Text
Alguém para fugir comigo.
Li essa frase agora a pouco, é um projeto social, eu acho. Não sei, sei lá. Não importa. Lembrei dele e de mim, bêbados e de mãos dadas em uma praça do interior. Era madrugada, ou se parecia com uma madrugada. Estávamos encharcados de vodka, ele adora, eu detesto, mas por ele eu topava qualquer coisa. E por mim aquele homem, que me parece um garoto sempre, cantava uma música de desenho animado da Disney a plenos pulmões.
Se apaixonar é uma coisa tão maluca que se parece mesmo com todas essas cenas bobinhas dos filmes de romance. Dizem que não, a pós-modernidade nos inunda de filmes conceituais que tentam nos explicar com muita paciência - e elegância fotográfica - que não somos aqueles personagens idiotas dos desenhos. Eu quase acreditei.Cheguei perto disso e, minha nossa, teria ficado grata se tivessem me convencido. Queria tanto acreditar neles.
Mas não rolou.
O que eu digo é o que eu sinto. Aqui só vou falar sobre isso. Se não está muito a fim, tchau. Tem tanto conteúdo por aí, não liga para mim. Aqui eu vou falar somente sobre mim. E talvez você ache que isso se parece um pouco com você.
Eu acredito que no fundo, pelo menos quando inundados de uma paixão tão insistente quanto a que eu sinto em cada pedacinho do meu corpo, somos como qualquer merda de casal de comédia romântica em uma cena de aeroporto. Não importa no final que você não se pareça com o Derek de Greys Anatomy. Aquele ator deveria ganhar o Oscar por conseguir documentar tão bem o olhar de uma pessoa apaixonada. Porque �� assim que você se sente. Aliás, é assim que quer que a pessoa que você ama se sinta também. Aliás, tem nada a ver com você. Eu faço isso, parece até que estou falando com você, tentando te ensinar alguma coisa, mas fique tranquilo, estou somente falando comigo.
Sou eu aqui. O tempo todo.
Como Jasmim e Aladdin no tapete mágico, de mãos dadas com ele e cantando mal no meio do frio irritante, eu poderia seguir subindo até as estrelas. E perdão por usar “até as estrelas” sem constrangimento nenhum num texto. É meio brega, eu não devia, mas não deu pra segurar. É impossível explicar a sensação física, real, de que a ladeira que descíamos poderia a qualquer momento voltar a subir depois da igrejinha sem ser meio bobinha, meio ridiculinha. Aliás, não lembro se tinha mesmo uma igrejinha, mas toda praça de interior tem, provavelmente estou certa. E acho pouco, fico imaginando a rua de pedras largas subindo para dentro de uma escuridão quente e estrelada. Tenho essa sensação que me parece linda (mas que talvez seja somente idiota) de que eu caminharia com alegria para qualquer buraco desconhecido se estivesse segurando na mão dele.
Essa coisa de segurar na mão, eu vinha repensando. Não somente isso, mas de uns tempos para cá dei para colocar tudo em perspectiva.
Deve ser a lua em gêmeos.
Todos os detalhes de um relacionamento amoroso começaram a me incomodar. Andava ficando desesperada com as pessoas que viravam casais e que de repente tinham essa necessidade social de andar de mãos dadas. Mas de quem foi a ideia? Quem disse que casais precisam andar de mãos dadas? E porque eu aceitei isso - e desejei isso - por tanto tempo? Algumas coisas como os beijos e os abraços no frio, bom, essas coisas fazem sentido. O que não faz sentido nenhum, no entanto, é andar de mãos dadas. Não faz, não é? Não é?
Pense, concorde comigo. Não tem outra opção a não ser concordar porque eu estou absolutamente certa.
As primeiras pessoas com quem andei de mãos dadas foram os meus pais. Você também, provavelmente. Na verdade, isso é parte mentira. Eu não tenho lembrança do meu pai me levando pela mão a lugar nenhum, por exemplo. Talvez tenha acontecido, mas não lembro. Outros vários adultos importantes da minha vida me deram a mão para andar pelo shopping, para atravessar a rua. Eu me sentia segura e era natural que eles fizessem isso, essa era a função. Me guiar pelo que era desconhecido, me proteger de mim mesma. Eu era criança, dar a mão é uma coisa que as crianças fazem. Ok até aí. Existe uma utilidade real nisso. O que não faz sentido, nem um pouquinho, é que de repente você cresce (um inception de falta de sentido, se parar pra pensar bem), não precisa mais andar de mãos dadas com a sua mãe, mas vai lá e escolhe um ser humano, também adulto, para segurar a sua mão e caminhar. Sem nenhum motivo racional. Você, pessoa adulta, de repente quer que a aquela mão segure na sua e siga em frente. É uma porra de uma metáfora confusa. E cheia de significado, isso é que me fode. Porque quanto mais eu penso sobre isso, mais começa faz sentido de uma maneira completamente perturbadora, meio freudiana, talvez. Eu não sei se entendo de Freud o suficiente para chamar algum raciocínio meu de freudiano.
Enfim, das muitas maluquices de se apaixonar, essa me incomodou muito, em particular.
Se estar com alguém requer dar a mão a ela e andar por aí (ou dar a mão e ficar lá assistindo Netflix em casa), então posso deduzir que isso é efeito colateral de se apaixonar. Basicamente, isso quer dizer que você está elegendo uma pessoa que vai segurar na sua mão e andar com você, para onde você for. Que tem permissão para lhe tocar no meio da rua e mudar sua direção com um gesto, se assim ela achar necessário. E vocês se comportarão em uma simbiose silenciosa e perfeitamente funcional, se tudo der certo. Vai pParece que nasceram grudados e não faz nem dois meses que se conhecem.
Caminhar de mãos dadas com o melhor amigo da infância? Céus, não! Quantos anos você tem? 5? É foto de família? Pff...
Confiar um pedaço representativo enorme de sua vulnerabilidade a uma pessoa quase desconhecida que você só conhece há um mês? Ah, claro, porque não?
Percebe como isso é louco? Será que eu consegui explicar? Dar a mão é tão infantil, uma coisa realmente pueril, que escapa de ser babaquice, dá a volta e acaba virando uma coisa super importante. É perturbador. Pensar sobre isso me faz pensar que eu só vou dar a minha mão -
MASÓLIA isso. Dar a mão em casamento, antigamente não era assim? O cara ia lá e pedia a mão da pessoa em casamento? Quem casa é a mão, você pergunta. Porra? Sério mesmo? Eu acho.
A pessoa vai lá e diz “me dá a mão dessa pessoa que agora ela vai comigo para onde fomos”. Seria mais bonito se não fosse tão machista, se a metáfora fosse mais explícita que a coleira.
E sabe o que é pior disso tudo?
Eu lembro dele e de mim. De mãos dadas na praça do interior. E com ele eu iria para dentro de um escuro estrelado sem pensar duas vezes. Naquele momento, não o amava nem há um mês. Com ele toparia uma aventura todos os dias. Dançaria no meio da rua. Teria um filho. Subiria no palco do Paul McCartney. Eu faria qualquer coisa por ele e para ele. Pelo sonho de nós dois.
Quando ele voltou para a minha vida, não faz nem um mês (ou talvez faça), eu simplesmente desliguei o volume da confusão sobre mãos dadas e passei a imaginar como seria se eu e ele nos encontrássemos no portão de desembarque.
Depois do aeroporto, me vejo puxando-o pela mão ainda mais para dentro de mim. Dizendo que
Olha
Eu vou lhe mostrar
Como é belo este mundo.
Não importa como.
Tudo o que eu quero é que ele venha comigo.
0 notes