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mydearcupofart · 1 year
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São Paulo, 19 de abril de 2013
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Hoje mesmo, indo pegar o ônibus, eu me fiz conduzir pela rua que passo todo os dias desde o décimo dia março do ano passado. Recolhido pelo frio. Deleitado com a pureza do aroma cítrico de grama recém-cortada suspenso no ar seco de outono. Embalado pela suavidade enternecedora da luz densa amanteigada do fim de tarde. Andei com pressa. As ruas da capital paulista, não sabe bem eu o porquê, parecem sempre exigir pressa. Cheguei em casa cansado. Tirei o calçado pesado demais pela novidade da rua. Há novidade por toda a parte. No ápice da indiferença com que nos mostramos para a rua, há sempre, mesmo que não notemos, novidade se fazendo querer nos atravessar. Nós, por outro lado, encantados pela nossa desimportância cotidiana, não nos deixamos afetar pelas pequenas infrações que o novo pretende incutir sobre o carreiro. Assim nos arrastamos de volta às nossas casas e tiramos os sapatos. Vez ou outra nos permitimos experimentar a vida. Assim, nos cobrimos de novidade. Despimos o peito. Peito nu, coração aberto. Deixamos que nosso peito vasto e jovem desbrave a obscuridade aflitiva e tentadora do ato de libertação. Desde esse 10 de março eu me impressiono por ter tido coragem de, seduzido de indiferença à rua que devia estar passando não muito longe de mim, ter achado plausível ir para tão longe. Eu já sinto a distância como um outro sentido. A saudade não conjuga mais consequência de ter ido para longe. Escrevo sobre a saudade como se fosse personagem de livro ou pelúcia de criança. Onde quer que eu esteja há sempre saudade. Atravessando a rua e a catraca do ônibus. Cumprimentando gente no elevador. Quando decido sair, ir em restaurante, vaguear por qualquer rua perto de casa, entrar em farmácia e conhecer gente nova. A saudade é referência. É como sombra que hora ou outra se faz menos aparente, mas sempre presente. E, hoje, quando cheguei da rua. Quando tirei o sapato. Toda a saudade que eu sinto me levou a te pedir que trouxesse mais roupa para a visita que você me faria no limiar dos dois dias que se seguiriam. É final de abril e faz muito frio em São Paulo.
Hoje, de todos os dias que vêm se passando, cada um com mais pressa, escolhi para que fosse o dia em que te escreveria. Em que te dedicaria o tempo de dizer coisas que se realizam em mim tão simples que ouso lhes atribuir beleza e verdade. A data do seu aniversário se aproxima, afinal. Lembro-me de ter há não muito tempo me emocionado lendo coisa parecida que você tinha me dedicado. Também mensagem de aniversário. Mensagem me tomando carinhosamente como amigo. Assim está dita a nossa palavrinha. Somente cinco letras que tanto podem significar quando conjugadas assim juntinhas.
É sempre necessário que se tenha amigos. No entanto, percebo não poder deixar de te indicar como referência dentre os amigos que fiz pelos 19 anos que se passaram. Não posso, nem ao menos o sei, como expressar o quanto tenho saudade. Saudade dos pequenos momentos da sua companhia. Saudade dos barulhentos e agitados também. Saudade de quando passávamos o dia com conversa que parecia importante, e que devia mesmo ser. Saudade de você. Acho até que, sentindo a distância, eu venho escolhendo ser seu amigo, mesmo sendo também amigo de muitos outros. A bem dizer é difícil projetar nos outros a intimidade e o carinho que tenho por você. Demorou pra que eu entendesse que não é exatamente estranho que eu me sinta diferente em relação aos meus companheiros do que sinto em ralação a você. É tão simples que me emociona: somos amigos, é certo e deve durar. Eu sou um chorão e eu bem sei, mas choro apenas pelas coisas certas. O que estou tentando dizer é que de todos te escolhi ter como amiga. Porque te amo. Porque muitas coisas no meu dia me levam a você. Porque tenho saudade. Porque tenho muita saudade.  E já nem sei mais o que neste texto que se pretende como sincero conjuga uma causa ou consequência.
