zeomale
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zeomale · 1 year ago
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qual sentido de reencarnar sem saber quem se foi? as pessoas aqui costumam pensar sobre perguntas que num devem ser feitas e resposta sem explicação. prefiro acreditar na existência de duas razões pelas quais esquecemos de tudo pa voltar talvez à mesma vida em uma nova chance. a primeira pode ser interpretado como uma dádiva, a outra, como maldição. renascer esquecido é leve quando a jornada me foi enfadonha e miserável. quando prendi a urina por horas depois de andei léguas e só achar banheiro pa pessoas brancas; quando um policial encostou o revólver engatilhado na minha testa e me colocou sozinho no paredão por ser o único suspeito do grupo; quando escolhi seguir pelo canto mais escuro da rua pa ninguém mais precisar desviar o caminho; quando fui assediada no ônibus ou abusada em casa; quando riram de mim por causa da minha orientação sexual; é terror suficiente, não?! mas é assim que vive a margem: assombrada (naturalmente) todo dia pela ganância e violência burguesa. então… se dói viver como esquecido, num vale a pena relembrar. e quem sabe seja este o motivo d’eu ter chorado ao nascer: a recordação. o nosso primeiro deva ju.
ainda hoje pensava que deja vu num é uma simples lembrança sem significado, mas uma importante memória do que já vi… e, há séculos, vejo um genocídio onde as pessoas igual eu vivem ameaçadas. no final a gente num precisa estar de um lado pa entender que tá errado. é uma barbaridade e só queria que acabasse por todas as pessoas que não tem relação com esta guerra que as instituições abraçaram em prol dos interesses da classe dominante. por que escolhem continuar manteno um sistema que se alimenta de tantas vidas por dia? pelas guerras, fome, doenças, pela desigualdade, o pior de tudo é a desigualdade — quem tem tudo defende seus próprios interesses e quem não tem nada defende os interesses de quem tem tudo, inclusive, a sua vida, pois pa o capitalismo somos estatísticas, números narrados como contamos galinhas no chiqueiro ou gados, patrimônio, propriedade privada pertencente à burguesia — isso é tão verdade que valemos menos que dinheiro. é um genocídio!
estou vendo a mim e meus irmãos e irmãs escravizadas, esvaziadas de significado e de sentido. a ditadura burguesa-capitalista faz assim conosco. meus amigos sempre falam que sumo, mas se quiserem me visitar, meu corpo tá em casa. é certo que sempre tô preso no mundo da imaginação pensando em planos de como transformar o mundo urgentemente. vivo no campo das ideias, já que lá sou livre pa agir contra nossos opressores. fantasio e a fantasia vira ação. reconheço que pa sonhar é necessário tempo. quanto mais se conhece desse sistema, melhor. você se torna uma pessoa mais livre a cada instante, uma pessoa desprendida dos grilhões e amarras. cada passo decolonizado é uma conquista.
uma ideia colocou a burguesia no lugar em que se encontra. somente isso: uma ideia. assim como aquelas monárquicas pelas quais o brasil foi governado por mais de trezentos anos. como a que a gente obedece ao ir numa casa de pagamento, a ideia da fila indiana. alguém disse que é a forma mais correta. de onde eu vim a gente não precisava pagar desta forma pelas coisas, então não havia burocracias nem filas enormes e demoradas. Ideia! e por que fila indiana? será que tem a ver com mais uma perversidade colonialista? rum!
