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𝗣𝗢𝗩 #𝟬𝟭: 𝗔 𝗖𝗼𝗹𝗵𝗲𝗶𝘁𝗮
ɪꜱ ᴛʜᴇʀᴇ ᴍᴏʀᴇ ᴛᴏ ᴛʜɪꜱ ᴛʜᴀɴ ᴛʜᴀᴛ? ɪꜱ ᴛʜᴇʀᴇ ᴍᴏʀᴇ ᴛᴏ ᴛʜɪꜱ ᴛʜᴀɴ ᴛʜᴀᴛ? ɪꜱ ᴛʜᴇʀᴇ ᴍᴏʀᴇ ᴛᴏ ᴛʜɪꜱ ᴛʜᴀɴ ᴛʜᴀᴛ? ɪꜱ ᴛʜᴇʀᴇ ᴍᴏʀᴇ ᴛᴏ ᴛʜɪꜱ ᴍᴏʀᴇ ᴛᴏ ᴛʜɪꜱ, ᴍᴏʀᴇ ᴛᴏ ᴛʜɪꜱ ᴛʜᴀɴ ᴊᴜꜱᴛ ᴡᴀɪᴛɪɴɢ ᴏɴ ᴀ ᴡᴀʀ?
Naquela final de manhã, Zedo teria tudo para descrever-se como alguém minimamente feliz. Afinal, o sino de todas as indústrias do Distrito 8 soaram mais cedo e, em massa, todos os trabalhadores seguiam para suas casas, ainda que por pouco tempo. Ter dado sua força de trabalho pela capital por apenas três horas seria um belo sinônimo de felicidade, entretanto, um único detalhe impedia essa informação de ser verídica: a colheita.
ᴊᴜꜱᴛ ᴡᴀɪᴛɪɴɢ ᴏɴ ᴀ ᴡᴀʀ ꜰᴏʀ ᴛʜɪꜱ ᴀɴᴅ ᴛʜᴀᴛ
De uma maneira simples e direta: Zedo era ridiculamente azarado, em todos os aspectos. No entanto, ter se livrado até seus dezoito anos de ser sorteado era absolutamente uma questão que frisava quando queria se sentir bem consigo mesmo. Por isto, como todas as outras vezes banhou-se apenas por uma questão de costume, colocou uma de suas vestes limpas e usou uma essência qualquer que vendiam como perfume contrabandeado da capital. Spoiler: não era. Poderia ser algo inútil tratando-se de ter que gastar com algo mais importante, porém, admitindo ou não, Evergrove é uma das pessoas mais vaidosas que você poderá conhecer. Cabelo alinhado, perfume no pescoço e pulsos, mangas da camisa de retalhos em tons de cinza dobrada e sapatos perfeitamente limpos. Tomou um xarope para dor, que... sinceramente? Estava longe de cumprir função de cessar as dores que sentia. Fechou a porta de madeira, bem como as janelas e seguiu caminho para onde os telões foram montados. De maneira prática preferia chegar adiantado em eventos como aquele, não por amar ou ser um entusiasta, todavia, sempre que pudesse evitar de ser coagido por um pacificador por estar atrasado, era de validade importante.
ᴛʜᴇʀᴇ'ꜱ ɢᴏᴛ ᴛᴏ ʙᴇ ᴍᴏʀᴇ ᴛᴏ ᴛʜɪꜱ ᴛʜᴀɴ ᴛʜᴀᴛ
Aos poucos notou o local ser tomado por uma multidão. Era curioso pensar que dois infelizes se despediriam hoje de todos e seriam massacrados nos jogos. Era óbvio. O distrito oito não tinha legado algum nos jogos. O número de carreiristas era grande nos outros distritos, ainda mais tratando-se de um massacre quaternário. A população do distrito oito tinha uma fama de morrer nas primeiras horas. Qual a chance desse ano ser diferente? Seria isso. De novo. Choro com os dois subindo no palco. Os dois assustados o suficiente para não conseguir falar uma frase completa. Pessoas com cara de choque, mas ao mesmo tempo aliviadas por terem se livrado e, para aqueles que acompanhavam vinte e quatro horas os telões, teriam a chance de sair avisando para os trabalhadores fabris sobre os canhões soados. E a partir daí, mais uma sequência de choro da família. Todo ano era a mesma coisa. O que poderia ser modificado neste ano, é que a pessoa já seja tão velha, que não tenha mais os pais vivos. Ou simplesmente não ter os pais ou família ali, como era seu caso.
ᴇᴠᴇʀʏ ᴅᴀʏ ᴡᴀɪᴛɪɴɢ ꜰᴏʀ ᴛʜᴇ ꜱᴋʏ ᴛᴏ ꜰᴀʟʟ
Poucos minutos antes do anúncio ser realizado, o moreno trocou olhares com Dazzle. A mulher de trinta anos e dona dos fios mais loiros que teve a honra de conhecer, foi casada dois anos com o melhor amigo de Zedo, até o amigo morrer misteriosamente na floresta. Na visão de Evergrove, não havia mistério algum. Dale continuamente se rebelava no trabalho e arrumava uma forma de implicar com a capital. Em uma das últimas vezes que viu o amigo, foi apanhando em praça pública e, no outro dia, foi vendo o corpo encontrado sendo retirado da floresta. Já se faziam seis meses desde o ocorrido. Desde então, sente-se culpado por ter se aproximado de Dazzle. Nunca aconteceu algo efetivamente, mas não por ele, por ela. Dazzle nunca deu abertura para a ação, por mais que demonstrasse e já tivesse dito que gostaria, mas sempre era não agora. O mínimo era Zedo respeitar a decisão da loira. O luto ainda a incomodava.