Me lembro de um dia, também para o seu aniversário, ter escrito coisa parecida a “caso um dia haja a presença de faltar// que a tristeza se vá antes mesmo de chegar// porque mesmo distantes podemos nos encontrar// na memoria ou qualquer que for o lugar”.
Beijos do seu amigo que espera te ver em breve.
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mydearcupofart · 1 year
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Ibi, 7 de abril de 2023
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"Março, mês das borboletas noivas flutuando em brancos véus". Li tantas vezes ao ponto de nem precisar de consulta. Reproduzo de memória. Borboletas devem mesmo ser felizes em maio. Noivado é quase sempre agradável. É abril, dia sete de abril. Chove lá fora, poruqe abril não é mês para borboleta.
Meu Deus, é abril.
Lamento não terem me contado mentira no dia primeiro. Lamento não ter contado eu mesmo. Lamento não ter me lembrado. Saberia se tivesse contando mentira por se tratar do primeiro dia de abril.
É dia sete de abril. Não honrei o dia primeiro com mentira. Quando criança eu devia honrar o dia primeiro de abril até contando mentira nos outros dias. Sabia que a mentira dos outros valiam bananas. Dia primeiro de abril costuma ser guardado pra quem tem prazer em mentir. Eu mesmo tenho. Não tenho honrado os dias que se passam cada vez com mais pressa. Assim passou o esquecido dia primeiro sem nenhuma mentirinha. Pode ter passado o meu tempo de contar mentira no dia primeiro. Agora minto é todo dia um pouco mesmo. Sem maiores exclamações.
Lembro de todos os meus 18 primeiros dias de abril com saudade. Tenho saudade destes dias em que contava mentira, com o maior gosto. Tenho saudade de acompanhar noivado de pertinho. De todas as primas minhas que um dia foram noivas, até das fui muito próximo, não acompanhei noivado. Resta os de borboleta em maio, tenho estado muito distante.
Percebo escrever obcessivamente sobre saudade. Percebo a distância da família. Percebo não dar jeito pra poeta. Minha coisa é a prosa mesmo. Já escrevi poema que me desse gosto em ler. Nada que valesse prêmio. Poema vale a tinta da caneta que escreve e talvez o papel que o abarca. Poema não vale nem mesmo pra que seja lido. Seu valor é existir e o custo, ser pensado.
Queria ter escrito poema que fosse feliz. Não tenho escrito coisa que dê mostras de felicidade. Eu escrevo triste, escrevo saudade. Queria escrever coisa que não fosse triste. Queria escrever coisa que não fosse só saudade. Não é hora pra isso. É claro.
Penso constantemente que poema só é poema se for escrito em papel e caneta. Não vinga poeta que escreve em computador. E eu que só escrevo em caneta sou capaz de ainda ter chance.
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mydearcupofart · 2 years
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São Paulo, 8 de outubro de 2022
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Inquieto. Tenho, há dias, estado inquieto. Poucos e breves são os descansos. Leio uma coisa. Não termino. Leio outra. Desatino. Tomo café. Tomo café rápido demais. Tomo muito café. Me queimo. Me irrito. Jogo o resto fora. Até os cigarros, graças a Deus, perderam o gosto. O cheiro doce da caixa, a dificuldade de tirar um da caixa, o aspecto seco, o barulho intolerável do isqueiro e a artificialidade de tudo me fazem arrepios na primeira tragada. Todos sinais de inquietação.
Não compro mais cigarros.
Eu pego cigarros. Junto um entre os dedos. Indicador e médio. Levo-o à boca. Acendo. Puxo a brasa enquanto puxo o ar. Não sou capaz de acender cigarros sem puxar, enquanto puxo brasa, o ar. É demais para mim.
Depois é tudo do mesmo. Costumo pegar outro depois do primeiro. Depois do primeiro os outros saem fácil. Concluo, pelo menos isso, o que comecei. Às vezes, apago o cigarro aceso. E fica assim. Pela metade. Costumo apagar o segundo. Do primeiro eu dou conta.