andando pelas ruas da cidade onde moro, que por sinal é quente e suja, alguém me gritou: MARGINAL! logo eu, cientista. na hora fiquei espantado e por mais letrado racialmente, num soube reagir. e essa é uma questão interessante, porque o racismo nos desarma sempre que nos atravessa: faltou voz, força, o mundo ficou mudo e na minha cabeça circulou mais pensamentos que um formigueiro de saúvas, me sugando até o canto mais fundo no peito e talvez o mais seguro naquele momento. como entender tal ataque racista? apesar de ser um cálculo, nem é tão complicado quanto matemática. a palavra marginal nos faz “imagina” alguém… viu? esse alguém na maioria das vezes é negro, morador de rua e quando não, está usando ciclone. e marginal realmente tem muito a ver comigo, mas não com aquilo que dizem sobre mim. me fizeram assim, apenas produto do meio, então “sou” porque estou desprotegido, o corpo dos meus ancestrais e o meu vaga por essas terras sem nunca repousar, vendo irmãos e irmãs morrendo todo dia, podendo ser a próxima vítima do sistema capitalista, racista, machista, já já. assistindo as mesmas notícias todo dia sem poder lutar. minha existência é resistência, já que num sei quando será a próxima vez que olharão pa mim e dirão “num gostei de tu” e se depois dessa terá a próxima. as lei num me protege, já falei. e por num ter leis que preserve o que há dentro de mim, sou violentado. o sistema sequer entende que sou alma também.
lembro da primeira vez que a escravidão chegou à cavalo na minha comunidade. no começo me senti um criminoso. só no começo. na ação, o primeiro tiro atingiu minha irmã que estava brincando, o segundo, a minha mãe. eu corri e atrás ouvia os galopes, as risadas e os gritos: “CORRE, NEGO! CORRE, NEGO!”, eu obedeci mais por mi que por eles. até que me alcançaram e então pude dar conta do quanto tava cansado, com sede. depoi de perseguido, fui preso. meu punho doía, me olhavam como se quisesse fugir, eu só tava procurando uma posição confortável pa parar de me mexer tanto, pois meus punhos estavam feridos. em seguida fui colocado numa sela onde passei quatro dias sem alimento nem banho. ainda estava esperando ser julgado pa explicar meu lado e sair inocentado, mas num foi com a finalidade que me chamaram no décimo nono dia… me jogaram água, me passaram uma banha e fui vendido por um valor que… era só? e que moedas eram aquelas? gritei pelo juíz e perguntei que lugar era aquele? que tipo de pessoas eram aqueles que vendiam outras pessoas? foi quando entendi… era pior que ser criminoso, eu estava sendo animalizado, bestializado, coisificado
as leis deles me deixa com fome, sem casa e inseguro, atravessa meu corpo através de bala perdida ou bem direcionada. se a lei não opera a meu favor, é por isso que sou marginal. eu vi um deles matarem um preto como eu afogado, dez crianças indígenas depois de invadirem suas terras dos seus ancestrais e nada aconteceu, policiais os protegeram. os burgueses são os homens da lei, rei da justiça. eu e outro negro se manifestou, sendo motivo suficiente pa apanhar de novo. como assim? percebi tarde que aqui [modificação]: impera um ideal conservador e colonizador de que sou vazio de sentido e de alma, olham pa mim e veem um nego marginal e criminoso, sendo esse o único valor que me atribuem. nenhum outro. foi assim desde a formação do brasil.
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zeomale · 1 year ago
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os heróis de alguns conhecidos usaram e continuam usando armas. os meus heróis e heroínas usam livros.
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zeomale · 1 year ago
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tenho a impressão deste num ser o meu lugar e, também, que o meu nome num é o meu nome. pessoas brancas e pertencentes a classe dominante talvez leiam essa primeira parte achando estranho, sem sentido, por vezes, confuso. com todo direito até porque é um fato curioso que fala muito sobre o grupo partindo de outra perspectiva: seus ancestrais sabem de onde vieram e quem teve a história apagada. os meus foram extraídos a força de suas terras deixando um longo rastro de sangue e de lembranças. por falar em lembrança, num há muito tempo, percebi que não posso contrariar quem me apelidou assim…
num recordo traçar a rota pa cá e apesar da beleza das árvores, dos pássaros, dos encontros dançantes da areia cristal da praia com as folhas secas ao soprar leve da brisa, tenho a sensação de ter sido arrancado de um mundo onde havia outros como eu, que respeitavam o direito à vida de outro ser humano apesar das desavenças, pois eram só desavenças. é estranho viver num mundo que num foi organizado pa você! aqui são poucas as leis voltadas pa proteção da minha existência. o sistema, seja através da política ou da religião, faz a gente acreditar que ver irmã_s morrendo de fome, deseducad_s, desabrigad_s, doentes física e emocionalmente, é um evento natural efeito da cor ou da “classe”. inclusive, segundo eles, as cores transmitem alguma espécie de significado e a minha significa algo que ninguém deseja: a morte, a bala ou uma acompanhada da outra. aqui as pessoas iguais a mim encontram-se facilmente exploradas quando não mortas por caminhar livremente pelas ruas que construímos, mas que pertencem a el_s.
