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A flor de Coleridge
“Em 1938, Paul Valéry escreveu: “a história da literatura não deveria ser a história dos autores e dos acidentes de uma carreira ou da carreira de suas obras e sim a história do Espírito como produtor ou consumidor de literatura. Essa história poderia chegar ao fim sem mencionar um só escritor”. Não era a primeira vez que o Espírito formulava essa observação; em 1844, no povoado de Concord, outro de seus amanuenses havia anotado: “diria-se que uma só pessoa havia redigido quantos livros há no mundo; tal unidade central há neles que é inegável que sejam obra de um só cavaleiro onisciente” (Emerson: Essays, 2, VIII). Vinte anos antes, Shelley julgou que todos os poemas do passado, do presente e do porvir, são episódios ou fragmentos de um só poema infinito, erigido por todos os poetas do universo (A Defence of Poetry, 1821).
Essas considerações (implícitas, desde cedo, no panteísmo) permitiriam um debate inacabável; eu, agora, as invoco para executar um modesto propósito: a história da evolução de uma ideia, através dos textos heterogêneos de três autores. O primeiro texto é uma nota de Coleridge; ignoro se este a escreveu ao fim do século XVIII, ou ao começo do XIX. Diz, literalmente:
“Se um homem atravessara ao Paraíso em um sonho, e lhe deram uma flor como prova de que havia estado ali, e se ao despertar encontrara essa flor em sua mão… então, o que?”.
Não sei o que opinará meu leitor dessa imaginação; eu a julgo perfeita. Usá-la como base de outras invenções felizes, parece previamente impossível; tem a integridade e a unidade de um terminus ad quem, de uma meta alcançada. Claro está que é, na ordem da literatura, como nas outras, que não há ato que não seja coroação de uma infinita série de causas e manancial de uma infinita série de efeitos. Detrás da invenção de Coleridge está a geral e antiga invenção das gerações de amantes que pediram como prenda uma flor.
O segundo texto que alegarei é uma novela que Wells esboçou em 1887 e reescreveu sete anos depois, no verão de 1894. A primeira versão se intitulou “The Chronic Argonauts” (neste título abolido, chronic tem o valor etimológico de temporal); a definitiva, “The Time Machine”. Wells, nessa novela, continua e reforma uma antiquíssima tradição literária: a previsão de feitos futuros. Isaías vê a desolação da Babilônia e a restauração de Israel; Eneas, o destino militar de sua posteridade, os romanos; a profetiza da Edda Saemundi, a volta dos deuses que, depois da cíclica batalha em que nossa terra perecerá, descobrirão, jogadas no pasto de uma nova pradaria, as peças de xadrez com que antes jogaram… O protagonista de Wells, à diferença de tais espectadores proféticos, viaja fisicamente ao porvir. Volta rendido, empoeirado e estragado; volta de uma remota humanidade que havia se bifurcado em espécies que se odeiam (os ociosos eloi, que habitam palácios dilapidados e jardims ruinosos; os subterrâneos e nictálopes morlocks, que se alimentam dos primeiros); volta com as têmporas grisalhas e traz do porvir uma flor murcha. Tal é a segunda versão da imagem de Coleridge. Mais incrível que uma flor celestial ou que a flor de um sonho é a flor futura, a contraditória flor cujos átomos agora ocupam outros lugares e que não se combinaram ainda.
A terceira versão que comentarei, mais trabalhada, é a invenção de um escritor fartamente mais complexo que Wells, se bem que menos dotado dessas agradáveis virtudes que são comuns de se chamar clássicas. Me refiro ao autor de “A humilhação dos Northmore”, o triste e labiríntico Henry James. Este, ao morrer, deixou inconclusa uma novela de caráter fantástico, “The Sense of the Past”, que é uma variação ou elaboração de “The Time Machine”. O protagonista de Wells viaja ao porvir em um inconcebível veículo que progride ou retrocede no tempo como os outros veículos no espaço; o de James regressa ao passado, ao século XVIII, à força de compenetrar-se com essa época. (Os dois procedimentos são impossíveis, mas é menos arbitrário o de James).
