apesar dos sussurros, Arthur ouviu. Apesar de não ser o melhor dos pais, ele amava o seu filho. De uma forma corrompida e pútrida, mas amava. Agnes sorriu maliciosamente ao ver as lágrimas quentes se formarem nos olhinhos azuis do pequeno Vincent, e não percebeu a mão que fora erguida contra ela.
De modo algum a conversa que se seguiu foi afetuosa, mas ao menos Arthur tentou explicar ao primogênito que vovô e vovó, aquelas duas entidades que ele conhecia apenas por nome, estavam o esperando, e que um senhor muito gentil o havia oferecido um quarto. Não houve delongas para explicar ao garotinho que a guerra destruiria Londres, e ele perguntou de Phaedra. Ela estaria segura ali? E ele não? Agnes riu amargamente por entre as lágrimas, jurando que a preocupação da criança era falsa, cheia de cinismo. Como poderia uma criatura como ele se importar? Estava cega de ciúmes.
Na despedida de Vincent, Arthur apenas apertou o ombro do garoto levemente, e deixou que Agnes acompanhasse a criada que o levaria até o trem. A mulher fez questão de que suas últimas palavras fossem levadas com Vincent durante o tempo que esta viagem demorasse: "É melhor que se comporte, Vincent. Os mortos de Thornhill não são tão gentis quanto nós somos, e se vingam dos mortos. Se eles te pegarem, vão te matar. Você sabe como é insolente e chorão, os mortos não gostam de crianças como você." E deu as costas, deixando que a imaginação da criança criasse os monstros da residência. A criada até tentou acalma-lo, mas as lágrimas silenciosas caíram por boa parte da viagem, até que pegou no sono.
Na estação de Yorkshire foi encontrado pelo mordomo dos avós. Henry e Florence não puderam comparecer, e ele foi sozinho com o homem mais velho. Ambos em silêncio, enquanto Vincent observava a estrada vazia e aterrorizante. Foi deixado em frente à grande mansão sem sequer uma palavra de conforto, um aviso de que veria os avós em algum momento... nada. Uma moça logo veio lhe buscar, se apresentando como a babá que tomaria conta dele. Foi levado pelos corredores da mansão, recebendo instruções que ele mal conseguia ouvir. Todo pequeno barulho era motivo para olhar duas vezes e se certificar de que veria uma pessoa viva. Cada sombra entre as passagens dava lugar à imagem de fantasmas prontos para o pegar. Ele não queria chorar, mas os olhinhos marejados e as mãozinhas apertadas em volta da malinha foram vistos como timidez ou receio, e não como uma criança aterrorizada com aquela construção.
Fora levado para um quarto no fundo do corredor e quando a porta se fechou, as paredes pareceram dobrar de altura. Assim como aquela mansão, tudo parecia fazer Vincent se sentir muito pequeno, muito frágil. Deu passinhos rápidos até a cama, soltando a mala no chão e fazendo um barulho muito alto e que o assustou. Se enfiou debaixo dos cobertores, o coração batendo depressa e a respiração rápida. Fechou os olhos bem apertado quando ouviu alguém bater na porta. Uma, duas, três vezes. Eventualmente o barulho parou, e ele começou uma oração silenciosa que aprendera na escola. Não sabia se funcionaria para afastar as criaturas noturna, mas apegou-se à ela, mesmo que em casa aquilo fosse levado como tolice.
Nos primeiros dias, não dizia uma palavra se alguém não o chamasse primeiro. Estava sempre tentando ficar no mesmo espaço que outras crianças, ainda que ficasse em um cantinho, com medo de ser visto como insolente, assim como Agnes dissera. Obedecia todas as ordens dos adultos e das crianças mais velhas e tentava não ser um estorvo, mas durante a noite qualquer um que passasse pelo seu quarto seria capaz de ouvir os soluços silenciosos de Vincent enquanto ele se encolhia debaixo do cobertor.