ʙɪɢ ʙᴀʙʏ, ʀᴜɴ ᴀɴᴅ ʜɪᴅᴇ
Finalmente os olhares e sorrisos constantes foram desfeitos com a microfonia causada. Infelizes. Um discurso cafona e clássico foi iniciado. Mais letais. Mais sanguinários. Mais impiedosos. Frases que soaram continuamente na cabeça de Evergrove. Não admitiria, mas seu coração estava acelerando. Poderia ser parte de sua doença ou apenas um alerta sobre o que viria a seguir. A mão da apresentadora com uma roupa estonteantemente amarela mexia continuamente o recipiente com um número absurdo de nomes. Muitas possibilidades. Não havia estudado o suficiente para saber probabilidade, mas entedia que as chances de sair um nome conhecido era mínimo. Lilith Evie Koskinen. Quem? Uma coitada. Pouco se importou com a cerimônia de ver a mulher subir no palco. Só queria que aquela encheção acabasse de uma vez por todas. Após todo o drama dos conhecidos da tal de Lilith, que diga-se de passagem, parecia alguém importante e querida para alguns, iniciou o drama para a escolha dos homens. “Galvan Amberflake, setenta e dois anos. Yay” Yay? Engoliu seco a maldita escolha feita pela apresentadora. Nome errado. Não, não poderia ser. Galvan sempre será o pai de Dale e, por mais pouca consideração que Zedo aparentava nutrir atualmente pelo amigo, não poderia deixar de se recordar que foi Galvan que o acolheu por tantos anos. Galvan foi como um pai para Evergrove. Sei que pareceu até agora que Zedo Evergrove não tem lá muita empatia pelas pessoas, todavia, tratando-se do homem da terceira idade que o acolheu no momento da ida de sua mãe para a capital e na morte de seu pai, Zedo ainda guardava um pouco de compaixão. Mordeu os lábios e respirou fundo. Não tendo muito tempo para o mínimo de raciocínio possível, rapidamente levantou o braço direito e gritou que seria um voluntário. Sentiu olhares pesados olhando para si. Talvez indignados. Talvez surpresos. Talvez nem sabiam quem eles eram. Apenas deu um olhar final para Galvan antes de subir ao palco, algo que se assemelhava a um “sinto muito por isso”.
ᴅᴏɴ'ᴛ ᴡᴇ ʟᴏᴏᴋ ɢᴏᴏᴅ? ᴅᴏɴ'ᴛ ᴡᴇ ʟᴏᴏᴋ ɢᴏᴏᴅ?
Sentia as batidas do coração tomarem um ritmo até então desconhecido por ele. Em suas têmporas tornou-se visível gotas de suor e, bom, enquanto isso, sua visão tinha alguns flashes de escuridão. Para Zedo, foi um milagre ter conseguido subir os seis degraus até o palco. Não conseguiu prestar atenção em mais nada a partir dali. Apenas segurou a mão da mulher sorteada do distrito oito. E segurou apenas por ter recebido essa instrução da apresentadora, após ter repetido diversas vezes que deveriam fazer aquilo. Depois da cerimônia, foram praticamente empurrados até a parte de dentro da tenda construída atrás do palco. Sua última lembrança foi apoiar uma das mãos na parede e vomitar, mesmo que não tivesse comida alguma para sair.
Talvez devesse manter algum resquício de fé que acordaria em um lugar melhor, ainda que em seu colchão velho e desconfortável. Qualquer coisa parecia ser melhor do que ser um tributo no massacre quaternário. Qualquer coisa.
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It's just pressing a button.
POV. Task001 - a colheita
Três dias antes da colheita.
Quando acordou, o céu era laranja e azul. As primeiras estrelas apareciam enquanto o sol começava a desaparecer no horizonte. Tudo era silêncio senão pelo constante barulho dos motores rodando e cuspindo fumaça no subsolo e por seu coração que, naquele início de noite, batia com força suficiente para que suas costelas doessem. É hoje. Enquanto as pessoas do seu distrito se preparavam para dormir, Nesrin deixava as pernas caírem para fora da cama e mecanicamente a levarem para as tarefas da noite.
No escuro começou suas tarefas mais básicas: ir ao banheiro. Escovar os dentes. Tomar uma pílula branca. Prender os cabelos. Evitar os espelhos. Tudo era silêncio, apenas os motores zumbindo aos seus pés, reconfortantes e em ordem. E o coração batendo no ritmo das máquinas. Um copo de leite, um pedaço de bolo relativamente duvidoso e as louças lavadas. As portas de todos os cômodos sempre fechadas, para que ela não se importasse em ver o que tinha dentro, para se lembrar que não havia ninguém dormindo nas camas sempre feitas.
Enfiar seus braços pelo macacão cinza e depois os pés nas botas também cinza e as mãos nas luvas cinza para abrir a porta e ver uma noite igualmente cinza. Ela suspirou, deixando o ar puro sair de seus pulmões para inalar a fumaça do clima cinzento do distrito 6. Saiu de casa sem olhar para trás: não havia ninguém de quem se despedir. É hoje.