Em “The Sense of the Past”, o nexo entre o real e o imaginário (entre a atualidade e o passado) não é uma flor, como nas anteriores ficções; é um retrato que data do século XVIII e que misteriosamente representa o protagonista. Este, fascinado por essa tela, consegue transportar-se para a data em que a executaram. Entre as pessoas que encontra, figura, necessariamente, o pintor; este o pinta com temor e com aversão; pois intui algo não habitual e anômalo nessas feições futuras…. James, cria, assim, um incomparável regresso ao infinitum, já que seu herói, Ralph Pendreal, se transporta ao século XVIII. A causa é posterior ao efeito, o motivo da viagem é uma das consequências da viagem. Eu não li “The Sense of the Past”, mas conheço a suficiente análise de Stephen Spender, em sua obra “The Destructive Element” (páginas 105-110). James foi amigo de Wells; para sua relação pode consultar-se o vasto “Experiment in Autobiography��� deste. Wells, de modo verossímil, desconhecia o texto de Coleridge; Henry James conhecia e admirava o texto de Wells. Claro está que se é válida a doutrina de que todos os autores são um autor, tais feitos são insignificantes. Em rigor, não é indispensável ir tão longe; o panteísta que declara que a pluralidade dos autores é ilusória, encontra inesperado apoio no classicista, segundo o qual essa pluralidade importa muito pouco. Para as mentes clássicas, a literatura é o essencial, não os indivíduos. George Morre e James Joyce hão incorporado em suas obras, páginas e sentenças alheias; Oscar Wilde costumava presentear enredos para que outros o executassem; ambas condutas, ainda que superficialmente contrárias, podem evidenciar um mesmo sentido da arte. Um sentido ecumênico, impessoal… Outro testemunho da unidade profunda do Verbo, outro negador dos limites do sujeito, foi o insigne Ben Jonson, que empenhado na tarefa de formular seu testamento literário e os julgamentos propícios ou adversos que seus contemporâneos lhe mereciam, se reduziu a combinar fragmentos de Sêneca, de Quintilliano, de Justo Lipsio, de Vives, de Erasmo, de Maquiavel, de Bacon e dos dois Scaligero.
Uma observação última. Aqueles que minuciosamente copiam um escritor, o fazem impessoalmente, o fazem porque confundem esse escritor com a literatura, o fazem porque suspeitam que separar-se dele em um ponto é separar-se da razão e da ortodoxia. Durante muitos anos, eu acreditei que quase toda a infinita literatura estava em um homem. Esse homem foi Carlyle, foi Johannes Becher, foi Whitman, foi Rafael Cansinos-Asséns, foi De Quincey.”
BORGES, Jorge Luis. A flor de Coleridge.
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Bella durmiente
-Qué delgada eres -me dijo- y entonces yo pensé en la mujer de la foto en sus senos grandes y en los míos pequeños del tamaño del cuenco que hace un hombre con su mano del tamaño del cuenco que él hacía con su mano cuando me dijo: qué delgada eres.
(Cuando un hombre tiembla al tocarte no te olvidas de él. Nunca, aunque no llegues a amarle).
Su cama estaba vacía porque ella ya no estaba y él acampaba conmigo a la intemperie de la sala. Quién le daba refugio a quién no estaba claro.
Boca arriba en el colchón mirando la noche en el techo oscuro de la sala con los brazos entrecruzados bajo la sábana nos palpábamos buscando dónde hacer el corte más limpio.
