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Sobre Christina Aguilera e a coragem de recomeçar.
Após um longo hiato de seis anos e dois lançamentos conturbados, Christina Aguilera retornou em 2018 com um dos meus álbuns favoritos de sua discografia, promovendo uma mensagem poderosa e firmando uma narrativa que faz jus ao título: Liberation.
O disco chegou em um momento em que o trap e o hip hop dominavam o mainstream, e Aguilera sendo uma mulher muito inteligente soube exatamente onde buscar referências e inspiração. Apesar do processo de criação ter sido lento, ela sempre se compromete a entregar trabalhos ricos em identidade e autenticidade, garantindo um reconhecimento imediato a qualquer um que ouça sua voz. A mensagem central do álbum é encerrar um ciclo: o fim da parceria com seu antigo empresário, Irving Azoff, mas também o início de uma nova fase em sua carreira, sendo uma mulher mais madura, como mãe e como uma artista de alto calibre.
Liberation apresenta uma Christina poderosa, consciente de si como mulher, mas também vulnerável. Essa dualidade não é superficial, feita apenas para vender discos ou uma ideia pré-fabricada, não. É um retrato honesto de uma artista que se redescobre ao longo da vida e da carreira.
A produção contou com nomes de peso, como Kanye West, que apesar de seus posicionamentos atuais que são desprezíveis, construiu aqui junto de Aguilera um trabalho inegavelmente forte. Juntos produziram Maria, canção que leva o segundo nome da cantora e talvez seja a faixa mais pessoal do álbum, e ela ainda traz um sample dos The Jackson 5, fazendo com que esta música em específica tenha vários trechos da voz de Michael Jackson enquanto ainda era criança. O trabalho também conta com uma parceria com a maravilhosa Demi Lovato na música Fall In Line, onde ambas cantam com propriedade sobre a posição da mulher enquanto ser social e político. Ambas gravaram um vídeo musical para música, sendo um clipe cheio de referências ao passado delas como estrelas da Disney, onde mesmo de forma implícita fica claro os abusos que elas sofreram como celebridades precoces. Há também uma parceria inusitada com o Lewis Hamilton, o campeão de Fórmula 1 na faixa Pipe. Apesar de não ter conhecimento de outros trabalhos musicais de Lewis, devo admitir que ele e Aguilera dão um match perfeito nesta música!
Com este projeto, Christina também se sentiu confiante para retornar aos palcos com uma turnê, algo que não acontecia desde a Back to Basics Tour, encerrada em 2008, marcando 10 anos sem uma turnê. O disco teve uma recepção calorosa tanto do público quanto da crítica, rendendo a ela duas indicações ao Grammy. A turnê, embora intimista, figurou em rankings dos melhores shows daquele ano. Infelizmente, a divulgação do álbum foi breve e morna, sem grandes feitos além da própria turnê, o que é uma pena considerando todo o material gravado.
Livre das amarras que a prenderam por anos, Christina Aguilera reencontrou sua vocação e entregou mais um trabalho forte, no qual explora sua identidade, sua vida pessoal, sua carreira e sua sexualidade. Atualmente segue ativa fazendo shows, produzindo músicas e marcando presença em eventos de moda, filantropia e premiações da indústria do entretenimento.
Por isso, deixo aqui minhas faixas favoritas do projeto:
• Accelerate (com 2 Chainz e Ty Dolla $ign)
• Maria
• Deserve
• Unless It’s With You — vale destacar que essa é a última faixa do disco, e Christina tem o hábito de encerrar seus álbuns com músicas em que exibe todo o seu poder vocal. Aqui, não é diferente: é a canção mais linda do álbum.
• Twice
• Like I Do (com GoldLink)
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EUSEXUA – FKA Twigs e a reconquista do corpo
Com EUSEXUA, FKA Twigs apresentou uma nova fase estética e conceitual em sua carreira musical. Depois das atmosferas etéreas e dolorosas de Magdalene e da reinvenção pop de Caprisongs, o novo trabalho é uma afirmação física, carnal e radical. Se os álbuns anteriores flertavam com o sagrado, com a fragilidade e com a espiritualidade, EUSEXUA mergulha no potencial do corpo e no erotismo como força vital!
Um dos pilares sonoros de EUSEXUA é a cena rave europeia, especialmente a britânica, cenário este que Twigs foi espectadora e participante nos anos 2000 e 2010. Em EUSEXUA, FKA Twigs retoma esse debate para afirmar sua autonomia artística e corporal, tendo seu estúdio como templo e o seu corpo como altar.
O título do álbum, EUSEXUA, já indica sua intenção: uma fusão entre identidade, prazer e afirmação sexual. A sexualidade aqui não é moldada por olhares externos, mas sim uma experiência íntima, libertadora e subjetiva! Twigs não está tentando agradar, ela está se reivindicando. Isso se reflete não só nas letras e nas construções sonoras, mas também na estética visual dos clipes e performances, uma linguagem corporal que mistura voguing, dança contemporânea e erotismo queer com propriedade.