onde me encontro há mais tempo que uma tartaruga levaria pa caminhar uns cem metros, sentado e amarrado pelos braços, pernas e o pescoço, meu corpo padece de fome enquanto os velhos que observo se alimentando, tão iguais àquele que me chamou de José pela primeira vez, olham pa mim como se quisessem me ver nesta condição. mas que crime cometi? por que ninguém se encosta em mim? sou tão sujo assim? será um teste? se for, num já é tempo demais? de uma coisa sei: me lambuzaria menos e num desperdiçaria tanta comida se tivesse o direito de comer. mas tá bom, vou me contentar com o suor que por um milagre escorre pelos meus lábios, se tornando tudo que tenho consumido desde cedo. você deve estar pensando: “de que momento ele está falando?” bem… é do passado, até porque é impossível pensar experiências tão discrepantes entre quem é preto e branco, pobre e rico, burguês e proletário, homem e mulher, hétero e gay, no futuro… consigo até duvidar que existirá humanos no ano dois mil.
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zeomale · 1 year ago
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MIM
queria começar essa história descrevendo quem sou, mermo num sabeno tanto. tenho dificuldade porque, geralmente, nos fazem acreditar que pa ser alguma coisa, alguém tem que te dizer primeiro. por exemplo... sou um artista quando me consagrarem artista; sou professor, porque me formaram professor e tantas outras. é como se nossos corpos e consciências sempre ficassem sujeitas à aprovação de pessoas que num pensam como nós, num falam como nós, num sentem o que sentimos, num se vestem, num cheiram, num comem, num moram como nós nem sonham os nossos sonhos simples de um_ camponês_, de um_ operári_. a vida inteira sou eu e a minha gente dependendo do sistema que a burguesia criou, esperando o “sim.” daqueles que se fartam do que nos falta. e tudo nos falta: primeiro a cor, depoi o cabelo, dinheiro, prazer e o espelho; o último, inclusive, é o padrão quem aponta.
taí, agora posso falar sobre mim. sou um homem negro retinto, meus cabelos crespos têm alguma cor entre o claro e o escuro, com poucos fios cor de ferrugem, outros parecem cobre, sobrancelhas cheias com um sinal na direita, barba muito falha de pelos pretos no queixo, magro encurvado de 175cm de altura. saiba que pa quem diz como devo ser, a minha cor é a razão de existir uma lacuna entre eu e o mundo que vivo; uma fenda enorme ou talvez algo maior que separa e me faz um_ desigual. um abismo onde a queda permanece sendo violenta para mim, meus irmãos e irmãs divergentes.
vejo que o sistema tem coisa suficiente pa justificar seu racismo onde moro, aqui em yapo-yuc (ipojuca), hoje, região metropolitana do recife. esse é o lugar de onde falo. num quero descrever a época, pois pelo que entendo do sistema que estou enfrentano, ele será o mesmo, senão pior, daqui a mil anos. neste momento preciso ser atemporal para quebrá-lo desde a raiz, desestabiliza-lo utilizando o mesmo instrumento que ele, a palavra. um lema resume que a história se repetirá se escolho continuar calado e indiferente, então basta do que me dizem! escreverei sobre aquilo que vivi, lugares puronde passei, pessoas que conheci e sobre mim, zé. mais um cidadão josé que passou muito tempo esperando a minha vez de ser ouvido por Deus sem perceber que Ele sou eu, alquimista do tempo, artesão do verbo.
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