Miriam Reyes
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É preciso construir uma torre
É preciso construir uma torre - uma torre azul para os suicidas. Têm qualquer coisa de anjo esses suicidas voadores, qualquer coisa de anjo que perdeu as asas. É preciso construir-lhes um túnel - um túnel sem fim e sem saída e onde um trem viajasse eternamente como uma nave em alto-mar perdida. É preciso construir uma torre… É preciso construir um túnel… É preciso morrer de puro, puro amor!… Mario Quintana, in Poesia Completa
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Cuadriga
"Cuadriga"
a Mihai Eminescu
Silba una cuadriga sobre la llanura
de mis segundos.
Tiene cuatro caballos, tiene dos luchadores.
Uno está con los ojos entre hojas, el otro
con los ojos en lágrimas.
Uno mantiene su corazón adelante, en los caballos,
el otro arrastra su corazón, atrás, sobre las piedras.
Uno aprieta los frenos con su brazo derecho,
el otro aprieta la tristeza entre sus brazos.
Uno se mantiene firme, con sus armas,
el otro con sus recuerdos.
Silba una cuadriga sobre la llanura
de mis segundos.
Tiene cuatro caballos negros, tiene dos luchadores.
Uno mantiene su vida en las águilas,
el otro, mantiene su vida en las ruedas trastornadas,
y los caballos corren, hasta que quiebran con sus bocas
el segundo,
corren hacia fuera, corren hacia fuera
y no se ven más.
Nichita Stănescu
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SILÊNCIO
Fábula
"O cimo da montanha dormita; .
vales, rochedos e grutas emudecem."
Alcman.
ESCUTA - disse o Demónio, pondo a mão sobre minha cabeça. -
A região de que falo é uma lúgubre região da Líbia, às margens
do rio Zaire e ali não há repouso nem silêncio.
"As águas do rio são amarelas e insalubres e não correm para o
mar, mas palpitam eternamente, sob o rubro olhar do sol, em
movimentos tumultuosos e convulsivos. Por muitas milhas, de cada
lado do leito lamacento do rio, estende-se um pálido deserto de
gigantescos nenúfares, que suspiram, um para o outro, naquela
solidão e erguem para o céu os longos colos lívidos, meneando as
frontes imortais. E dentre eles se evoca um murmúrio indistinto,
semelhante ao rolar de uma torrente subterrânea. E um para o outro
eles suspiram.
"Mas há um limite para seu reino, o limite da floresta escura,
horrenda, enorme. Ali, como as ondas em torno das Hébridas, os
arbustos rasteiros agitam-se sem cessar. No céu, porém, não sopra
vento algum. E as altas árvores primitivas oscilam, eternamente,
para lá e para cá, com um rumor poderoso e estalidante, E dos seus
altos cimos, caem, uma a uma, as gotas de um sempiterno orvalho. E as
seus pés, estranhas flores venenosas jazem, estorcendo-se em agitado
sono. E nas alturas, zunem fortemente as nuvens plúmbeas, que correm
continuamente para o oeste, até rolarem, em cataratas, por cima da
muralha ardente do horizonte, E às margens do rio Zaire não há
repouso nem silêncio.
"Era noite e a chuva caía; e ao cair, era chuva, mas, ao
chegar ao chão, era sangue. E de pé, no paul, entre os altos
nenúfares, eu estava, enquanto a chuva caía sobre mim. E os
nenúfares suspiravam um para o outro, na solenidade de sua
desolação.
E, de-repente, através do fino e lívido nevoeiro, surgiu a
lua, toda carmesim, E meu olhar caiu sobre um rochedo enorme e
escuro, que se erguia à margem do rio, iluminado pela luz da lua.
E o rochedo era enorme e de um cinzento pálido. Pálido e cinzenta.
Letras estavam gravadas na superfície da pedra; caminhei através do
paul de nenúfares até à margem, para poder ler as letras gravadas
na pedra. Mas não pude decifrá-las. E ia regressar ao paul, quando
a lua brilhou ainda mais vermelha. Voltei-me e olhei de novo para
o rochedo, para as letras, que formavam a palavra DESOLAÇÃO.