Vulnerabilidade e poder podem coexistir neste trabalho!
Embora o álbum seja predominantemente marcado por batidas intensas e uma atitude provocante, não há ausência de fragilidade. Twigs sempre transitou bem entre opostos, e aqui ela deixa claro que celebração não exclui trauma. A artista já falou abertamente sobre abusos e violência que sofreu em relações anteriores, e EUSEXUA funciona como uma espécie de renascimento corporal. Não se trata de esquecer a dor, mas de reencarnar em outra frequência, mais pulsante, mais viva e principalmente mais livre.
EUSEXUA é acima de tudo um manifesto, um chamado para a liberdade dos corpos. É um álbum que exige presença, tanto do corpo quanto a escuta. Com esse disco, Twigs não apenas se reinventou mais uma vez: ela se reafirma como uma das artistas mais brilhantes e originais da música contemporânea!
EUSEXUA se estabeleceu como meu disco favorito de 2025 até então, e eu particularmente duvido que tenhamos um álbum melhor que este no próximo semestre.
Deixo como recomendações as minhas favoritas do álbum:
• Drums Of Death
• Sticky
• Eusexua
• Perfect Stranger
• Wanderlust
• Keep It, Hold It
• It's a Fine Day ao vivo em Londres, no Vogue World (apesar de não fazer parte do setlist do álbum, a performance se relaciona bem com a proposta do álbum).
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Charles Bradley e sua primavera tardia
A passagem da vida é algo breve, e às vezes é cruelmente breve. Ainda assim, há pessoas que conseguem fazer do rio da vida um oceano inteiro, mesmo somente quando deságua. Charles Bradley foi uma dessas pessoas!
Durante toda a sua vida ele viveu à margem da própria sorte: viveu pelas ruas do Brooklyn, trabalhou como cozinheiro e passou a ser conhecido como um imitador de James Brown em bares vazios. Teve que esperar mais de meio século para ser visto, esperando uma chance de mostrar quem realmente era. E quando essa chance veio e ele finalmente floresceu aos 62 anos, ele finalmente sentiu o amor e a felicidade que tanto buscou durante sua vida!
Sua carreira foi curta, durando apenas seis anos entre o primeiro álbum e sua morte decorrente por um câncer no estômago, mas nesse pouco tempo ele entregou a vida e a música tudo que tinha. Não houve uma única apresentação em que ele não chorasse, não se ajoelhasse, não se entregasse emocionalmente diante do seu público!
A vida e a carreira de Charles Bradley são um constante lembrete de que não é o tempo que mede uma vida, é a intensidade com que a vivemos. Ele foi uma flor que floresceu tarde, mas sua beleza é tão verdadeira que não precisou durar décadas para ser eterna. Charles carregou com propriedade o título de maior vítima do amor, mas também se tornou uma das maiores provas de que mesmo depois de tanto sofrimento, ainda é possível florescer e deixar beleza por onde se passa.
A vida pode ser breve, mas se for pra ser assim, então que seja como a voz e as músicas de Charles: intensa, honesta, atravessando o tempo e a saudade. Que a gente tenha coragem de viver com essa mesma entrega, de transformar feridas em comunhões, dores em um norte para um novo caminho, e o pouco tempo que nos resta em algo que realmente valha a pena, pois talvez o sentido da vida não esteja em acumular anos, títulos ou conquistas, talvez viver bem seja simplesmente ter coragem de ser inteiro, mesmo quando tudo ao redor quer que a gente se parta em mil pedaços.
E se o fim for inevitável, como é para todos nós, então que ele nos encontre com os dentes exaustos de tanto sorrir, com o peito cansado de tanto amar e com a alma em paz por ter vivido em verdade e paixão pela vida!
Charles Bradley nos lembra que ainda dá tempo. E sempre dá! Que a vida pode ser dura, mas a beleza está em não desistir de florescer, mesmo que seja sobre o chão rachado das perdas, mesmo depois da uma última primavera!
Tive o prazer de conhecer esse vocalista incrível através da trilha sonora de Big Little Lies, baseada no romance de Liane Moriarty.
Como recomendação deixo minhas favoritas:
• Victim of Love
• Let Love Stand a Chance
• Changes (um cover da banda Black Sabbath).
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Casual pra quem?
Dentre todos os artistas e trabalhos incríveis que tive o prazer de conhecer nos últimos anos, Chappell Roan e seu clipe musical de Casual ocupam um lugar muito especial para mim. Isso não se deve apenas à infeliz coincidência de me identificar com a música e o clipe em diversos momentos da vida, mas também ao cuidado com que ela desenvolve um trabalho tão sensível e delicado sobre o amor e a casualidade nas relações homoafetivas. Como uma mulher drag queen assumidamente lésbica, Chappell Roan projeta com autenticidade suas experiências pessoais em suas composições, e Casual não é uma exceção!