As pesadas botas de aço e plástico rebatiam no chão de pedrinhas ladeado por florzinhas toscas. Nesrin deixou a boca se contorcer num sorriso doloroso: a Capital achava que as florzinhas rodeando a aldeia dos vencedores dariam a ela algum conforto, a fariam agradecer por ter uma vida boa e ligeiramente menos miserável do que a das outras pessoas. Ela arrancaria todas aquelas flores com os dentes se isso significasse que poderia sair dali e ter sua família de volta. Não podia, portanto apenas continuou andando, deixando os portões de ferro e o caminho de pedras para trás.
As ruas do distrito 6 eram escuras, com luzes que tremeluziam pela quantidade de energia que os trens e outros equipamentos gastavam, mas Nesrin não precisava de muito mais que um feixe de luz para se guiar até o subsolo, seus pés descendo pelos degraus gastos e ásperos até chegar até sua sala no subsolo 7. As fracas luzes do painel transformavam as cadeiras e seus ocupantes em meros espectros fantasmagóricos, as vozes abafadas pelos ruídos dos metais arrastando-se uns com os outros. Ouviu "boa-noites" e "como vai?", mas decidiu responder apenas com um fraco sorriso. Não era uma boa noite e ninguém ia bem; era hoje, afinal.
Ela se ajeitou na cadeira, colocando os fones de ouvido pesados e analisando os pontos luminosos em seu painel. Os trens corriam por toda Panem em velocidades absurdas, mas, para ela, eram apenas estrelinhas navegando em um confortável emaranhado de linhas. Foi-se a época em que tinha de se esgueirar pelos trilhos com ferramentas entre os dentes e graxa escorrendo pelo rosto; agora sentava confortavelmente em sua cadeira enquanto as veias de Panem se desdobravam a sua frente, mas não sabia dizer qual era pior. Naquela noite, treze pequenas estrelas a esperavam aglomeradas em um ponto do mapa. A Capital. Nesrin engoliu em seco, respirando fundo e sentindo o coração bater com a mesma intensidade das treze luzes tremulando. Apertando um dos botões de seu painel, escutou a própria voz distante:
- Distrito 6, funcionária Brass 1423. Máquinas com início na Capital... - as palavras ficaram travadas em sua garganta, sua perna esquerda tremendo. Tudo dependia dela - Repito, máquinas com início na Capital e destino aos distritos... - as luzes ficaram estáveis, indicando resposta imediata. Os operadores estavam todos a escutando. Um único botão alaranjado chamava sua atenção no canto do olho. Se apertasse o botão, iniciaria um alerta de emergência mecânica. Se apertasse o botão, todas as linhas seriam imediatamente fechadas. Se apertasse o botão, não haveria trem algum chegando em nenhum distrito nos dias seguintes. Se apertasse o botão, causaria caos suficiente para alguns dias de atraso na colheita. Se apertasse o botão, vinte e seis famílias teriam mais tempo com seus parentes. Se apertasse o botão... Seus dedos esticaram um pouco, tão perto... Pressionou. - Máquinas com início na Capital e destino aos distritos, linhas abertas e seguras, permissão para iniciar viagem. Estejam atentos a novas informações. Distrito 6, funcionária Brass 1423.
Uma a uma, de acordo com seus comandos, as pequenas luzinhas começaram a se mover pelo painel enquanto seus dedos ainda pressionavam o botão verde. Verde. Nesrin fechou os olhos até ver pontos luminosos na escuridão. Enquanto os outros dormiam, lá estariam ela e seus companheiros de cabine, acompanhando aquelas luzinhas pelas próximas noites, liberando trens atrás de trens, verificando peças e consertando itinerários, fingindo que podiam fazer alguma coisa para parar a Capital quando não passavam de peões com alguns botões coloridos. Esperando que chegassem aos seus destinos para causarem pequenos desastres.
No dia da colheita.
Sair do subsolo sempre fazia com que os olhos de Nesrin demorassem a se acostumar com a luminosidade do dia. Piscando, a última Brass ajeitou seu macacão menos surrado e olhou para as botas pretas e lustrosas. Era a melhor coisa que possuía para se arrastar até a praça central e ser apenas mais um rosto na multidão. Após três dias observando todos os trens se moverem por Panem e chegarem um a um em seus respectivos distritos, seus olhos estavam secos e cansados, olheiras fundas arroxeando sua face normalmente radiante. Enquanto tentava focar nas pessoas ridiculamente decoradas no palco malfeito e precariamente decorado com fitilhos coloridos, voltou a pensar no botão laranja que não havia apertado três noites antes. Ele era da mesma cor que as decorações vibrantes.
Enquanto a ladainha começava, Nesrin deixou que seu olhar vagasse pelas pessoas do distrito. Estaria mentindo se dissesse que as conhecia. Eram milhares, esperando por suas sentenças, as armas dos pacificadores firmes em mãos enluvadas de branco como um eterno aviso de que a qualquer deslize tornar-se-iam vermelhas. Vislumbrou os rostos cansados de seus colegas de trabalho e tentou sorrir para alguns deles, mas não conseguiu. Ao seu lado, uma mulher abraçava um bebê. Seus olhos imediatamente focaram nela; não deveria ter mais de trinta anos, agarrando-se à criança enquanto tremia. Poderia ser ela. Poderia ser uma mãe que nunca mais voltaria a abraçar o filho de poucos meses. Poderia ser um bebê morto porque sua mãe morrera, simples assim: duas vidas ceifadas sem motivo nenhum. Seus olhos se encontraram. Castanho escuro e verdes. O botão verde. No palco, a mulher espalhafatosa colocou a mão dentro do aquário. Unhas como garras prontas para ceifar uma vida.