"Ergui a vista e descobri um homem, de pé, no cume do
rochedo; ocultei-me entre os nenúfares, a-fim-de poder ver os
movimentos do homem. Ele era alto, de porte imponente, e
envolvia-se, dos ombros aos pés, numa toga romana. Os traços de
seu rosto eram indistintos, mas suas feições eram as de uma
divindade; pois luziam mesmo através do manto da noite, da névoa,
da luz e do sereno. Erguia o cenho, pensativamente, e seu olhar
ardia de preocupação; e nas poucas rugas que lhes sulcavam as
faces, eu lia as legendas de tristeza, de fadiga e de desgosto
pela humanidade, e o amor ansioso da solidão.
"E o homem sentou-se sobre o rochedo, pousou a cabeça na
mão e contemplou meditativamente a soledade. Mergulhou a vista
nos arbustos rasteiros e inquietos e elevou-a às altas árvores
primitivas e, mais alto ainda, até ao céu rumorejante e à lua
avermelhada. E escondido em meio aos nenúfares, seguia eu os
movimentos do homem. E o homem tremia na solidão; mas a noite
avançava e ele permanecia sentado no rochedo.
"E o homem desviou depois sua atenção do céu e baixou a
vista sobre o lúgubre rio Zaire, sobre suas águas lívidas e
amarelas e sobre as legiões lúridas de nenúfares. E o homem
escutava os suspiros dos nenúfares e o murmúrio que deles se
evolava. E, bem oculto, espreitava eu as ações do homem. E o
homem tremia na solidão; mas a noite avançava e ele permanecia
sentado no rochedo.
"Depois desci para os recessos do paul, patinhando nas
brenhas de nenúfares e gritei pelos hipopótamos, que habitavam
nos lameiros mais fundos do pântano. E os hipopótamos ouviram
os meus gritos e vieram, com o behemoth (1), colocar-se no sopé
do rochedo, e à luz rugiram forte e pavorosamente. E, bem oculto,
espreitava eu as ações do homem. E o homem tremia na solidão;
mas a noite avançava e ele permanecia sentado no rochedo.
"Depois apostrofei os elementos, com maldições
tumultuosas; e uma terrível tempestade formou-se no céu, onde
antes não havia vento. E lívido se tornou o céu, com a
violência da tempestade. E a chuva golpeava a cabeça do homem;
e a água do rio corria escachoante, a espumejar de dor; e os
nenúfares gemiam nos leitos; e as florestas se despedaçavam ao
sopro do vento; e o trovão ribombava; e os raios caíam; e o
rochedo se abalava até a base. E, bem oculto, espreitava eu
as ações do homem. E o homem tremia na solidão; mas a noite
avançava e ele permanecia sentado no rochedo.
"Encolerizei-me, então, e amaldiçoei, com a maldição
do silêncio, o rio, e os nenúfares, e o vento, e a floresta,
e o céu, e os trovão, e os gemidos dos nenúfares. E,
amaldiçoados, emudeceram. E a lua deixou de vaguear pela
estrada celeste. E o trovão morreu ao longe. O raio não mais
fulgurou. E as nuvens penderam imóveis. E as águas voltaram
ao seu nível e sossegaram. E as árvores cessaram de oscilar.
E os nenúfares não mais suspiraram. E não mais se ouviu o
murmúrio que deles se evolava, ou qualquer sombra de som,
por toda a vastidão ilimitada do deserto. E ao contemplar
as letras gravadas no rochedo, vi que haviam mudado; lia-se
agora a palavra SILÊNCIO.
"E de novo volvi o olhar para o rosto do homem e seu
rosto estava lívido de terror. De-repente, ergueu a cabeça e
pôs-se de pé no rochedo à escuta. Mas nenhuma voz havia, por
toda a vastidão ilimitada do deserto. E as letras gravadas no
rochedo diziam silêncio. E o homem estremeceu, voltou o rosto
e pôs-se em fuga, precipitadamente; e nunca mais o tornei a ver."