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Enquanto tocava a canção, mantinha os olhos fechados, absorvido na melodia do instrumento que tocava. Em algum momento sentiu que estava sendo observado, mas o terror de abrir os olhos e enxergar algo que não deveria o fez continuar tocando, esperando que a sensação se dissipasse em algum momento. Tentou postergar o final da música, mas logo as notas terminaram e ele percebeu que deveria abrir os olhos e enfrentar o que estivesse o observando. É claro que não considerou que seria outra pessoa, a casa estava cheia, afinal. A voz de Milo, no entanto, o fez abrir os olhos e se acalmar. "Talvez você só não estivesse prestando atenção, Milo." Sorriu, segurando o instrumento e olhando para o mais velho. Levou o comentário como uma brincadeira, sem querer cair no erro de analisar o tom e as palavras para descobrir se era, de fato, um comentário ácido. "Está aí há bastante tempo?"
Ouvir aquela melodia fez Milo questionar seriamente sua sanidade. Mal havia chegado a Thornhill, e já estava ouvindo vozes? Cassandra certamente ficaria orgulhosa dele. Seu pai, o Sr. Suthipong, passara boa parte de sua infância insistindo para que ficasse longe daquela casa, mas Milo nunca ouvia. Talvez fosse pura ousadia… ou burrice mesmo. Provavelmente a segunda. Mas agora já era tarde; ele estava ali, preso entre as paredes que pareciam exalar lembranças.
Guiado pelo som, Milo tentou se lembrar da localização da antiga sala de música. Enquanto caminhava, flashes de sua infância invadiam sua mente: as tentativas frustradas de aprender piano, resultando apenas em uma versão trôpega de La Vie en Rose, de Edith Piaf. Foi assim que percebeu que as artes não eram o seu forte — ele era um homem da natureza, não da música.
Ao encontrar a sala, seus olhos pousaram no loiro, completamente absorto no instrumento. Por um instante, Milo sentiu um leve toque de inveja daquela habilidade, mas rapidamente reprimiu o pensamento. Aquela casa tinha o hábito de despertar sentimentos que ele preferia deixar no passado, mas não permitiria que isso o dominasse novamente.
— Não me lembrava de você tocando tão bem, Vincent. — comentou, a voz carregada com um tom leve, mas também com a tentativa de disfarçar a estranheza de tudo aquilo.
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Quando criança, Vince sentia um misto de emoções conflitantes sobre Cassandra. Ao mesmo tempo que temia suas convulsões e as vozes que conversavam com ela, apreciava o fato de que ao menos Cassandra não caçoava dele e de seu medo desproporcional. Além disso, também sentia-se mal por ter medo, como se isso fosse a magoar, e ele jamais gostaria de magoá-la. Já adulto e como médico, compreendia melhor que as convulsões não deveriam ser vistas como algo assustador, e pensou até que em algum momento deveria se desculpar se tivesse lhe tratado mal quando criança. "Há muitos anos, na verdade." Explicou, assentindo. "Os ares de Yorkshire não me fazem bem," brincou, "então me mandaram para Edimburgo." Não gostaria de explicar a fundo que precisou ir embora por conta do pai, e nem que havia evitado aquele lugar. "E você, Cass? Londres?"
Cassandra se virou para Vincent, surpresa por vê-lo depois de tantos anos. Era engraçado como, em todos os anos que viveu fora de Thornhill, alguns rostos se dissolviam em sua memória e alguns nomes eram difíceis de se lembrar, mas a partir do momento que revia cada um deles, era como se seu cérebro acessasse um arquivo antigo cheio de informações, como se aquelas memórias jamais tivessem ido embora. Esperou para que ele parasse ao seu lado, acessando cada detalhe do rosto alheio, conectando com as memórias da criança que ele um dia fora. "Você está certo", acabou por concordar com ele. "Viajei a Edimburgo algumas vezes nos últimos anos, e é um lugar lindo, com um pôr do sol de tirar o fôlego. É lá que você viveu nos últimos anos?" A pergunta era agradável, curiosa, a voz mais firme do que costumava ser na infância. Tendo a esperança de que, talvez, não fosse causar medo no rapaz hoje em dia, sendo a mulher que era ─ ou fingia ser.
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