Foi apenas um sussurro. Apenas um sussurro olhando no fundo dos olhos verdes daquela mãe ao seu lado, mas teve quem ouviu - Eu me voluntario. - os olhos claros se arregalaram quando falou mais alto, sentindo o coração na garganta - Eu me voluntario como tributo. - um passo para frente. Ela pensou que iria vomitar. Os olhos verdes se enchendo de lágrimas. Ela estava cansada de apenas esperar para morrer. De não apertar o botão laranja. O foco dos olhos castanhos na mão que nunca tirou um nome do aquário. O sorriso doentio e falso da mulher da Capital. Mais passos para frente, pacificadores ao seu encalço empurrando-a pelo corredor infinito. Então foi assim que seus irmãos se sentiram? Ou eles estavam mais tranquilos porque havia alguém para amá-los quando morressem?
A cada passo se lembrava de alguém de sua família, em ordem, deixando seus companheiros de distrito para trás. Moon; uma flecha atravessada no olho. Cryssan, soterrado em uma avalanche. Copper; esfaqueado no banho de sangue. Lumos; envenenado por um tributo. Donan; morreu de tristeza e overdose. Rosé; morreu feliz, achando que seus filhos teriam uma ótima vida. E agora Nesrin, a última Brass a procurar a morte. A Capital não teria ninguém para executar se ela morresse na arena. Uma pessoa a menos na pilha de corpos cinzentos e cheios de graxa. O barulho oco de pisar nos degraus do palco era tão excruciante quanto o silêncio da plateia, aliviado por alguns suspiros de felicidade e medo: não tinham sido eles daquela vez. Nesrin não queria olhar para ninguém e nem tinha para quem olhar. Apertou a mão da enviada da Capital, era gelada como a da morte; e esperou em choque o tributo masculino ser chamado e também apertou sua mão sem sequer ver quem era, espichando os lábios num sorriso doloroso para as fotos.
Silêncio e o barulho dos motores tremendo no subsolo. Foi levada pelo cotovelo para uma sala qualquer. Ela não pensava, não chorava, apenas escutava o coração bater nas costelas e doer. Vislumbrava os olhos verdes e o bebê no colo daquela mulher. O botão laranja que nunca apertou. Não havia ninguém de quem se despedir. A sala era grande demais para sua solidão. O prefeito lhe deu um tapinha nas costas e foi tudo que levou de seu distrito antes de colocar os pés no trem que ela mesmo havia programado para levá-los até a Capital. Jamais imaginara que seria ela a luzinha brilhante se afastando do distrito 6.
Se tivesse apertado o botão laranja... Quem agora apertaria o botão? Moon. Cryssan. Copper. Lumos. Donan. Rosé. Não deixara nada para trás, não havia nada para deixar. Talvez morrer fosse bom. Talvez já estivesse morta há anos. O gosto ruim em sua boca poderia ser da morte e não dos remédios que tomara pela noite. Ela ouvia as engrenagens rodando, tão reconfortantes, e os ouvia chamando por ela. Moon. Cryssan. Copper. Lumos. Donan. Rosé. Decidira apertar o botão verde, e era hora de ir.
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task um : a colheita .
O DIA ANTERIOR :
o escuro no quarto já era rotineiro . ao contrário da maioria das pessoas , a falta de luz dentro do cômodo trazia uma sensação de segurança para mylora ; como se nada pudesse a enxergar ou alcançar . vez ou outra , abria poucos centímetros da cortina , deixando o feixe de luz solar invadir o espaço e trazer um pouco de calor . obviamente , nada comparado ao calor que eleine poderia proporcionar .
a mulher sabia bem que no próximo dia teria a colheita . sua tia havia feito questão de deixá-la avisada sobre a possibilidade de ser sorteada , mas não fazia diferença alguma . sendo tributo ou não , nada mudaria na vida da foxrock e ela continuaria sem motivação para viver . talvez , a arena pudesse ser o seu último ato . não faria questão de vencer , caso fosse a escolhida , apenas de deixar o seu nome marcado .
como em todas as semanas , pouco depois do sol começar a esquentar o dia , as três batidas na porta foram facilmente reconhecidas . " pode entrar . a porta está aberta . " murmurou da cozinha , enquanto preparava um chá de ervas . sua tia sempre fazia questão de visitá-la , mas sabia que o dia precedente a colheita também seria um deles . vinha sempre insistir para que mylora largasse a solidão e ceiar com os primos , no entanto seus esforços eram sempre em vão . " bom dia , tia . o que você tem aí ? " perguntou , observando a bolsa que a mesma carregava .
" suas roupas , mylora . a colheita é amanhã . " a senhora de expressão cansada resumiu , suspirando logo após . a única reação da mais jovem foi um rolar de olhos , afinal nunca entendia o motivo de sempre precisar se preparar com as melhores peças para o maldito dia .
" certo . esqueci que eu preciso ficar bonita para agendar minha morte . " a morena respondeu de forma irônica , sorrindo mesmo sabendo como aquelas atitudes causavam raiva na mais madura .
" quantas vezes preciso te pedir para levar isso a sério ? não custa nada pelo menos ir até minha casa , ver seus primos e jantar com eles . eles sentem sua falta . " a tia rebateu , finalmente deixando de lado o tom doce que sempre utilizava . a ansiedade de perder mais um membro da família foxrock era iminente .