Fumo. Mas é ruim, porque fica nos dedos. Fica na roupa também. Fica na casa, mas não me importo. O problema é que fica muito nos dedos e na cara. Me sinto maculado por fora. Mais até do que fui por dentro. Lavo as mãos e, se não tiver maquiagem, lavo também o rosto.
Limpo me sinto mais capaz de seguir com a vida. Eu seguiria com a vida mesmo que sem os cigarros. Cigarros são sintomas de inquietação. Eu poderia não ter lavado a mão. Poderia não ter borrado a maquiagem. Poderia ter ficado sem os cigarros.
Às vezes eu choro enquanto fumo. Mas é sem querer.
Os cigarros acabaram (já era hora).
A inquietação perdura.
Nota: pela manhã, não comprar cigarros.
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mydearcupofart · 2 years
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São Paulo, 7 de outubro de 2022
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Vivemos em um grau de sociabilidade atingido, no qual o tempo, como em outros tempos, desempenhou um papel central no soerguimento e conformação desse tipo específico de sociabilidade. Nada disso tem, de fato, importância circunstancial, até porque muitos vivem, e vivem bem, completamente alheios a tal fato, sem contar os que por teimosia ou sensatez o negam. Mais vale a vida pequena, alheia a esse e a todos os outros fatos, essa que se vê todos os dias um pouquinho, atravessando a rua ou comprando sorvete.
Eu, particularmente, tenho tido total desinteresse nas minúcias de uma vida acadêmica, suntuosa, altiva ou opulenta. Qualquer coisa que vem disso me fere e ofende. Talvez porque eu seja medíocre demais para conseguir completar ou me sentir completo por qualquer uma dessas coisas.
Meu Deus, como sou medíocre! E que benção é ser medíocre, nem sei se poderia ser de qualquer outra espécie não sendo medíocre.
Leva tempo até que se tenha uma ideia convicta, assim como também leva mais tempo, depois do tempo transcorrido, para que se rua, por completo ou quase, aquela mesma convicção. Então, não sei, pode ser que dado o passo de alguns anos no futuro eu esteja aqui escrevendo sobre a idiotice do não aproveitamento das oportunidades acadêmicas, ou do vigor do cérebro jovem ou do sexo não feito nem dos beijos não dados, talvez até do dinheiro gasto e também do que eu deixei guardado.
É tudo muito triste. Viver à sombra de um futuro ainda distante consegue ser ainda mais triste. Ou inquietante, não sei, talvez os dois.
Agora as coisas estão muito sôfregas e atropeladas. Ando todos os dias com o passo trocado. A insatisfação impera enquanto impera a dúvida e duvido da certeza.
Preciso dar tempo ao tempo, deixar que as coisas tomem o tempo que precisam e me curar do mau que a ânsia traz e que a impaciência sela.
Vivo de antecipações porque, descobri eu há pouco, em conversa com a Terapeuta, sou profundamente neurótico e ansioso. Nada muito profundo e absoluto é claro, isso a crônica e, sem dúvida, o cronista são os que assim tornam.
É hora de transpor, se possível, essa sociabilidade torpe que o tempo presente incute, principalmente na vida e no espírito da cidade grande.
Eu, particularmente, morro de saudade da cidade pequena e da vida pequena que eu via na cidade. Morro todo dia um pouquinho na cidade grande pela falta que me faz a cidade pequena e a vida pequena que eu podia ter lá. Eu detesto ter que ser grande, porque a minha alma nasceu pequenininha.
As coisas do tempo presente e as coisas da cidade grande estão levando de mim o tempo de ser pequeno.
Meu Deus, que saudade. Saudade de quando eu era e podia ser pequeno na cidade pequena e vivendo do tempo doce e pequeno que só existe nas cidades que são pequenas e que reproduzem pequenez. Não que não existam os que nascem grandes em lugares pequenos.
É complicado.
#crônica #arte #saudade #cidadepequena
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