.....................................................
Ora, lindas história se encontram nos volumes dos Magos, nos
melancólicos volumes com fecho de ferro. Neles, afirmo, há
esplêndidas histórias do Céu e da Terra, e do mar poderoso; e
dos Gênios que governam o mar, e a terra, e os altos céus. Há
também muita ciência nas palavras proferidas pelas Sibilas; e
coisas sagradas se ouviam outrora, junto às folhas sombrias,
que tremiam em torno de Dodona; mas, considero, tão certo como
vive Alá, essa fábula que o Demónio me contou, sentado ao meu
lado, à sombra do túmulo, como a mais maravilhosa de todas! E
ao terminar o Demónio sua história, caiu dentro da cavidade do
sepulcro, às gargalhadas. E como eu não pudesse rir com o
Demónio, ele me amaldiçoou. E o lince, que vive eternamente no
sepulcro, saiu do seu fojo e deitou-se aos pés do Demónio,
encarando-o fixamente.
(1) - Animal considerado como o hipopótamo do Nilo, e descrito no livro de Jó (XL 15-24) (Nota dos TT.)
(Publicado pela primeira vez no BALTIMORE BOOK, em 1839)
EDGAR A. POE
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UM HOMEM PASSA COM UM PÃO AO OMBRO
Um homem passa com um pão ao ombro - Vou escrever, depois, sobre o meu duplo?
Outro senta-se, coça-se, tira um piolho do sovaco, mata-o - Com que desplante falar da Psicanálise?
Outro entrou em meu peito com um pau na mão - Falar, em seguida, de Sócrates ao médico?
Um coxo passa dando o braço a um menino - Vou, depois, ler André Breton?
Outro treme de frio, tosse, cospe sangue - Convirá não aludir jamais ao Eu profundo?
Outro busca no lodo ossos e cascas - Como escrever, depois, sobre o infinito?
Um pedreiro cai de um telhado, morre, já não almoça - Inovar, em seguida, a metáfora, o tropo?
Um comerciante rouba um grama no peso a um freguês - Falar, depois, da quarta dimensão?
Um banqueiro falsifica o seu balanço - Com que cara chorar no teatro?
Um pária dorme com um pé às costas - Falar, depois, a ninguém de Picasso?
Alguém vai num enterro a soluçar - Como em seguida ingressar na Academia?
Alguém limpa uma espingarda na cozinha - Com que desplante falar do mais além?
Alguém passa a contar pelos dedos - Como falar do não-eu sem dar um grito?
César Vallejo
tradução de José Bento.
“Un hombre pasa con un pan al hombro.”
César Vallejo
Un hombre pasa con un pan al hombro ¿Voy a escribir, después, sobre mi doble? Otro se sienta, ráscase, extrae un piojo de su axila, mátalo ¿Con qué valor hablar del psicoanálisis? Otro ha entrado en mi pecho con un palo en la mano ¿Hablar luego de Sócrates al médico? Un cojo pasa dando el brazo a un niño ¿Voy, después, a leer a André Bretón? Otro tiembla de frío, tose, escupe sangre ¿Cabrá aludir jamás al Yo profundo? Otro busca en el fango huesos, cáscaras ¿Cómo escribir, después del infinito? Un albañil cae de un techo, muere y ya no almuerza ¿Innovar, luego, el tropo, la metáfora? Un comerciante roba un gramo en el peso a un cliente ¿Hablar, después, de cuarta dimensión? Un banquero falsea su balance ¿Con qué cara llorar en el teatro? Un paria duerme con el pie a la espalda ¿Hablar, después, a nadie de Picasso? Alguien va en un entierro sollozando ¿Cómo luego ingresar a la Academia? Alguien limpia un fusil en su cocina ¿Con qué valor hablar del más allá? Alguien pasa contando con sus dedos ¿Cómo hablar del no-yó sin dar un grito?