" você quer mesmo falar sobre isso de novo , titia ? " a mais nova questionou , erguendo uma das sobrancelhas , enquanto servia o chá em duas xícaras . " eu não quero sair e não vou sair . ponto final . então , aproveite a chance para tomar esse chá comigo , hm ? ele pode ser o último . " sorriu mais uma vez , sabendo que venceria a conversa . daquela vez , ao menos .
A COLHEITA :
o que a maioria sentia nas horas que precediam a colheita ? medo , angústia , tristeza ... naquele ano em específico , não havia uma pessoa sequer que não estivesse tomada pelas sensações horripilante . afinal , o perigo existia para todos , sem exceção de idade ou gênero . só alguém fugia à regra : mylora . nada era capaz de reduzir o vazio que tomava conta de seu interior . nem mesmo a mínima chance de precisar lutar pela própria vida . já cravava lutas muito maiores em sua própria mente .
mesmo negando , sua tia havia insistido para que se encontrassem na praça central para ficarem juntas durante a colheita . a companhia da jovem , no entanto , de nada servia . nenhuma palavra saiu de sua boca , já que precisava focar toda sua atenção em não sair dos eixos em meio a tanta gente . havia aqueles que olhavam estranho para sua presença , afinal não a viam desde o último sorteio . e , com toda a sinceridade , sua imagem só parecia piorar a cada ano . definhava cada vez mais pela alimentação precária , falta de sol e movimentação . a jovem mylora forte e decidida havia dado lugar para alguém triste e deplorável .
vez ou outra , alguns antigos amigos vinham cumprimentar . se fosse por preocupação ou pura curiosidade , não fazia diferença . a foxrock respondia a todos da mesma forma , com um simples aceno da cabeça , enquanto murmurava um olá seco e sem ânimo . o sol estava posicionado quase no topo do céu devido ao horário e era ele quem prendia sua atenção . a estrela brilhante lembrava eleine , que deixava rastros de luz por onde passava . mylora imaginava como seria se ainda tivesse ela ao seu lado , se lidaria de outra forma com a colheita , mas preferiu deixar para lá . só pensava que estaria com medo de perder seu grande amor , mas isso já havia acontecido .
a apresentadora de roupas extravagantes se posicionou sobre o palanque e deu alguns toques no microfone . mylora sabia que usava os piores farrapos para se vestir , porém as peças da mulher só deixava mais claro . ela vinha da capital , claro . se a jovem já odiava a maioria das pessoas , os mais abastados causavam mais raiva ainda em si . eram eles que roubavam a carne , os jovens e as esperanças do distrito 10 . a desigualdade ficava ainda mais notável quando os ricos faziam presença em meio a toda aquela humildade .
era odioso assistir aquele vídeo sobre os jogos vorazes todo ano . já sabia de cor cada palavra dita , por isso preferia que apenas fossem sorteados os tributos de uma vez por todas para voltar ao seu casulo . mylora já não aguentaria mais meia hora em meio a tantas pessoas e agradeceu internamente quando viu as mãos da apresentadora começarem a rodear a cúpula de vidro . por alguns segundos , a morena sentiu seu coração bater mais forte . e se o seu nome fosse dito ? e se a sua sorte tivesse morrido junto com eleine ? teria forças para participar dos jogos ou seria só mais uma participante a morrer nos primeiros segundos ?
as perguntas foram respondidas quando a voz estridente ditou ao microfone : mylora foxrock . a tributo não tinha reação , ao contrário da tia posicionada ao seu lado . as lágrimas corriam sobre o rosto da senhora , ao mesmo tempo que a sobrinha era levada para cima do palco pelos pacificadores . o olhar de dó era presente no rosto da maioria que a conhecia , obviamente misturados com a felicidade de não terem sido sorteados . enquanto o sorteio do tributo masculino era feito , a garota refletia sobre o seu destino . já havia perdido tudo , então só estava prestes a perder sua vida . grande coisa .
os minutos se passaram , quando viu já estava em uma sala com sua tia e tinha apenas alguns segundos para se despedir . a surpresa já havia passado e mylora tinha apenas um sorrisinho estampado no rosto . aquele típico que a mais velha tão odiava . " ainda bem que tomamos aquele chá , titia . pelo menos você conseguiu se despedir de mim . "
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our lives were 𝐍𝐄𝐕𝐄𝐑 ours . they 𝐛𝐞𝐥𝐨𝐧𝐠 𝐭𝐨 𝐬𝐧𝐨𝐰 , and our 𝐃𝐄𝐀𝐓𝐇𝐒 do too — 𝐭𝐚𝐬𝐤 𝟎𝟎𝟏 .
𝐃𝐈𝐒𝐓𝐑𝐈𝐓𝐎 𝐃𝐎𝐙𝐄 , um dia antes da colheita .
acordou cedo, como de costume. e, por mais que já fosse um hábito, o galo cantou lá fora; quase como se debochasse da cara do rapaz, que apenas esperava pela bela oportunidade de transformá-lo em janta. a luminosidade atravessava as frestas da cortina puída, clareando o cômodo. a cama rangeu, arrancando um resmungo incompreensível de um de seus irmãos. na volta, colocaria um pouco de óleo nas molas — o cheiro não seria um dos mais agradáveis, é claro, mas conseguiria mexer-se com liberdade no colchão. apoiou ambas as mãos nas coxas e, com um suspiro combalido, levantou.