Para nós que crescemos como crianças homossexuais, é fácil compreender a mensagem que essa obra transmite. Não me recordo exatamente de onde e quando, mas me lembro da própria Chappell explicando que Casual fala sobre se apaixonar por amigos. Todos nós em algum momento vivemos isso, e para pessoas LGBTQIA+ essa experiência frequentemente carrega uma conotação de indiferença e frustração, especialmente quando se trata de um amor não correspondido por alguém heterossexual.
A figura da sereia no clipe remete à simbologia clássica de uma beleza que é convidativa, mas nociva quando não se olha com racionalidade. É impossível não lembrar da adolescência, quando nós confundíamos sinais e cultivávamos paixões silenciosas por pessoas que nunca nos veriam da mesma forma. No clipe vemos Chappell mergulhada numa fantasia de amor, arriscando-se emocionalmente, até ser deixada sozinha com todos os seus sentimentos. Esse sentimento de abandono difere da estética vibrante do vídeo e ressalta a solidão de pessoas queer na adolescência, onde até mesmo os momentos brilhantes são atravessados pela indiferença. Há também uma nuance interessante entre imagem e som: na narrativa visual a relação parece ser apenas imaginada, já na letra ela soa mais concreta, ainda que seja problemática. É na canção que reencontramos a não correspondência amorosa, mas de forma mais madura e amarga. Quando Chappell canta sobre gestos que sugerem uma falsa intimidade, ela dá voz a um problema recorrente nas relações queer: o jogo de afetos confusos, muitas vezes alimentado pelo medo, pela vergonha ou pela conveniência do outro.
E é aí que Casual nos acerta em um ponto sensível:
Porquê não é só sobre amar alguém que não nos ama de volta, é sobre estar sempre um passo atrás do que se pode viver de forma plena. É sobre oferecer tudo enquanto o outro mantém uma distância confortável. Chappell Roan transforma essa dor em arte com uma estética exagerada, mas profundamente real, e então nos faz lembrar que mesmo nas relações mais efêmeras, há quem se machuque por levar a sério o que o outro só quis brincar.
Como um encerramento, eu devo dizer que a minha parte favorita do clipe é quando a Sereia a deixa sozinha no quarto, e então ela desfaz a decoração. Ela tira o M da placa escrita "Welcome Home", passando a ser lido como "Welcome Hoe". Uma sacada cômica para quem lida com rejeições externalizando raiva reprimida (como eu).
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Um cometa chamado The Sundays
Desde muito novo, sempre tive uma relação especial e íntima com a música e todas as suas vertentes. Com o tempo, esse vínculo se transformou em um amor quase transcendental, e hoje me orgulho bastante do acervo musical que construí comigo e com pessoas especiais ao longo dos anos.
Por conta dessa conexão tão significativa, de tempos em tempos me esbarro com bandas e artistas que acabam se tornando peças fundamentais no meu processo de autoconhecimento e na forma como me percebo enquanto indivíduo. No ano passado, mais especificamente em julho, tive o prazer de conhecer a banda The Sundays, e nas últimas semanas tenho dedicado a ela toda a minha atenção.
Há algo de extremamente precioso no breve catálogo dessa banda, que estreou em 1990 e encerrou suas atividades em 1997, após o lançamento de apenas três álbuns, sendo uma carreira muito curta para uma banda tão promissória para aquela época. Em um cenário atual marcado pela saturação do mercado fonográfico que tem focado mais em quantidade do que qualidade, ouvir The Sundays foi um prazer inesperado. Jamais imaginei que me apaixonaria tanto por uma banda como me apaixonei por esta.
Meu álbum favorito é Static & Silence, uma despedida delicada e marcante. A voz de Harriet Wheeler que aqui é a responsável pelos vocais, é doce e reconfortante em cada uma das faixas. Após algumas pesquisas, descobri que depois do fim da banda os integrantes optaram por uma vida longe da mídia e dos holofotes, trabalhando em outras áreas e mantendo-se no anonimato.
Como alguém que também sente a urgência de se afastar das redes sociais, conhecer artistas que se consolidaram sem depender da superexposição midiática me inspira. Me faz acreditar que é possível viver em paz, longe do excesso de informação, e ainda assim produzir obras memoráveis — seja em termos comerciais ou de relevância artística.
Como apaixonado por música e grande fã dessa banda, deixo aqui minha recomendação das minhas faixas favoritas:
• Leave This City
• Homeward
• Wild Horses (um cover de The Rolling Stones que, com toda propriedade, considero melhor que a versão original)
• You're Not The Only One I Know
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