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um adeus português
Nos teus olhos altamente perigosos vigora ainda o mais rigoroso amor a luz dos ombros pura e a sombra duma angústia já purificada Não tu não podias ficar presa comigo à roda em que apodreço apodrecemos a esta pata ensanguentada que vacila quase medita e avança mugindo pelo túnel de uma velha dor Não podias ficar nesta cadeira onde passo o dia burocrático o dia-a-dia da miséria que sobe aos olhos vem às mãos aos sorrisos ao amor mal soletrado à estupidez ao desespero sem boca ao medo perfilado à alegria sonâmbula à vírgula maníaca do modo funcionário de viver Não podias ficar nesta casa comigo em trânsito mortal até ao dia sórdido canino policial até ao dia que não vem da promessa puríssima da madrugada mas da miséria de uma noite gerada por um dia igual Não podias ficar presa comigo à pequena dor que cada um de nós traz docemente pela mão a esta pequena dor à portuguesa tão mansa quase vegetal Mas tu não mereces esta cidade não mereces esta roda de náusea em que giramos até à idiotia esta pequena morte e o seu minucioso e porco ritual esta nossa razão absurda de ser Não tu és da cidade aventureira da cidade onde o amor encontra as suas ruas e o cemitério ardente da sua morte tu és da cidade onde vives por um fio de puro acaso onde morres ou vives não de asfixia mas às mãos de uma aventura de um comércio puro sem a moeda falsa do bem e do mal Nesta curva tão terna e lancinante que vai ser que já é o teu desaparecimento digo-te adeus e como um adolescente tropeço de ternura por ti alexandre o'neill no reino da dinamarca (1958)
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27 DE JANEIRO
Dia gelado. Um sol de inverno. Branco vapor. Mas nesta sexta-feira não sabíamos o que celebrar, e o que chorar – o Dia Memorial do Holocausto ou o aniversário de Mozart. Nossa memória ficou perplexa. A imaginação perdeu o rumo. No parapeito da janela, uma vela chorou (fomos convidados a acender velas), mas a suave música do jovem Mozart chegou até nós pelos altifalantes, em estilo rococó, a época das asas de prata e não dos cabelos grisalhos que conhecíamos de Auschwitz, idade dos figurinos, e não da nudez, da esperança, e não do desespero. Nossa memória ficou perplexa, a imaginação cresceu, perdida em pensamentos. Adam Zagajewski
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FUNERAL BLUES
Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
Não deixem o cão ladrar aos ossos suculentos,
Silenciem os pianos e com os tambores em surdina
Tragam o féretro, deixem vir o cortejo fúnebre.
Que os aviões voem sobre nós lamentando,
Escrevinhando no céu a mensagem: Ele Está Morto,
Ponham laços de crepe em volta dos pescoços das pombas da cidade,
Que os polícias de trânsito usem luvas pretas de algodão.
Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Este e Oeste,
A minha semana de trabalho, o meu descanso de domingo,
O meio-dia, a minha meia-noite, a minha conversa, a minha canção;
Pensei que o amor ia durar para sempre: enganei-me.
Agora as estrelas não são necessárias: apaguem-nas todas;
Emalem a lua e desmantelem o sol;
Despejem o oceano e varram o bosque;
Pois agora tudo é inútil.