como o restante da casa, o chão também rangia. curiosamente, era um som até aconchegante, presente desde que se entende por gente. seus dias eram sempre os mesmos; uma rotina que, em sua opinião, havia se tornado um tanto quanto maçante. repetia, religiosamente, os mesmos passos diariamente. despiu-se, deixando as roupas no chão e posicionando-se, com calma, para entrar na banheira gélida. mergulhou o sabonete na água, umedecendo-o e, em seguida, passou a esfregá-lo pela pele, criando bastante espuma. aquele até não poderia ser um dos melhores sabonetes, porém, possuía uma fragrância sútil, mas refrescante. graças à sua mãe, talvez fosse um dos mais cheirosos da costura.
de frente para o espelho, já vestido, hyacinth encarou a própria imagem; as maças do rosto estavam ligeiramente avermelhadas, ou melhor, queimadas de sol. o cabelo era curto e castanho, como cor das íris. passou um dos dedos sobre a cicatriz que se iniciava na metade de sua pálpebra e terminava um pouco acima da sobrancelha — embora levasse nome de flor, não era nada delicado. de maneira geral, era detentor de uma aparência rústica, pouco sofisticada. as palmas de suas mãos eram cheias de calos e outros pequenos cortes, a pele de seu corpo também não passava despercebida, já que era moderadamente coberta por sardas causadas pela longa exposição solar. e, ao contrário de muitos da costura, ele era um rapaz forte, corpulento, de músculos mais desenvolvidos. as idosas, por sua vez, não lhe escondiam elogios; gostavam de falar o quão hyacinth era sadio, diferente de seus filhos e netos.
apesar da feiura, e com grandes colheradas, devorou o mingau de sementes. os irmãos também aproveitavam a refeição, embora não replicassem a sua voracidade. sua mãe, por outro lado, remexia a gororoba com a colher, encarando-a com certa tristeza no olhar. ele sabia o porquê. para sua família, o dia antes da colheita era sempre extremamente melancólico, quase como se já tivessem sido sorteados e prestes a morrer. hyacinth não compartilhava do sentimento, em outras palavras, não poderia se dar o luxo de passar vinte e quatro horas enfurnado em casa, chorando. após a morte do pai e do irmão, tornou-se o responsável por manter a família, fornecendo, constantemente, subsistência.
enjoado com a cena, empurrou a cadeira para atrás com certa ignorância, atraindo olhares. deixou a louça suja na mesa, não pensando duas vezes antes de abrir a porta e sair.
sabia que não deveria estar ali, nos limites do distrito doze, louco para levar uma bela bofetada de um pacificador. contudo, era o lugar perfeito para caça; onde os animais mais valiosos residiam. atravessou a cerca, que não era eletrificada há uns bons anos, tomando cuidado para não deixar a roupa agarrar nas partes pontiagudas. preferia caçar em paz, sem ninguém lhe perturbando e tirando sua concentração. . . algo que, curiosamente, seus irmãos amavam fazer. com o arco-e-flecha grosseiro ao seu lado, sentou em meio à alta mata, enquanto esperava, pacientemente, a presa.
o dia já se encontrava parcialmente escuro quando retornou. conseguiu, para sua sorte, vender quatro coelhos dos cinco que capturara e, querendo ou não, estampou um pequeno sorriso. levaria a caça restante para casa e pediria à mãe que fizesse algo gostoso para jantaram. com uma boa refeição, sua família ficaria menos melancólica.
dito e feito, o jantar foi tão gostoso que dançaram e cantaram após comer. riram e lembraram das boas memórias, conversaram até a meia-noite. hyacinth foi dormir de barriga cheia e alegre. nada de ruim aconteceria, ele estava certo.
𝐃𝐈𝐒𝐓𝐑𝐈𝐓𝐎 𝐃𝐎𝐙𝐄 , dia da colheita .
viu o papel ser sorteado, escutou seu nome ser chamado e, mesmo assim, não conseguia acreditar. hyacinth não esboçou qualquer reação — porém, seu rosto já não tinha mais cor.
‘ hyacinth heavengrove ! ’ chamou, mais uma vez. sabia que a mulher esquisita o encarava com um sorriso perturbador, mas, novamente, não se mexeu. ‘ venha querido, não seja tímido. ’ a voz ecoou.
fechou o punho, cravando as unhas na palma da mão. levantou a cabeça e de maneira atordoada, procurou os irmãos na multidão. encontrou uma das irmãs com o rosto molhado e contorcido. sua tentativa de procurar o restante da família foi impossibilitada devido aos pacificadores que puxavam-no sem nenhum cuidado. arrancou, de maneira agressiva, os braços dos toques alheios, optando por marchar sozinho. sequer sabia como ainda mantinha-se em pé; a respiração era ofegante e a única coisa que conseguia compreender por completo.
de cima do palco, não conseguia encontrar a família no meio de tantas pessoas. na sua concepção, os minutos passaram de maneira extremamente rápida, entretanto, era apenas o nervosismo lhe ludibriando.
antes que a cerimônia se encerasse e fosse empurrado para dentro do prédio, deu uma rápida mirada na direção da outra sorteada. não a ofereceu nenhum sorriso, pois bem, não havia qualquer razão para tal.
esperava sentado em uma das cadeiras, balançando ansiosamente a perna esquerda, quando sua família invadiu o cômodo com desespero. palavras não foram proferidas naquele primeiro instante, apenas teve o corpo envolto pelos braços de seus parentes. a maioria chorava; sua camiseta, a melhor que tinha, havia sido molhada por lágrimas alheias.
‘ prometa que irá voltar. ’ sussurrou a mãe, acariciando o rosto de hyacinth com ambas as mãos. ele não prometeu. talvez devesse ter prometido. ‘ cuide da mamãe. ’ disse para o irmão mais novo.
abraçou cada um. apertado. com amor.
e, antes que pudesse dizer que venceria os jogos, foi retirado do cômodo as pressas.
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ㅤ ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㆍ﹒ ✶ ﹗ ﹐ the reaping.
Quatro e quarenta.
Todos os seus dias começavam religiosamente no mesmo horário. Rye Whitewillow era uma criatura de hábitos: acordava antes mesmo do sol e dos galos, e preparava o café da manhã para os irmãos antes de sair para trabalhar. Mesmo em ocasiões como aquela, em que a rotina era interrompida, não era capaz de permanecer na cama após as cinco.
A bem da verdade, pensava que aquela seria a primeira colheita em anos em que conseguira pregar os olhos. Dylla, a mais jovem entre os Whitewillow, tinha agora dezenove anos. Por fim estariam todos à salvo.
Exceto que não, graças ao Massacre Quaternário. Com o anúncio feito uma semana antes, tudo havia mudado.
Nada na situação lhe parecia digno de comemorar: suas crianças haviam crescido o suficiente para estar livres do açoite da Capital, mas o regime sempre encontrava novas e criativas maneiras de manter a ferida aberta.
O banho frio nada fez para dissuadir sua espiral de pensamentos amargos mas, ao sair do banheiro, encontrou a blusa de linho branca o aguardando sobre a cama, e o coração por fim amoleceu um bocado. Elyas.
Sabia que não o encontraria naquela manhã antes da colheita, mas sua presença silenciosa era sempre reconfortante. Ely acordava ainda mais cedo que Rye e se despencava até a casa do prefeito, para quem lavava e passava. Syen por vezes o acompanhava no caminho para o Mercado Municipal, mas não em dias como aquele.
Encontrou Syen exatamente onde esperava: deitado no sofá em meio a uma pilha de garrafas vazias. Se esforçou para não o acordar enquanto abria os armários da cozinha, em busca de opções silenciosas para a primeira refeição do dia.
Pão. Manteiga. Ainda tinham um pedacinho de queijo de cabra. Aquela poderia ter sido uma boa manhã.
Como se invocada para o impedir de se afundar em pânico, Dylla escancarou a porta dos fundos conforme adentrava a cozinha. Depositou a garrafa de leite fresco sobre a bancada com um gesto dramático e, ao fundo, Rye ouviu Syen resmungar.
"Sério?" Questionou a irmã em vias de um bom dia, a lançando um olhar afiado. Tudo o que queria naquela manhã era evitar conflitos.
"Eu não estou nem aí para as pirraças dele." Dy devolveu prontamente, sem muita paciência. Rye precisava lembrar a si mesmo que a irmã não sabia de toda a história em momentos como aquele.
Quebraram o jejum em silêncio, como se em luto antecipado. Em algum momento ao longo da refeição, Syen se juntou aos dois. Ninguém o questionou. Quando Sy terminou a refeição, Rye o seguiu.
O barulho de água corrente a partir do corredor entregava que o irmão estava no banho. Ao espiar pela porta entreaberta do quarto que os irmãos mais novos dividiam, percebeu que a prótese havia sido depositada sobre a cama.
O dedo do meio da mão artificial estava levantado em riste. Rye conteve um sorriso.
"Hey." Chamou, batendo gentilmente à porta do banheiro compartilhado. "Precisa de ajuda?" Sem resposta. ㅤ
ㅤ De saída para a praça principal junto de Dylla e Syen, Rye pensou em checar a caixa de correio como fazia todos os dias. Não o fez.
Elyas encontrou o restante dos Whitewillow na metade do caminho, e juntos marcharam na mesma direção que todos os demais residentes do Distrito.
Dez anos atrás, haviam feito aquele mesmo caminho, e Rye havia falhado em segurar a mão do pequeno Sy. Desta vez tinha o braço ao redor dos ombros dele.
Dylla pôs-se a assobiar uma melodia familiar. Não tardou para que todos os irmãos se unissem à ela e, em meio a vielas e avenidas, alguns dos residentes mais vividos e menos abastados arriscaram também algumas notas desafinadas.
A canção do velho, era como chamavam. Ninguém teve coragem de cantar a letra em voz alta.
As notas foram silenciadas tão logo alcançaram o primeiro círculo de pacificadores no perímetro central. Em um mundo ideal, nenhum deles precisaria passar do cerco naquele ano. Buscaram pelo letreiro luminoso da Tenda de Variedades da Sra. Blythe, uma antiga amiga da família, e encontraram a senhorinha varrendo a calçada enquanto aguardava pelo início da cerimônia.
Ely tomou a vassoura para si e assumiu a tarefa em silêncio, enquanto os demais trocavam gentilezas vazias.
Rye se permitiu olhar ao redor enquanto os irmãos estavam ocupados e, para sua surpresa, não encontrou a estação de triagem da colheita no mesmo lugar que nos anos anteriores. Na verdade, não a encontrou em lugar algum. Eram todos elegíveis, e a mera ideia era capaz de revirar-lhe o estômago.
O barulho de estática sendo transmitida nos alto-falantes interrompeu sua trilha de pensamentos, e logo a familiar voz da Presidente preencheu a atmosfera.
Uma quebra de protocolo.
Com a péssima qualidade do áudio, Rye se concentrou para poder processar as palavras que estavam sendo despejadas sobre a multidão.