W.H. Auden
tradução de Maria de Lourdes Guimarães
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Canção (Blues dos Refugiados)
Dizem que esta cidade tem dez milhões de almas Umas vivem em palácios, outras em mansardas; contudo não há lugar para nós, minha querida, não há lugar para nós. Uma vez tivemos uma pátria e julgávamos que era bela. Olha para o mapa e lá a encontrarás; mas não poderemos regressar tão cedo, minha querida, não podere- mos regressar tão cedo. O cônsul deu um murro na mesa e disse: se não têm passaportes estão oficialmente mortos; mas nós ainda estamos vivos, minha querida, ainda estamos vivos. Lá em baixo no adro um velho teixo todas as primaveras floresce de novo: e os velhos passaportes não florescem, minha querida, os velhos passaportes não florescem. Fui a um comissariado e ofereceram-me uma cadeira. disseram polidamente para voltar no ano seguinte: mas onde iremos agora, minha querida, onde iremos agora? Fui a um comício público; o orador levantou-se e disse: se os deixarmos cá dentro, roubar-nos-ão o pão de cada dia; estava a falar de mim e de ti, minha querida, a falar de mim e de ti. Ouves um ruído como um trovão roncando no céu? É Hitler sobre a Europa dizendo: «Eles têm de morrer!» Nós estávamos no Seu pensamento, minha querida, estávamos no Seu pensamento. Vi um cão de luxo de jaqueta apertada com um alfinete vi uma porta aberta e um gato entrando; mas não eram judeus alemães, minha querida, não ale- mães. Desci ao porto e parei no cais vi os peixes a nadar. Como são livres! a dez pés de distância, minha querida, só a dez pés distância Passeei pelo bosque; há pássaros nas árvores, não têm políticos e cantam livremente. Não são da raça humana, minha querida, não são da raça humana Sonhei que vira um edifício com mil andares mil janelas e mil portas; nenhuma delas era nossa, minha querida, nenhuma Corri à estação para apanhar o expresso, pedi dois bilhetes para a Felicidade; mas todas as carruagens estavam cheias, minha querida, todas as carruagens estavam cheias. Fui parar a uma grande planície, no meio da neve a cair dez mil soldados marchavam de um lado para o outro olhando para mim e para ti, minha querida, olhando para mim e para ti. W. H. Auden (1907-1973) Tradução de Jorge Emílio
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Epitáfio de um tirano
A perfeição, ao seu estilo, era o que mais queria, E escrevia uns versos de fácil compreensão; Conhecia a loucura como a palma da mão, E interessava-se imenso por tropas e armadas, Senadores respeitáveis riam quando se ria, E, quando chorava, crianças morriam nas estradas. W.H. Auden Outro tempo Relógio D` Água, 2007 Tradução de Margarida Vale de Gato
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Talvez no Inverno me tenhas oferecido uma pedra acesa,tão acesa que a guardava ora na mão esquerda,ora na outra. Viraram-se os dias como páginas, e a pedra, pouco a pouco,congelando. O que as minhas mãos juntaram acabou por ser apenas sombra. Yao Feng
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AO FRACASSO
Não vens de forma dramática, com dragões Que se empinam e erguem a minha vida entre as garras E me atiram esquartejado para junto das carroças, Os cavalos em pânico; nem como uma cláusula visivelmente preparada para lembrar o que pode ser perdido, Que despesas de bolso devem ser suportadas Em gastos extraordinários; nem como um fantasma gélido Que é visto, certas manhãs, a correr por um relvado. É nestas tardes sem sol que descubro Teres-te instalado no meu espaço como um aborrecimento. Os castanheiros endureceram de silêncio. Estou Ciente de que os dias passam mais rápido que antes, O cheiro a bolor também. E quando ficam para trás Parecem ruínas. Estiveste aqui algum tempo. Philip Larkin TO FAILURE You do not come dramatically, with dragons That rear up with my life between their paws And dash me butchered down beside the wagons, The horses panicking; nor as a clause Clearly set out to warn what can be lost, What out-of-pocket charges must be borne Expenses met; nor as a draughty ghost That's seen, some mornings, running down a lawn. It is these sunless afternoons, I find Install you at my elbow like a bore. The chestnut trees are caked with silence. I'm Aware the days pass quicker than before, Smell staler too. And once they fall behind They look like ruin. You have been here some time. Philip Larkin
Traduzido por Nuno Dempster em Agio.
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