Como uma lembrança de que nem o tempo pode livrá-los do poder da capital, este ano, não há restrição de idade entre os tributos. Toda a população dos distritos participará da colheita, um papel por nome.
A reafirmação do possível destino o acertou como um tapa na cara. Morder a língua foi a única alternativa que encontrou para conter o grito que ameaçava se formar em sua garganta. Rye provou o próprio sangue. Dylla o segurou pelos ombros, mas seus olhos evitaram os dela. A mão fria de metal de Syen encaixou-se na sua. Elyas continuou a varrer.
Para lembrá-los do sofrimento das famílias da Capital trazido pelas ações dos rebeldes, se um tributo morrer na arena, um membro de sua família morrerá também.
O som que o escapou a seguir foi o de uma risada. É claro. Pode ouvir Syen gritando obscenidades ao seu lado, mas o barulho pareceu abafado comparado ao som de seus próprios batimentos cardíacos pulsando alto em seus ouvidos.
Havia evitado pensar no que aquilo poderia significar até então.
O cerco de pacificadores se fechou ao redor da praça, impedindo quaisquer tentativas de escapar. Dylla o estava sacudindo, mas Rye permanecia inerte. Esperando. Antecipando. Tremendo.
Como se em uma mistura de cenas cortadas, capturou alguns detalhes do que acontecia ao seu redor. Um par de saltos caminhou através do palco e na direção do microfone. O prefeito secou o suor de suas têmporas. A atenção de Dylla foi desviada para a necessidade de manter Syen calado. A Sra. Blythe ofereceu um biscoitinho a Elyas.
Tap, tap. Dois dedos contra o microfone para testar se estava ligado.
O olhar de Rye voltou-se para a mulher da Capital que encarava sua plateia. Palavras vazias foram ditas. O vídeo de propaganda do regime foi exibido. Nada parecia real.
"O tributo feminino do Distrito 10 para o 5ª Massacre Quaternário é..."
Não era Dylla. Não era Dylla. Todo o restante saiu de foco.
O toque frio da mão de Syen o manteve ancorado conforme a multidão se abria, permitindo que a mulher sorteada passasse.
A respiração de todo o Distrito 5 parecia suspensa.
"O tributo masculino..."
Não conseguiu ouvir as palavras que vieram a seguir.
Pouco a pouco, todos os pares de olhos ao redor se voltaram para Rye, e então ele entendeu.
Elyas foi quem falou primeiro.
"Não." O irmão disse, em tom firme. Sabia o que ele estava prestes a fazer. Rye buscou o olhar de Syen e, em um segundo, alcançaram um entendimento sem palavras.
Syen se lançou sobre Elyas e o derrubou, a mão que o restava cobrindo a boca do irmão. Dylla gritou, mas não fez menção alguma de intervir. Ela entendeu.
Um passo após o outro. Quando ergueu o olhar, viu sua imagem projetada no telão. Parecia estoico em um primeiro momento, mas as mãos fechadas em punhos ao lado do corpo o entregavam.
Nenhum pacificador o tocou. O acompanharam de uma distância segura enquanto Rye subia os degraus do palco. A emissária da Capital o fez uma pergunta, mas nada recebeu em retorno. Seu olhar se manteve fixo na câmera que o estava filmando. Se perguntou se o gêmeo estava assistindo à transmissão e vendo a si mesmo na tela.
Se coubesse a Rye escolher qual familiar seria executado quando morresse, não havia dúvidas de que escolheria Freen Whitewillow. ㅤ
ㅤ As luzes do pequeno cômodo em que o fizeram aguardar estavam apagadas mas, graças às cortinas entreabertas, Rye ainda era capaz de enxergar o suficiente para reconhecer o rosto de Elyas quando a porta se abriu.
O irmão se sentou ao lado dele em um sofá antigo e desbotado. Quando Ely pousou a mão sobre o próprio joelho, tinha a palma virada para cima. Um convite.
Rye cobriu a mão dele com a sua, e assistiu enquanto Ely fechava os olhos. Ali ficaram em silêncio na companhia um do outro até que os pacificadores os interromperam.
Logo depois veio Dylla, sua pequena, e o contraste entre interações se fez evidente tão logo a irmã se lançou em seus braços. Estava chorando.
Não houve um momento de silêncio sequer com Dy, cada segundo preenchido com dezenas de palavras vazias sobre como iriam comprar tangerinas no Mercado Municipal quando ele voltasse. Tangerinas eram a fruta favorita de Rye.
Por fim veio Syen. Rye pousou sua testa contra a dele, a diferença entre suas alturas quase inexistente agora que o irmão era um adulto.
"Eu sinto muito." Foi só o que Rye disse, mil e uma implicações deixadas nas entrelinhas de uma só frase. Pela colheita. Por Elyas. Pelo acidente.
"Não foi sua culpa, Rye. Nada disso é culpa sua, ok?" O irmão devolveu de maneira incisiva, mas as palavras entraram por um ouvido e saíram pelo outro.
Foi naquele momento que os pacificadores os interromperam. "Só um segundo!" Implorou Syen, sacando um envelope de um dos bolsos e o empurrando na direção. "Chegou hoje de manhã." Foi só o que ele disse como explicação, fechando os dedos de Rye ao redor do pedaço de papel antes de ser arrastado para fora do cômodo.
"Não morra!" Ouviu Syen gritar por sobre o ombro antes de a porta se fechar uma última vez.
Piscou para afastar as lágrimas e desanuviar a visão antes de ler o nome do remetente, por muito que já soubesse quem era.
Freen Whitewillow.
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